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Processo nº 441/2025
(Suspensão de Eficácia)

Data: 10 de Julho de 2025
Requerente: (A)
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  (A), com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 14.05.2025 que declarou a nulidade da autorização de residência concedida à Requerente .
  Para tanto alega a Requerente que desde que lhe foi concedida a autorização de residência em Macau é aqui que tem o seu centro de vida, aqui vivendo com a sua filha de 14 anos de idade a qual aqui estuda, pelo que, tendo perdido a residência na China Continental e ficando impedida de estar em Macau para acompanhar a sua filha, tal situação constitui prejuízo de difícil reparação, sendo que a suspensão não determina grave lesão do interesse público, nem resultam fortes indícios da ilegalidade do recurso contencioso, pelo que estão verificados os requisitos legais para que seja declarada a suspensão do acto.
  Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta fazê-lo impugnando a verificação dos prejuízos invocados pela Requerente e que a suspensão determina grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «Assunto básico do caso:
  A requerente (A), veio requerer o processo de suspensão da eficácia do despacho proferido pela entidade recorrida, o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, constante na informação n.º 200029/SRDARPA/2025P, o qual declarou a nulidade da autorização de residência anteriormente concedida em 9 de Junho de 2010 à ora requerente, e requereu junto do TSI a suspensão da eficácia do acto administrativo realizado em 14 de Maio de 2025 pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança. (vide autos de fls. 2 a 11)
  Na contestação, entende a entidade recorrida que o facto invocado pela requerente não pertence à situação prevista no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) bem como alínea b) do mesmo número do CPAC, pelo que não reúne o pressuposto da suspensão de eficácia do respectivo acto administrativo previsto no artigo 121.º, n.º 1 do CPAC. (vide autos de fls. 39 a 42)
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  Deixar-nos ver se procedem os fundamentos do requerimento e os seus pedidos devem ser sustentados?
  De acordo com o disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1 do CPAC, a eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando se verifiquem ao mesmo tempo os seguintes requisitos, e os actos tenham conteúdo positivo ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente:
1) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (artigo 121.º, n.º 1, alínea a);
2) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto (artigo 121.º, n.º 1, alínea b); e
3) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigo 121.º, n.º 1, alínea c).
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  No caso vertente, o respectivo acto administrativo declarou a nulidade de autorização de residência da requerente, acto o qual traria obviamente impacto e mudança para o estatuto original da fixação de residência legal da requerente. Por outra palavra, a execução do acto administrativo causou directa e inevitalmente que a requerente perda a autorização de fixação de residência em Macau, cuja fixação de residência legal em Macau sofreu inevitavelmente uma mudança. Por conseguinte, trata-se do um acto administrativo com conteúdo positivo visto que a respectiva decisão está em conformidade com o disposto no artigo 120.º, alínea a) do CPAC.
  Por outro lado, analisados os dados dos autos, não há indícios forte para mostrar a ilegalidade do recurso contencioso que a requerente pretende/ interpôs (pressupostos processuais do recurso contencioso: legitimidade, oportunidade e recorribilidade). Por conseguinte, o respectivo pedido preenche o disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea c) do mesmo código.
  Assim sendo, entende o MP que, o presente caso deve ponderar apreciar se o pedido reúne os dois requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPAC.
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  I. Quanto ao requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do CPAC: A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
  No requerimento, a requerente indicou que, quando ela vinha a Macau com o ‘Salvo-conduto de “Ida” para Hong Kong e Macau’, já foi cancelado o registo de família do seu local de família do Interior da China, ela própria não possuiu qualquer bem imóvel no Interior da China, mas o respectivo despacho fez com que ela não conseguiu voltar a Macau, ela tinha de pagar despesas para o alojamento temporário em o hotel no Interior da China. Além disso, a sua filha tem, actualmente, 14 anos de idade, que nasceu em Macau e estuda na escola de Macau, e que tem vindo a morar, ao longo dos anos, com a mesma própria na casa de morada de família em Macau. Caso for executada imediatamente a respectiva decisão, para além de lhe causar prejuízo patrimonial, ficará também impossibilitada de cumprir o seu dever de cuidar da filha e, a falta de cuidado e acompanhamento da mãe afecta psicologicamente a filha, trata-se de prejuízos de difícil reparação.
  É de notar que a questão em causa não é, na sua essência, patrimonial, ou seja, as despesas decorrentes da execução do acto administrativo, tal como as despesas de alojamento temporário em hotel no Interior da China, invocadas pela requerente. Na verdade, mesmo que a execução do acto administrativo cause encargos patrimoniais à requerente, este não constitui prejuízo de difícil reparação. Na medida em que a requerente não alegou nem fez prova de que a execução do acto administrativo a conduziria a uma situação de carência absoluta e de impossibilidade económica de satisfação das necessidades básicas e elementares.
  Entende o MP que, a questão-chave do presente caso reside em saber se a execução do acto administrativo em causa afecta o cumprimento do dever da requerente de cuidar da sua filha.
  Segundo os dados dos autos: a requerente tem uma filha com a idade de 14 anos (nasceu em Macau em 21 de Maio de 2011 – vide anexo 9) e convivia com a mesma em Macau no passado.
  De acordo com o CC, dispõe-se o dever de pais e filhos e o poder paternal (em particular, previstos nos artigos 1729.º, 1733.º e 1734.º do CC), os pais assumem os deveres de interesses, segurança e saúde dos filhos menores.
  Entende o MP que, a execução dos respectivos actos administrativos, é necessariamente alterar a forma de cumprimento de deveres de representante legal que a requerente tem vindo a realizar, ou até por um momento, não pode cumprir pessoalmente os deveres legais em Macau.
  Tendo em conta a filha da requerente tem apenas 14 anos de idade e estuda em Macau (vide anexo 10), a mãe e a filha vivem em Macau ao longo do tempo, e a execução do acto administrativos vai, de forma realista e repentina, cortar os contactos diários entre a mãe e filha, impedindo directamente que a requerente cumprisse o seu dever legal de alimentos e exercesse pessoalmente o poder paternal básico sobre a filha menor, sendo difícil prever o desenvolvimento da sua segurança pessoal e mental face à perda momentânea dos cuidados da mãe. Este corte repentino entre a integridade familiar e a filiação resulta em separação da família, parece que não se trata, de modo algum, de uma compensação pecuniária no futuro. Na situação em que a requerente não consegue obter o tempo necessário para organizar adequadamente a vida e a educação futura da sua filha, nesse caso, a execução imediata do acto administrativo afectará gravemente o cumprimento dos deveres legais que a requerente deve assumir para com a sua filha.
  Deste modo, entende este MP que o requerimento apresentado pela requerente, com fundamento na falta de cuidado e acompanhamento da mãe, que afectaria o estado psicológico da filha, deve ser considerado razoável face à lei.
  Mais adiante, embora a requerente não tenha apresentado no requerimento as provas de que a execução do acto administrativo pode afectar psicologicamente a requerente e a sua filha, este MP entende que este juízo corresponde ao senso comum. De facto, para a mãe e a filha menor que sempre vivem juntos em Macau, a execução imediata do acto administrativo tem obviamente impacto na estabilidade familiar, além disso, a filha menor encontra-se na puberdade, é necessário que a mãe cuide mais, por isso, é difícil prever as consequências negativas da mudança repentina do estilo de vida em comum de mãe e filha, e se isso acontecer, é difícil de inverter.
  Dando um passo atrás, embora não seja de afastar a possibilidade de a requerente poder organizar a deslocação da sua filha para viver e ser educada no Interior da China, a fim de cumprir o dever de alimentos, mas esta é a última palavra. O que estamos a enfrentar neste momento, são a mudança súbita do modo de vida e a separação entre mãe e filha, para a mãe e filha que vivem em Macau ao longo do tempo, parece que é necessário dar-lhes uma reversão do tempo e, depois de uma boa comunicação e organização, fazer uma escolha, e não a aceitação imediata, por ambas as partes, da realidade da execução do acto administrativo.
  Quanto ao “prejuízo de difícil reparação decorrente da execução imediata do acto administrativo”, o TSI já entendeu que “quebrar o ensino curricular formal (incluindo o ensino primário, ensino secundário e ensino superior) ou abandonar ensino escolar, sendo um valor material quantificável e um prejuízo de difícil reparação; além disso, as famílias são forçadas a separar-se (sobretudo, - a separação entre a criança e a mãe) é um prejuízo espiritual digno de protecção jurídica e de difícil reparação.” 1
  Em casos semelhantes, o TSI teve o seguinte entendimento: “Os requerentes têm residido em Macau há muitos anos e têm a sua residência habitual em Macau. Se for executado o acto, eles vão deixar Macau onde vivem há muito tempo, e não se conseguirão adaptar às mudanças repentinas, causando-lhes prejuízos de difícil reparação.” 2
  O TUI invocou no passado também que “Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.” 3
  Quanto ao presente caso, o MP tende a entender que, a situação concreta que a requerente face está preenchida a descrição na jurisprudência acima referida sobre o “prejuízo de difícil reparação”.
  Assim, este MP concorda com que a execução imediata da decisão da entidade recorrida causaria um prejuízo irreparável à requerente e que o pedido da Requerente preenche os requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CPAC.
  II. Quanto ao requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, alínea b) do CPAC: A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto
   Quanto à suspensão que determina ou não grave lesão do interesse público, entende a entidade recorrida que, a requerente enganou a Administração para obter a autorização de residência através da prática de crime. Se se permitir que a requerente mantenha o estatuto de residente de Macau durante o prazo de recurso contencioso interposto, é inevitavelmente que a sociedade e os cidadãos se sintam injustiçados, pelo que a suspensão do acto recorrido determinará gravemente lesão do interesse público prosseguido pelo acto.
  Salvo devido respeito dos pressupostos do entendimento da entidade recorrida, este MP entende que o respectivo interesse público subjacente ao acto administrativo em causa é a ordem de gestão da Administração em relação aos assuntos de entrada e saída e migração, embora a suspensão da eficácia do acto administrativo possa causar impacto desfavorável ao interesse público (diferimento da execução em virtude do recurso contencioso), perante as circunstâncias concretas dos presentes autos – a situação embaraçosa causado pela imediata execução à requerente (nomeadamente o impacto desfavorável difícil de prever para o cumprimento dos deveres de alimentos à filha menor), e antes de ser proferida sentença final transitada em julgado na acção principal, permitindo-lhe temporariamente o seu estatuto jurídico anterior (o cumprimento dos deveres de alimentos em Macau, o exercício do poder paternal e a manutenção da integridade da família do menor, entre outros). A suspensão de eficácia do acto administrativo não prejudicará gravemente o interesse público prosseguido pelo mesmo acto administrativo (nomeadamente a fiscalização da imigração clandestina). Mesmo que assim não se entenda, não se pode concluir, face às circunstâncias do caso concreto, que a suspensão de eficácia do respectivo acto causará uma grave ameaça desproporcional à ordem pública em causa em Macau.
  O TSI, num caso semelhante, salientou há pouco tempo o seguinte: “A suspensão do acto administrativo em causa permitirá à requerente provavelmente continuar a permanecer em Macau. Considerando que a requerente tem residido em Macau nos últimos anos, permitir-lhe residir temporariamente em Macau durante a pendência do seu recurso contencioso não causará necessariamente lesão grave aos respectivos interesses públicos.” 4
  Entende o MP que, a eficácia de suspensão do acto administrativo não é uma negação do acto administrativo, mas sim a garantia máxima que o legislador dá aos interesses individuais, tendo em conta a situação concreta, após ponderação entre os interesses pessoais e os interesses públicos, a fim de demonstrar o cuidado humanista. E, no presente caso, também é exactamente necessário este cuidado humanista.
  Com base na análise acima e nas jurisprudências, este MP entende que o pedido da requerente cumpre também o requisito do artigo 121.º, n.º 1, alínea b) do CPAC. Mesmo que não entenda dessa forma, pode considerar-se que preenche as circunstâncias estipuladas no mesmo artigo, n.º 4.
***
  Face ao exposto, os pareceres do MP são os seguintes:
  Proceda o fundamento requerido pela requerente, devendo ser suspensa a eficácia do acto administrativo no qual a suspensão da eficácia foi requerida.
  Defendendo os princípios da legalidade e da objectividade, vem solicitar junto do TSI que julgue procedentes os fundamentos do requerimento da requerente, suspendendo a eficácia do acto administrativo em causa.
  Pedindo que seja proferida uma decisão justa nos termos da lei!».
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1) Factos

a) Por despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 14.05.2025 com base nos fundamentos da Proposta nº 200029/SRDARPA/2025P foi declarada nula a autorização de residência concedida à Requerente em 09.06.2010, com os seguintes fundamentos:
«(…)
1. No dia 9 de Junho de 2010, a interessada (A), titular do Salvo-conduto de ida para Hong Kong e Macau, requereu junto do CPSP e obteve a autorização de residência, por motivo de reunião conjugal com (B) em Macau, agora é titular do BIR permanente de Macau.
2. Segundo informam os dados, quanto ao crime de falsificação de documentos (casamento falso) de cuja prática eram suspeitos a interessada e (B), o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento por ter decorrido o prazo de prescrição; no entanto, o Tribunal Judicial de Base condenou a interessada e (B) pela prática (em co-autoria) (na forma continuada) dum crime de falsificação de documentos (por terem prestado, deliberadamente, falsa declaração de ser (B) o pai da filha da interessada, a fim de dissimular o casamento falso contraído e obter o BIR de Macau para a filha da interessada).
3. Embora a interessada já tenha obtido a qualidade de residente permanente de Macau, e o MP não tenha fundamento de direito para intentar acção penal contra a interessada e (B) pela prática do acto de casamento falso, por ter decorrido o prazo de prescrição, dos factos apurados constantes da sentença do TJB – ou seja a interessada admitiu ter contraído casamento falso com (B), e prestou, deliberadamente, falsa declaração de ser (B) o pai da sua filha – resulta que (A) enganou, de forma fraudulenta, a Administração, com vista à obtenção da autorização de residência, pelo que o nosso Departamento instaurou o procedimento de audiência escrita contra a interessada, pretendeu declarar nula a autorização de residência que lhe fora concedida, e enviou-lhe, por carta registada, a notificação em 25 de Abril de 2024; até à data da submissão da presente Proposta, ainda não se recebeu qualquer parecer escrito apresentado pela interessada.
4. Pelo exposto, tendo em conta que: ○1 A interessada não apresentou qualquer parecer por escrito sobre a audiência; ○2 A relação matrimonial real entre a interessada e (B), é o factor fundamental ponderado pelo acto administrativo que autorizou a sua residência em Macau; mesmo que o MP não tenha fundamento de direito para intentar acção penal contra a interessada e (B) pela prática do acto de casamento falso, por ter decorrido o prazo de prescrição, foi a interessada condenada, pelo TJB, pela prática dum crime de falsificação de documentos, e dos factos apurados constantes da sentença do TJB – a interessada admitiu ter contraído casamento falso com (B), e prestou, deliberadamente, falsa declaração de ser (B) o pai da sua filha, a fim de dissimular o casamento falso contraído e obter para a sua filha o BIR de Macau – resulta que a interessada enganou, de forma fraudulenta, a Administração, com vista à obtenção da autorização de residência; ○3 Não obstante que os factos que servem de fundamento às condenações e procedimentos criminais possam ser também fundamento de actos administrativos, independentes são a instauração e a existência de procedimento administrativo e de processo penal, ou seja, a instauração e a existência de procedimento administrativo não dependem da instauração e existência de processo penal. São diferentes e independentes as noções e os requisitos constitutivos de acto administrativo e de sentença penal, que fazem, respectivamente, o reconhecimento de factos e não se vinculam um a outro. Por isso, propõe-se declarar nula a autorização de residência concedida à interessada (A) em 9 de Junho de 2010, nos termos do art.º 122.º, n.º 1 do CPA.
Seja notificada a V. Exa. para, querendo, interpor recurso contencioso da referida decisão para o Tribunal de Segunda Instância, conforme o disposto no art.º 25.º do CPAC.»
b) Há indícios da Requerente ser mãe de (C) nascida em Macau em 21.05.2011 a qual estuda num estabelecimento de ensino de Macau – cf. fls. 27 e 28 -:
  
2) Do Direito
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.».
  No caso dos autos o acto em causa declara a nulidade do acto que concedeu à Requerente o estatuto de residente da RAEM, o qual, por introduzir uma alteração no estatuto de residente da Requerente modificou a ordem jurídica pre-existente, sendo um acto de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
«Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».
  
  Vejamos então.
  
  No caso em apreço a autorização de residência em Macau foi concedida à Requerente no âmbito da reunião familiar, uma vez que casou com uma residente permanente de Macau.
  Segundo o que consta da notificação feita à Requerente por se ter detectado que esta havia celebrado um casamento falso com um residente de Macau e declarado também falsamente ser esse residente o pai da sua filha, foi declarada nula a autorização de residência.
  Dos elementos existentes nos autos consta apenas a cópia de Bilhete de Identidade de Residente de Macau que se admite ser a filha da Requerente com 14 anos de idade e que estudará num estabelecimento de ensino de Macau.
  A perda do estatuto de residente da RAEM da Requerente implica necessariamente que esta deixe de poder aqui viver com a sua filha a qual ainda tem esse estatuto – de residente de Macau – e aqui estuda sendo certo que se trata de uma criança de menoridade.
  Por outro lado resulta das regras da experiência que a mudança abrupta e repentina de uma família com crianças menores que habitava no território há 15 anos no caso da mãe e Requerente e desde que nasceu no caso da filha de 14 anos de idade é um factor de perturbação com consequências nefastas a nível psíquico para todos os intervenientes e em especial para as crianças, causando algum perigo para o desenvolvimento destas pelo sentimento de insegurança que gera e o trauma de serem repentinamente afastados do meio social e comunitário onde viviam, agravado em contrapartida pela impacto de se verem confrontados com a inserção num outro meio social e comunitário que lhes é completamente desconhecido, podendo inclusivamente ver-se impedidos de usufruírem de determinados direitos como o do ensino por ingressarem indocumentados num pais de onde a mãe já foi, mas já não é residente, como é sabido, e de onde a filha nunca foi residente nem natural.
  Toda esta situação, por envolver elementos de carácter psicológico, educacional, e de formação da personalidade de uma criança pode conduzir a traumas e efeitos que não são reparáveis, nomeadamente através de uma indemnização e que podem vir a ser dificilmente recuperados ainda que sujeitos a tratamento, sendo certo, que a própria necessidade de ser submetido a tratamento é uma agressão que nunca poderá ser reparada completamente.
  Destarte, é evidente que a imediata execução do despacho em causa gera prejuízos de difícil reparação, os quais podem ser reduzidos se a transição puder ser planeada em função do futuro desenrolar do processo.
  Assim sendo, somos a entender que está verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC - prejuízo de difícil reparação -.
  Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
  Pelo que, estando preenchidos os requisitos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC impõe-se decidir em conformidade deferindo a requerida suspensão de eficácia do acto.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai deferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 14.05.2025 que declarou a nulidade da autorização de residência concedida à Requerente.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Requerida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 10 de Julho de 2025
  Rui Pereira Ribeiro (Relator)
  Seng Ioi Man (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Fong Man Chong (Segundo Juiz-Adjunto)
  Mai Man Ieng (Procurador-Adjunto do Ministério Públicio)
  


1 Vide acórdãos do TSI, nos processos n.º 194/2012, 229/2012/A e 630/2020.
2 Vide acórdão do TSI, no processo n.º 462/2023/A.
3 Vide acórdão do TUI, no processo n.º 43/2011.
4 Vide acórdão do TSI, no processo n.º 316/2025/A.
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441/2025 SUPSENSÃO 1