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Processo nº 36/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲) e B (乙), (1° e 2ª) AA., propuseram no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a C (丙), R., pedindo, a final, a procedência da acção, e, em consequência, que se decidisse:

“1) Condenar a ré a reconhecer que os autores A e B são os proprietários da fracção autónoma destinada a habitação, sita na [Endereço], [Edifício], 4.º andar B, inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX;
2) Condenar a ré a restituir a supracitada fracção aos autores de forma integral, após a sua desocupação, sem qualquer encargo de pessoa ou coisa;
3) Condenar a ré a indemnizar os autores pelos prejuízos sofridos desde a compra da fracção (em 21 de Novembro de 2016) até à data da propositura da presente acção (em 1 de Fevereiro de 2018), no total de MOP$ 147.848,00;
4) Condenar a ré a indemnizar os autores pelas perdas sofridas desde a data da propositura da presente ação até à data do despejo efectivo, calculadas por HKD$ 10.000,00 por mês: e
5) Condenar a ré a pagar todos os custos e encargos da presente acção, incluindo os honorários do mandatário judicial dos autores”; (cfr., fls. 2 a 7 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, finda a fase dos “articulados” com a apresentação de contestação, réplica e tréplica, por sentença da Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base de 02.09.2021, veio-se a proferir sentença onde se julgou parcialmente procedente a acção pelos AA. proposta, decidindo-se e consignando-se o que segue em sede do seu dispositivo:

“- Declarar que os autores A e B são proprietários da fracção autónoma “B” do 4.º andar do [Edifício], destinada a habitação, sita na [Endereço], inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, do Livro X-XX, fls. XXXv, “B4”;
- Condenar a ré C a reconhecer que os autores têm o direito de propriedade da supracitada fracção autónoma;
- Ordenar a ré a restituir a fracção aos autores:
- Condenar a ré a pagar aos autores MOP8.652, bem como MOP7.210 a título de indemnização por danos, calculado mensalmente desde 1 de Fevereiro de 2018 até à efectiva restituição da fracção feita pela ré.
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- Julgar improcedentes todos os pedidos deduzidos pela ré/reconvinte contra os autores/reconvindos e absolver os autores/reconvindos dos pedidos deduzidos pela ré/reconvinte.
(…)”; (cfr., fls. 187 a 191-v).

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Inconformada, a R. recorreu; (cfr., fls. 208 a 216).

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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28.04.2022, (Proc. n.° 98/2022), negou-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida; (cfr., fls. 237 a 244-v).

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Do assim decidido, para este Tribunal de Última Instância recorreu a referida R., e por Decisão Sumária de 30.09.2022, (Proc. n.° 92/2022), decidiu-se revogar o Acórdão recorrido, ordenando-se a prolação de nova decisão nos termos consignados; (cfr., fls. 345 a 348-v).

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Na sequência do decidido, e por novo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 24.11.2022, (Proc. n.° 98/2022), negou-se (novamente) provimento ao recurso da dita R.; (cfr., fls. 367 a 377-v).

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Ainda inconformada, vem a mesma R. recorrer para este Tribunal de Última Instância, produzindo longas – e confusas – conclusões para, a final, pedir (novamente) a revogação do Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 409 a 429).

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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator; (cfr., fls. 469).

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Adequadamente processados os autos – com resposta dos AA. a pugnar pela improcedência do recurso; cfr., fls. 435 a 450 – cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão indicados como provados os seguintes factos:

“Factos confirmados:
- Em 21 de Novembro de 2016, os autores, na qualidade de comprador, celebraram a escritura pública de compra e venda da fracção autónoma destinada a habitação sita na [Endereço], [Edifício], 4.º andar B (vd. fls. 57 a 60 dos autos, quanto ao conteúdo), inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX. (al. A) dos factos confirmados)
- Por conseguinte, os autores pagaram o imposto de selo sobre a transmissão de propriedade junto da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau (vd. fls. 17 dos autos). (al. B) dos factos confirmados)
- Em 23 de Novembro de 2016, a supracitada aquisição foi registada pelos autores e em nome deles como proprietários a supracitada fracção foi inscrita sob o n.º XXXXXXG. (al. C) dos factos confirmados)
- A ré sempre estava a ocupar a fracção em causa. (al. D) dos factos confirmados)
- Em 12 de Dezembro de 2017, os autores, através do mandatário judicial, enviaram uma carta registada com aviso de recepção para a morada da fracção em causa, exigindo à ré que deixasse a fracção em causa e a restituísse (fls. 19 a 21 dos autos, para todos os efeitos legais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (al. E) dos factos confirmados)
- Em 27 de Dezembro de 2017, a ré recebeu a carta acima referida. (al. F) dos factos confirmados)

Base instrutória:
- Após a outorga da escritura pública, os Autores, por carta registada datada de 12 de Dezembro de 2017, notificaram a Ré do facto de aqueles serem proprietários da fracção em causa, exigindo-lhe a desocupação e a restituição da mesma. (resposta dada ao art.º 1.º da base instrutória)
- Mas a parte contrária sempre se recusou a fazê-lo. (resposta dada ao quesito
- A área bruta da fracção em causa é de 74,67m2, cuja renda mensal do mercado imobiliário ronda entre HKD9.000,00 a HKD11.000,00, em 2019. (resposta dada ao art.º 3.º da base instrutória)
- Em 3 de Novembro de 2015, os autores já pagaram HKD$3.000.000,00 à reconvinte a título de sinal. (resposta dada ao art.º 16.º da base instrutória)
- Em 29 de Fevereiro de 2016, os autores novamente pagaram HKD$500.000,00 à ré a título de sinal e prorrogaram por três meses o prazo para a celebração do contrato de compra e venda. (resposta dada ao art.º 17º da base instrutória).
- Em 6 de Maio de 2016, os autores pagaram novamente o remanescente do preço do prédio de HKD$480.000,00 à ré. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Os autores pagaram a despesas da escritura pública de compra e venda no total de MOP$46.900,00. (resposta dada ao artigo 19.º da base instrutória)”; (cfr., fls. 188 a 188-v, 369-v a 370 e 6-v a 7 do Apenso).

Do direito

3. Vem a R. C recorrer do (2°) Acórdão – datado de 24.11.2022 – pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em sede dos presentes autos.

E, como se deixou relatado, foi tal Acórdão prolatado na sequência da Decisão Sumária deste Tribunal de Última Instância de 30.09.2022, (Proc. n.° 92/2022), que em sede de anterior recurso da R., ora também recorrente – interposto do (1°) Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, (datado de 28.04.2022) – determinou a devolução dos autos ao aludido Tribunal de Segunda Instância para aí se apreciar e emitir nova decisão relativamente à (então) impugnada decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 345 a 348-v).

Vejamos, então, que solução adoptar relativamente ao presente recurso.

Pois bem, em face do teor das alegações e conclusões apresentadas, três são as “questões” pela recorrente trazidas à apreciação desta Instância, vindo identificadas como “três nulidades”:
- uma primeira, que apelida de “nulidade do acto processual relativo ao poder de cognição dos factos derivado da competência do Tribunal”; e,
- outras duas, que denomina de “nulidade da decisão por omissão de pronúncia”; (cfr., “pontos I, II e III” das ditas conclusões).

–– Começando-se pelo “vício” – pela recorrente indicado no referido “ponto III”, e que apelida de “nulidade por omissão de pronúncia” – quanto ao “efeito do presente recurso”, cabe dizer que tal questão está (totalmente) ultrapassada em face da decisão nesta Instância já proferida e oportunamente notificada a todos os intervenientes processuais, (cfr., fls. 461 a 462 e 466 a 467).

–– Continuemos, passando-se para o vício de “omissão quanto à cognição dos factos”; (cfr., “ponto I”).

Ora, ponderado o decidido e o alegado, cremos que censura não merece o pelo Tribunal de Segunda Instância proferido (novo) Acórdão agora recorrido relativamente à impugnação pela recorrente efectuada à “decisão da matéria de facto”, pois que o mesmo é totalmente claro e esclarecedor quanto a este aspecto, tendo-se aí consignado (expressamente) o que de seguida se passa a transcrever:

“Uma vez que o venerando TUI mandou reapreciar os factos impugnados, resta cumprir o ordenado.
Estão em causa as respostas dadas aos quesitos 16º, 17º e 18º da Base Instrutória, que têm as seguintes redacções:
- Em 3 de Novembro de 2015, os autores já pagaram HKD$3.000.000,00 à reconvinte a título de sinal. (resposta dada ao art.º 16.º da base instrutória)
- Em 29 de Fevereiro de 2016, os autores novamente pagaram HKD$500.000,00 à ré a título de sinal e prorrogaram por três meses o prazo para a celebração do contrato de compra e venda. (resposta dada ao art.º 17º da base instrutória).
- Em 6 de Maio de 2016, os autores pagaram novamente o remanescente do preço do prédio de HKD$480.000,00 à ré. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
A Ré/Recorrente veio a imputar à decisão do Tribunal recorrido o vício de erro na apreciação de provas, visto que não valorou devidamente o teor dos documentos de fls. 45, 51, 52, 53 a 56 e 57 a 60 dos autos. Ou seja, na perspectiva da Recorrente, os documentos em causa são suficientes para sustentar uma versão factual diferente fixada pelo Tribunal a quo.
Será? Vejamos de imediato.
1) - O documento de fls. 45 é uma livrança que consagra os seguintes termos:

(tradução da imagem)
Em Macau, aos 3 de Novembro de 2015
LIVRANÇA
Valor: HKD$3.000.000,00 (Três milhões de dólares de Hong Kong)
Em Macau, ao , segundo a presente única livrança, restituo ao senhor A a quantia de HKD$3.000.000,00 sem outras despesas adicionais para o reembolso. Caso não se restitua a quantia em divida, a presente livrança também incluirá juros calculados à taxa legal e todas as demais despesas incorridas para a recuperação da quantia em dívida, incluindo honorários de mandatário judicial.
Ass.) C, BIRM n.º XXXXXXXX
Este documento não foi elaborado nos termos usuais, nomeadamente os termos fixados pelo artigo 1208º (nomeadamente a alínea c)) do CCOM. Mas ele não deixa de ser uma livrança, portanto um documento com força especial.
a) – Depois, conforme os documentos de fls. 49 e 50, em 29/2/2015, foi celebrado um acordo complementar em que o promitente-comprador (Recorrido) veio a pagar mais quantias à Recorrente a título de reforço do sinal referente ao contrato-promessa anteriormente celebrado;
b) – E, em 6/05/2016, foi celebrado mais um acordo complementar em que o promitente-comprador veio, mais uma vez, reforçar o sinal, tendo ambas as partes assinado o respectivo documento de fls. 47 a 48 dos autos.
Tudo isto demonstra claramente que a Recorrente devia ou pediu empréstimos junto do Recorrido, e em várias vezes, para garantia dessa dívida, foi lavrada a respectiva livrança, mas como se sabe, este documento especial dispensa apenas o recurso à acção declarativa no primeiro tempo, não garante que a devedora teria capacidade patrimonial para saldar a dívida no momento acordado. Assim, pela renovação sucessiva de prazo para saldar a dívida, tudo indica que a devedora não tinha capacidade financeira para honrar o seu compromisso, justifica-se e compreende-se que foi finalmente outorgada, em 21/11/2016, a escritura pública respeitante ao imóvel identificado nos autos.
2) - A Recorrente veio a defender igualmente que o Tribunal recorrido não valorou devidamente o teor dos documentos de fls. 57 a 60 dos autos, que são documentos certificativos de que a Ré chegou a depositar quantias na conta aberta em nome do Recorrido numa sala de casino VIP, ora mais uma vez sem razão a Recorrente, visto que:
a) – Estes documentos já foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo, tendo este afirmado:
“(...)
A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 9 a 22, 45 a 62, 80 a 82, 115 a 120 e 137 cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
Em especial, sobre os factos de simulação do negócio em causa, entre os Autores e a D, representada pela Ré foi celebrado três acordos escritos respeitante à compra e venda da fracção, não houve qualquer acordo escrito das partes da falta de vontade real de realização do negócio, a única testemunha da Ré não soube nada quanto às circunstâncias em que a Ré subscreveu os referidos acordos, limitando-se a dizer, nos termos genéricos, que o imóvel servia como garantia para que a Ré obtivesse empréstimo junto da Sala VIP, sem conseguir pormenorizar quem era o seu credor e que o empréstimo foi realizado sob quais condições, para além do depoimento dela não é directo nem pessoal. Consta dos autos também alguns recibos emitidos pela [Sala VIP] (cfr. fls. 53 a 56) em que demonstra os depósitos feitos pela Ré na conta de fichas de jogo aberta a favor do Autor em Janeiro de 2016, o que apenas indicia que o Autor e a Ré teriam envolvido na actividade de jogo no casino. No entanto, só com esses documentos não poderá afirmar que existe relação de empréstimo entre eles menos que esses depósitos se destinaram à liquidação dessa dívida por parte da Ré. Consta dos autos uma livrança a favor do Autor A no montante de HKD3.000.000,00 emitida e assinada pela Ré em 3 de Novembro de 2015, na mesma data da celebração do contrato-promessa em que a ora Ré declarou recebeu do Autor o montante de HKD3.000.000,00, a título de sinal. De facto, é estranho que quem recebeu duma pessoa uma quantia elevada por causa da venda do imóvel e prestou, ao mesmo tempo, o compromisso de pagar o montante igual à mesma pessoa no futuro. O que poderá reiterar alguma dúvida sobre a seriedade do negócio. Mas, para além das dúvidas, não há outros suportes sólidos que permitem a tirar conclusão afirmativa de que a compra e venda foi, realmente, simulada. De acordo com o disposto do art° 437° do C.P.C., a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Sendo os factos de simulação matéria de excepção alegados pela Ré, a quem cabe o ónus de prova, portanto, perante essas dúvidas, há de considerar como não provados esses factos, ao abrigo do preceito referido. Assim, deram-se por não provados os factos dos quesitos 4° a 15°.
Relativamente aos factos de pagamentos feitos pelos Autores, consta do acordo (cfr. 51) assinado pela Ré de que ela recebeu o sinal no montante de HKD3.000.000,00, mais o recibo assinado pela Ré constante de fls. 137. Para além disso, a Ré assinou mais os dois acordos a título de reforço de pagamento e prorrogação do prazo em que declarou receber os reforços de preço no montante de HKD500.000,00 e HKD480.000,00. Sendo esses acordos assinados pelas partes cuja autenticidade ninguém se põe em causa, a parte é vinculada pelos factos compreendidos nas declarações que foram contrários aos seus interesses, nos termos do nº2 do art°370° do C.C.. Quanto às despesas da escritura pública, a factura mais o recibo constante de fls. 81 e 82 é suficiente para comprovar a realização dessas despesas. Pelo que se deram por provados os factos dos quesitos 16° a 19°.
No que respeitante aos factos de interpelação, o depoimento da 2ª testemunha é vago e genérico, quanto a esse ponto, sem indicar o tempo em que se efectuou a interpelação, o único suporte sólido é a carta registada enviada pelos Autores à Ré constante de fls. 4 a 5, pelo que apenas se responde aos factos dos quesitos 1º e 2º nos termos respondidos.
Quanto ao facto da renda do mercado, resulta tanto do depoimento da 1ª testemunha dos Autores como dos documentos de fls. 115 a 116 apenas que a renda na altura do ano 2019 valia entre HKD9000 e HKD11000, não havendo dados para fixação do valor médio da renda respeitante ao período decorrido desde a outorga da escritura pública até à actualidade, pelo que somente se deu por provado a resposta dada ao quesito 3°.”
b) – Se estes documentos têm ou não a ver com a dívida que a Recorrente tinha para com o Recorrido? Não temos dados sobre este ponto e o ónus de prova recai sobre ela, a Ré/Recorrente!
c) – Relativamente aos acordos complementares, são documentos particulares, cuja genuidade não foi impugnada e contém assinatura da Ré, nesta medida tal desfavorece os seus interesses e como tal ele tem de ser aceite no seu todo.
A propósito da força probatória dos documentos particulares, observa-se:
“(…)
a) Documentos particulares escritos e assinados, ou só assinados, pela pessoa a quem são imputados.
Relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam (autenticados, legalizados, ou despidos de qualquer intervenção notarial), uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art.376.º, 1).
Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provados - plenamente provados - apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante;
(...)
A razão da divisória nitidamente traçada, sob esse aspecto, na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil está em que, no respeitante às declarações de ciência, ninguém pode ser aceite como testemunha qualificada em causa própria (nemo idoneus testis in re sua) e, relativamente às declarações de vontade, ninguém pode, em princípio, constituir título escrito a seu favor (arvorar-se em dono de uma coisa ou em credor de outra pessoa).
Com uma limitação, porém, assaz importante: O interessado que quiser aproveitar-se da parte do documento desfavorável ao signatário, aceitando assim o documento como idóneo ou verdadeiro, terá de aceitar também, por uma questão de coerência, a parte do documento favorável ao seu autor, sem prejuízo da possibilidade de demonstrar que, nesta parte, o documento não corresponde à realidade. Consagra-se deste modo, na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil, o principio da indivisibilidade da declaração documentada, fazendo recair sobre quem aproveita da parte do documento desfavorável ao seu autor o ónus de provar o contrário da parte favorável aos interesses dele (cfr. art.360.º do Cód. Civil).
O valor probatório atribuído aos documentos particulares, à semelhança do que sucede com a força probatória das declarações das partes contidas nos documentos autênticos, não impede que as declarações por ele cobertas sejam impugnadas ou atacadas por via de excepção, com base em qualquer dos vícios ou defeitos capazes de ditar a ineficácia lato sensu do negócio. (in Manual de Processo Civil, Antunes Varela, J. Miguel Beleza, Sampaio e Nora, Coimbra Editora, Limitada, 2ª edição, pág. 523 e seguintes)
Este raciocínio vale, mutatis mutandis, para o caso em apreciação.

Um outro ponto probatório que a Recorrente lança mão para tentar impugnar a matéria de facto é o depoimento de testemunhas gravado, só que para o Tribunal ad quem poder utilizar este material, há-de cumprir o ónus de prova especificado no artigo 599º/2 do CPC (transcrição para escrito desses depoimentos na parte que interesse para a decisão dos factos impugnados), mas não foi cumprido este ónus, e como tal deve ser rejeitada esta parte impugnatória.

Face ao expendido, é de concluir-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto feita pela Recorrente, dado que as provas constantes dos autos, que tinham sido objecto de valoração por parte do Tribunal a quo, não só não contrariam a conclusão fixada por este último sobre os factos, pelo contrário, reforçam a mesma conclusão, não se verificando assim qualquer omissão ou erro na apreciação de provas.
Julga-se improcedente esta parte do recurso interposto pela Recorrente para impugnar a matéria de facto nos termos acima analisados”; (cfr., fls. 370 a 373-v e 7 a 7-v do Apenso).

Dest’arte, e em face do que se deixou transcrito, mal se compreende o inconformismo (e a insistência) da ora recorrente que, em nossa opinião, apenas se pode dever a uma grande confusão que faz relativamente à “matéria” e consequente incompreensão das “razões” que levaram à decisão em questão, mais não se mostrando de dizer sobre este vício que imputa ao Acórdão recorrido.

–– Por fim, e relativamente à última (terceira) “nulidade”, (cfr., “ponto II”), vejamos.

Ora, de forma muito pouco compreensível, volta a recorrente a discutir a decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base, considerando que o Tribunal de Segunda Instância incorreu, uma vez mais, em “omissão de pronúncia”

Eis o que sobre esta “questão” diz a ora recorrente:

“11. Veja o teor seguinte da livrança constante de fls. 45 dos autos, que foi emitida pela recorrente em 3 de Novembro de 2015: “Em Macau, ao , segundo a presente única livrança, retribuo ao senhor A a quantia de HKD$3.000.000,00 sem outras despesas adicionais para o reembolso. Caso não se restitua a quantia em divida, a presente livrança também incluirá juros calculados à taxa legal e todas as demais despesas incorridas para a recuperação da quantia em dívida, incluindo honorários de mandatário judicial.”
12. Tal livrança já pode provar o facto de a recorrente ter pedido emprestado HKD$3.000.000,00 junto do 1.º recorrido A, uma vez que a recorrente não precisou admitir que devia a A o valor de HKD$3.000.000,00;
13. Se nos autos forem provados os factos acima indicados, necessariamente fica a recorrente obrigada a pagar a supracitada dívida;
14. Em razão da dívida acima indicada, a recorrente C, na qualidade de procuradora da proprietária D, em 3 de Novembro de 2015, celebrou com o 1.º recorrido um contrato-promessa de compra e venda, que tem como objecto a fracção autónoma B do 4.º andar do [Edifício] sito na [Endereço] (vd. fls. 51 e 52 dos autos):
15. Nos dias 4, 15 e 26 de Janeiro de 2016, a recorrente reembolsou ao 1.º recorrido parte da supracitada dívida (vd. 53 a 56 dos autos):
16. Em 21 de Novembro de 2016, na qualidade de constituinte (sic.) da proprietária D, E vendeu a supracitada fracção ao 1.º recorrido A pelo preço de HKD$3.980.000,00, equivalente a MOP4.099.400,00, e por isso celebrou uma escritura-pública de compra e venda (vd. fls. 57 a 60 dos autos);
17. Na verdade, o contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e o 1.º recorrido tem por base o contrato de mútuo, pelo que existe o acto relativamente simulado previsto nos art.ºs 232.º, n.º 1 e 233.º, n.º 1 do Código Civil;
18. Entende o Tribunal de Segunda Instância no seu acórdão proferido em 21 de Novembro de 2013 no processo n.º 362/2013, quanto à prova da simulação que:
“1. A prova da simulação, pode ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos: confissão, documentos, testemunhas, presunções e nenhuma restrição de ordem geral põe a lei a este propósito. [exceptuada a situação do art. 388º, n.º2 do CC].
2. Pode acontecer que haja prova directa da simulação, mas esta situação não deixa de ser rara e nesse caso é legítimo o recurso à prova por presunção que se há-de extrair do circunstancialismo que rodeou o negócio. Numa situação em que houve uma venda, através de procuração com negócio consigo mesmo, ainda que passados dez anos depois da outorga da procuração, estando até justificada a razão dessa transmissão e da que se lhe seguiu, dentro dos valores do mercado, justificando-se a primeira venda com o incumprimento do proprietário alienante do terreno que não pagou o empréstimo que fizera ao adquirente, ainda dois anos antes de aquele ter prometido vender parques de estacionamento que iria construir no prédio a edificar naquele terreno, não se vislumbram razões para considerar que houve qualquer acordo simulatório naquelas transmissões.”
19. Entende o Tribunal de Segunda Instância no seu acórdão proferido em 7 de Novembro de 2013 no processo n.º 950/2012-A, quanto à prova da simulação que: “Tendo em conta as consequências indesejáveis a que uma interpretação literal e rígida dos artºs 344º e 388º do CC pode conduzir, é de fazer uma interpretação restritiva desses normativos no sentido de que, havendo um começo de prova por escrito acerca do intuito simulatório, são admissíveis a prova testemunhal e presunção judicial, uma vez que o facto a provar já se tornou verosímil.”
20. Tal como indica o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal no seu acórdão proferido em 7 de Fevereiro de 2008 no processo n.º 07B3934 que: “1. Quando uma norma expressa exige certa espécie de prova para a existência de um facto e essa norma não foi observada pelas instâncias, pode o STJ, nos termos do n.º 2 do art. 722º do CPC, reapreciar, nessa parte, a decisão das instâncias quanto à existência desse facto. 2. A regra do art. 394º do Cód. Civil, que estabelece a inadmissibilidade da prova por testemunhas, se tiver por objecto convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento particular mencionado nos arts. 373º a 379º, não tem um valor absoluto, sendo admitida a prova testemunhal quando houver um começo ou princípio de prova por escrito, ou mesmo quando as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção.”
21. Salvo o devido respeito pelo entendimento do Tribunal a quo e do Tribunal de Segunda Instância, mas ambos não analisaram nem apreciaram as provas testemunhais e documentais apresentadas pela recorrente;
22. Indica a recorrente no ponto 9 da petição de recurso junto do Tribunal de Segunda Instância que o Tribunal a quo ignorou as provas documentais apresentadas pela recorrente (fls. 45, 51 a 52, 53 a56 e 57 a 60 dos autos), a recorrente entende que o Tribunal a quo aceitou em grande parte os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos autores para chegar aos factos dados como provados na sentença:
23. Indica o Tribunal de Última Instância no seu acórdão proferido em 25 de Março de 2022 no processo n.º 15/2022 que: “1. O vício de “omissão de pronúncia” – cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M. – apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia em relação a questão que lhe foi (devidamente) colocada e que devesse apreciar e decidir. 2. O Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a livre convicção pelas Instâncias formada quanto à prova (de livre apreciação), podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”. Com efeito, em recurso cível correspondente a 3° grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto e a sua competência em apreciar a decisão de facto fica limitada, sendo que a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto é, em princípio, intocável, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.° 2 do art.° 649° do C.P.C.M., isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
24. Entende o Tribunal de Segunda Instância no seu acórdão proferido em 4 de Julho de 2019 no processo n.º 876/2018, quanto à livre convicção que: “A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outras situações, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida, nos termos do artigo 599.º do CPC. Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro manifesto na apreciação da prova, o recurso tem que improceder.”
25. Em princípio, o Tribunal de Última Instância, no presente caso, como tribunal de terceira instância, não conhece da matéria de facto, mas tendo em consideração a nulidade do acórdão do Tribunal de Segunda Instância por ter padecido do vício de omissão de pronúncia sobre os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, deve o Tribunal de Última Instância declarar que tal acórdão é nulo e ordenar o reenvio dos autos para o Tribunal a quo para o novo julgamento da causa;
26. É o que foi indicado no acórdão a fls. 4 e 5 com base no conhecimento de facto feito pelo Tribunal a quo:
“A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 9 a 22, 45 a 62, 80 a 82, 115 a 120 e 137 cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
Em especial, sobre os factos de simulação do negócio em causa, entre os Autores e a D, representada pela Ré foi celebrado três acordos escritos respeitante à compra e venda da fracção, não houve qualquer acordo escrito das partes da falta de vontade real de realização do negócio, a única testemunha da Ré não soube nada quanto às circunstâncias em que a Ré subscreveu os referidos acordos, limitando-se a dizer, nos termos genéricos, que o imóvel servia como garantia para que a Ré obtivesse empréstimo junto da Sala VIP, sem conseguir pormenorizar quem era o seu credor e que o empréstimo foi realizado sob quais condições, para além do depoimento dela não é directo nem pessoal. Consta dos autos também alguns recibos emitidos pela [Sala VIP] (cfr. fls. 53 a 56) em que demonstra os depósitos feitos pela Ré na conta de fichas de jogo aberta a favor do Autor em Janeiro de 2016, o que apenas indicia que o Autor e a Ré teriam envolvido na actividade de jogo no casino. No entanto, só com esses documentos não poderá afirmar que existe relação de empréstimo entre eles menos que esses depósitos se destinaram à liquidação dessa dívida por parte da Ré. Consta dos autos uma livrança a favor do Autor A no montante de HKD3.000.000,00 emitida e assinada pela Ré em 3 de Novembro de 2015, na mesma data da celebração do contrato-promessa em que a ora Ré declarou recebeu do Autor o montante de HKD3.000.000,00, a título de sinal. De facto, é estranho que quem recebeu duma pessoa uma quantia elevada por causa da venda do imóvel e prestou, ao mesmo tempo, o compromisso de pagar o montante igual à mesma pessoa no futuro. O que poderá reiterar alguma dúvida sobre a seriedade do negócio. Mas, para além das dúvidas, não há outros suportes sólidos que permitem a tirar conclusão afirmativa de que a compra e venda foi, realmente, simulada. De acordo com o disposto do art° 437° do C.P.C., a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Sendo os factos de simulação matéria de excepção alegados pela Ré, a quem cabe o ónus de prova, portanto, perante essas dúvidas, há de considerar como não provados esses factos, ao abrigo do preceito referido. Assim, deram-se por não provados os factos dos quesitos 4° a 15°.”
27. Entende a Dra. Marta João Dias de forma seguinte quanto à convicção:
“A livre valoração da prova foi, durante anos, associada à íntima convicção do julgador, que decidiria sem sujeição a quaisquer critérios e sem qualquer forma de controle, porque se compreendia conter uma marca sobretudo subjectiva e não objectivável.
Na actual redacção encontramos consagrado o critério da prudente convicção: "o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto".
A convicção é o estado de certeza ou incerteza na verdade de um facto. No que toca à valoração da prova no âmbito de um processo judicial, este estado não pode ser um estado de fé, impõe-se que seja um estado crítico, formado de acordo com critérios de prudência. Assim, poderemos dizer que o julgador é livre na valoração da prova (na apreciação e na formação da convicção), na justa medida em que os meios de prova sujeitos à sua apreciação não têm um valor legal predeterminado, mas a decisão não o é, ou seja, a convicção exteriorizável pela decisão não pode ser uma "intima convicção" compreendida como um feeling. Por outro lado, também não é uma "pura objectividade" lógico-racional, que se possa demonstrar7. O estado de certeza da verdade, que há-de corresponder sempre a uma probabilidade, manifesta-se num juízo de certeza prático-emocional que, não obstante a inapagável nota pessoal, não cai num subjectivismo arbitrário, mas é antes marcada pela "objectividade da vida", isto é, no decidir, o julgador convoca a sua experiência ou vivência pessoal, o que mais não é do que o património de saberes e experiências comum ou da comunidade em que se insere e que viabiliza o nosso con-viver8, pelo que a verdade a emergir há-de ser a intersubjectivamente partilhada e expernnentada.9
Em que é que se traduz esta "prudente convicção"?
A prudência é a virtude do Homem prudente (prudens), ou a qualidade de uma acção tomada segundo critérios prudentes. Sendo a prudência lima das quatro virtudes cardeais, o prudente não se confunde com o Homem Médio ou com o bonus pater famílias.
O julgador deve ser um iuris-prudente ou, pelo menos, agir com iuris-prudentia, isto é, orientado para a realização do Direito.
A prudentia corresponde a um saber-agir, por contraposição ao saber-puro ou sapientia e ao saber-fazer ou ars. Não é um saber-puro na medida em que o agir pode sempre ser outro, isto é, o sujeito actuou de uma forma mas poderia ter actuado de outra; não é um saber-fazer porque a acção é orientada para um fim próprio.10
A inteligência não é o mesmo que prudência, pois uma coisa é aprender ("faculdade de conhecer cientificamente"), outra é compreender ("faculdade de opinar, quando se trata de emitir um julgamento sobre o que outra pessoa enuncia em matérias de índole prudencial")”
28. O Tribunal a quo já indicou ter dúvida sobre a seriedade do supracitado acordo, uma vez que no dia 3 de Novembro de 2015, a recorrente emitiu uma livrança a favor do 1.º recorrido no valor de HKD$3.000.000,00 e no mesmo dia a recorrente também celebrou com o 1.º recorrido o contrato-promessa de compra e venda e declarou ter recebido tal valor a titulo de sinal (vd. recibo do sinal, a fls. 137 dos autos);
29. Entre os supracitados factos existe uma contradição grave, o supracitado valor de HKD$3.000.000,00 é uma divida que deve a recorrente ao 1.º recorrido, ou é um valor sobre o contrato-promessa pago à recorrente a título de sinal, pois é uma contradição manifestante.
30. Mas a única testemunha apresentada pela recorrente já pode indicar claramente que: “A celebração do supracitado contrato-promessa de compra e venda” serve de “garantia do valor acima indicado de HKD$3.000.000,00”;
31. Entendem o Dr. João Gil de Oliveira e o Dr. José Cândido de Pinhos, ambos antigos juízes do Tribunal de Segunda Instância, quanto à presunção de facto que: “As presunções judiciais ou hominis ("do homem", porque não estão estabelecidas na lei), por vezes designadas presunções facti, são ilações que o julgador, em seu prudente arbítrio, retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, mais rigorosamente para formar a sua convicção. Assentam em simples raciocínios de quem julga, baseando-se lias regras de experiência, no cálculo de probabilidade, nos princípios da lógica e da intuição humana.”1
32. O Tribunal a quo, face aos supracitados dois factos indiciários, adoptou a presunção de facto previsto nos art.ºs 342.º e 344.º do Código Civil de Macau, concluindo pela inexistência do facto simulado no caso em apreço, pois é totalmente contrário à regra de experiência comum;
33. Nos termos do art.º 650.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau, devem os meritíssimos juízes do TSI julgar que os factos dados como provados na sentença do Tribunal a quo e no acórdão do Tribunal de Segunda Instância não são suficientes para o julgamento ampliado de recurso.
34. Em 20 de Junho de 2022, face aos pontos 16 a 38 dos fundamentos acima indicados. a recorrente já alegou junto do Tribunal de Última Instância que o Tribunal de Segunda Instância totalmente não conheceu disso, pois tais fundamentos pertencem ao objecto previsto no art.º 433.º do Código de Processo Civil na investigação processual.
35. Salvo o devido respeito, o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre os fundamentos indicados nos supracitados pontos 16 a 38, padecendo assim do vicio de nulidade por omissão de pronúncia previsto no art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil de Macau.
36. Na verdade, o Tribunal de Segunda Instância não conheceu de todos os fundamentos do recurso invocados pela recorrente junto do Tribunal de Segunda Instância, mas sim rejeitou o recurso por causa de a recorrente não ter cumprido o dever de impugnação dos factos no recurso, padecendo assim do supracitado vício de omissão de pronúncia por falta de conhecimento concreto do recurso.
37. É nulo o supracitado acórdão por ter padecido do vício de omissão de pronuncia também razão pela qual se vem interpor recurso para o Tribunal de Última Instância (nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. d), aplicável por remissão do art.º 639.º do Código de Processo Civil)”; (cfr., concl. 11a a 37ª, a fls. 423 a 426-v e 14-v a 18 do Apenso).

Ora, percorrendo o atrás exposto, cabe dizer que o mesmo se nos apresenta como um (bom) exemplo do que constitui um vão esforço de se tentar a voltar a discutir o que desde o início se alegou – a dita “simulação” – mas que não se conseguiu provar.

Com efeito, desde o início que alegou a ora recorrente que a suposta “compra e venda” da fracção pelos AA. “reivindicada” nos presentes autos tinha sido um “negócio sumulado”, o que, como se viu e deixou explicitado, não resultou “provado”, pretendendo agora voltar a insistir nesta sua “versão” e “questão” a todo o custo.

Porém, para além de nesta parte do seu recurso nem sequer identificar, concretamente, qual a “matéria de facto” em questão, (e, especialmente, os respectivos “quesitos”), limita-se a “alegar” e a repetir a sua “versão”, (já dada como não provada), constituindo esta sua postura e motivação uma verdadeira prática do ditado que diz: “muita parra e pouca uva”.

Antes de mais, não se pode olvidar o estatuído no art. 649° do C.P.C.M. quanto aos poderes de cognição deste Tribunal de Última Instância relativamente à matéria de facto, (cfr., v.g., entre muitos outros, e para citar dos mais recentes, os Acs. de 16.02.2022, Proc. n.° 82/2020, de 25.03.2022, Proc. n.° 15/2022, de 16.09.2022, Proc. n.° 74/2022, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020, de 03.07.2024, Proc. n.° 33/2021 e de 06.06.2025, Proc. n.° 75/2023), cabendo também dizer que a ora recorrente confunde a “prova que é legalmente exigível para se dar por provada uma simulação”, com a situação dos autos, em que se pretendia a prova da mesma “simulação, mas que não se provou”, (ou melhor, que ela que a alegou, não cumpriu o seu ónus de prova).

E, então, à falta de melhor argumento, imputa – olímpica e indiscriminadamente – o vício de “omissão de pronúncia”, certo sendo que, como (claramente) resulta do texto do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, (e cujo excerto nesta parte relevante atrás se transcreveu), não deixou o Colectivo a quo de se pronunciar, (como e sobre o que legalmente lhe competia), tão só por “delírio” se podendo assim pretender obter a inversão do decidido.

Enfim, como em tudo na vida há que ter limites, pois que não pode valer tudo…

Nesta conformidade, e apresentando-se-nos, também aqui, manifestamente inexistente o imputado “vício” (de omissão de pronúncia, ou outro), resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face de tudo o que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao Tribunal Judicial de Base com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 25 de Julho de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
1 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, Código Civil de Macau Anotado e Comentado - Jurisprudência, volume V, CFJJ ,2018, pág. 228.
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