Processo nº 21/2022
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), A., propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação com a forma ordinária contra B (乙), e C (丙), RR., todos com os sinais dos autos, pedindo, a final, que fosse declarada a nulidade do contrato-promessa de compra e venda entre A. e RR. celebrado em 21.05.2018, com a condenação destes últimos a restituir ao A. a quantia de HKD$1.000.000,00 “paga a título de sinal”, ainda que a título de “enriquecimento sem causa”; (cfr., fls. 2 a 8 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em contestação, pediram os RR.:
- a declaração de “inexistência do (dito) contrato”, (alegando que “nunca o viram”);
- a “suspensão da instância”, (até apuramento dos factos relacionados com a sua celebração e matéria do Inquérito n.° 12806/2018 que corria termos no Ministério Público); peticionando, ainda,
- a “intervenção” da agente da imobiliária na petição inicial do A. indicada como “intermediária” na celebração do aludido contrato; (cfr., fls. 48 a 59).
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Replicou o A. pugnando pela improcedência de tudo o que pelos RR. tinha sido peticionado; (cfr., fls. 82 a 92).
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Oportunamente, proferiu-se despacho saneador onde se indeferiu a requerida “suspensão” e “intervenção”, procedendo-se à selecção da matéria de facto considerada assente e a que passava a integrar a base instrutória; (cfr., fls. 98 a 116-v).
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Os RR. recorreram do indeferimento da aludida “intervenção”, e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 12.03.2020, (Proc. n.° 1231/2019), negou-se provimento ao recurso; (cfr., Apenso aos presentes autos).
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Realizada a audiência de julgamento, proferiu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença julgando improcedente a acção e absolvendo os RR. dos pedidos deduzidos; (cfr., fls. 218 a 224-v).
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Inconformado com o assim decidido, o A. (A) recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que – após decisão de 21.01.2021, revogada por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 23.07.2021, (Proc. n.° 61/2021) – por (novo) Acórdão de 15.10.2021, (Proc. n.° 1066/2020), julgou improcedente o recurso; (cfr., fls. 404 a 414).
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Ainda inconformado, traz agora o mesmo A. o presente recurso, onde, nas suas alegações, e nas suas – longas – conclusões pede a revogação do pelo Tribunal de Segunda Instância decidido; (cfr., fls. 423 a 459-v).
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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.
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Adequadamente processados, e nada parecendo obstar, passa-se a conhecer.
Fundamentação
Dos factos
2. Está indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:
“- O prédio urbano [Lote(1)], sito na ilha da Taipa, Zona Baixa da Taipa, Lote XXX, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob n° XXXXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pela prazo de 66 meses, a contar de 08 de Setembro de 2010, conforme o 4°parágrafo do anexo do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 44/2010, publicado na Boletim Oficial da RAEM nº 36, II Série. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 03 de Dezembro de 2016, a Ré celebrou um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade «D», com sede em Macau, na [Endereço(1)], registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n°XXX(SO) a fls. XX do livro XX, e com o qual ela adquiriu o direito de aquisição da fracção autónoma "D-VINTE", do vigésimo andar "D", para habitação, do prédio supra identificado (cfr. doc. 2 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré pagou o imposto do selo para transmissão de imóvel no valor de MOP$251.463,00 em 29/12/2016. (alínea C) dos factos assentes)
- A empresa “E” é detida unicamente pela mediadora imobiliária F, a qual é a única sócia e membro da administração da mesma. (alínea D) dos factos assentes)
- Em 21 de Maio de 2018, o Autor assinou um acordo titulado contrato-promessa de compra e venda na Agência Imobiliária por G perante a agente F, nos termos do qual os Réus declararam prometer vender ao Autor a fracção "D20" do [Lote(1)] pelo preço de HKD$10.330.000,00. (resposta ao quesito 1° da base instrutória)
- Por isso, no mesmo dia, o Autor, a sua namorada H (辛) e a agente F encontraram-se na [Agência] do [Banco(1)], sito na [Endereço(2)], tendo a namorada do Autor H entregue à agente, a título de sinal, a ordem de caixa n°XXX do [Banco(1)] a favor da B como sendo a destinatária da quantia de HKD$1.000.000,00. (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- O valor da ordem de caixa n°XXX do [Banco(1)] pertencia ao Autor por o ter pedido emprestado à sua mãe I (壬) (resposta ao quesito 3° da base instrutória)
- Logo, a agente F depositou essa ordem de caixa n.º XXX do [Banco(1)] na conta bancaria da Ré n.º XXX do [Banco(1)] para pagamento do sinal de HKD$1.000.000,00 prometido no contrato assinado em 21/05/2018 pelo Autor. (resposta ao quesito 4° da base instrutória)
- Aquando da celebração do contrato referido no item n°1, não se realizou o reconhecimento notarial das suas assinaturas. (resposta ao quesito 5° da base instrutória)
- Os dois Réus nunca autorizaram a agente imobiliária F a vender bens imóveis (incluindo a fracção autónoma D20 em causa) registados em nome deles a outrem. (resposta ao quesito 7° da base instrutória)
- O Autor depositou o montante de HKD$1.000.000,00 em causa na conta bancária da 1ª Ré. (resposta ao quesito 8° da base instrutória)
- Após o Autor ter efectuado o depósito do referido montante, a agente imobiliária F, pretextando que a sua conta bancária não estava a funcionar, disse no mesmo dia à 1ª Ré que o seu cliente (Autor) já tinha depositado, a pedido dela, HKD$1.000.000,00 na conta bancária da 1ª Ré, e pediu a esta última para transferir a verba recebida para uma conta aberta no [Banco(1)], com o n.º XXX. (resposta ao quesito 9° da base instrutória)
- Em 22 de Maio de 2018, a 1ª Ré, conforme a indicação dada pela agente imobiliária F, depositou o referido montante na conta do [Banco(1)] indicada por ela, sob o n.º XXX. (resposta ao quesito 10° da base instrutória)
- A supra aludida conta bancária é detida por uma empresa denominada “E”. (resposta ao quesito 11° da base instrutória)
- Os Réus não enriqueceram com o factualismo acima referido. (resposta ao quesito 13° da base instrutória)”; (cfr., fls. 407 a 408 e 7 a 9 do Apenso).
Do direito
3. Com o presente recurso insurge-se o A. A contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.10.2021 que confirmou a sentença proferida pela Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base que absolveu os RR. dos pedidos contra eles deduzidos.
Percorrendo as – infelizmente, “longas” – “conclusões” que o ora recorrente apresentou em sede do presente recurso para este Tribunal de Última Instância, verifica-se que imputa ao Acórdão recorrido os vícios seguintes:
- “erro na decisão da matéria de facto”;
- “nulidade por omissão de pronúncia”;
- “ofensa de caso julgado”;
- “omissão de declaração de inexistência jurídica e suas consequências”;
- “enriquecimento sem causa”; e,
- “errada decisão relativamente à má fé dos RR., ora recorridos”.
–– Comecemos, como se mostra lógico, pela “impugnação da decisão da matéria de facto”.
No presente recurso, aponta o ora recorrente diversos vícios ao “julgamento da matéria de facto”, alegando não só a violação de normas de distribuição do ónus da prova, mas também de outras normas de direito material ou adjectivo.
Por em causa estarem “questões” relacionadas com o “julgamento da matéria de facto”, ir-se-á, previamente, ponderar, a propósito de cada uma delas, do poder de cognição deste Tribunal de Última Instância, sabido que, em regra, este poder é restrito à matéria de direito; (cfr., art. 649° do C.P.C.M. e, sobre a questão, e entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 16.02.2022, Proc. n.° 82/2020, de 25.03.2022, Proc. n.° 15/2022, de 16.09.2022, Proc. n.° 74/2022, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020, de 03.07.2024, Proc. n.° 33/2021 e de 06.06.2025, Proc. n.° 75/2023).
Pois bem, vem (separadamente) impugnada a resposta dada a diferentes quesitos, pelo que se irá abordar também de forma especificada cada uma destas impugnações.
Assim, vejamos.
O recorrente entende que o Tribunal violou as “normas da distribuição do ónus da prova” ao dar como “não provado” o facto levado à Base Instrutória no “quesito 6°” que tinha o teor seguinte:
“As assinaturas dos vendedores, expostas no contrato-promessa referido no quesito 1.°, foram feitas pelos próprios réus?”.
Ora, o Tribunal Judicial de Base ofereceu resposta “negativa” a este quesito, expressando as seguintes considerações (no Acórdão sobre a matéria de facto):
“Quanto à veracidade da assinatura dos Réus, a testemunha 己 – F – admitiu que as assinaturas em nome dos Réus no contrato-promessa foram apostas por ela, e por causa disso, a mesma foi condenada no processo crime CR4-19-0281-PCC (cfr. certidão da sentença condenatória constante de fls. 159 a 197). No entanto, não foram produzidas na audiência quaisquer provas contrárias, sendo certo que incumbe ao Autor, ao abrigo do disposto do art.º 368º do C.C., o ónus de prova da veracidade das assinaturas. Pelo que, não se deu por provado o facto do quesito 6º”; (cfr., fls. 206 e 206-v).
Sobre tal entendimento, diz o recorrente que era aos RR. que competia provar que a assinatura aposta no contrato-promessa “não era deles”, e, não o tendo feito, é de opinião que nos termos do art. 335°, n°s 2 e 3 do C.C.M. e do art. 437° do C.P.C.M., devia a matéria em questão ficar assente e provada.
Considera, também, que o Tribunal devia ter promovido (oficiosamente) a realização de uma “perícia legal” nos termos do art. 382° do C.C.M., (ex vi do art. 500° do C.P.C.M.), por não dispor dos “necessários conhecimentos técnicos e/ou científicos” que lhe permitissem apreciar a “genuinidade das assinaturas” pelo recorrente atribuídas aos RR., e que, ao preterir tal formalidade, violou o disposto no art. 558°, n.° 2 do C.P.C.M., (onde se preceitua que “Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada”).
Que dizer?
Pois bem, da reflexão que sobre o alegado nos foi possível efectuar, e tendo em conta a posição pelas Instâncias recorridas tomada, (cfr., fls. 409-v), cremos que nenhuma razão tem o ora recorrente, pois que, inversamente ao que alega, não é – ou era – aos RR. que competia provar que “não foram eles que assinaram o contrato”, mas sim, (e, naturalmente), ao próprio (A.) é que se impunha – antes de mais nada – a prova da “existência de uma relação contratual”, (ainda que, neste caso, inquinada com o vício de forma que geraria a sua necessária nulidade).
Com efeito, era pois ao ora recorrente, (como A.), que incumbia a prova de que os RR., no âmbito da sua autonomia privada e liberdade contratual, se vincularam a um “conjunto de direitos e obrigações sinalagmáticas”.
Na verdade, não se pode olvidar que os RR. contestaram, alegando, (precisamente), que “jamais haviam entrado em qualquer relação contratual com o A.”, e que “as assinaturas apostas no contrato-promessa não eram da sua autoria”, havendo aqui que não perder de vista que o art. 368°, n.° 2 do C.C.M. preceitua expressamente que: “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.
E, assim, face à posição assumida pelos RR., tal preceito legal “devolveu” ao ora recorrente o “ónus” de demonstrar que o documento havia sido efectivamente “assinado pelos RR.”, o que, manifestamente, não logrou fazer.
Em suma, ao dizer o A. que se incorreu em violação das regras sobre a distribuição do ónus da prova, faz descaso absoluto do “princípio basilar” sobre esta matéria – nos termos do qual, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”; (cfr., art. 335, n.° 1 do C.C.M.) – apresentando-se-nos pois de entender também que ao negarem a “existência dum vínculo contratual”, os RR. não invocaram uma “excepção” contra o direito invocado pelo A., tendo antes, impugnado, directamente, tal “acordo”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 25.03.2021, Proc. n.° 1437/16, onde se considerou que “No âmbito de uma ação de condenação ou de uma ação constitutiva incumbe ao autor a alegação e a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada; só perante esta prova se devolve à outra parte a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo daquela. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que invoca”).
Dest’arte, nada há a censurar às Instâncias recorridas quanto ao decidido.
Por sua vez, carece também de razão o ora recorrente quando defende que Tribunal incumpriu o seu dever de promover (oficiosamente) a realização de uma “perícia legal” para aferir da genuinidade das assinaturas constantes do contrato, (por se tratar de matéria que escaparia à sua competência ou preparação técnica).
Na verdade, era ao A. que – podia interessar, e, como tal, ao mesmo é que – incumbia fazer a prova da “existência do contrato-promessa”, assim como da efectiva “vinculação dos RR. ao mesmo”.
E, assim, considerando que poderia ter tido (alguma) utilidade a realização da dita “perícia legal” no âmbito do quesito em questão, tão só a si próprio se pode culpar pela omissão ou inércia de, oportunamente, (quando podia e devia tê-lo feito), não a ter requerido.
É, assim, manifestamente incorrecta a alegação que faz no sentido de que o Tribunal não poderia ter decidido como decidiu, já que se limitou a cumprir – exemplarmente – as normas de direito probatório substantivo e adjectivo aplicáveis, nada se lhe havendo a apontar.
Aliás, mal se alcança até como consegue o recorrente configurar uma resposta diversa a este quesito, tendo em conta que o Colectivo de Primeira Instância sustentou a falta da sua comprovação no depoimento da testemunha F, (己), que em audiência de julgamento admitiu, expressamente, ter “fabricado não só o documento, como aliás todo o negócio”, factos que contribuíram para que acabasse por ser condenada pela prática de crimes de “burla” de valor consideravelmente elevado no processo que correu termos no 4° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base sob o n.° CR4-19-0281-PCC; (cfr., fls. 159 a 197).
O recorrente discorda igualmente da resposta “positiva” oferecida aos quesitos 7° a 11° e 13° da base instrutória, que para facilidade de referência passamos a transcrever:
- “Os dois Réus nunca autorizaram a agente imobiliária F a vender bens imóveis (incluindo a fracção autónoma D20 em causa) registados em nome deles a outrem”, (resposta ao quesito 7° da base instrutória);
- “O Autor depositou o montante de HKD$1.000.000,00 em causa na conta bancária da 1ª Ré”, (resposta ao quesito 8° da base instrutória);
- “Após o Autor ter efectuado o depósito do referido montante, a agente imobiliária F, pretextando que a sua conta bancária não estava a funcionar, disse no mesmo dia à 1ª Ré que o seu cliente (Autor) já tinha depositado, a pedido dela, HKD$1.000.000,00 na conta bancária da 1ª Ré, e pediu a esta última para transferir a verba recebida para uma conta aberta no [Banco(1)], com o n.º XXX”, (resposta ao quesito 9° da base instrutória);
- “Em 22 de Maio de 2018, a 1ª Ré, conforme a indicação dada pela agente imobiliária F, depositou o referido montante na conta do [Banco(1)] indicada por ela, sob o n.º XXX”, (resposta ao quesito 10° da base instrutória);
- “A supra aludida conta bancária é detida por uma empresa denominada “E””, (resposta ao quesito 11° da base instrutória); e que,
- “Os Réus não enriqueceram com o factualismo acima referido”; (resposta ao quesito 13° da base instrutória).
Aqui, sustenta o recorrente que tais factos não poderiam ter sido dados como “provados”, visto que o art. 578° do C.P.C.M. não impunha – necessariamente – uma reposta “positiva” a tais quesitos, e porque, a relação jurídica no presente processo por si delineada, (como contrato-promessa assinado entre as partes, a que faltaria apenas um requisito essencial de “forma”), difere da relação de “burla” que se deu como comprovada no aludido processo-crime.
Ora, quanto ao julgamento da referida matéria de facto, assim fundamentou o Colectivo do Tribunal Judicial de Base a sua decisão:
“No que diz respeito aos factos alegados pelos Réus nos quesitos 7º a 11º e 13º, essa matéria fáctica faz parte dos factos provados na sentença transitada em julgado no acima referido processo em que o Autor é assistente, os quais constituem pressupostos da condenação da testemunha 己. Essa testemunha confirma, na sua íntegra, o esquema de burla montada por ela, sem intervenção e conhecimento dos Réus e que o dinheiro depositado na conta da 1ª Ré foi totalmente utilizada por ela. Perante a presunção prevista no artº 578º do C.P.C. e as declarações dessa testemunha, não pode dar outra solução se não a considerar como provados os factos referidos nos termos respondidos”; (cfr., fls. 206-v).
E, em face do assim consignado, mais uma vez se constata a manifesta falta de razão do ora recorrente.
Com efeito, e inversamente ao que alega, importa atentar que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”, (cfr., art. 578° do C.P.C.M.), e que, no caso, a aludida sentença penal condenatória foi proferida em processo-crime no qual o recorrente interveio como assistente e em que se discutiu – precisamente – a viciação da formação do (mesmo) “contrato” em causa nos presentes autos.
E, nesta conformidade, era exactamente ao recorrente – e a ninguém mais – que competia ilidir a “presunção” resultante da comprovação dos factos no processo-crime, valendo a pena notar também que o Colectivo do Tribunal de julgamento não se fez unicamente valer da dita “presunção”, tendo também fundamentado as suas conclusões no “depoimento da testemunha” que – no presente processo, e enquanto “testemunha” – corroborou, na íntegra, a “tramóia” que resultou na aludida condenação penal, não tendo desta forma qualquer cabimento a invocação que traz ao conhecimento deste Tribunal de Última Instância.
Cabe salientar também que o recorrente tece ainda considerações adicionais acerca da resposta específica oferecida ao “quesito 7°” que (manifestamente) escapam ao poder de cognição deste Tribunal de Última Instância, por implicarem uma “reapreciação” não só dos elementos de prova, mas também de tudo o que pelas partes foi alegado nesse aspecto.
Pelo que, também nesta parte, vista está a solução.
Relativamente aos “quesitos 8° e 9°”, defende o recorrente que existe “contradição entre as respostas” que foram oferecidas.
Porém, não se vislumbra tal contradição.
Com efeito, na fundamentação do Acórdão sobre a decisão de facto, o Ilustre Colectivo deixou expressamente consignado que a testemunha F “confirma, na sua íntegra, o esquema de burla montada por ela, sem intervenção e conhecimento dos Réus e que o dinheiro depositado na conta da 1ª Ré foi totalmente utilizada por ela”, (cfr., fls. 206-v), cabendo aqui notar que a resposta que se ofereceu ao “quesito 8°” não pressupõe o “conhecimento” ou “intervenção” de qualquer dos RR., não existindo qualquer contradição entre as respostas oferecidas aos quesitos em questão, (pelo contrário, ao formular a resposta ao quesito 8°, pretendeu-se até mesmo evitar entrar ainda que em aparente contradição com a resposta oferecida ao quesito 9°).
Entende ainda o recorrente que não se podia ter dado resposta “afirmativa” ao “quesito 13°”, visto que esta colide com as respostas dadas aos quesitos 1° a 5° e 8° da base instrutória.
Nessa medida, considera que esta resposta viola as normas consagradas nos art°s 335°, n°s 2 e 3, 339°, 343°, 1229°, 1603°, n°s 1 e 2 e 1643°, todos do C.C.M., assim como no art. 437° do C.P.C.M., (embora não clarificando em que medida tais normas poderiam ter sido violadas).
Pois bem, tem o “quesito 13°” o seguinte teor: “Os Réus não enriqueceram com o factualismo acima referido?”.
Ora, apresenta-se-nos claro que a resposta – afirmativa – dada a este quesito teve em – adequada – conta as respostas que tinham sido dadas aos (anteriores) “quesitos 8° a 10°”, e que, com a mesma, se pretendeu, (assim e nomeadamente), clarificar se, de alguma forma, foram os RR. “beneficiados” pela sua intervenção nos factos que se discutem na presente acção, (não só os que foram elencados pelo A., mas também os que foram alegados pelos RR. e foram objecto da aludida investigação criminal paralela).
Na verdade, a resposta oferecida ao dito quesito assentou no entendimento de que, efectivamente, não se logrou desvendar qualquer benefício dos RR. no âmbito da “burla” de que o A. foi alvo.
Aliás, o Tribunal nunca deixou de ter em conta que o dinheiro pelo A. perdido transitou, efectivamente, pela conta da 1ª R., e que foi transferido, no dia seguinte, para a conta de uma sociedade controlada pela aludida F.
E foi, exactamente, por ter presente esta “situação”, é que averiguou se algum dos RR. havia obtido algum “benefício” com esta “intermediação”, (sendo assim de concluir que a formulação e reposta dada a tal quesito não implica qualquer conclusão de direito ou juízo de valor no que respeita aos anteriores factos dados como provados), inexistindo, desta forma, qualquer “contradição”, (sendo antes, matéria que se complementa, clarificando-se a “situação”).
Avancemos.
–– Da imputada “omissão de pronúncia”.
Defende o recorrente que o Tribunal a quo não podia ter feito aplicação do art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M., remetendo a resolução das questões de direito por si suscitadas nas alegações de recurso para os fundamentos da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, (cfr., fls. 218 a 224-v), visto que esta não incidira sobre tais questões.
Ora, também aqui não se mostra de lhe reconhecer razão.
Com efeito, tendo em conta a “fundamentação” do Acórdão recorrido, não parece poder configurar-se uma violação do art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M., até porque não é verdade que o Tribunal de Segunda Instância se tenha limitado a remeter para os fundamentos invocados na decisão impugnada.
É, aliás, patente a atenção que foi dada às “questões” suscitadas pelo recorrente a título da “impugnação da matéria de facto”, (até porque a baixa do processo foi ordenada expressamente para esse efeito).
Quanto aos argumentos pelo recorrente suscitados relativamente ao que considerava constituir “erros na aplicação do direito”, o Tribunal recorrido manteve, na íntegra, a decisão (tomada antes da reforma do Acórdão), fazendo uso do preceituado no art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M., acrescentando-lhe, porém, uma apreciação – ainda que algo geral e sucinta – das questões cruciais em confronto no presente processo, destacando, designadamente, os motivos pelos quais os RR. deveriam ser absolvidos dos pedidos apresentados pelo recorrente.
Contudo, entende o recorrente que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da “inexistência jurídica”, e que não terá retirado desta as devidas “consequências”, ordenando a restituição do montante pelo A., ora recorrente, indevidamente pago a título de sinal.
Ora, como sem esforço se mostra de concluir, não assiste qualquer razão ao recorrente, visto que a questão da “inexistência do contrato”, (suscitada, antes de mais, pelos RR.), foi devida e – expressamente – reconhecida, não se tendo dado guarida à pretensão do ora recorrente de ordenar a restituição do montante adiantado a título de sinal, exactamente, porque se entendeu que, “inexistindo relação contratual”, motivos não haviam para se concluir pela “existência”, (ou “consciência da realização”), de uma (qualquer) “prestação” entre as partes.
É verdade que não foram conhecidos – especificamente – “todos os argumentos” pelo recorrente expendidos.
Todavia, e como é sabido, cabendo ao Tribunal conhecer apenas das “questões” colocadas, e não de todos os “argumentos” invocados, (cfr., v.g., e entre outros, os recentes Acs. de 03.10.2024, Proc. n.° 5/2022, de 15.01.2025, Proc. n.° 137/2024-I e de 06.06.2025, Procs. n°s 59/2022 e 75/2023), nada há a censurar ao pelo Tribunal de Segunda Instância decidido.
Aliás, e ainda que não tenham sido apreciados todos os “argumentos” aduzidos pelo recorrente, a verdade é que a “questão do enriquecimento sem causa”, foi, de facto, conhecida, tendo ambas as Instâncias concordado que o instituto não devia operar porque não houve “enriquecimento por parte dos RR.”.
–– Do alegado “caso julgado”.
Entende o recorrente que o Tribunal a quo terá violado a autoridade de caso julgado do Acórdão a 12.03.2020 proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Considera que terá havido violação de caso julgado na medida em que no dito Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – há muito transitado em julgado – se havia consignado que “(…) o valor do sinal titulado na ordem de caixa emitida a favor da Ré B chegou acertadamente ao seu destinatário e beneficiário final que é justamente essa Ré B, reputada como promitente vendedor do imóvel, sendo irrelevantes as alegadas vicissitudes posteriores ocorridas sobre o tal valor, nomeadamente a transferência do valor pela Ré B para a conta de uma sociedade comercial de que é única sócia a chamada 己, a pedido desta última”, (cfr., fls. 35 a 38-v do Apenso A), sendo que no Acórdão ora recorrido se concluiu que “(…) o contrato-promessa em causa não existia na lei, nem os réus que receberam o respectivo sinal, não tendo obtido qualquer benefício no acto de burla em causa”.
Eis o que se nos mostra de aqui consignar.
No dito Acórdão de 12.03.2020, (Proc. n.° 1231/2019), o Tribunal de Segunda Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão da “intervenção principal passiva” pelos RR. suscitada, tendo decidido da seguinte forma:
“Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões na petição do recurso, a única questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se é legal o chamamento, a título principal, de 己 à demanda.
Ora, tendo em conta os elementos existentes nos autos, nomeadamente a matéria levada à especificação e à base instrutória no saneador, as relações jurídicas controvertidas que as partes configuraram nos articulados são em síntese o seguinte:
․O Autor assinou o contrato promessa de compra e venda, cuja cópia se juntou aos autos a fls. 30 e 31 (onde foram mencionados como promitente comprador o Autor e promitentes vendedores os Réus C e B), numa agência imobiliária, com a intervenção da agente imobiliária 己;
․Na convicção de que celebrou com os Réus este contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o Autor promete comprar e os Réus promete vender um imóvel, tendo ambos acordado no pagamento de um sinal no valor de HKD$1.000.000,00, e na sequência da aposição da sua assinatura no contrato, o Autor entregou à agente imobiliária 己 uma ordem de caixa, emitida a favor de Ré B, para o pagamento do sinal;
․A ordem de caixa veio a ser depositada na conta bancária dessa mesma Ré B;
․A agente imobiliária 己 contactou a Ré B;
․Com o pretexto da impossibilidade da movimentação da sua conta bancária, a chamanda 己 pediu à Ré B que lhe transferisse o valor do sinal, entretanto depositado na sua conta bancária, para uma outra conta bancária de que é titular a E, de que é única sócia e administradora a chamanda 己;
․A pedido da agente imobiliária 己, a Ré fez a transferência do valor, da sua conta para a conta de que é titular a E;
․Contactada pela namorada do Autor, a Ré B disse-lhe que nunca tinha celebrado o tal contrato-promessa com o Autor;
․O Autor pretende que lhe seja devolvido o valor entregue à Ré B e pede ao Tribunal a condenação dos Réus no pagamento do valor com fundamento jurídico no enriquecimento sem causa;
․A defesa dos Réus consiste essencialmente em que o valor acabou por ter sido transferido para a sociedade de que é única sócia 己, portanto esta é que o verdadeiro devedor; e
․Em sede de contestação, os Réus requereram a intervenção principal passiva da agente imobiliária 己.
Trata-se de um incidente tradicionalmente denominado na doutrina, de forma muito ilustrativa, por chamamento à demanda a título principal, que visa essencialmente suprir a ilegitimidade passiva.
É o que sucede nomeadamente as situações em que, havendo vários devedores ou responsáveis, apenas um ou alguns deles são demandados, então estes chamam os não demandados pelo Autor para intervir na acção.
É óbvia a razão de ser da lei que permite a intervenção desses terceiros, não demandados pelo autor, pois numa situação deste, a demanda contra só um ou alguns dos devedores pode não regular definitivamente o litígio.
Para Alberto dos Reis, especificam-se os casos em que pode ter lugar o chamamento à demanda. Todos eles se condensam nesta fórmula: a obrigação impende sobre várias pessoas; o credor demanda unicamente uma delas; o demandado quer que os outros responsáveis sejam colocados na posição de réus para, dado o caso de a acção proceder, serem condenados conjuntamente com ele, chama-os, para esse efeito, à demanda. ……o chamamento à demanda aspira a investir na posição de réu um co-obrigado, uma pessoa que, juntamente com o demandado, é sujeito passivo da relação substancial em litígio – in CPC Anotado, Vol I, p. 449.
Voltemos ao caso sub judice.
De acordo com as relações jurídicas controvertidas, pelo Autor configuradas na petição inicial e interpretadas na resposta ao recurso, o valor do sinal titulado na ordem de caixa emitida a favor da Ré B chegou acertadamente ao seu destinatário e beneficiário final que é justamente essa Ré B, reputada como promitente vendedor do imóvel, sendo irrelevantes as alegadas vicissitudes posteriores ocorridas sobre o tal valor, nomeadamente a transferência do valor pela Ré B para a conta de uma sociedade comercial de que é única sócia a chamanda 己, a pedido desta última.
Não negando o depósito do valor do sinal na sua conta bancária, a Ré, um dos chamantes, veio contestar alegando que, tendo o valor sido posteriormente transferido, a pedido da chamanda 己, da sua conta bancária para a conta da sociedade comercial de que é única sócia a chamanda 己, esta é que deve ser o verdadeiro responsável pelo reembolso perante o Autor.
Ora, em vez de chamar alguém à demanda ao seu lado, como co-devedor ou ser co-sujeito do polo passivo de uma mesma relação jurídica controvertida para com o Autor, o que os Réus realmente pretendem é fazer intervir a chamanda 己 e imputar-lhe a responsabilidade exclusiva de restituir o valor do sinal ao Autor, em substituição deles (os Réus) na mesma relação jurídica controvertida para com o Autor, com vista à absolvição total do pedido deles próprios (dos Réus) e à condenação no pedido da chamanda como única devedora responsável pelo reembolso do valor do sinal ao Autor.
Obviamente não é a situação a que o incidente de intervenção principal provada passiva visa, pois in casu não são os Réus chamantes e a chamanda configurados co-devedores nem estão numa mesma posição nas relações jurídicas controvertidas para com o Autor.
Inverificando-se assim os pressupostos da intervenção principal provocada passiva, é de rejeitar logo o chamamento.
Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Em conclusão:
É de indeferir o requerimento da intervenção provocada principal passiva, se a pretensão do réu não é chamar à demanda um terceiro como co-devedor numa mesma relação jurídica controvertida para com o Autor, mas sim fazer intervir o terceiro e imputar a este terceiro a responsabilidade exclusiva da satisfação do crédito reclamado pelo Autor, com vista à absolvição total do pedido dele próprio (do réu) e à condenação do chamando no pedido como único responsável perante o Autor.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes”; (cfr., fls. 36 a 38-v do Apenso A).
E, assim, como claramente resulta de uma mera leitura desta parte do texto do transcrito Acórdão, evidente é concluir que procedeu-se, tão só e apenas, a uma análise da “situação”, tecendo-se, sobre ela, algumas considerações – bastante gerais – acerca dos “pedidos” formulados na acção, como aliás, e naturalmente, se impunha para se poder conhecer e decidir do dito pedido de “intervenção provocada”.
Porém, estas mesmas “considerações” não poderão ser interpretadas como mais do que literalmente são: ou seja, como meras “reflexões” ou “ponderações” sobre as (eventuais e possíveis) virtualidades da procedência da acção, precisamente, para se decidir da “questão” que, então, tinha sido concretamente levada à apreciação do Tribunal.
Com efeito, para aferir da “legitimidade das partes”, era pois necessário uma análise, ainda que de forma algo geral e superficial, sobre a “relação material controvertida” do ponto de vista traçado pelo A. na sua petição inicial.
Parafraseando o Acórdão em apreço, “Em face das conclusões na petição do recurso, a única questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se é legal o chamamento, a título principal, de 己 à demanda”, (cfr., pág. 27 deste aresto), e tendo-se concluído não ser de admitir o aludido chamamento, determinou-se a improcedência do recurso pelos RR. apresentado.
E, nesta conformidade, não se pode pois, como pretende o recorrente, conferir às ditas “considerações” tecidas aquando desta decisão “força de caso julgado”, fazendo transcender parte da fundamentação de uma decisão de cariz (eminentemente) processual a caso julgado no que respeita ao próprio mérito da acção.
No momento e circunstância em que o dito Acórdão foi proferido, a questão de fundo da causa não estava – nem podia sequer estar – em discussão.
E, como este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de salientar, “O que adquire força e autoridade de “caso julgado” é a decisão pelo Tribunal proferida quanto aos bens ou direitos objecto do “litígio” nos termos que pelas partes vem apresentado, ou seja, a “concessão” ou “denegação” da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos, pois que o “caso julgado” apenas incide sobre a “decisão” e “não sobre os fundamentos””; (cfr., o sumário do Ac. deste T.U.I. de 06.07.2022, Proc. n.° 23/2022).
In casu, o anterior Acórdão invocado pelo ora recorrente diz tão só respeito ao requerimento de “intervenção principal provocada” suscitada pelos RR., em nada comprometendo a apreciação do mérito dos pedidos pelo A. apresentados.
–– Da alegada “má fé” dos RR..
O ora recorrente termina lançando um conjunto de insinuações – totalmente despropositadas – baseadas em declarações prestadas em sede de interrogatório no processo-crime que se desenrolou em paralelo por parte da 1ª R. e da testemunha F, para, simultaneamente, invocar a “má fé” prevista no art. 475° do C.C.M. e a “litigância de má fé” prevista no art. 385°, n.° 1, al. b) do C.P.C.M..
Antes de prosseguir, deve-se reiterar que o Tribunal de Última Instância não tem vocação para se pronunciar sobre “questões de facto”; (cfr., n.° 2 do art. 649° do C.P.C.M.).
E, ponderando sobre o cerne dos argumentos apresentados, constata-se que o recorrente apela ao instituto da “litigância da má fé” tão-só para tentar provocar o conhecimento por parte deste Tribunal de factos que, oportunamente, não alegou, sugerindo mesmo que o seu conhecimento é de “natureza oficiosa”.
De facto, começa por alegar que “a 1.ª Ré nunca foi absolvida da prática dos crimes de branqueamento de capitais”, (cfr., fls. 450), o que é, silogisticamente, irrelevante para o presente processo ou para um pedido de condenação por “litigância de má fé”, pois que na verdade, a única certeza que podemos ter é que a 1ª R. nunca foi levada a julgamento pela prática de tais crimes, sendo certo que resulta de fls. 101 que inclusivamente foi arquivada a investigação contra ela aberta pelo crime de “burla”.
Depois, argumenta que a 1ª R. “consentiu que a 己 usasse a sua conta bancária para nela fazer entrar dinheiro (supostamente) sem causa justificativa para enganar a Autoridade Monetária de Macau e o Instituto de Habitação”, (cfr., fls. 450), acusação, no mínimo, “inovadora”, e que assenta numa “litania” de novos factos que enumera e extrai das declarações por esta prestadas assim como pela dita F no processo penal que correu termos em paralelo sob o n.° CR4-19-0281-PCC, considerando mesmo que a 1ª R. terá “inventado uma nova versão dos factos na contestação”, (cfr., fls. 450), ao passo que a F poderá mesmo ter cometido um crime de “falsidade de testemunho”.
Ora, apresenta-se-nos bastante evidente que o recorrente tenta, (por vias e travessas), que este Tribunal se pronuncie sobre “factos” de que não pode tomar conhecimento, pois não foram – oportunamente – alegados, (na fase dos articulados, designadamente, na réplica, ou nos prazos excepcionais previstos nos art°s 425° e 426° do C.P.C.M.), impondo-se-nos assim concluir que tem o propósito (único) de tentar infirmar – fora de tempo, e com “subterfúgios lamentáveis” – as conclusões já atingidas em matéria de facto.
Dest’arte, e não se colocando, verdadeiramente, uma “questão” a apreciar em sede de “litigância de má fé”, (até porque o recorrente se baseia em factos manifestamente contrários aos que foram dados como provados no presente processo, fazendo descaso absoluto da normal marcha processual e das mais elementares normas de processo civil), vista está a solução a adoptar.
*
Adequado se nos apresenta porém uma derradeira nota, mostrando-se de consignar que, se alguma “má fé” podia existir, esta identifica-se muito mais com a conduta processual pelo ora recorrente desenvolvida que, como se viu, não olha a meios para (tentar) atingir os fins a que se propõe, encontrando-se, quanto a nós, no limite do aceitável em sede do previsto no art. 385° do C.P.C.M..
Feita a observação supra, e apreciadas que nos parece terem ficado todas as questões colocadas, resta deliberar como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 02 de Julho de 2025
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
Proc. 21/2022 Pág. 12
Proc. 21/2022 Pág. 13