Processo nº 116/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 17 de Julho de 2025
ASSUNTO:
- Marcas
- Concorrência desleal
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Rui Pereira Ribeiro
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Processo nº 116/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Julho de 2025
Recorrente: A
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, e
B有限公司
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B有限公司, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que concedeu o registo da marca nº N/20XXX2, pedindo a anulação da decisão recorrida, com a consequente recusa do registo da referida marca.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal os processos administrativos referentes aos pedidos de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença julgando procedente ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a parte contrária da marca e agora Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
1. Vem o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida em 29 de Julho de 2024, que deu provimento ao recurso judicial interposto pela empresa C, aqui Parte Contrária/Recorrida e, em consequência, alterou o despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, de 11 de Janeiro de 2024, assim recusando a marca , n.º N/20XXX2, para assinalar produtos da classe 30, requerida pelo aqui Recorrente.
2. O Recorrente pretende impugnar a mencionada Sentença, restringindo o recurso à parte da decisão do douto Tribunal a quo que considerou que tal marca, apresentada a registo em 22 de Maio de 2023, pelo aqui Recorrente, deve ser recusada com o fundamento que visa obstar a prática de actos de concorrência desleal, face à marca D, não registada, que foi apresentada a registo em 4 de Agosto de 2023, pela aqui Parte Contrária/Recorrida, que tomou o n.º N/21XXX7, para assinalar produtos da classe 30.
3. Imputa o Recorrente à decisão recorrida um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação, porque o douto Tribunal a quo, para decidir, fez uma incorrecta aplicação da norma do art.º 214.º, n.º 2, alínea e), do RJPI, porquanto a Parte Contrária não fez prova de que é titular de uma firma, nome ou insígnia de estabelecimento, que contenha o sinal D e se encontrem registados em Macau e, portanto, mereçam protecção e em consequência, o Recorrente possa praticar actos de concorrência desleal ao usar a marca registanda para produtos da classe 30.
4. O Recorrente imputa, também, à decisão recorrida o vício da contradição na fundamentação, porquanto, antes de se debruçar sobre este fundamento de recusa - concorrência desleal - considerou que, efectivamente, a aqui Parte Contrária não é titular de uma marca notória e que, embora use aquele sinal na sua actividade comercial, não o registou, no período de 6 meses, conforme art.º 202 do RJPI, pelo que perdeu a prioridade.
5. Partindo do pressuposto do facto de que a Parte Contrária não tem nenhuma marca registada em Macau consistente em D, nem outro qualquer direito de propriedade industrial, máxime um estabelecimento comercial registado cuja designação social contenha o sinal “D” e, pese o facto de usar tal sinal há quase três anos, não o registou no prazo de seis meses — só requereu o registo em 4 de Agosto de 2023 -, acrescendo que não logrou provar que o mesmo goze de notoriedade em Macau, tem que se considerar que não goza de quaisquer direitos sobre tal marca, pelo que não parece ser crível que, no caso se possa considerar que a marca do Recorrente deva ser recusada com base na concorrência desleal.
6. De acordo com a jurisprudência dos nossos Tribunais da RAEM, designadamente desse Venerando Tribunal de Segunda Instância, ora Tribunal ad quem, não descrevendo o regime jurídico da propriedade industrial as situações que configurem um quadro de concorrência desleal, há que se socorrer do Código Comercial, designadamente, dos seus artigos 158.º e 159.º.
7. Tendo como fundamento de direito a causa de recusa de registo as normas do Código Comercial, tem-se como certo que a concorrência desleal não implica necessariamente a prova da sua verificação concreta, nem sequer obriga à prova da intenção de deslealdade concorrencial, mas antes se basta com a mera potencialidade abstracta de ela ocorrer. Portanto, dispensam-se factos e atitudes concretos dos quais se possa extrair uma presunção judicial, uma vez que a situação não é de presunção, mas de características de “potencialidade” e “idoneidade” de concorrência desleal.
8. Sendo, porém, necessário que se faça o confronto entre a marca que se pretende registar com uma marca que goze de notoriedade e fama no mercado dos produtos para os quais as marcas em confronto se destinam.
9. No presente caso, a concessão do registo da marca do Recorrente não constitui uma situação idónea a criar essa concorrência desleal, porque, efectivamente, tal como o douto Tribunal a quo decidiu, quanto ao primeiro fundamento invocado pela Parte Contrária - o que tem por base a notoriedade de marcas notórias -, foi dado por não verificado.
10. No humilde entendimento do Recorrente, terá que se concluir que, não tendo sido reconhecida a notoriedade do sinal “D” que vem sendo utilizado pela Parte Contrária, objectivamente, o Recorrente não poderá com a sua marca para assinalar produtos da classe 30 - bebidas à base de chá, café e tapioca e doces à base de cereais, tapioca e geleia real -, confundir os consumidores ou desviar a clientela de um concorrente, nomeadamente, da empresa C, aproveitando-se da sua reputação, da qual não goza.
NESTES TERMOS e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, seja considerado procedente o presente Recurso Jurisdicional e, consequentemente, seja revogada a douta sentença de 29 de Julho de 2024 e, assim, seja mantido o despacho da DSEDT de 11 de Janeiro de 2024, que lhe concedeu a marca , que tomou, respectivamente, os n.ºs N/20XXX2, (para produtos da classe 30) e N/20XXX3 (para serviços da classe 43), atendendo, ainda, ao facto de que existe afinidade entre os produtos da classe 30 e os serviços da classe 43.
Assim procedendo, será feita uma sã JUSTIÇA!
Notificada a DSEDT das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
A. Em 22 de Maio de 2023, a parte contrária apresentou à DSEDT o pedido de registo da marca n.º N/20XXX2, com logótipo , para fornecer os produtos da classe 30, incluindo: produtos de confeitaria; café; bolos; chá; sorvetes; sêmola de feijões; farinha de cereais descascados para consumo humano; farinha de mandioca; bebidas à base de café; bebidas à base de chá; aperitivos e snacks à base de cereais; geleia real não destinada a fins medicinais; alimentos de aveia; pudim.
B. O referido pedido foi publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 29, II Série, de 19 de Julho de 2023.
C. Por despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Industrial, de 11 de Janeiro de 2024, cujo teor se encontra transcrito no processo administrativo e aqui se dá por integralmente reproduzido, foi deferido o pedido de registo da marca da parte contrária.
D. A referida decisão foi publicada no Boletim Oficial da RAEM n.º 6, II Série, de 7 de Fevereiro de 2024.
E. A recorrente tem a sua loja localizada na península de Macau, Avenida XX, n.º XX, XX, Bloco XX, XX “XX”, que iniciou as suas actividades há cerca de 3 anos, e em Abril de 2023, abriu o filial situado na Taipa, Estrada XX, n.º XX, Jardim XX, XX “XX”. (vide as fls. 27 a 28 e 34 dos autos)
F. A recorrente tem usado, na decoração e na tabuleta da sua loja, o logótipo “D” como imagem exibida ao público e aos consumidores. (vide as fls. 27 a 32 dos autos)
G. A recorrente tem usado o logótipo “D” nas actividades comerciais desenvolvidas, até na sua conta bancária, na conta de E, no terminal de pagamento, e na carteira electrónica de F. (vide as fls. 35 a 37 dos autos)
H. A recorrente usa o sinal “D” em todos os produtos vendidos e cartazes publicitários. (vide as fls. 42 a 56 dos autos)
I. Na operação, a recorrente também promoveu umas actividades, tais como “Giveaway – compre mais de 80 patacas e ganhe um emblema aleatório limitado de D” e “blind box de XX”. (vide as fls. 57 a 62 dos autos)
J. Em 13 de Julho de 2021, a recorrente divulgou uma mensagem do início de actividade através da mídia de Macau “XX(XX)” na rede social XX. (vide as fls. 63 dos autos)
K. No Ano Novo Chinês de 2024, a recorrente recebeu votos de felicidades e a carta de agradecimento pelo patrocínio prestado por “D”, enviada pela Associação de Desportos G de Macau (G XX). (vide as fls. 64 a 66 dos autos)
L. A recorrente patrocinou o 19º XX, que teve lugar nos dias 4 a 9 de Dezembro de 2023. (vide as fls. 67 dos autos)
M. A loja da recorrente, com a marca “D”, também foi convidada, no ano passado, pela Associação de Estudantes da XX, para patrocinar a sua actividade – 6ª XX, incluindo fornecer bebidas aos intérpretes dramáticos, convidados e espectadores, e ao mesmo tempo, distribuir vouchers de bebidas no local para efeitos de divulgação da sua marca. (vide as fls. 68 a 73 dos autos)
N. A recorrente também recebeu convite da XX para patrocinar as suas actividades do ano 2024. (vide as fls. 75 dos autos)
O. A “D” da recorrente também fornece mercadorias aos restaurantes em Macau, incluindo XX, XX, e Restaurante XX. (vide as fls. 76 a 84 dos autos)
b) Do Direito
O recurso vem interposto apenas da parte da decisão recorrida que concluiu pela verificação de concorrência desleal, cujo conteúdo é o seguinte:
«In casu, são duas as questões a resolver:
(I) Se a marca , cujo registo foi concedido à parte contrária, constitui ou não imitação da marca detida pela recorrente (ou até marca notória);
(II) Se o pedido de registo da marca apresentado pela parte contrária constitui ou não concorrência desleal.
(…)
*
A seguir, cumpre analisar se o pedido de registo da marca da parte contrária constitui ou não acto de concorrência desleal.
Ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 1, al. c) do RJPI, é fundamento de recusa da concessão do registo de marca o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Da referida norma se pode resumir que, a concorrência desleal exigida para recusar o registo de marca, tem as seguintes características:
1. Existir objectivamente o acto de concorrência desleal, sem necessidade de haver a intenção correspondente;
2. Não depender dos danos efectivos causados pelo acto de concorrência desleal.
Neste sentido, ensina LUÍS COUTO CONÇALVES que:
“(…) A concorrência desleal surge-nos aqui numa acepção diferente, como uma situação de “desconformidade objectiva” numa perspectiva preventiva.
Procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo intencional ou não, desencadeia ou pode desencadear com o seu pedido uma situação objectivamente desleal (um acto contrário às normas e usos honestos de qualquer actividade económica).
… …
Na previsão da norma têm de caber outras situações como por exemplo:
o pedido de registo de uma marca de facto usada há mais de seis meses por um outro concorrente” (sublinhado nosso) - «Direito de Marcas», 2ª ed., p. 164/165.
Segundo o aludido entendimento, registar uma marca de facto usada por outrem como sua própria marca é um acto típico de concorrência desleal, porque é susceptível de criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito de outrem.
Dispõe-se no art.º 158.º do Código Comercial que:
“Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica.”
E no art.º 159.º do mesmo Código que:
“1. Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes.
2. O risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática.”
In casu, a marca n.º N/20XXX2, cujo registo foi concedido à parte contrária, tem o logótipo , que é quase completamente idêntico (salvo a cor dos dizeres e a cor de base) ao nome e sinal “D” usado pela recorrente no estabelecimento comercial explorado e nos produtos vendidos por ela em Macau. Partindo da perspectiva de um consumidor médio, entendo que a marca para qual a parte contrária requereu o registo induzirá facilmente o consumidor em erro ou confusão com o sinal efectivamente usado pela recorrente, levando-o a acreditar erroneamente que os produtos e serviços prestados pela parte contrária são fornecidos pela empresa da recorrente ou ligados com ela.
Como atrás já se referiu, o Juízo não pode reconhecer que a marca que a parte contrária pretende registar é reprodução ou imitação de marca notória ou genérica, porque não fica provada a titularidade efectiva pela recorrente duma marca notória, e a recorrente não tem o direito de prioridade previsto pelo art.º 215.º, n.º 1, al. a) do RJPI (por ter exorbitado do prazo de 6 meses previsto no n.º 1 do art.º 202.º), no entanto, isso não significa que o acto da parte contrária de registar como marca não constitui concorrência desleal.
A par disso, ao abrigo do disposto no art.º 214.º, n.º 2, al. e) do RJPI, o pedido de registo é recusado sempre que a marca contenha a firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
Considerando que a marca que a parte contrária pretende registar é muito semelhante, até idêntica, ao sinal usado pela recorrente no seu estabelecimento comercial e nas actividades comerciais, em termos de aparência, e susceptível de induzir o consumidor em confusão sobre os produtos e serviços prestados pelas duas partes, afigura-se-me que o acto de registar a marca, da parte contrária, constitui objectivamente concorrência desleal, e deve ser indeferido o seu pedido de registo, nos termos do art.º 9.º, n.º 1, al. c) do RJPI.».
Concordamos integralmente com o os fundamentos constantes da sentença recorrida.
Sendo certo que a agora Recorrida perdeu o direito de prioridade de registo da marca em causa por a ter usado por mais de 6 meses sem ter procedido ao registo da mesma, e sendo também certo que não está demonstrado que se trata de marca notória, o certo é que tal como resulta da Douta sentença recorrida não são apenas os fundamentos do direito de prioridade e da notoriedade que podem fundamentar a recusa do registo da marca.
O Regime Jurídico da Propriedade Industrial consagra no seu artº 9º os fundamentos gerais de recusa da concessão de direito de propriedade industrial onde se inclui a marca, prevendo no seu nº 1 al. c) a concorrência desleal independentemente de intenção.
Da factualidade apurada resulta que há mais de 3 anos que a agora Recorrida usa o sinal que a Recorrente agora pretende registar como marca sua no seu giro comercial do qual fazem parte duas lojas uma situada em Macau outra na Taipa.
A apropriação daquele sinal por terceiro registando-o como marca e passando a usá-lo como tal irá necessariamente induzir o público em erro levando-o a pensar que os produtos comercializados por si são os produtos comercializados pela Recorrida.
Tal como resulta da Doutrina citada na sentença recorrida e com a qual concordamos inteiramente ainda que aquele que usa o sinal que outrem pretende registar como marca tenha perdido o direito de prioridade de registo, se daí resultar a possibilidade de haver concorrência desleal, ainda assim a marca pode ser recusada.
O conceito de concorrência desleal é indeterminado sendo certo que cabe à Doutrina e Jurisprudência proceder à definição do mesmo.
A existência de duas lojas que comercializam produtos e usam há mais de 3 anos o sinal que a Recorrente agora pretende registar com o nível de publicidade e abrangência que se demonstrou é o bastante para se concluir que o registo deste sinal como marca por outrem e o consequente uso do mesmo irá levar o público alvo a confundir-se quanto à origem e proveniência dos produtos, o que é bastante para se concluir pela existência de concorrência desleal ainda que não se demonstre ser intencional.
Assim, bem se conclui na decisão recorrida, a cujos fundamentos aderimos nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, negando-se provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida que revogou a concessão do registo da marca N/20XXX2.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Julho de 2025
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)
116/2025 CÍVEL 1