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Processo nº 124/2024
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa de condenação em processo comum ordinário – CV2-20-0036-CAO – contra B (乙) e C (丙), 1° e 2ª RR., todos com os demais sinais dos autos, pedindo, a final, que fossem os ditos RR. solidariamente condenados a pagar ao A. as quantias de HKD$5.000.000,00 e de HKD$8.000.000,00, num total de HKD$13.000.000,00, acrescida dos juros à taxa anual de 9,75%, calculados desde a citação até integral pagamento; (cfr., fls. 2 a 6-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, finda a fase dos “articulados” com a apresentação de contestação, réplica e tréplica, por sentença do Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base de 13.06.2023, julgou-se parcialmente procedente a acção pelo A. proposta, decidindo-se e consignando-se o que segue em sede do seu dispositivo:

“-1. Condena o 1º réu B a pagar ao autor A uma quantia de MOP$5.150.000,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar de 3 de Agosto de 2020, até o integral pagamento;
-2. Absolver o 1º réu B dos outros pedidos do autor A;
-3. Absolver a 2ª ré C dos outros pedidos do autor A”; (cfr., fls. 550 a 555 e 724 a 738).

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Do assim decidido, recorreram o A. e 1° R., e, apreciando os aludidos recursos, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 30.05.2024, (Proc. n.° 917/2023), onde decidiu:

“- Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.
- Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo 1º Réu quanto à impugnação da decisão quanto à Base instrutória julgando como não provados os quesitos 1º, 8º, 9º 12º, 31º a 34º e 2º na parte em que anuiu ao pedido do 1º Réu entregando-lhe o cheque a que se alude na alínea F), sendo improcedente quanto á impugnação dos restantes factos, julgando-se em consequência a acção improcedente porque não provada e absolvendo-se o 1º Réu dos pedidos.
Desentranhe e devolva à parte que os apresentou os documentos de fls. 589 a 604 e 704 a 709.
Custas a cargo do Autor em ambas as instâncias, sendo as devidas pelo incidente de desentranhamento de documentos a cargo de ambos os Recorrentes fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada um em 2UC’s.
(…)”; (cfr., fls. 1044 a 1092).

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Ainda inconformado, traz o A., A, o presente recurso para este Tribunal de Última Instância.

Produz as conclusões seguintes:

“1. O objecto do presente recurso prende-se com a revogação pelo Tribunal a quo da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em relação ao primeiro empréstimo realizado em 2012 no montante de HKD5,000,000.00, e à parte em que o Tribunal a quo confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em relação ao segundo empréstimo, no montante de HKD8,000,000.00.
2. Relativamente à impugnação da matéria de facto realizada pelo Autor, ora Recorrente, do primeiro empréstimo, o Tribunal a quo, pelo facto de o conhecimento da testemunha do Autor, D, ser apenas de “ouviu dizer”, entende que não é possível convencer o Tribunal do erro de julgamento da matéria de facto, que nada em concreto se apurou em relação ao proveito comum do casal, que também não é possível com a indicação das passagens convencer o Tribunal do erro na apreciação de facto.
3. Já relativamente à impugnação de matéria de facto realizada pelo 1.º Réu, entende que o ex-parceiro de negócios do Autor nada sabia, que a testemunha dos Réus, sócia no spa negou que houvesse dificuldades financeiras, que a única pessoa que tinha ouvido falar do empréstimo era o filho do Autor e testemunha.
4. Mais dizendo que, não convence que primeiro se pague dívidas mais antigas, se era para continuar com uma dívida de igual valor, e que se foi uma doação que não foi devolvida, que pode ter sido, no entendimento do Tribunal, que também não convence senão não havia que descontar o cheque.
5. Entendeu o Tribunal a quo que esta matéria estava associada também aos quesitos 31.º a 34.º da base instrutória, empréstimos realizados em 2011 pelo Autor à 2.ª Ré, não se convencendo pela existência destes empréstimos, decidindo pela improcedência do recurso do Autor e pela procedência parcial do recurso do 1.º Réu quanto à impugnação das respostas dadas à base instrutória, e dando como não provados os quesitos 1.º,2.º,8.º,9.º,12.º, 31.º a 34.º.
6. No recurso interposto pelo Autor para o Tribunal de Segunda Instância, levantou-se a questão de que o depoimento prestado por escrito pelas testemunhas dos Réus, ex-mulher do Autor e filha mais nova do Autor, era atentatório ao princípio da igualdade das partes.
7. Tal decorre do documento a fls. 497 dos autos, onde se vê que o depoimento foi prestado por escrito, e não perante uma autoridade judicial, constando daquele documento somente a assinatura da testemunha.
8. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo foi silente quanto a esta matéria e ao não ter conhecido da questão suscitada pelo Recorrente, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, o que acarreta a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, com as necessárias consequências legais.
9. Por outro lado, e, caso o argumentário expedido não tenha provimento, sempre se dirá que este depoimento é atentório do princípio de igualdade das partes, na virtude do cumprimento do princípio do contraditório que tem como intento a prossecução da descoberta da verdade material dos autos, previstos nos artigos 438.º e 442.º do Código de Processo Civil, respectivamente.
10. À data da realização da audiência de discussão e julgamento, inexistia qualquer impedimento para que as testemunhas do Autor e do Réu, seus familiares, se apresentassem a juízo, vivendo todas nos Estados Unidos da América, tanto assim que a testemunha do Autor, D se apresentou a juízo.
11. Uma vez que, as testemunhas do Autor não são nenhuma das pessoas ou entidades constantes do artigo 525.º do Código de Processo Civil que têm a prerrogativa de inquiração de depor por escrito, salvo melhor entendimento, ao deporem como testemunhas fizeram-no em violação do princípio de igualdade das partes, por nunca foram sujeitas ao contraditório, que é exercido na audiência de discussão e julgamento através da colocação de questões em sede de esclarecimentos, e sem prestarem juramento perante uma autoridade judicial.
12. Pelo que, entendemos que face ao exposto supra, a força probatória dos depoimentos obtidos por carta rogatória e prestados por escrito das testemunhas do Autor, deverá ser tida por não lida, ou, pelo menos a sua força probatória deverá ser desatendida ou reduzida.
13. Passando agora à próxima questão, a do empréstimo de HKD5,000,000.00, o Tribunal a quo nesta parte, por via da impugnação da matéria de facto feita pelo 1.º Réu, lançou mão da faculdade de apreciação de erro evidente ou desrazoável na apreciação da matéria de facto, considerando a final que deveriam ter sido dado por não provados os quesitos 1.º e 2.º, 8.º 9.º e 12.º, absolvendo, assim o 1.º Réu.
14. Salvo opinião diversa, o Tribunal a quo não se limitou a verificar da existência de erro ou irrazoabilidade na apreciação da matéria de facto com base nos elementos de prova apresentados pelo 1.º Réu, tendo indo mais longe e formulado presunções jurídicas nas quais se fundou a absolvição do 1.º Réu ao pagamento do montante de HKD5,000,000.00.
15. O Tribunal Judicial de Base entendeu que estavam reunidas as condições para provar o empréstimo de HKD5,000,000, pois, decorreu do depoimento da testemunha E (ex-parceiro de negócios do Autor) nunca ter ouvido falar deste montante como forma de recompensa que os Réus pudessem ter dado à empresa que explorava conjuntamente com o Autor, e que se os Réus não quisessem o dinheiro, que simplesmente não descontariam o cheque no valor de HKD5,000,000.00.
16. A isto acresce que, o Tribunal Judicial de Base, relacionou a questão de saber se a devolução dos HKD5,000,000.00 pela 2.ª Ré ao Autor em 25 de Setembro de 2012, dizia respeito a um montante previamente emprestado, ou, se antes, esta devolução realizada pela 2.ª Ré a favor do Autor, dizia respeito ao montante de HKD5,000,000,00 emprestado em 2012.
17. Concluindo o Tribunal Judicial de Base, que os montantes emprestados em 2011 à 2.ª Ré, e devolvidos pela 2.ª Ré ao Autor em 2012, diziam respeito, precisamente aos valores emprestados pelo Autor à 2.ª Ré em 2011, dizendo para o efeito que era razoável que a transferência e o cashier order emitidos pela filha do Autor, 2.ª Ré, em 24 de Setembro de 2012 seriam para pagar dívidas mais antigas.
18. O Recorrente entende que o Tribunal a quo ao modificar a resposta aos quesitos 1.º e 2.º, e consequentemenente 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória, melhor supra mencionados, fê-lo através de presunções judiciais.
19. Isto porque, o Tribunal a quo defende que, que não faz sentido que se o 1.º Réu necessitava de 5,000,000.00 o porquê de ter pedido ao Autor e não à futura mulher, se a futura mulher tinha essa quantia e a transferiu para o pai naqueles dias, e que não faz sentido invocar que primeiro paga dívidas mais antigas, se era para continuar com uma dívida de igual valor e que nenhuma vencia juros.
20. Ou seja, destruiu a ilação que havia sido feita, – permita-se dizer, correctamente, pelo Tribunal Judicial de Base.
21. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo foi mais longe quando retira as seguintes ilações: (i) a sociedade chinesa é predominantemente patriarcal, como é o caso dos autos, e especialmente em famílias “com capacidade financeira que a dos autos apresenta”, são frequentes as doações às filhas e ao filho, o que vai de encontro ao estatuto financeiro e cultural da família, e que também não é de estranhar pois até à ruptura colaboravam com os negócios do pai; e (ii) que eram frequentes os fluxos financeiros entre os Réus e o Autor, o que de todas as versões apresentavam, considerando que ao tempo os Réus colaboravam com o pai/sogro nos negócios destes é mais verosímil que a existência dos alegados empréstimos.
22. Conforme jurisprudência ajuizada do sistema congénere português, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos.
23. A questão aqui em crise, é saber se o Tribunal a quo poderia ter eliminado a presunção que foi feita pelo Tribunal Judicial de Base, i.e, nos termos do artigo 344.º do Código Civil, que faz sentido pagar dívidas mais antigas, e que se o 1.º Réu não queria o montante simplesmente não descontava o cheque, se o Tribunal a quo dentro dos poderes cognitivos permitidos por lei que são conferidos em segundo grau poderia na apreciação de matéria de facto, fazê-lo, e se padece de algum vício que imponha o sancionamento pelo Tribunal de Última Instância.
24. Tem-se por boa e atendível a presunção judicial feita pelo Tribunal Judicial de Base, não se podendo dizer o mesmo, salvo o devido respeito, quanto às presunções judiciais realizadas pelo Tribunal a quo.
25. Isto porque, o Tribunal a quo nunca se questionou se a então companheira do 1.º Réu poderia não ter sabido que o então companheiro, 1.ª Réu, tinha pedido o empréstimo ao Autor, e também se fazia sentido dar dinheiro ao futuro genro, e não à filha directamente.
26. Dizer como o Tribunal a quo disse que a situação financeira do Autor permitia fazer doações, que eram frequentes, quando até o empréstimo foi aceite, quando o 1.º Réu descontou o cheque, salvo o devido respeito, todo este raciocínio está ferido de ilogicidade e contraria as regras da experiência comum.
27. A isto acresce que, contra as ilações jurídicas firmadas pelo Tribunal a quo, consta um cheque emitido a favor do 1.º Réu no valor de HKD5,000,000.00, prova positiva, como também, o canhoto do cheque no valor de HKD5,000,000.00, que foi junto com documento n.º 4 dos autos de procedimento cautelar de arresto que correram termos sob o n.º CV2-19-0019-CPV, em que se lê “乙暫借”, tradução nossa “B, Empréstimo”, valor esse que nunca foi devolvido.
28. Por outro lado, não se compreende o salto lógico entre o Tribunal a quo ao não se convencer por nenhuma das hipóteses aventadas quer pelo Autor quer pelo Réu, e depois ao associar esta matéria com a dos quesitos 31.º e 34.ºda base instrutória.
29. A este respeito salientamos que, não só não consta dos autos que antes do divórcio o Autor, ora Recorrente, transferia com regularidade dinheiro para as contas bancárias dos seus três filhos e dos seus netos, pela culpa que sentia em relação à sua família, como também, o Autor, ora Recorrente de forma regular ou irregular no passado havia dado dinheiro aos seus filhos e netos, matéria, aliás, quesitada e respondida de forma negativa, quesitos 22.º e 29.º , respectivamente.
30. Para além disto, não há elementos que comprovem a saúde financeira do Autor, ou a frequência com que eram dados presentes em dinheiro aos filhos e netos, muito menos que o Autor pretendeu ao entregar as quantias aos Réus agradecer o contributo que tinham dado nos negócios daquele.
31. Impõe-se colocar as seguintes questões:
(i) se o empréstimo de HKD5,000,000.00 era um presente, que o 1.º Réu não quis aceitar, por que é que o cheque foi descontado em 25 de Setembro de 2012 pelo 1.º Réu?; e
(ii) se os montantes transferidos em 2011 eram também doações, por que é que a 2.ª Ré, filha do Autor, transferiu para o Autor mediante um cashier order e uma transferência bancária, um montante total de HKD5,000,000, em 24 de Setembro de 2012?
32. O Recorrente entende ser mais plausível a versão de que a 2.ª Ré devolveu parte do montante que devia ao Pai, - dizemos parte porque o montante emprestado em 2011 foi no valor de HKD5,330,000.00 e o valor que a 2.ª Ré pagou em 2012 foi no valor de HKD5,000,000.00-, e o tenha devolvido por meio de um cashier order e transferência bancária em 24 de Setembro de 2012, e que o seu então companheiro, 1.º Réu, tenha pedido emprestado o montante de HKD5,000,000.00 ao Autor em 20 de Setembro de 2012 – com ou sem conhecimento da 2.ª Ré-, que lhe tenha sido entregue o cheque e no dia 25 de Setembro de 2012 tenha apresentado o cheque a pagamento.
33. O Tribunal a quo ao não colocar esta hipótese, que vai de encontro às presunções judiciais já firmadas pelo Tribunal de Primeira Instância, - que se paga primeiro dívidas mais antigas-, formula presunções que vão contra as regras de experiência comum e estão feridas de ilogicidade, pelo que nunca poderiam ter sustentado a revogação da resposta dada aos quesitos 31.ºa 34.º da base instrutória.
34. Daí dizermos que a presunção jurídica como firmada pelo Tribunal Judicial de Base, que se paga dívidas mais antigas, estribado, claro está no facto de terem existido empréstimos anteriores, é a correcta e que não deveria ter sido eliminada pelo Tribunal a quo.
35. Aqui chegados, o que o Recorrente entende é que o que está em aqui não é sindicar a alteração propriamente dita, antes aferir da bondade de tal alteração, em termos de se apurar se o segundo grau podia ou não eliminar, ou modificar, a factualidade dada como assente em primeiro grau.
36. O Recorrente entende que, o Tribunal a quo descontruíu a presunção retirada pela primeira instância, sendo que funda a sua convicção na análise de prova testemunhal produzida e ainda nas asserções que faz, à guisa de conclusão sem qualquer arrimo, quer na materialidade provada, que na materialidade não provada.
37. Contrariar a presunção jurídica estabelecida pela 1.ª instância, ou formular proposições genéricas, nomeadamente sobre a cultura e sociedade chinesa ser predominantemente patriarcal, ou serem frequentes influxos financeiros entre os membros da família, presentes em dinheiro aos filhos e netos, decorrentes da boa situação financeira do Autor, salvo o devido respeito, tudo isto não passam de meras especulações que esbarram com a factualidade assente por estarem precisamente em contradição com ela.
38. E, o Tribunal a quo ao fazê-lo, salvo o devido respeito, retira razão de ser à censura que efectuou à presunção judicial feita pela 1.ª instância, e que deve ser reposta, porque a presunção judicial feita pelo Tribunal Judicial de Base está estribada numa análise coerente das provas e realizado de acordo com o disposto nos artigos 342.º e 344.º do Código Civil.
39. Pelo que, o acórdão recorrido padece do vício de violação e errada aplicação de lei, dos artigos 342.º e 344.ºdo Código Civil, nos termos e para os efeitos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, devendo assim o presente recurso ser julgado procedente e o douto acórdão recorrido ser revogado na resposta que deu dada aos quesitos 1.º, 2.º, 8.º, 9.º, 12.º 31.º a 34.º da base instrutória.
40. Já no que concerne ao segundo empréstimo de HKD8,000,000, o Tribunal Judicial de Base, determinou com base na prova produzida, que mesmo que se assuma que os Réus precisavam de fundos em 2014, é difícil entender o porquê da filha do Autor, 2.ª Ré, ir pedir dinheiro emprestado ao Pai, quando a Mãe tinha uma situação financeira confortável e podia ter antes pedido à sua Mãe.
41. Partindo este raciocínio, do conhecimento de problemas extra-maritais à data do segundo empréstimo, para concluir, que não fazia sentido pedir dinheiro emprestado ao pai, quando o poderia ter pedido à sua Mãe.
42. Ora, tudo isto são ilações, presunções judiciais, que no entanto, olvidam que quando o montante de HKD8,000,000.00 é transferido pelo Autor para a 2.ª Ré, que é indicado que é para “貨款”, que traduzindo para português é “compra de mercadorias, conforme documentos n.º 6 e 7 do procedimento cautelar de arresto.
43. E a estas presunções judiciais, -erradas a nosso ver-, por existir prova documental em sentido contrário-, como referido no capítulo anterior, foram acrescentadas novas presunções judiciais pelo Tribunal a quo quanto aos quesitos 31.º a 34.º da base instrutória relativos aos empréstimos realizados em 2011 à 2.ª Ré, nomeadamente a frequência com que doações eram feitas, à capacidade financeira do Autor, que é normal na cultura e sociedade chinesa e numa família como a dos autos, tendo em conta com a boa situação financeira que aparenta, que não seria de estranhar doações avultadas.
44. Entendemos que estas presunções judiciais feitas pelo Tribunal a quo também se aplicam à questão do empréstimo realizado pelo Autor à 2.ª Ré e a favor dos Réus, pois o tratamento das questões de empréstimos e doações foram feitas num todo, de forma indistinta, entendendo o Recorrente que ao dar como não provados os quesitos 31.º a 34.º, relativos a empréstimos de 2011, que estas presunções judiciais também se aproveitam ao empréstimo de 2014, para a final ter sido classificado como uma doação.
45. Contudo, entendemos que o Tribunal a quo, ao tomar por boa uma presunção judicial realizada pelo Tribunal Judicial de Base, e ao retirar ilações quanto ao estatuto financeiro do Autor, frequência com que eram dados presentes em dinheiro, estatuto sócio-cultural da família, que fez presunções judiciais que não respeitam as regras de experiência comum por duas razões.
46. A primeira, por constar dos autos prova documental que sustenta a existência de um empréstimo a favor da 2.ª Ré, e não de uma doação, feita para a conta bancária da 2.ª Ré; e a segunda, os empréstimos anteriormente feitos pelo Autor à 2.ª Ré em 2011, através de transferências para a conta da irmã mais nova da 2.ª Ré, ao invés de sustentarem o bom estado financeiro do Autor e as alegadas doações, demonstram apenas segundo as regras de experiência comum, que quando os filhos, ou mesmo o genro precisavam, que o Autor lhes emprestava dinheiro.
47. Nos casos em que alguém se limite a entregar a outrem dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, sem declarações que expressem o título que justifica a entrega, para se chegar à conclusão de que a entrega é feita a título de doação é necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., provar que não há outro título justificativo dessa mesma entrega, dado que, em abstracto, a entrega pode corresponder à formação de um contrato de liberalidade – doação, comodato ou mútuo gratuito – de troca –compra e venda – ou de garantia – penhor – ou ao cumprimento de uma qualquer outra obrigação contratual proveniente de outra fonte.
48. Salvo o devido respeito, as presunções judiciais que foram realizadas não vão de encontro a quaisquer elementos que possam indicar que a entrega de dinheiro possa ter sido feita a título de doação, voltando a relembrar que, não só consta dos autos prova documental que a transferência feita para a 2.ª Ré pelo Autor, documento n.º 7 dos autos de procedimento cautelar de arresto, como a transferência realizada pelo Autor no montante de HKD8,000,000.00 está descrita como“貨款”, ou seja,“compra de mercadorias”.
49. Não se pode agora, com recurso a presunções judiciais a arrepio das regras da experiência comum, afirmar que o Autor, dava dinheiro aos filhos, quando existe prova precisamente em sentido contrário, e especialmente, quando não há prova que competia à 2.ª Ré ter efectuado, no sentido de demonstrar a existência de alguma situação impeditiva, modificativa ou extintiva havia ocorrido em relação a este empréstimo.
50. Apesar de o Tribunal a quo em relação a esta matéria apenas ter dito que não havia erro sobre a apreciação da matéria de facto pelo Tribunal Judicial de Base, facto é que foram feitas várias presunções em relação aos empréstimos, doações, para a final classificar estas situações como “transferências bancárias” e “doações”.
51. Entendemos que pelo facto, de o Tribunal a quo ter sustentado a sua decisão em presunções judiciais feitas sobre as presunções judiciais do Tribunal Judicial de Base, contrárias às regras de experiência comum, por não se apoiar em elementos de prova, e contra prova documental produzida nos autos que suporta que o montante emprestado à 2.ª Ré foi a título de empréstimo, que o iter que o Tribunal a quo seguiu padece de ilogicidades, e que nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, a confirmação da matéria dada por provada pelo Tribunal Judicial de Base, nos moldes em que foi feita pelo Tribunal a quo não poderia ter sido feita.
52. Pelo que, o acórdão recorrido padece do vício de violação e errada aplicação de lei, dos artigos 342.º e 344.º do Código Civil, nos termos e para os efeitos do artigo 639.º do Código de Processo Civil.
53. Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e o acórdão recorrido ser revogado, na resposta dada pelo Tribunal Judicial de Base aos quesitos 4.ºe 5.º da base instrutória e, consequentemente, os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º, que foi confirmada pelo Tribunal a quo.
54. O Tribunal a quo na parte referente ao direito, classifica as relações estabelecidas entre os Réus e o Autor, de “transferências bancárias” e “doação”.
55. Na sequência das razões apresentadas pelo Recorrente que justificam a revogação do acórdão recorrido com as necessárias consequências legais, impõe dizer que o primeiro empréstimo dá-se em 2012, em data anterior ao casamento dos Réus, em 2013, tendo o regime escolhido pelos Réus sido o de comunhão geral de bens, como, aliás, resulta nos Factos Assente B) e conforme Facto Assente E), que ambos os Réus têm participações sociais de 50% e 30%, respectivamente, numa sociedade comercial que explorava o spa “[Empresa(1)]”.
56. O Recorrente entende, salvo o devido respeito, esta situação configura a prevista no n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil, e não, o da alínea a) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil.
57. Sendo que o que é afirmado agora, não abala nem conflitua com a hipótese que levantámos anteriormente, quando se disse que o 1.º Réu poderia ter pedido o empréstimo sem ter dito imediatamente à 2.º Ré.
58. Na medida em que ambos exploravam uma sociedade comercial, salvo o devido respeito, retira-se daí o proveito comum do casal nos termos da norma supra citada, e na medida em que os Réus se casaram no regime de comunhão geral de bens, deverá sempre esta situação configurar a que está prevista no n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil.
59. Estando em causa provado o proveito comum do casal, como decorre do supra exposto, e, caso o presente recurso mereça provimento, o Recorrente entende que a 2.ª Ré deveria ser condenada solidariamente ao pagamento do montante em dívida, por ser uma dívida contraída para o proveito comum do casal, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil.
60. À cautela e sem prescindir, o mesmo raciocínio impende sobre o segundo empréstimo, de 14 de Fevereiro de 2014, mutatis mutandis.
61. Tendo em conta que o segundo empréstimo ocorre em altura em que os Réus já estão casados, entende-se que o consentimento e o proveito comum estão patentes, pois tal empréstimo é contraído para fazer face, novamente, a necessidades de fundo de maneio para o negócio que era explorado conjuntamente pelos Réus.
62. Como aliás, decorre do documento n.º 7 dos autos de procedimento cautelar de arresto, em que no recibo da remessa está escrito “貨款”,”compra de mercadorias”, mercadorias do spa“[Empresa(1)], spa explorado pelos dois Réus, ora Recorridos.
63. Salvo o devido respeito, mais uma vez, caso o alegado no capítulo anterior mereça provimento, os Réus deverão sempre ser condenados ao pagamento solidário da quantia de HKD8,000,000.00 (oito milhões de dólares de Hong Kong), nos termos do artigo 1558.º, n.º 1 a) do Código Civil”; (cfr., fls. 1103 a 1121-v).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a conhecer.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base considerou provados os seguintes factos, (que foram em parte alterados pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido):

“1. C, 2ª ré, é filha do autor (vide a fls. 6 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado A)
2. Em 22 de Janeiro de 2013, os dois réus contraíram casamento no regime da comunhão geral de bens perante a Conservatória do Registo Civil (Idem). (Facto Provado B)
3. Em 22 de Fevereiro de 2008, os dois réus e F constituíram em conjunto uma sociedade limitada, denominada em chinês “[公司(2)]” (adiante designada por “sociedade referida”), em português “[Empresa(2)]”, em inglês “[Empresa(2)]”, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis sob o n.º XXXXX(SO) (vide as fls. 7 a 13 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado C)
4. Os dois réus detinham respectivamente 50% e 30% do capital social, no valor de MOP$12.500,00 e MOP$7.500,00, a 2ª ré era a única administradora da sociedade referida (idem). (Facto Provado D)
5. O estabelecimento da sociedade referida, denominado em chinês “[公司(1)]”, em português “[Empresa(1)]”, em inglês “[EMPRESA(1)] SPA”, exercendo as actividades de saunas e massagens, foi aberto em Julho de 2008 (vide a fls. 14 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado E)
6. Em 20 de Setembro de 2012, o autor passou um cheque n.º XXXXXXXX do Banco Industrial e Comercial (Macau), no valor de HKD$5.000.000,00, a favor do 1º réu B (vide as fls. 15 a 17 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado F)
7. O referido cheque foi apresentado ao pagamento em 25 de Setembro de 2012 (Idem). (Facto Provado G)
8. Em 14 de Fevereiro de 2014, o autor transferiu da conta n.º XX-XX-XX-XXXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau, à conta n.º XXXXXXXXXXXX da 2ª ré, aberta no Hong Kong and Shangai Banking Corporation Limited, uma quantia de HKD$8.000.000,00 (vide as fls. 18 a 19 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado H)
9. Em 24 de Setembro de 2012, a 2ª ré sacou do Banco da China (Macau) uma livrança no valor de HKD$3.000.000,00, a favor de A, e depois, entregou essa livrança no valor de HKD$3.000.000,00 ao autor, o autor aceitou e apresentou-a ao pagamento com sucesso (vide a fls. 42 dos autos). (Facto Provado I)
10. No mesmo dia, a 2ª ré foi ao Banco Industrial e Comercial (Macau) e depositou por transferência bancária uma quantia de HKD$2.000.000,00 na conta do autor (vide a fls. 123 dos autos). (Facto Provado J)
11. Em 15 de Julho de 2014, o autor A e a sua ex-mulher G divorciaram-se por mútuo consentimento perante o TJB, a sentença transitou-se em julgado em 31 de Julho de 2014 (vide as fls. 114 a 116 dos autos). (Facto Provado K)

- Factos dados provados após realizada a audiência de julgamento: (os fundamentos do reconhecimento dos factos constam das fls. 541 a 548v. dos autos)
12. Em 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 ao autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque necessitava de fundos. (resposta ao quesito 1.º)
13. Conhecendo o 1º réu por muitos anos, o autor tratava e acreditava-o como genro, por isso, aceitou o pedido do 1º réu e passou-lhe em 20 de Setembro de 2012 o cheque mencionado no Facto Provado F. (resposta ao quesito 2.º)
14. No dia de intentar a presente acção, o autor tinha 76 anos de idade. (resposta ao quesito 7.º)
15. Desde 2018 o autor pretende que a parte contrária lhe devolva o montante de HKD$5.000.000,00. (resposta ao quesito 8.º)
16. Até ao momento os dois réus não devolveram qualquer montante ao autor. (resposta ao quesito 9.º)
17. Pelo menos desde o ano 2019, os dois réus deixam de atender chamadas telefónicas do autor. (resposta ao quesito 10.º)
18. Em 2019, o autor e os familiares foram procurar os dois réus à sua residência em Macau e à Loja “[Empresa(1)]”, mas os réus não compareceram. Eles deixaram recado, porém, os dois réus não responderam nem devolveram qualquer quantia ao autor. (resposta ao quesito 11.º)
19. Até hoje os dois réus não devolveram o montante de HKD$5.000.000,00 ao autor. (resposta ao quesito 12.º)
20. Em 24 de Setembro de 2012, o 1º réu apresentou ao pagamento o cheque mencionado no Facto Provado F. (resposta ao quesito 16.º)
21. Em Janeiro de 2014, a ex-mulher G e os familiares (incluindo os dois réus) tomaram conhecimento do caso extraconjugal entre o autor e H, que teve lugar há vários anos. (resposta ao quesito 17.º)
22. Entre os três filhos do autor e ex-mulher G, a 2ª ré tem a relação mais estreita com a mãe G, mesmo sendo casada, volta frequentemente a casa para visitar e tomar cuidado da mãe G. (resposta ao quesito 18.º)
23. Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo uma doação gratuita. (resposta ao quesito 19.º)
24. O autor também disse à 2ª ré que o dinheiro tinha sido dado à 2ª ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a 2ª ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante. (resposta ao quesito 20.º)
25. Na altura, a 2ª ré afirmou que aceitava a quantia doada, iria tomar bem cuidado da mãe mesmo sem essa quantia. (resposta ao quesito 21.º)
26. Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21.º. (resposta ao quesito 23.º)
27. Em 2012 e em 2014, os dois réus tinham os seguintes bens imóveis, recebiam rendas duns deles:
- dois bens imóveis em Macau;
- dois bens imóveis no Reino Unido;
- dois bens imóveis no Interior da China. (resposta ao quesito 24.º)
28. Provado apenas o mesmo conteúdo dado nas respostas aos quesitos 19.º a 21.º. (resposta ao quesito 30.º)
29. Em 2011, a 2ª ré pediu ao autor um empréstimo devido à necessidade de fundos de maneio nos EUA para tratar uns assuntos. (resposta ao quesito 31.º)
30. Em 6 de Janeiro de 2011, a pedido da 2ª ré, o autor depositou uma quantia de HKD$2.730.000,00, duma empresa de que era um dos sócios, na conta de HKD n.º XX-XX-XX-XXXXXX de I, outra filha do autor, aberta no Banco da China, depois de vários dias, a respectiva quantia foi transferida à conta de I nos EUA. (resposta ao quesito 32.º)
31. Em 29 de Agosto de 2011, a pedido da 2ª ré, por outra vez, e com a ajuda do 1º réu, o autor depositou uma quantia de HKD$2.600.000,00 na conta de HKD n.º XX-XX-XX-XXXXXX de I, outra filha do autor, aberta no Banco da China, depois de vários dias, a respectiva quantia foi transferida à conta de I nos EUA; por conseguinte, I levantou pessoalmente as duas quantias referidas nos EUA para tratar os assuntos da 2ª ré. (resposta ao quesito 33.º)
32. A 2ª ré entregou ao autor a livrança mencionada no Facto Provado I só para reembolsar ao autor uma parte dos empréstimos realizados em Janeiro e Agosto de 2011. (resposta ao quesito 34.º)”; (cfr., fls. 551-v a 553-v, 728 a 733 e 1079 a 1082).

Do direito

3. Como resulta do relatório que atrás se efectuou, vem o A., A, recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em sede dos presentes autos, (e cujo dispositivo se deixou transcrito a pág. 3 e 4 deste aresto).

Percorrendo as – extensas – alegações e conclusões pelo ora recorrente apresentadas, adequado parece de concluir que é o mesmo de opinião que o Acórdão recorrido padece dos seguintes vícios:

“(i) nulo em virtude da violação do disposto no artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil; (ii) por não ter sido respeitado o princípio de igualdade das partes, a força probatória dos depoimentos obtidos por carta rogatória e prestados por escrito, deverá ser tida por não lida, ou, pelo menos a sua força probatória deverá ser desatendida ou reduzida; (iii) revogado na resposta dada aos 1.º,2.º, 8.º, 9.º ,12.º, 31.º a 34.º por violação da aplicação da lei, nos termos dos artigos 342.º e 344.º do Código Civil e do artigo 639.º do Código de Processo Civil; e (iv) revogado na parte que confirmou os quesitos 4.º e 5.º, 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º, por violação da aplicação da lei, nos termos dos artigos 342.º e 344.º do Código Civil e do artigo 639.º do Código de Processo Civil, atentos os fundamentos supra melhor expostos, pugnando-se pela procedência da acção”; (cfr., fls. 1121 a 1121-v).

Útil se apresenta então, recordar – e aqui expor – as “razões” que levaram à prolação do Acórdão agora recorrido que – na parte que agora interessa – e fazendo referência à decisão do Tribunal Judicial de Base, tem o teor seguinte:

“(…)
1. FACTOS
Dos recursos interpostos pelo Autor e 1º Réu quanto à matéria de facto
Vem o Autor/Recorrente interpor recurso das respostas dadas aos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 23º e 30º da Base Instrutória.
Vem o 1º Réu/Recorrente interpor recurso das respostas dadas aos quesitos 1º, 2º, 8º a 16º e 31º a 34º da Base Instrutória.

É do seguinte teor a matéria constante destes quesitos e as respostas dadas:

No dia 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 do autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque precisava de fundos para explorar o “[Empresa(1)]”?”
Provado apenas que “Em 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 ao autor (convertido para MOP5.150.00,00) porque necessitava de fundos.”

O autor conhecia o 1.º réu desde há muitos anos e tratava-o como genro com confiança. Anuiu portanto ao pedido do 1.º réu, prestando-lhe o cheque bancário mencionado no facto provado alínea F) em 20/09/2012?
Provado.

O autor e o 1º réu acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?
Não Provado.

No dia 14 de Fevereiro de 2014, a 2ª ré pediu emprestado o montante de HKD$8.000.000,00 do autor porque necessitava de dinheiro para adquirir bens para continuar a explorar o SPA [Empresa(1)], que foi convertido em MOP$8.240.000,00?
Não Provado

Dado que o autor emprestou o dinheiro ao 1º réu em 2012, a supra referida loja manteve-se aberta e o autor acreditava que a filha, 2ª ré, não o enganaria, daí ter aceitado o pedido da 2ª ré?
Não Provado

O autor e a 2ª ré acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?
Não provado.

Nos últimos anos, o autor viu o negócio do estabelecimento supra mencionado estabilizar, envelheceu e desde 2018 que tem pedido aos dois réus para devolveram o dinheiro que foi emprestado?
Provado apenas que desde 2018 o autor pretende que a parte contrária lhe devolva o montante de HKD$5.000.000,00.

Depois de inúmeras interpelações, os dois réus não tinham ainda pagado o supra mencionado empréstimo ao autor. Até agora, os dois réus não pagaram de volta qualquer montante ao autor, apesar de ter feito várias tentativas em pessoa?
Provado apenas que até ao momento os dois réus não devolveram qualquer montante ao autor.
10º
Os dois réus, por sua vez, várias vezes arranjaram desculpas para adiar o reembolso. Até não atendem mais as chamas telefónicas do autor desde 2019?
Provado apenas: os dois réus não atendem mais as chamas telefónicas do autor desde, o mais tardar, 2019.
11º
Em 21/11/2019 e em 23/11/2019, por intermédio de familiares (incluindo o filho e a mulher do irmão mais novo) e amigos, o autor chegou à casa dos dois réus para ter com eles; nenhum dos réus apareceu; deixou as formas de contacto; os dois réus não responderam ao autor, nem lhe alguma vez devolveram dinheiro?
Provado: em 2019, acompanhado por familiares, o autor foi ter com os dois réus à casa deles e ao “[Empresa(1)] Spa”. Os dois réus não apareceram. O autor deixou as formas de contacto. Os dois réus, porém, não lhe responderam, nem lhe devolveram dinheiro.
12º
Até à data da presente acção ter sido apresentada, os dois réus não reembolsaram o supra mencionado empréstimo de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.00,00, perfazendo um total de HKD$13.000.000,00 ao autor?”
Provado apenas que até hoje os dois réus não devolveram o montante de HKD$5.000.000,00 ao autor.
13º
Desde 2009 e a pedido do autor, os dois réus estava sempre a ajudar o autor, a título gratuito, na abertura da [Empresa(4)] de que o autor era sócio e no exercício das actividades de [cantina dos funcionários]; além disso, assistiam-no frequentemente nas suas deslocações ao Interior da China na procura de fornecedores e novas oportunidades de investimento?
Não provado.
14º
Em 20/09/2012, o autor entregou à 2.ª ré o cheque bancário indicado na alínea F dos fatos provados, como um gesto de agradecimento a ambos os réus?
Não provado.
15º
No mesmo tempo que entregou o cheque, o autor até disse aos dois réus que o dinheiro era uma oferta (doação) para os réus, como agradecimento pela assistência que lhe tinham prestado nos negócios da empresa?
Não provado.
16º
Em 24/09/2012, tendo instruído o banco para o depósito (sacar o cheque), o 1.º réu telefonou à 2.ª ré para a informar; da negociação resultou que ambos os réus consideravam a assistência como uma ajuda sem compensação para um familiar; então decidiram devolver o dinheiro ao autor; e através das formas indicadas nas alíneas I) e J) dos factos provados, devolveram o dinheiro ao autor?
Provado apenas: em 24/09/2012, o 1.º réu instruiu o banco para o pagamento do cheque (depositar o cheque) referido na alínea F) dos factos provados.
19º
Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo um presente?”
Provado.
20º
O autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante?
Provado que o autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante.
21º
Naquele momento, a 2ª ré também disse ao autor que aceitava que aquele dinheiro lhe fosse dado e que mesmo sem dinheiro, a ré cuidaria da mãe?
Provado.
23º
Dada a relação que a ex-mulher do autor tinha na sociedade [Empresa(3)], a cantina aberta pelo autor tinha muito lucro. Por isso não era incomum que o autor desse aos réus o montante de HKD$8.000.000,00?
Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21 da base instrutória.
30º
O empréstimo é puramente uma ficção por parte do autor, e o propósito é retaliar contra a filha, 2ª ré, por não apoiar o autor no processo entre o autor e a sua ex-mulher?
Apenas confirmado o mesmo conteúdo dado na resposta aos quesitos 19 a 21 da base instrutória.
31º
Em 2011, a 2.ª ré referiu ao autor a sua necessidade urgente de fundos líquidos nos EUA para tratar de dívidas particulares; e pediu dinheiro emprestado ao autor?
Provado: em 2011, a 2.ª ré referiu ao autor a sua necessidade urgente de fundos líquidos nos EUA para tratar de negócios pessoais; e pediu dinheiro emprestado ao autor.
32º
Em 06/01/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor depositou HKD$2.730.000,00 em numerário proveniente das suas actividades operacionais na conta do Banco da China n.º XX-XX-XX-XXXXXX em HKD pertencente a uma outra filha sua I; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de I?
Provado apenas: em 06/01/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor depositou HKD$2.730.000,00 de uma sociedade de que era sócio na conta do Banco da China n.º XX-XX-XX-XXXXXX em HKD pertencente a uma outra filha sua I; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de I.
33º
Em 29/08/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor voltou a depositar HKD$2.600.000,00 em numerário proveniente das suas actividades operacionais na conta do Banco da China n.º XX-XX-XX-XXXXXX em HKD pertencente a uma outra filha sua I; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de I; em seguida, I levantou pessoalmente as duas quantias acima referidas nos EUA e entregou-as à 2.ª ré?
Provado: em 29/08/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor voltou a depositar, com ajuda do 1.º réu, HKD$2.600.000,00 na conta do Banco da China n.º XX-XX-XX-XXXXXX em HKD pertencente a uma outra filha sua I; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de I; em seguida, I levantou pessoalmente as duas quantias acima referidas nos EUA e entregou-as à 2.ª ré, para que 2.ª ré tratasse dos negócios pessoais.
34º
A livrança na alínea D) dos factos provados que a 2.ª ré prestou ao autor era apenas para devolver parcialmente o dinheiro emprestado pelo autor em Janeiro e Agosto de 2011?
Provado.

É a seguinte a convicção do Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto com base na análise e comparação atentas da prova documental e dos depoimentos testemunhais.
Constata-se dos autos que o Autor e a 2ª Ré são pai e filha e que o casamento entre o Autor e a sua ex-mulher, G, foi dissolvido em 2014. Da análise dos depoimentos das testemunhas D (丁), I (fls. 482 a 491), G (fls. 497 a 507) e F (己), resulta que, após o casamento do Autor com G ter corrido mal, houve uma deterioração acentuada da relação entre o Autor e a sua ex-mulher e duas filhas, sendo que as duas filhas se inclinavam para a mãe, enquanto o filho D se inclinava para o pai na questão do divórcio dos pais. Neste contexto, uma vez que os depoimentos das testemunhas I, G e D podem ser tendenciosos a favor de uma das partes, o Tribunal adoptará uma atitude prudente e crítica e terá em conta as provas documentais objectivas dos autos, a fim de analisar e valorizar os depoimentos das três testemunhas supramencionadas, bem como os das outras testemunhas.
*
No que diz respeito ao empréstimo de HKD8.000.000,00 alegado pelo Autor, resulta do depoimento prestado em tribunal pela testemunha D, dos depoimentos de I e G, bem como do Processo n.º FM1-14-0357-CPE (que mostra que G emitiu uma procuração ao mandatário judicial em Janeiro de 2014) consultado durante o julgamento, que o caso extraconjugal do Autor já em Janeiro de 2014 tinha sido descoberto. Considerando que a 2ª Ré tinha uma posição tendenciosa favorável à mãe na questão dos problemas conjugais dos seus pais, mesmo que se presuma que os dois Réus (ou qualquer um deles) tinham necessidade de fundos em Fevereiro de 2014, é difícil imaginar porque é que os dois ainda pediram dinheiro emprestado ao seu pai, que tinha acabado de ser apanhado a ter um caso extraconjugal, em vez de recorrerem à sua mãe, que também era financeiramente capaz e com quem tinham melhores relações. Pelas razões acima expostas, complementadas pelos depoimentos das testemunhas I e G, este Tribunal é de opinião que os HKD8.000.000,00 alegados pelo Autor não eram, de facto, um empréstimo, mas antes uma quantia dada pelo Autor à 2ª Ré gratuitamente para cuidar da sua mãe.
*
Relativamente à quantia de HKD5.000.000,00, a questão a analisar consiste em saber se se tratava de um empréstimo concedido pelo Autor ao 1º Réu ou, como alegado pelos dois Réus, de uma doação do Autor aos mesmos como forma de agradecimento pela ajuda que lhe tinham prestado na actividade da empresa.
No que concerne a esta questão, não existem nos autos provas sólidas de que o Autor tenha tido o hábito de dar dinheiro aos seus filhos e netos de forma frequente e irregular. Por um lado, a testemunha D negou categoricamente que o Autor tivesse esse hábito e, se o Autor realmente tivesse tal hábito, a testemunha I e a 2ª Ré deveriam ter sido capazes de fornecer facilmente os respectivos registos bancários para provar que o Autor dava dinheiro aos filhos e netos de vez em quando. Por outro lado, mesmo que se presuma que o Autor tinha o hábito de dar dinheiro aos filhos, a pessoa que recebeu o dinheiro teria sido a 2ª Ré, e não o 1º Réu, que não era formalmente casado com a 2ª Ré na altura do sucedido.
Convém também salientar que, de acordo com o depoimento de E (戊) (um antigo parceiro de negócios do Autor), ou seja, uma testemunha relativamente objectiva, os dois Réus recebiam remunerações mensais de 10.000 e 5.000 da "[Empresa(4)]", e ele nunca ouviu falar que o Autor daria 5 milhões aos dois Réus, quer a nível da empresa, quer a nível privado. Imaginemos que o Autor estava, como afirmaram os dois Réus, a agradecer-lhes a sua ajuda nos negócios da empresa, seria de prever que a testemunha E tivesse conhecimento da existência da quantia em questão. Além disso, embora a testemunha E não pudesse excluir completamente a possibilidade de os dois Réus terem encontrado fornecedores com preço adequado para a "[Empresa(4)]", negou categoricamente que os dois Réus tivessem encontrado qualquer novo "negócio" para a empresa. Portanto, o depoimento da testemunha E minou ainda mais a credibilidade da versão dos factos trazida pelos dois Réus.
Além disso, há implausibilidades inerentes à versão fáctica apresentada pelos dois Réus. Segundo os mesmos, depois de o 1º Réu ter apresentado o cheque a pagamento, falava com a 2ª Ré por telefone sobre isso, e ambos concordaram que a ajuda que tinham prestado à "[Empresa(4)]" era uma ajuda gratuita a familiares, pelo que decidiram devolver o dinheiro ao Autor, e fizeram-no do modo referido nas alíneas I) e J) dos factos assentes. Se fosse intenção dos Réus não aceitar a "doação" do Autor, o 1º Réu poderia ter devolvido ao Autor, imediatamente ou após consulta com a 2ª Ré, o cheque de HKD5.000.000,00 dado pelo mesmo, em vez de o ter apresentado a pagamento. Alternativamente, mesmo que os Réus tivessem decidido devolver o dinheiro ao Autor depois de o cheque ter sido apresentado a pagamento pelo 1º Réu, a forma mais simples e directa de o fazer teria sido o 1º Réu transferir para o Autor os HKD5.000.000,00 que só acabara de ser depositados na sua conta alguns dias antes, sem necessidade de a 2ª Ré o fazer da forma tortuosa descrita nas alíneas I) e J) dos factos assentes.
Embora seja verdade que os dois Réus não estavam sem qualquer capacidade económica na altura dos factos, atentas as razões acima expostas, conjugadas com o depoimento da testemunha D, este Tribunal formou a supra exposta convicção sobre o ponto 1 dos factos a provar.
*
É relevante para a questão acima referida saber se os dois montantes referidos nas alíneas I) e J) dos factos assentes estão relacionados com o aludido empréstimo de HKD5.000.000,00, ou se estão relacionados com as quantias descritas nos pontos 32 a 33 dos factos a provar.
Os dados fornecidos pelo Banco da China de fls. 326 dos autos mostram objectivamente as entradas e saídas de dinheiro da conta bancária da testemunha I em Janeiro e Agosto de 2011. Relativamente ao montante de 2,73 milhões de dólares de Hong Kong em Janeiro de 2011, a referida testemunha afirmou que se tratava de um presente dos seus pais. Quanto às entradas de dinheiro que totalizaram a quantia de HKD2,6 milhões em Agosto de 2011, a mesma testemunha disse que o dinheiro lhe foi transferido pelo seu cunhado (o 1º Réu) com o objectivo de lhe pedir que ajudasse os dois Réus a procurar oportunidades de investimento imobiliário nos Estados Unidos.
Os depoimentos das testemunhas G e I são semelhantes (ver fls. 504 dos autos).
Quanto à testemunha D, referiu que ambas as quantias foram emprestadas pelo Autor à 2ª Ré.
No que diz respeito à primeira quantia, a testemunha E recordou objectivamente que, em 2011, havia um montante de 2,73 milhões destinado à aquisição de marisco e, nessa altura, o Autor perguntou à testemunha se o dinheiro poderia ser entregue primeiro a "I1 (壬一)" para seu uso, uma vez que I1 precisava do dinheiro. No nosso entender, se o dinheiro fosse uma prenda dos pais a I, o Autor não teria utilizado fundos da empresa (da qual o Autor era um dos sócios) destinados à compra de produtos do mar. O comportamento do Autor demonstrou claramente a necessidade urgente por parte do destinatário do dinheiro. Como analisado supra, não há provas sólidas de que o Autor tinha o hábito de dar dinheiro aos filhos e netos de forma frequente e irregular. Tendo em conta estas razões, afigura-se-nos ser razoavelmente convincente o depoimento da testemunha D de que o dinheiro era para as necessidades urgentes da 2ª Ré, e que o Autor lhe emprestou o dinheiro e a testemunha I ajudou na entrega do dinheiro.
No que respeita à segunda quantia, a informação disponibilizada pelo Banco da China a fls. 326 dos autos revela que o dinheiro foi transferido pelo 1º Réu para a testemunha I. Em primeiro lugar, se o dinheiro em questão fosse apenas uma transacção monetária entre os dois Réus e a testemunha I, o Autor não teria sido capaz de indicar a existência da respectiva quantia. Por outro lado, se o que a testemunha I disse fosse verdade, então a quantia de HKD2,6 milhões ou tinha sido gasta em certos investimentos pertencentes aos dois Réus, ou tinha sido devolvida aos dois Réus. Em qualquer dos casos, os Réus deveriam poder apresentar documentos comprovativos do paradeiro do dinheiro, o que não existem nos autos. Considerando estas razões, conjugadas com o depoimento da testemunha D, o Tribunal está convencido que o Autor pagou o dinheiro em questão ao 1º Réu, que depois o transferiu para a testemunha I, que por seu lado o utilizou para tratar dos assuntos da 2ª Ré.
*
Cumpre ainda analisar a finalidade das duas quantias referidas nas alíneas I) e J) dos factos assentes, devendo apurar, sobretudo, se as quantias em causa se destinavam ao reembolso das importâncias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar, ou ao reembolso do montante de HKD5.000.000,00 referido na resposta ao ponto 1 dos factos a provar. Entendemos que se destinavam ao reembolso das importâncias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar. Por um lado, foi a 2ª Ré que pediu emprestado ao Autor as duas quantias dos pontos 32 e 33 dos factos a provar, e as duas quantias das alíneas I) e J) dos factos assentes foram também tratadas pela 2ª Ré (em vez do 1º Réu), o que significa, em certa medida, que estas últimas visavam reembolsar os referidos dois empréstimos.
Além disso, por as duas quantias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar ser dívidas mais antigas, era razoável que a 2ª Ré utilizasse os montantes das alíneas I) e J) dos factos assentes para pagar primeiro as dívidas mais antigas. Pelas razões acima expostas, o Tribunal está convencido de que o depoimento da testemunha D é razoável e credível nesta parte.
*
A análise precedente é suficiente para ilustrar a base da convicção do Tribunal acerca de cada facto relevante nos factos a provar.
*
A situação dos bens imóveis titulados pelos dois Réus, a que se refere o ponto 24 dos factos a provar, foi dada como provada pelo Tribunal de acordo com os documentos de fls. 124 a 158 dos autos.
Quanto à “interpelação” referida nos pontos 3, 6 e 9 dos factos a provar (das provas dos autos não resulta que o Autor se tenha logrado efectuar qualquer interpelação), e aos factos dos pontos 25 a 28 dos factos a provar, não se provaram por insuficiência de prova.
No que tange ao ponto 30 dos factos a provar, como o Tribunal considerou provada a existência de um empréstimo de HKD5.000.000,00, não houve naturalmente qualquer dívida simulada pelo Autor. Embora o Tribunal, com base nas provas dos autos e depois da análise do ponto de vista da razoabilidade e da lógica, tenha considerado que a quantia de HKD8.000.000,00 não era um empréstimo, somos também da opinião de que não existem provas sólidas de que o Autor intentou a presente acção em retaliação pelo facto de a 2ª Ré, sua filha, não o ter apoiado no litígio dele com a sua ex-mulher.

Dispõe o artº 599º do CPC o seguinte:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

Na impugnação da matéria de facto ao tribunal de recurso não cabe fazer um segundo julgamento sobre a matéria de facto.
Como tem vindo a ser jurisprudência uniforme deste Tribunal, ao tribunal de recurso cabe apenas apreciar se há um erro evidente ou desrazoável na apreciação da matéria de facto, ou se foi violada regra quanto aos meios probatórios admissíveis.

Da impugnação da matéria de facto por banda do Autor.
Nas suas alegações e conclusões de recurso vem o Autor invocar que do depoimento de D, seu filho, resulta a prova dos factos que indica porque o “ouviu do pai”. Mais invoca que dos documentos 5, 6 e 7 que identifica resulta a prova dos empréstimos porque no primeiro o Autor escreveu “empréstimo” e nos dois últimos “compra de mercadorias”.
Ora, como resulta das suas próprias alegações e conclusões de recurso o Autor sustenta que o tribunal se havia de ter convencido por aquilo que invoca com base naquilo que o próprio Autor disse ao filho que aqui veio testemunhar e com base naquilo que o próprio Autor escreveu nos documentos que apresentou.
Como é sabido a confissão apenas aproveita relativamente a factos que são desfavoráveis à parte que os invoca.
Seria temerário, aceitar como credível o depoimento de uma testemunha que o que sabe é apenas porque ouviu do Autor seu pai, num quadro familiar como o destes autos, em que a família se dividiu e ocupa posições opostas não só quanto aos afectos como também quanto aos bens e respectiva divisão.
Logo, impossível seria convencer o tribunal do erro de julgamento da matéria de facto com a argumentação usada nas alegações e conclusões de recurso do Autor quanto à impugnação da matéria de facto.
Quanto ao proveito comum do casal nada de concreto se invoca nem se prova. Ao tempo não eram casados. O facto de serem sócios de uma sociedade apenas demonstra o contrário pois a titularidade das quotas de cada um é independente. O empréstimo em momento algum resulta que haja sido feito à sociedade – caso contrário seria essa a estar aqui como Ré e não os Réus -. O alegado proveito comum do casal tem de ser integrado com factos sendo que tudo o que se alega mais não são do que conjeturas sem suporte factual.
Infrutífero é também tudo quanto se alega no que concerne às invocadas interpelações para pagamento. De tudo quanto se alega em momento algum se diz que se chegou ao contacto com os Réus para exigir o pagamento. Procurar as pessoas sem as encontrar, sem nada lhes dizer, nem ter transmitido o que quer que seja, não produz efeito algum ainda que aqueles soubessem ser devedores, pois não são obrigados a adivinhar que a vontade de contacto – caso dela tenham tido conhecimento o que de modo algum se prova – fosse para os interpelar, e ainda que o admitissem, cabia ao credor concretizar a interpelação, sem prejuízo do devedor ter o direito de a ela se esquivar.
Destarte, das passagens das gravações indicadas nada resulta que convença o Tribunal do erro na apreciação da matéria de facto no sentido em que foi impugnada pelo Autor, improcedendo assim o recurso do Autor quanto à impugnação da matéria de facto.

Da impugnação da matéria de facto por banda do 1º Réu.
Quanto aos quesitos 1º e 2º o que está em causa é o empréstimo realizado pelo Autor ao 1º Réu.
Dos depoimentos indicados e transcritos o que resulta é que E, ex-parceiro de negócios do Autor nada sabia.
Mais uma vez temos o filho do Autor a dizer que ouviu do pai que o então namorado/companheiro da irmã mais velha tinha pedido emprestado ao futuro sogro os 5.000.000,00 que o Autor diz que eram para fazer face a despesas do seu SPA.
O Sócio dos Réus no dito SPA cujas declarações também são indicadas, desconhece que tivesse havido necessidades de dinheiro para a companhia.
A ex-mulher do Autor e mãe/sogra dos Réus diz que foi dinheiro que o Autor ofereceu ao 1º Réu e que este recusou.
O cheque foi emitido em 20.09.2012 e apresentado a pagamento a 25.09.2012.
Em 24.09.2012 a 2ª Ré através de uma livrança e transferência bancária entregou ao Autor a quantia de 5.000.000,00.

Vejamos então.
A única pessoa que sabe do empréstimo é de ouvir dizer ao Autor, o que pelas razões já antes explicadas à mingua de outra prova de nada convence.
Tem sentido o comentário de que se o 1º Réu necessitava de 5.000.000,00 porquê pedir ao Autor se a sua namorada/companheira futura mulher tinha essa quantia e naqueles dias a transferiu para o pai. Não faz sentido invocar que primeiro paga dívidas mais antigas, se era para continuar com uma dívida de igual valor e que nenhuma vencia juros.
Fala-se de uma doação que foi devolvida, o que pode ter sido, mas também convence pouco porque se era para devolver não havia que descontar o cheque.
Ou seja, perante posições tão antagónicas não pode este tribunal convencer-se por nenhuma.
Associado a esta matéria está a constante dos quesitos 31º a 34º da Base Instrutória, cujas respostas no sentido de terem sido provados também foram impugnadas.
Dos quesitos 31º a 34º resulta que o Autor terá emprestado em 2011 à 2ª Ré as quantias de HKD2.730.000,00 e HKD2.600.000,00, no total de HKD5.330.000,00 as quais haviam sido transferidas para uma conta de I (filha do Autor e irmã da 2ª Ré) com a obrigação de depois entregar à 2ª Ré.
A prova desta matéria também resulta do depoimento da testemunha filho do Autor de ouvir dizer.
Por sua vez a filha do Autor e irmã da 2ª Ré I recusa que o dinheiro que recebeu na sua conta fosse para transferir para a sua irmã, mas sim uma doação do pai para si.
Não há qualquer prova de que esses valores hajam sido entregues à 2ª Ré.
Contrariamente ao que se diz na fundamentação do Tribunal “a quo” segundo as regras da experiência, segundo a cultura Chinesa e de acordo com as regras de uma sociedade predominantemente patriarcal como é esta e como decorre se organizava esta família antes da ruptura é frequente os pais fazerem doações avultadas aos filhos, especialmente em famílias com a capacidade financeira que a dos autos aparenta.
Do depoimento da mãe da 2ª Ré e ex-mulher do Autor resulta serem frequentes doações às filhas e ao filho o que não só está de acordo com o estatuto financeiro e cultural da família, como também não é de estranhar porque como também tudo indicia até à ruptura colaboravam nos negócios do pai.
Por fim refere esta testemunha que eram frequentes os fluxos financeiros entre os Réus e o Autor, o que de todas as versões apresentadas, considerando que ao tempo os Réus colaboravam com o pai/sogro nos negócios destes é mais verosímil do que a existência dos alegados empréstimos.
Destarte, entendemos que não é razoável a convicção que se formou no tribunal “quo” quanto às respostas dadas aos quesitos 31º a 34º, havendo que concluir por não estarem os mesmos provados.
Aqui chegados de concreto acabamos por ter movimentos financeiros entre os dois Réus e o Autor de valor igual a 5.000.000,00.
As dúvidas suscitadas são muitas, sendo certo que na incerteza o tribunal se tem de abster de tomar posição não se podendo convencer por versão alguma, pelo que, a única versão possível é também não dar como provados os quesitos 1º e 2º, este na parte em que anuiu a entregar o cheque ali indicado.
Vêm também impugnadas as respostas dadas aos quesitos 8º a 16º.
No que concerne aos quesitos 10º, 11º e 16º as respostas dadas em nada conflituam com o que se disse.
A matéria dos quesitos 8º, 9º e 12º decorrem e só fazem sentido se houvesse sido dada como provada a matéria dos itens 1º e 2º o que não acontece, pelo que em face de tudo quanto já se disse devem ser dados como não provados.
Quanto à matéria dos quesitos 13º a 15º nada do que se alega é suficiente para convencer do erro nas respostas dadas improcedendo o recurso nesta parte.
Termos em que, improcedendo o Recurso do Autor e procedendo parcialmente o recurso do 1º Réu quanto à impugnação das respostas dadas à Base Instrutória, impõe-se dar como NÃO PROVADOS os quesitos 1º, 8º, 9º, 12º e 31º a 34º, bem como o quesito 2º na parte em que anuiu a entregar o cheque ali indicado.

Aqui chegados, da matéria de facto antes apurada conjugada com a procedência parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, nestes autos, temos por assente a seguinte factualidade:
1. C, 2ª ré, é filha do autor (vide a fls. 6 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado A)
2. Em 22 de Janeiro de 2013, os dois réus contraíram casamento no regime da comunhão geral de bens perante a Conservatória do Registo Civil (Idem). (Facto Provado B)
3. Em 22 de Fevereiro de 2008, os dois réus e F constituíram em conjunto uma sociedade limitada, denominada em chinês “[公司(2)]” (adiante designada por “sociedade referida”), em português “[Empresa(2)]”, em inglês “[Empresa(2)]”, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis sob o n.º XXXXX(SO) (vide as fls. 7 a 13 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado C)
4. Os dois réus detinham respectivamente 50% e 30% do capital social, no valor de MOP$12.500,00 e MOP$7.500,00, a 2ª ré era a única administradora da sociedade referida (idem). (Facto Provado D)
5. O estabelecimento da sociedade referida, denominado em chinês “[公司(1)]”, em português “[Empresa(1)]”, em inglês “[EMPRESA(1)] SPA”, exercendo as actividades de saunas e massagens, foi aberto em Julho de 2008 (vide a fls. 14 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado E)
6. Em 20 de Setembro de 2012, o autor passou um cheque n.º XXXXXXXX do Banco Industrial e Comercial (Macau), no valor de HKD$5.000.000,00, a favor do 1º réu B (vide as fls. 15 a 17 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado F)
7. O referido cheque foi apresentado ao pagamento em 25 de Setembro de 2012 (Idem). (Facto Provado G)
8. Em 14 de Fevereiro de 2014, o autor transferiu da conta n.º XX-XX-XX-XXXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau, à conta n.º XXXXXXXXXXXX da 2ª ré, aberta no Hong Kong and Shangai Banking Corporation Limited, uma quantia de HKD$8.000.000,00 (vide as fls. 18 a 19 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado H)
9. Em 24 de Setembro de 2012, a 2ª ré sacou do Banco da China (Macau) uma livrança no valor de HKD$3.000.000,00, a favor de A, e depois, entregou essa livrança no valor de HKD$3.000.000,00 ao autor, o autor aceitou e apresentou-a ao pagamento com sucesso (vide a fls. 42 dos autos). (Facto Provado I)
10. No mesmo dia, a 2ª ré foi ao Banco Industrial e Comercial (Macau) e depositou por transferência bancária uma quantia de HKD$2.000.000,00 na conta do autor (vide a fls. 123 dos autos). (Facto Provado J)
11. Em 15 de Julho de 2014, o autor A e a sua ex-mulher G divorciaram-se por mútuo consentimento perante o TJB, a sentença transitou-se em julgado em 31 de Julho de 2014 (vide as fls. 114 a 116 dos autos). (Facto Provado K)
12. O autor conhecia o 1.º réu desde há muitos anos e tratava-o como genro com confiança.
13. No dia de intentar a presente acção, o autor tinha 76 anos de idade. (resposta ao quesito 7.º)
14. Pelo menos desde o ano 2019, os dois réus deixam de atender chamadas telefónicas do autor. (resposta ao quesito 10.º)
15. Em 2019, o autor e os familiares foram procurar os dois réus à sua residência em Macau e à Loja “[Empresa(1)]”, mas os réus não compareceram. Eles deixaram recado, porém, os dois réus não responderam nem devolveram qualquer quantia ao autor. (resposta ao quesito 11.º)
16. Em 24 de Setembro de 2012, o 1º réu apresentou ao pagamento o cheque mencionado no Facto Provado F. (resposta ao quesito 16.º)
17. Em Janeiro de 2014, a ex-mulher G e os familiares (incluindo os dois réus) tomaram conhecimento do caso extraconjugal entre o autor e H, que teve lugar há vários anos. (resposta ao quesito 17.º)
18. Entre os três filhos do autor e ex-mulher G, a 2ª ré tem a relação mais estreita com a mãe G, mesmo sendo casada, volta frequentemente a casa para visitar e tomar cuidado da mãe G. (resposta ao quesito 18.º)
19. Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo uma doação gratuita. (resposta ao quesito 19.º)
20. O autor também disse à 2ª ré que o dinheiro tinha sido dado à 2ª ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a 2ª ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante. (resposta ao quesito 20.º)
21. Na altura, a 2ª ré afirmou que aceitava a quantia doada, iria tomar bem cuidado da mãe mesmo sem essa quantia. (resposta ao quesito 21.º)
22. Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21.º. (resposta ao quesito 23.º)
23. Em 2012 e em 2014, os dois réus tinham os seguintes bens imóveis, recebiam rendas duns deles:
- dois bens imóveis em Macau;
- dois bens imóveis no Reino Unido;
- dois bens imóveis no Interior da China. (resposta ao quesito 24.º)
24. Provado apenas o mesmo conteúdo dado nas respostas aos quesitos 19.º a 21.º. (resposta ao quesito 30.º)

2. DO DIREITO
Em face da matéria de facto apurada temos que entre o Autor e os Réus houve transferências recíprocas de HKD5.000.000,00 e uma doação à 2ª Ré de HKD8.000.000,00.
Perante este quadro factual deixou de se provar aquela que era a causa de pedir do Autor a qual resultava da realização de dois empréstimos aos Réus por cujo pagamento seriam ambos responsáveis.
Na míngua da prova dos factos que constituem a causa de pedir a acção apenas pode improceder, pelo que se impõe julgar este recurso em conformidade”; (cfr., fls. 1078-v a 1091-v)

Aqui chegados, quid iuris?

Cremos que o decidido não merece censura, não obstante o muito que alega e afirma o A., ora recorrente, afigurando-se-nos que, (pelo menos, de certa forma), se complica o que é, (ou devia ser), bastante simples, apresentando-se-nos até de considerar constituir o presente recurso uma forma (tentada) de suprir, (extemporaneamente), alguma inércia, (e, quiçá, omissões), do ora recorrente.

Vejamos, passando-se a expor o que nos parece adequado relativamente às (verdadeiras) “questões” pelo ora recorrente trazidas à decisão deste Tribunal de Última Instância.

–– Da alegada “nulidade do Acórdão”.

Vem o recorrente arguir a nulidade do Acórdão recorrido por uma alegada “omissão de pronúncia”, tal como prevista no art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M., aplicável, ex vi, do art. 633°, n.° 1 do mesmo diploma.

Nos termos da referida al. d) do n.° 1 do art. 571° do C.P.C.M., “É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Quanto às “questões” a resolver na sentença, decorre do art. 563° do C.P.C.M. que o Juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, devendo ocupar-se apenas dessas questões, (sob pena de “excesso de pronúncia”), salvo questões de conhecimento oficioso.

Por “questões”, entendem-se “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”; (cfr., v.g., Antunes Varela in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122°, pág. 112).

Cumpre notar, no entanto, que “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 536).

É também este o firme e pacífico entendimento deste Tribunal de Última Instância: “Só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos, considerações ou razões deduzidas pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sentença”; (cfr., v.g., e entre outros, os recentes Acs. de 17.04.2024, Proc. n.° 28/2023, de 08.05.2024, Proc. n.° 12/2024-I, de 29.07.2024, Proc. n.° 17/2021, de 03.10.2024, Proc. n.° 5/2022, de 15.01.2025, Proc. n.° 137/2024-I e de 06.06.2025, Procs. n°s 59/2022 e 75/2023, assim como de 11.07.2025, Proc. n.° 57/2025-I).

De facto, o vício de “omissão de pronúncia” cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M. apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia em relação a “questão” que lhe foi (devidamente) colocada, (e que devesse apreciar e decidir, v.g., por não ter ficado prejudicado o seu conhecimento; sobre a questão, vd., também, entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 25.03.2022, Proc. n.° 15/2022, de 19.11.2021, Proc. n.° 88/2021 e de 28.01.2022, Proc. n.° 137/2021).

Ora, em sede das suas alegações de recurso da sentença do Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base para o Tribunal de Segunda Instância, assim afirmava o ora recorrente o seguinte:

“Conforme já aflorado, o depoimento das testemunhas dos Réus são de partes que têm um interesse directo no desfecho da causa, sendo elas, a irmã e Mãe, da 2.º Ré, cunhada e sogra do 1.º Réu, respectivamente, em que ao longo das suas declarações é claro e notório a incompatibilização com o Autor.
Tendo em conta que estes depoimentos não foram tomados in loco, e de certo modo colocaram em causa o princípio de igualdade das partes, na medida em que, as testemunhas não depuseram perante um tribunal, nem em Macau nem nos Estados Unidos da América, tendo-se limitado apenas a enviar as suas respostas por escrito para a autoridade competente.
Por seu turno, a testemunha D apresentou-se perante o tribunal e depôs de forma natural e sem demonstrar qualquer animosidade em relação à irmã, ou mesmo à Mãe”; (cfr., fls. 578 a 578-v).

E, com base no que (literalmente) se acabou de transcrever, imputa o recorrente a dita nulidade por “omissão de pronúncia”, afirmando o que segue:

“No entendimento do Recorrente, o depoimento das testemunhas como prestado, porque não prestado perante uma autoridade judicial era atentatório do princípio da igualdade das partes.
E tal resulta directamente do documento onde está escrito a fls. 497 dos autos, “I have been furnished by the U.S. Department of Justice, Office of International Judicial Assistance, with a copy of the above mentioned Letter of Request, issued pursuant to the Hague Convention on the Taking of Evidence Abroad in Civil or Commercial Matter, requesting that I answer written interrogatories relating to a civil case captioned A v. B, et al. ”, tradução nossa, “Recebi do Departamento de Justiça dos EUA, Escritório de Assistência Judicial Internacional, uma cópia da Carta Rogatória acima mencionada, emitida de acordo com a Convenção de Haia sobre a Obtenção de Provas no Exterior em Matéria Civil ou Comercial, solicitando que eu responda por escrito a interrogatórios relacionados a um caso civil intitulado A v. B, et al.” (sublinhado e negrito nosso)
Daqui retira-se que as testemunhas responderam por escrito, e que tal não foi feito perante nenhuma autoridade judicial, uma vez que daquele documento consta apenas a assinatura da testemunha.
Sucede que, o Tribunal a quo foi silente quanto a esta matéria, o que salvo o devido respeito, constitui uma das razões de nulidade de sentença por aplicação do disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, porquanto o Tribunal não conheceu da questão suscitada pelo Recorrente.
A decisão recorrida violou, assim, o disposto no artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, o que acarreta a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, com as necessárias consequências legais”; (cfr., fls. 1105).

Porém, e como facilmente se depreende do que se deixou sucintamente exposto, a “questão” que o A. (agora) alega ter sido preterida pelo Tribunal a quo, nunca antes lhe tinha sido – nestes termos – suscitada, (daí, o que atrás referimos quanto a “inércias” e “omissões”).

Cremos que até se poderia admitir que, nas alegações de recurso do ora recorrente para o Tribunal de Segunda Instância, (e em considerações que teceu acerca do “depoimento prestado pelas aludidas testemunhas dos RR.”), chegou o mesmo a fazer uma (mera) “alusão” – vaga, passageira e lateral – a uma eventual “colisão” com o “princípio da igualdade”.

Todavia, e como é bom de ver, mais não foram que considerações “abstractas” e “soltas” – note-se que até utilizou a expressão “de certo modo” – e que, desta forma, não se traduziram na efectiva “colocação” de qualquer “questão” – concreta e objectiva – cujo conhecimento se impusesse ao Tribunal de recurso, (especialmente, da forma que agora alega).

É, assim, manifesto que o recorrente suscita, no presente recurso, uma “questão” que não foi colocada ao Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, sendo até algo espantoso que agora considere que o Tribunal de Segunda Instância tenha permanecido “silente quanto a esta matéria”, quando, como sem esforço se pode ver da decisão atrás transcrita, não se deixou de explicitar, clara e cabalmente, as razões que levaram à decisão que proferiu relativamente à “decisão sobre matéria de facto do Tribunal Judicial de Base, então impugnada”; (cfr., pág. 24 a 33 deste aresto).

E, nesta conformidade, há pois que ter em conta que nenhuma “omissão de pronúncia” existiu ou ocorreu, não se podendo então olvidar que, como já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar:

“Em sede de um recurso não se podem suscitar “questões novas”, pois que, como se referiu, o recurso visa possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida”; (cfr., v.g., os Acs. de 01.06.2022, Proc. n.° 13/2022, de 13.03.2024, Proc. n.° 146/2021, de 10.04.2024, Proc. n.° 87/2021 e de 20.02.2025, Proc. n.° 87/2023).

Dest’arte, (e, muito especialmente, em face do pelo ora recorrente alegado e concluído no seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância – cfr., fls. 569 a 588-v), patente é que não nos deparamos com qualquer “omissão de pronúncia”, sendo a invocação desta nulidade – franca e – totalmente despropositada, improcedendo, assim, notoriamente, o recurso na parte em questão.

–– Da assacada “violação do princípio de igualdade das partes” e da “força probatória dos depoimentos obtidos por carta rogatória”.

Pois bem, na senda da “questão” suscitada em sede da atrás apreciada “arguição de nulidade”, tenta o recorrente edificar em sede do presente recurso uma alegada “violação do princípio da igualdade das partes” a partir do método como foram “recolhidos”, (e posteriormente, valorados), os depoimentos das testemunhas dos RR. inquiridas através de carta rogatória.

Na sua opinião, as testemunhas “apresentaram o seu depoimento por escrito, à excepção de viverem nos Estados Unidos da América, e quando tal foi requerido atravessávamos uma pandemia, à data da realização da audiência de discussão e julgamento não havia qualquer impedimento para que se deslocassem a Macau e se apresentassem a juízo”; (cfr., fls. 1105-v).

Na medida em que tais depoimentos teriam sido reduzidos a escrito, sem prestação de juramento perante uma autoridade judicial, e sem que daí se pudesse dar cumprimento ao “princípio do contraditório”, o recorrente entende que estes mesmos “depoimentos” põe em causa o “princípio da igualdade das partes”, (designadamente, na virtude do cumprimento do “contraditório”, violando, nessa medida, os art°s 438° e 442° do C.P.C.M.), considerando-os também despidos de qualquer “valor probatório”.

Ora, como sabido é, o “princípio de igualdade” (entre as partes) vem previsto no art. 4° do C.P.C.M., onde se prescreve que “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

“O sentido geral do princípio definido no artigo em anotação é o de que às partes deve ser assegurado uma perfeita identidade de oportunidades e a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos, deveres, poderes e ónus processuais. Implica, portanto, a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal e impõe o equilíbrio entre elas no decorrer do processo.
Mas é óbvio que esse nivelamento, mesmo no plano formal, não pode ser absoluto; a diversidade de posições das partes no processo impossibilita uma identidade formal sem desvios, e o que se exige é uma paridade na concessão de faculdades e meios de defesa, bem como a sujeição a ónus e cominações idênticos sempre que a respectiva posição face ao processo seja equiparável. Só assim o julgador manterá a exigível equidistância relativamente às partes”; (cfr., v.g., Cândida Pires e Viriato de Lima in, “C.P.C.M. Anotado e Comentado”, Vol. I, pág. 40).

E, em face do exposto, cabe apenas dizer que é, no mínimo, estranho, (e até bastante interessante), atentar que a presente “questão” da “igualdade das partes”, (do “contraditório” e do “valor probatório” dos depoimentos), seja apenas suscitada da forma em que o é em sede do presente recurso para este Tribunal de Última Instância, quando é claro e notório que o recorrente já teve oportunidade de se “pronunciar” sobre – e até, querendo, de se “insurgir” contra – a “admissão da inquirição por carta rogatória”, ainda que quanto à “forma” como ela foi processada; (cfr., o processado a fls. 345 e segs. dos autos, e, em especial, o expediente pelo próprio recorrente apresentado sobre a “questão”, a fls. 383 e 523 a 524, notando-se, que este último, na parte que agora interessa, foi objecto de expressa “decisão desfavorável” do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, sem que o ora recorrente tivesse apresentado oportuna impugnação; cfr., fls. 525 a 525-v).

Todavia, ainda assim, na tentativa de “provocar” o seu conhecimento (e pronúncia) por parte deste Tribunal de Última Instância, suscita o recorrente a alegada “violação do princípio da igualdade das partes”.

Ora, compreende-se, certamente, a pretensão apresentada.

Mas, como em tudo na vida, há limites, e não pode valer tudo…

Tal questão e matéria, já foi, como se viu, objecto de oportuna decisão sem que o ora recorrente a tivesse impugnado, sobre a mesma tendo-se formado “caso julgado formal”; (cfr., art. 575° do C.P.C.M.).

Todavia, e seja como for, oportunas se nos mostram as seguintes (ainda que breves) considerações sobre a questão.

Vejamos.

Pois bem, a tese do recorrente passa por apontar à “forma” como foram prestados os depoimentos a impossibilidade de exercício do contraditório, (por terem sido reduzidos a escrito, e sem prestação de juramento perante uma autoridade judicial).

No seu ponto de vista, as testemunhas que tiveram justificação num primeiro momento de prestar o depoimento através de inquirição por carta rogatória, (devido às medidas restritivas de movimento impostas pela pandemia), poderiam muito bem ter marcado presença na sessão de audiência de discussão e julgamento, (que teve lugar no dia 15.03.2023, nas instalações do Tribunal Judicial de Base), quando já haviam sido levantadas tais restrições.

E, em abono da sua tese, afirma mesmo que uma das (suas) testemunhas que arrolou, e também foi inquirida por carta rogatória, apresentou-se, posteriormente, em juízo, após o levantamento das medidas de restrição de movimento da pandemia.

Contudo, como se viu, o certo – e a verdade – é que o ora recorrente, perante expressa decisão do Tribunal Judicial de Base, não suscitou tal “questão”, impugnando em momento oportuno a decisão que deferiu o pedido pelos RR. apresentado, nada dizendo também relativamente à que considerou que os depoimentos em questão seriam apreciados nos termos do art. 558° do C.P.C.M.; (cfr., fls. 525 e 525-v).

E, seja como for, cabe recordar que a faculdade de se proceder à “inquirição de uma testemunha por carta rogatória” pré-existe à situação (anormal) da pandemia, e não foi por esta determinada.

Com efeito, nos termos do art. 524° do C.P.C.M.:

“1. Quando as testemunhas residam fora de Macau, a parte pode requerer no rol que se expeça carta rogatória para a sua inquirição, contanto que indique logo os factos sobre que há-de recair o depoimento.
2. Se não requerer a expedição da carta rogatória ou se esta for recusada por falta de indicação do objecto do depoimento, recai sobre a parte o ónus de apresentar as testemunhas na audiência de discussão e julgamento.
3. O juiz recusa também a expedição da carta rogatória, se julgar conveniente que a testemunha venha depor em audiência e se a deslocação não representar sacrifício incomportável; neste caso a testemunha é notificada para comparecer, ficando a cargo da parte que a indicou o pagamento antecipado das despesas que ela tenha de fazer com a deslocação”; (sub. nosso).

Nesta conformidade, (não existindo nos presentes autos qualquer elemento que demonstre qualquer tempestiva “reacção” do ora recorrente a que fosse adoptado este método de inquirição), e não sendo também de perder de vista que as testemunhas não são obrigadas a depor em audiência quando inquiridas por carta rogatória – como naturalmente se salvaguarda no art. 522°, al. b) do C.P.C.M., pois que, desde que processada nos termos legais, a “força probatória” do depoimento das testemunhas é, como efectivamente foi o que sucedeu, apreciada livremente pelo Tribunal nos termos do art. 390° do C.C.M. – vista cremos estar a solução para o inconformismo pelo ora recorrente manifestado.

Aliás, como o próprio recorrente o saberá, (pois que a tal se referiu nas suas alegações de recurso), a carta rogatória foi processada pelo “Departamento de Justiça dos E.U.A., Escritório de Assistência Judicial Internacional”, de acordo com a Convenção de Haia sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, de 18.03.1970, aplicável à situação em apreço não só nos termos da Lei dos Estados Unidos da América como também da Região Administrativa Especial de Macau; (cfr., o Aviso do Chefe do Executivo n.° 42/2002, que mandou publicar duas notificações da República Popular da China sobre a assunção das responsabilidades de parte em relação à R.A.E.M. da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial).

E, (como igualmente o saberá), nos termos do art. 135°, n.° 1 do C.P.C.M., “É ao tribunal ao qual o acto foi requisitado que compete regular, de harmonia com a lei, o cumprimento da carta rogatória”.

Poderia pois o recorrente ter requerido – atempadamente – ao Tribunal de julgamento que fossem exigidas salvaguardas nos termos do disposto no art. 7° e no parágrafo 2° do art. 9° da “Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro”, assim como que o depoimento das testemunhas, (incluindo a sua), fosse feito de forma “oral”, e com possibilidade de contraditório, manifestando, (desde logo), a sua intenção de marcar presença, (ou estar representado), na inquirição que viesse a ter lugar nos Estados Unidos da América.

Porém, e como se viu, oportunamente, não o fez…

E, assim, (e em face aos elementos dos autos), necessário é concluir que não ocorreu qualquer afronta ao “princípio da igualdade das partes”, em nada se comprometendo também assim o “valor probatório dos depoimentos” em causa, (que, aliás, como se referiu, foram, e bem, apreciados de acordo com o estatuído no art. 558°, n.° 1 do C.P.C.M.), havendo pois julgar igualmente improcedente o presente recurso na parte em questão.

–– Da alegada “violação e errada aplicação dos art°s 342° e 344° do C.C.M. na apreciação da matéria de facto”.

O recorrente, numa idêntica tentativa de provocar uma nova avaliação da prova por parte deste Tribunal de Última Instância, suscita uma alegada “violação e errada aplicação dos art°s 342° e 344° do C.C.M.”.

Pois bem, o nosso C.C.M., no capítulo dedicado às “provas”, (que nos termos do art. 334°, “têm por função a demonstração da realidade dos factos”), define as “presunções” como “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”; (cfr., art. 342°).

Como sabido é, as presunções podem ser “legais” ou “judiciais”, cabendo aqui referir também que quem tem a seu favor uma presunção legal não necessita de provar o facto a que tal presunção diz respeito, sendo certo, no entanto, que as presunções legais podem ser afastadas ou ilididas por prova em contrário, (presunções “ilidíveis” ou “juris tantum”), excepto nos casos em que a lei o proíba, (presunções “inilidíveis” ou “jure et de jure”; cfr., art. 343° do C.C.M., podendo-se sobre o tema ver também o Ac. deste T.U.I. de 19.06.2024, Proc. n.° 46/2024 e o de 30.10.2024, Proc. n.° 64/2024).

As presunções judiciais assentam, (ou resultam), do raciocínio de quem julga.

Nos termos do art. 344° do dito C.C.M., as presunções judiciais só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal, o que quer dizer, portanto, que para os factos para os quais a lei não admite prova testemunhal, também não é admitida a presunção judicial; (cfr., a título de exemplo, os art°s 387° a 389°).

E, atento o que se expôs, e pela leitura dos preceitos legais a que o recorrente faz alusão, sem esforço se conclui pela sua falta de razão, pois que se limita a extrair do raciocínio expendido no Acórdão recorrido algumas das “considerações” nele reflectidas, num esforço de tentar levar a que esta Instância se imiscua na “apreciação da prova” pelo Tribunal de Segunda Instância efectuada fora dos casos previstos no art. 649°, n.° 2 do C.P.C.M..

Com efeito, e como o resulta – nitidamente – da fundamentação exposta na decisão recorrida e atrás reproduzida, (cfr., pág. 28 a 33 deste aresto), as “considerações” e “conclusões” a que o Tribunal a quo chegou tem como pressuposto uma cuidada e meticulosa análise a toda a prova carreada nos autos, tendo-se procedido a uma avaliação ponderada e justificada de todo o material probatório, (inclusivé da prova testemunhal), tendo presentes as “nuances da situação” concreta e particular reportada no litígio dos autos, complementada, como não podia deixar de ser, pelas “regras de experiência”, (e prudente arbítrio como, naturalmente, se impunha), bastando, aliás, ler o que atrás se deixou transcrito relativamente à decisão do Tribunal de Segunda Instância (onde se apreciou a impugnação da matéria de facto) para se constatar que, o raciocínio do recorrente, é, no mínimo, manifestamente desvirtuador do esforço do Tribunal recorrido para fundamentar – cristalinamente – a sua decisão (de reapreciação da matéria de facto).

Nesta conformidade, e atento o exposto, evidente se apresenta que este Tribunal de Última Instância, não pode, em sede do presente recurso jurisdicional, censurar a “livre convicção” pelas Instâncias formada quanto à prova de livre apreciação, (podendo, porém, reconhecer, e declarar, que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto, sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”, o que não é o caso).

Na verdade, e como (repetidamente) já tivemos oportunidade de afirmar, “em recurso cível correspondente a 3.º grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto e a sua competência em apreciar a decisão de facto fica limitada, sendo que a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto é, em princípio, intocável, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”; (cfr., v.g., entre muitos outros, e para citar dos mais recentes, os Acs. de 16.02.2022, Proc. n.° 82/2020, de 25.03.2022, Proc. n.° 15/2022, de 16.09.2022, Proc. n.° 74/2022, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020 e de 03.07.2024, Proc. n.° 33/2021).

Dest’arte, não se vislumbrando a violação de qualquer disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, não pode este Tribunal de Última Instância, (impedido de conhecer da matéria de facto), interferir na decisão que recaiu sobre essa matéria, sob pena de violação do disposto nos art°s 639° e 649° do C.P.C.M..

*

–– Aqui chegados, tem-se como adequada uma derradeira nota.

É a seguinte.

Por fim, suscita também o recorrente uma alegada “errada aplicação da norma contida no art. 1558° do C.C.M.”, para o caso de proceder o seu recurso na reversão da decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância.

Não sendo a situação dos presentes autos, fica, portanto, prejudicado o conhecimento da presente “questão”, (salientando-se, de todo o modo, que tanto o “consentimento” do cônjuge não contraente da dívida – cfr., art. 1558°, n.° 1, al. a) – como o “proveito comum do casal” – cfr., art. 1558°, n.° 2 – devem ser alegados e, obviamente, “comprovados”, não sendo este último de presumir – cfr., art. 1558°, n.° 3 – excepto se a Lei o declarar.

Assim, e apreciadas que se nos apresentam ter ficado todas as questões colocadas, resta deliberar como segue.

Decisão

4. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Macau, aos 25 de Julho de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
Proc. 124/2024 Pág. 18

Proc. 124/2024 Pág. 19