Processo n.º 464/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 24 de Julho de 2025
ASSUNTOS:
- Presença obrigatória (e rotineira) dos trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing” e suas repercussões nas remunerações salariais
SUMÁRIO:
I - Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos nesta matéria. No caso de esta não apresentar esses dados em litígio, a sua conduta esta sujeita a livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC ).
II - Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing”, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime (geral), aplicável a todos os trabalhadores (da mesma área funcional) e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade, em vez de ser uma situação casuística, pois tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020.
III – Uma vez provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, é de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos, o que lhe permite reclamar remunerações nos termos fixados pela legislação laboral.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 464/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 24 de Julho de 2025
Recorrente : Recurso Final / Recurso Interlocutório
A S.A. (A股份有限公司)
Recorrido : B
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A – Recurso interlocutório:
1) – Despacho de fls.93 e verso
A S.A. (A股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 11/09/2024 (fls. 93 e verso), veio, em 30/09/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 98 a 107, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. presente recurso vem interposto do despacho proferida pelo Tribunal a quo e que ordena a Ré, ora Recorrente, para juntar, no prazo de 10 dias, os "registos de dados" relativos ao A, nos temos do Art. 455.º do CPC, designadamente os recibos de pagamento de remuneração, as mapas de férias gozadas e de ausência do trabalho, os "Roster"s, etc.
B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora, Recorrente.
C. O A. não sabe, nem alega, quando é que trabalhou e quando trabalhou em dias consecutivos.
D. Ora, estes factos são factos pessoais do A.
E. Devem ser alegados pelo A., não pela Ré, e menos, pelo Tribunal.
F. Alegar tais factos, tal como foi julgado, e bem no LB1-24-0001-LAC, LB1-24-0005-LAC, LB1-24-0010-LAC "trata-se de uma obrigação cujo ónus da liquidação cabe ao A., bem como o seu ónus da alegação de factos essenciais, por se tratar de fatos pessoais relativamente ao seu trabalho quotidiano e que o A. tem condições de anotar e recordar, por si próprio, os dias de trabalho, não se convertendo esse ónus mesmo com os deveres de preparação e conservação dos registos de dados por parte do empregador previstos no Art.13.º da Lei n. º 7/2008. Não o fazendo, torna-se o seu pedido ininteligível e por conseguinte ineptidão da petição inicial."
G. O A. não pode atirar para o ar um pedido genérico (por vezes) e depois esperar que a Ré junte os documentos para provar aquilo que não alega, nem sabe.
H. Os dias em que o A. trabalhou ao sétimo dia são factos de que deve ter conhecimento e dessa maneira alegar e concretizar a sua causa de pedir.
I. Também o Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7, em 09-10-2018, definiu "A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo."
J. Se o A. não sabe quais os dias que trabalhou, nem quando trabalhou, não tem causa de pedir que sustente qualquer pedido.
K. Com a decisão sob censura não só se pretende construir uma nova causa de pedir (em relação ao trabalho prestado e ao sétimo dia consecutivo), como se ordena a junção de documentos que não foram pedidos pelo A., como os mapas de férias e os "Rosters".
L. Mais quando se funda a ordem na boa decisão da causa.
M. Ou seja, nem o Meritíssimo Juiz a quo sabe quais os factos da causa de pedir que pretende provar!
N. Pelo que, salvo o devido respeito, dúvidas não restam que andou mal o Meritíssimo Juiz a quo.
O. O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 139.º n.º 1 e 2 al. a), 455.º do C.P.C e 13.º da Lei n.º 7/2008.
Termos em que deverá ser substituída o despacho do Tribunal a quo que ordenou à Recorrente, A, a junção dos "registos de dados" relativos ao A, nos temos do Art. 455.º do CPC, designadamente os recibos de pagamento de remuneração, as mapas de férias gozadas e de ausência do trabalho, os "Roster"s, etc., por outra que acolha estas conclusões.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 116 a 118, tendo alegado o seguinte:
a) Do objecto do Recurso:
Insurge-se a Recorrente a respeito do ponto 3 do douto Despacho Saneador, na parte em que foi ordenada a juntar, no prazo de 10 dias, os "registos de dados" relativos ao Autor, designadamente "os recibos de pagamento da remuneração, os mapas de férias gozadas e de ausência do trabalho (...)".
Entende a Recorrente que tal "decisão" se destina a permitir ao Autor "construir uma causa de pedir inexistente (...)" que "(...) parece que o Tribunal a quo, com a decisão sob censura, pretende substituir-se ao A. na construção da causa de pedir", porquanto "(...) nem o Meritíssimo Juiz a quo sabe quais os factos da causa de pedir pretende provar", "O que é manifestamente ilegal" (Cf. art. 22.º, 27.º e 34.º das Motivações da Recorrente).
De perneio,
Alega a Recorrente que "(...) o A. atira para o ar um pedido genérico (por vezes)...", e que se trata de uma "(...) estratégia dos amigos do A. que tem vindo a ser julgada improcedente" (Cf. art. 14.º e 15.º das Motivações).
Que dizer?
Salvo o devido respeito, em caso algum pode o ora Recorrido deixar de sublinhar a sua total perplexidade em face das infundadas e gritantes afirmações proferidas pela Recorrente que, no limite, mais não fazem do que colocarem causa a imparcialidade do douto Tribunal e a justa composição do litígio, o que a mesma não tem, de resto, qualquer pudor em afirmar sob os pontos 31.º a 33.º das suas Motivações de Recurso!
Trata-se, antes de mais, de um comportamento incorrecto e que nada prestigia quem se apresenta a litigar em juízo e que, pela sua total "deselegância" e "inveracidade" em caso algum poderá deixar de ser devidamente censurado, em conformidade, o que desde já se requer.
Sem prescindir,
Conforme resulta do Ponto 3 do douto Despacho Saneador, por ter interesse para a decisão da causa, a Ré/Recorrente foi ordenada a juntar aos presentes autos os "registos de dados" relativos ao Autor, designadamente "os recibos de pagamento da remuneração, os mapas de férias gozadas e de ausência do trabalho (...)".
Trata-se, bem sabido, de informação que faz parte, entre outra, do conteúdo das alíneas 4), 6) e 7) do art. 13.º (Registo de dados) da Lei n.º 7/2008, que a Recorrente, na qualidade de empregador, está obrigada à sua conservação por um período de três anos após a cessação da relação de trabalho.
É, pois, manifestamente falso que a "informação" cuja junção foi ordenada pelo Meritíssimo juiz a quo não consta do disposto no art. 13.º da Lei das Relações de Trabalho de Macau!
Acresce que,
Contrariamente ao que a Recorrente afirma, existe uma "diferença significativa" entre os presentes autos e os constantes dos Processos LB1-24-0001-LAC, LB1-24-0005-LAC e LB1-24-0010-LAC, porquanto, naqueles, efectivamente os Autores formularam "pedidos genéricos", contrariamente ao pedido formulado nos presentes autos que é um pedido determinado e concreto!
Tanto assim é que, em momento próprio, o Autor foi "convidado a aperfeiçoar" a Petição Inicial que havia sido submetida em juízo, tendo-a substituído por uma outra, mais detalhada e mais completa e relativamente à qual, em momento oportuno, a Recorrente nada avançou a respeito de um qualquer putativo "pedido genético" formulado pelo Autor!
É pois, salvo melhor opinião, manifestamente inoportuna e extemporânea toda a alegação da Recorrente a este particular respeito.
Já diz o ditado popular: "Quem não deve, não teme"!
In casu, a Recorrente, não só "deve" como "teme" pela sua falta de manifesta razão, bem sabendo que as "informações" cuja apresentação foi legal e oportunamente ordenada pelo douto Tribunal a quo são um elemento importante para a descoberta da verdade material e para a boa a célere resolução do litígio.
De onde, com o presente Recurso, a Recorrente mais não faz do que deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, visto estar em causa o cumprimento de uma obrigação legal (leia-se, dever de apresentação dos "registos de dados" do Autor), para a qual foi judicialmente ordenada e relativamente a "informação" (leia-se, documentos) que está na sua posse1, em manifesta violação do dever de colaboração a que está legalmente sujeita.
No limite, a Recorrente mais não faz do que procurar entorpecer e fazer protelar o normal andamento dos presentes autos, colocando em causa o Princípio do Inquisitório que norteia a actuação do Tribunal a quo, sem qualquer razão válida e/ou fundamento sério para o efeito, o que em caso algum poderá deixar de ser devidamente repreendido e sancionado, em conformidade, a título de litigância de má fé, devendo a Recorrente ser condenada no pagamento de uma indemnização em quantia que se relega para o bom senso do douto Tribunal ad quem, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
Termos em que se requer que sejam aceites as presentes Alegações de Resposta e, em consequência, o ser o Recurso apresentado pela Recorrente julgado totalmente improcedente, por manifesta carência de fundamento legal, devendo a Recorrente ser condenada à apresentação em juízo dos "registos de dados" relativos ao Autor/Recorrido, tal qual ordenada judicialmente a fazê-lo pelo douto Tribunal a quo.
Sem prescindir,
A concluir-se que, com o seu Recurso, a Recorrente mais não faz do que deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, visando entorpecer a acção da justiça, visto estar em causa o mero cumprimento de uma obrigação legal (leia-se, dever de apresentação dos "registos de dados" do Autor), para a qual foi judicialmente ordenada e relativamente a "informação" (leia-se, documentos) que está na sua posse, em manifesta e grave violação do dever de colaboração a que está legalmente sujeita, deve a mesma ser condenada em litigância de má fé e no pagamento de uma indemnização, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer.
Em qualquer dos casos, deve a Recorrente ser condenada em custas e em condigna procuradoria, assim se fazendo a sempre costumada Justiça!
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2) – Despacho de fls.141 a 143
A S.A. (A股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 07/01/2025 (fls. 141 a 143), veio, em 23/01/2025, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 156 a 166, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. presente recurso vem interposto do despacho proferida pelo Tribunal a quo e que defere o pedido de dispensa de depoimento de parte do Autor.
B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora, Recorrente.
C. O A. alegou que os custos com a deslocação a Macau representam um sacrifício economicamente incomportável para o A.
D. Não junta nenhum documento.
E. Não realizou, nem pediu qualquer diligência probatória.
F. O A. não indicou nenhum motivo ou facto para que o Tribunal aprecie essa impossibilidade ou, como prevê o Art. 481.º do C.P.C, julgue haver sacrifício incomportável.
G. Pelo que o A. não preencheu este dispositivo.
H. É o A., que requer a sua dispensa, que tem o ónus de provar que a deslocação a Macau representa um sacrifício incomportável.
I. É inaceitável a inversão desse ónus operada pelo Meritíssimo Juiz a quo quando escreve: "não ficou provado que a deslocação não representa sacrifício incomportável para o autor."
J. Se o Autor alega que a deslocação a Macau representa esse sacrifício é o A. que tem de provar, não é a Ré que tem de provar o contrário.
K. O Acórdão deste TSI no Processo nº 198/2020 (Autos de Recurso Cível e Laboral), de 2 de Julho de 2020: "Nos termos do nº 1 do artº 335º do C.Civ. àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invoca independentemente desses factos serem negativos ou positivos."
L. Veja-se que o despacho que defere o pedido de dispensa de depoimento de parte do Autor.
M. Também andou mal o Meritíssimo Juiz a quo quando escreve que quanto ao quesito 15.º, é incrível que o Autor faça uma declaração contrária na audiência de julgamento.
N. Por essa exacta razão é que este TSI definiu o depoimento de parte no Acórdão proferido no Proc. nº 352/2014, de 22 de Janeiro de 2015 como: "O depoimento de parte tem por objectivo fundamental obter a confissão judicial de factos desfavoráveis ao depoente e à parte a que pertence e o reconhecimento de factos favoráveis à parte contrária."
O. Há indícios claros que nos levam a desconfiar da impossibilidade de comparência do A. no Tribunal.
P. O requerimento do A. é exactamente idêntico aos apresentados nos processos LB1-24-0001-LAC, LB1-24-0005-LAC, LB1-24-0008-LAC e LB1-24-0010-LAC, LB1-24-0040-LAC, LB1-24-0041-LAC, LB1-24-0042-LAC, LB1-24-0044-LAC, LB1-24-0047-LAC, LB1-24-0050-LAC, LB1-24-0054-LAC, LB1-24-0062-LAC, LB1-24-0064-LAC e LB1-24-0065-LAC pelos respectivos Autores.
Q. Agora para o depoimento de parte todos os Autores estão desempregados, vivem em graves dificuldades financeiras e a sua deslocação a Macau implica sacrifício incomportável!
R. Nada de novo e nada de concreto.
S. O Juiz deve efectuar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, não menos verdade é que o deve fazer assegurando a justa composição do litígio.
T. O que não aconteceu no presente caso.
U. Prevendo a Lei uma cominação especial para o depoente que falta a prestar o depoimento de parte, o Tribunal com a decisão sob censura, tenta esvaziar esta disposição legal
V. O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 442.º n.º 2, 481.º do Código de Processo Civil e 335.º n.º 1 e 350.º n.º 2 do Código Civil.
Termos em que deverá ser substituído o despacho do Tribunal a quo que dispensou o A. prestar depoimento de parte, por outro que acolha estas conclusões.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 184 e 185, tendo alegado o seguinte:
a) Do objecto do Recurso:
Insurge-se a Recorrente a respeito do douto Despacho de fls. 141-143, na parte em que "defere o pedido de dispensa de depoimento de parte pelo Autor".
Que dizer?
A Recorrente é livre e assiste-lhe o direito de impugnar/recorrer do conteúdo das decisões judiciais que a mesma entende não merecerem a sua "aquiescência"!
Porém, o que a Recorrente não pode, porque não lhe é permitido, é aproveitar-se das suas Motivações de Recurso para vir alegar um conjunto de factos que são falsos e que em muito se afastam da realidade...
Em concreto,
Alega a Recorrente, entre outro, a despeito de saber se os custos de deslocação a Macau representam um sacrifício economicamente incomportável para o Autor, que este:
- "Não junta nenhum documento" (Cfr. art. 5.º das Motivações de Recurso);
- "Ora, o A. não indicou nenhum motino ou facto para que o tribunal aprecie essa impossibilidade (...)" (Cfr. art. 14.º das Motivações de Recurso);
- "Dúvidas não restam que o Autor não alegou, nem juntou aos autos qualquer facto ou evidência que permitissem ao Tribunal a quo concluir pela impossibilidade de comparecer no Tribunal" (Cfr. art. 23.º das Motivações de Recurso).
Salvo o devido respeito, trata-se da alegação de factos que não corresponde à verdade e que apenas por grave distração da Ré (e do seu Ilustre Mandatário) se aceita terem sido proferidas, nos termos em que o foram junto do douto Tribunal de Recurso!
Com efeito,
É falso que o Autor não tenha junto qualquer documento, com vista a demonstrar a sua situação de carência económica!
Junto de fls. 125-127 o Autor (aqui Recorrido) procedeu à junção de uma Declaração, emitida pela Autoridade Competente do seu Município de residência, no qual se atesta que o mesmo "se encontra desempregado".
Curiosamente, a respeito do mesmo Documento/Declaração veio a Ré/Recorrente pronunciar-se a fls. 139-140, dizendo, entre outro, o seguinte:
"Quanto à função do documento, por este não estar assinado e ou se desconhecer a sua proveniência e autenticidade vai, desde já, impugnada a sua veracidade da letra e assinatura (...)".
Ora, se assim é - descontando o facto de o Autor/Recorrido ter grande dificuldade em entender por que razão terá a Ré/Recorrente afirmado que o documento "não estar assinado" (quando está!) e que "se desconhece a sua proveniência" (o que igualmente não é correcto, nem corresponde à verdade) - percebe-se mal por que razão vem afirmar perante o douto Tribunal de Recurso que o Autor "Não junta nenhum documento"!!!
É que, ainda que se concorde, sem reservas, que é "conhecido o sentido de humor" do Mandatário do Autor/Recorrido, o mesmo não costuma "brincar com coisas sérias" e, com o devido respeito, parece que a Ré/Recorrente está a levar a "brincadeira" longe de mais ...
Seja como for,
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Despacho de fls. 141-143 é, por si só, isento de qualquer dúvida quanto aos concretos motivos e razões pelas quais o douto Tribunal a quo terá decidido "dispensar o depoimento de parte do Autor", pelo que o Recorrido nada mais tem a acrescentar e/ou a dizer a este concreto respeito.
Por último, se permitido,
O "Mandatário do Recorrido" atreve-se apenas a louvar a excelente qualidade e a fundamentação usada pelo Tribunal de Primeira Instância, numa Decisão repleta de citações jurisprudenciais e doutrinárias que apenas prestigia a actividade jurisdicional dos operadores na RAEM e que, também a Recorrente, se havia de congratular.
Fica o "atrevimento", conhecido, de resto ...
Termos em que se requer que sejam aceites as presentes Alegações de Resposta e, em consequência, seja o Recurso julgado improcedente, por manifesta carência de fundamento, assim se fazendo a costumada Justiça!
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B – Recurso da decisão final:
A S.A. (A股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 12/03/2025, veio, em 27/03/2025, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 221 a 243, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo e que condenou a, ora, Recorrente, A, a pagar ao A. a quantia global de MOP$245.497,18.
B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora Recorrente.
C. O Recorrido reclama da Recorrente o pagamento de trabalho extraordinário pela reunião de "briefing" que durava, em média, 15 minutos e a compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
D. No entanto, o Recorrido, não sabe, nem nunca alegou quando compareceu ao serviço com 15 minutos de antecedência, como também nunca alegou quando trabalhou mais de seis dias consecutivos.
E. Do facto provado 21.º não consta nenhum dia concreto, assumindo o Tribunal a quo que o Recorrido. compareceu, sempre que trabalhou, com 15 minutos de antecedência.
F. Salvo o devido respeito andou mal.
G. O Recorrido confessou em 21.º da PI, (confissão aceite pela Recorrente), não ter sofrido nenhuma consequência negativa quando chegou atrasado ao briefing!
H. Ou seja, nem o A. foi tão longe e alegar que sempre tinha comparecido ao dito briefing, como o Tribunal acabou por concluir no facto provado 21.º.
I. A Recorrente impugnou (4.º e 5.º da Contestação) o facto de o Recorrido ter comparecido com pelo menos 30 minutos de antecedência relativamente ao início do turno (8.º da PI), no entanto o Tribunal a quo julgou inverter o ónus da prova, acabando por julgá-lo provado porque a Recorrente não provou o contrário!
J. Violando, desta forma o Tribunal a quo, princípio em que quem alega tal facto tem o ónus de o provar.
K. "Nos termos do nº 1 do Art. 335.º do C.C. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invoca independentemente desses factos serem negativos ou positivos." Ac. do TSI no Proc. 198/2020.
L. A disposição normativa constante do n.º 5 do Art. 33.º da Lei n.º 7/2008 foi escrupulosa e pontualmente cumprida pela Ré.
M. Como supra-referimos, a Lei n.º 7/2008 estabelece, apenas, uma condição para que tais períodos não se considerem como incluídos no período normal de trabalho: que os mesmos não ultrapassem a duração de 30 minutos diários.
N. Dúvidas não restam que o A. nunca excedeu as 8 horas de trabalho diário.
O. Nunca excedeu os 30 minutos de tempo para preparação para o início do trabalho.
P. Tendo, ainda, gozado um período, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado.(resposta ao quesito 8.º A)
Q. Ou seja o A., apenas trabalhou 7 horas por cada turno de 8.
R. Tendo o Tribunal de Segunda Instância julgado no Proc. 811/2023: "ao não serem ultrapassadas as 8 horas diárias de trabalho não há lugar ao pagamento de horas extraordinárias."
S. Pelo que andou mal o Tribunal a quo, primeiro ao julgar que o Recorrido compareceu sempre ao trabalho com 15 minutos de antecedência, quando nem o próprio Recorrido o alegou.
T. Como julgou mal ao julgar a presença no briefing obrigatória até 2020.
U. Concluiu mal ao julgar provado que o Recorrido compareceu ao serviço da Recorrente, com 15 minutos de antecedência no número de dias do quadro do quesito 7.A, sem nunca indicar nenhuma data concreta.
V. Por fim julgou mal ao considerar haver lugar a trabalho extraordinário quando o Recorrido nunca excedeu as oito horas de trabalho diário.
W. O Recorrido nunca alegou, nem concretizou, quando trabalhou 5, 6 ou 7 dias consecutivos.
X. Prevê o n.º 2 do Art. 42.º da Lei 7/2008, o gozo do período de descanso semanal pode não ter frequência semanal, desde que com o acordo do trabalhador ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, desde que goze um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.
Y. O Recorrido gozou, sempre, desde 2006, pelo menos, um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (facto provado 28.º)
Z. Na RAEM, por imposição do contrato de concessão, os Casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, ou seja, todos os dias.
AA. O que implicaria, aplicando o raciocínio peregrino do Tribunal a quo, que se um trabalhador gozasse o seu dia de descanso a uma segunda-feira, teria sempre de gozar todos os descansos semanais futuros na segunda-feira.
BB. O que causaria sérios problemas para a normal operação da Recorrente, mas também seria injusto para os trabalhadores que ficariam amarrados ao dia de descanso semanal sempre no mesmo dia.
CC. Ora, para prever esta aberração, a Recorrente, na elaboração das escalas mensais de trabalho, em cumprimento do já citado Art. 42.º da L.R.T., garante um dia de descanso por semana a cada trabalhador.
DD. É a Lei n.º 7/2008, no seu Art. 42.º, que estabelece e une o descanso semanal ao conceito de semana.
EE. A Lei não prevê que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas num período de sete dias, como julgou o Tribunal a quo.
FF. A Lei prevê que: "O trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas consecutivas por semana." - sublinhado nosso-
GG. Pelo que, tendo gozado o A., a título de descanso semanal, 1 dia por semana, 4 dias por mês, e 52 dias por ano, dúvidas não restam que a Lei foi cumprida pela Recorrente.
HH. O Recorrido não sabe, nem alegou, quando é que trabalhou e quando trabalhou em dias consecutivos.
II. Ora, estes factos são factos pessoais do Recorrido.
JJ. Factos de que deve ter conhecimento e dessa maneira alegar e concretizar a sua causa de pedir.
KK. O Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7, em 09-10-2018, definiu "A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo."
LL. Se o Recorrido não sabe quais os dias que trabalhou, nem quando trabalhou, não tem causa de pedir que sustente qualquer pedido.
MM. Não é à Recorrente que cabia construir a causa de pedir do Recorrido.
NN. O Tribunal a quo violou os Art. 6.º n.º 3 do C.P.C, Art. 335.º n.º 1 do C.C. e Arts. 2.º, 6), 8), 33.º n.ºs 1, 3, 5, e 42.º n.º 2 da Lei 7/2008.
Termos em que deverá ser revogada a Sentença do Tribunal a quo que condenou a A, aqui Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia global de MOP$245.497,18.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 252 a 255, tendo alegado o seguinte:
a) Do objecto do Recurso formulado pela Ré:
Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo da douta Sentença. Sem razão, porém!
Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma, e sem que existam motivos para pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se, o que desde já e para os legais efeitos se requer.
Mais detalhadamente,
a) Do alegado sob o art. 4.º das Motivações de Recurso:
Sob art. 4.º das suas Motivações de Recurso, a Recorrente alega que: "Acontece que basta ver os factos provados 21.º e 26.º, para constatar que não consta desses quadros nenhuma data concreta".
Começa mal a Recorrente ...
Os factos provados 21.º e 26.º correspondem à matéria constante dos quesitos 7.º-A, 10.º, 12.º é 13.º da douta Base Instrutória.
Ora, sob fls.3 do douto Despacho de 7 de Março de 2025 (Resposta à Matéria de Facto), o Tribunal a quo discrimina ao longo de mais de 2 páginas 382 datas concretas!
É, pois, no mínimo, atrevimento (ou, grave distração) vir afirmar pela inexistência de qualquer data em concreto ...
Mais grave,
b) Do alegado sob os arts.11.º a 15.º das Motivações de Recurso:
Sob os arts. 11.º a 15.º das suas Motivações de Recurso, a Recorrente procura ensaiar um verdadeiro "incidente de suspeição" (quiçá uma situação de conluio), assente, na sua opinião, numa "diferença de tratamento" por parte do Tribunal a quo para com as partes do presente litígio: "Tudo foi permitido ao A. e tudo foi negado à Recorrente".
Trata-se, embora, "sem surpresa", demais uma afirmação grave e completamente despropositada por parte da Recorrente que teima em não aceitar as decisões que lhe são dirigidas pelo douto Tribunal a quo, e que desde já se lamenta e veementemente se repudia!
No limite, vem a Recorrente, sem peias nem meias, colocar em causa a "isenção" ou "rectidão de conduta" que deve nortear toda a actuação do Tribunal e dos demais operadores de justiça na RAEM!
Ora, ao contrário do que afirma a Recorrente, jamais existiu por parte do Tribunal de Primeira Instância um qualquer "tratamento privilegiado" para com o Autor (extensivo ao seu Mandatário) ao longo dos presentes autos, razão pela qual devem as referidas afirmações ter-se como não escritas.
Sem prescindir,
Tão só para a eventualidade - que se acredita possível - de o douto Tribunal de Recurso entender que se tratam de afirmações "graves" e que colocam em causa os deveres de "boa colaboração processual" exigidos a quem litiga em juízo, deve, então, o comportamento da Recorrente ser devidamente sancionado em conformidade, o que desde já se requer.
c) Do alegado sob os arts. 16.º a 20.º das Motivações de Recurso:
Neste particular segmento do Recurso, vem a Recorrente alegar que o Tribunal a quo não tinha forma de concluir, entre outro, pelo número de "dias concretos" de trabalho prestados pelo Autor e, bem assim, pela sua participação no briefing que antecedia o início de cada jornada de trabalho!
Descura a Recorrente, também aqui, que as "concretas datas" de trabalho prestado pelo Autor/Recorrido constam do CD de fls.129, com base nas quais o Tribunal "(...) corrobor(ou)os números de dias de trabalho do Autor (quesito 7.º A)", conforme se pode ler junto da pág. 6 do já referido Despacho de Resposta à Matéria de Facto, de 7 de Março de 2025, que a Recorrente insiste em ocultar e/ou fazer tábua rasa2.
De onde, contrariamente ao que alega, não existe nesta parte um qualquer vício e/ou erro de julgamento, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se na íntegra, o que desde já se requer.
Sem prescindir,
d) Do alegado sob os arts. 51.º a 65.º das Motivações de Recurso:
Sob os arts. 51.º a 65.º do seu Recurso, esforça-se a Recorrente por alegar, entre outro, que: "O A, nunca excedeu as 8 horas de trabalho diário"; "Nunca excedeu os 30 minutos de tempo para a preparação para o início do trabalho"; "O A. apenas trabalhou 7 horas por cada turno de 8"; que "(...) gozou, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado (resposta ao quesito 8.º A)"3.
A este concreto respeito, o Recorrido apenas lamenta que a Recorrente venha, uma vez mais, procurar "tapar o Sol com a peneira", omitindo descaradamente o conteúdo do Quesito 8.º B, nos termos do qual resultou provado que: "Durante as pausas referidas no quesito 8.ºA, não era permitida a ausência do Autor do interior dos Casinos da Ré"!4.
Pelo exposto, deve igualmente, nesta parte, improceder o Recurso formulado pela Recorrente, o que desde já se invoca e requer.
Adiante,
e) Do alegado sob os arts. 70.º a 73.º das Motivações de Recurso:
Salvo o devido respeito, quando o Recorrido estava em crer que a Recorrente nada mais tinha a dizer, vem a mesma afirmar que, contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, o teor do Quesito 15.º - quanto à questão de saber se havia acordo entre o A. e a R. para que o gozo do período de descanso semanal pude(sse) não ter frequência semanal5(não provado) - "( ... ) só aconteceu porque o A. foi dispensado do depoimento de parte", porquanto "Estamos certos que ao confrontarmos o A. com o documento de fls. 192, em audiência de julgamento, o A. acabaria por confessar o quesito 15.º" (Cfr. ipsis verbis, o alegado pela Recorrente sob os arts. 72.º e 73.º do seu Recurso).
Dito por outras palavras: a Recorrente tem absoluta certeza de que acaso o Autor se tivesse deslocado do Nepal à RAEM (assumindo aquele todos os elevados custos que tal deslocação implica, v.g., passagem aérea, visto de entrada, estadia, alimentação, etc ... ) o Autor iria "confessar" exactamente o oposto daquilo que alegou em sede de Petição Inicial!
Bem, por momentos, até o Recorrido ficou em crer que o referido Doc. junto de fls. 192 traduzisse, efectivamente, um "Acordo" para que o "gozado período de descanso semanal pudesse não ter frequência semanal" e que, por qualquer motivo estranho, o mesmo pudesse ter escapado à douta análise do Tribunal de Primeira Instância e ao escrutínio do Autor (e do seu Mandatário).
Puro engano!
O documento de fls. 192 junto pela Ré em sede de audiência e julgamento é, salvo o devido respeito, uma "mão cheia de nada ... ", o. que deixa ver, também por aqui, a total falta de razão da Recorrente, descurando propositalmente que: "quem alega um facto tem o ónus de o provar" ... conforme a própria repetidamente o afirma ao longo das suas Motivações de Recurso6.
A terminar,
f) Do alegado sob o art. 93.º das Motivações de Recurso: do Proc. LB1-23-0061-LAC
Salvo o devido respeito, está o Recorrido em crer que se mostra totalmente desonesto à Recorrente fazer alusão ao "(...) entendimento deste Douto Tribunal no processo Proc. LB1-23-0061-LAC, ao julgar questão similar"7, sem concluir que o seu verdadeiro desfecho se traduziu, a final, em sentido completamente díspar do que afirma, tendo culminado na condenação da aqui Recorrente no pagamento ao ali Autor (ex-colega de trabalho do aqui Recorrido) "(...) da quantia de Mop$105,760.66 a titulo de compensação (...) pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho", nos termos que cristalinamente resultam do Ac. do TSI, Proc. n.º 395/2024, de 17 de Julho de 2024, que a Recorrente não pode alegar desconhecer e ou ter-se "esquecido" entretanto ...
"O pior cego, é o que não quer ver"! (ditado popular)
Termos em que se requer que sejam aceites as presentes Alegações de Resposta e, em consequência, seja julgado totalmente improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, porque manifestamente infundado, assim se fazendo a costumada Justiça!
Mais se requer que, a entender-se que o comportamento da Ré/Recorrente no decorrer dos presentes autos extravasou os limites exigidos pelo Princípio da (boa) colaboração processual, deve o mesmo ser devidamente sancionado, em conformidade, nos termos legais.
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 08/01/2008 a 26/02/2022, o Autor esteve ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (facto assente A)
2. Durante o período da relação de trabalho, o Autor respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (facto assente B)
3. A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (facto assente C)
4. Durante o período da relação de trabalho, o Autor prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (facto assente D)
5. Durante o período da relação de trabalho, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal: (facto assente E)
De
A
SALÁRIO MENSAL
08/01/2008
30/06/2008
$9,950.00
01/07/2008
31/12/2008
$10,450.00
01/01/2009
29/02/2012
$10,950.00
01/03/2012
28/02/2013
$11,450.00
01/03/2013
31/10/2013
$11,950.00
01/11/2013
28/02/2014
$12,450.00
01/03/2014
28/02/2015
$12,950.00
01/03/2015
31/12/2015
$13,450.00
01/01/2016
30/06/2016
$13,950.00
01/07/2016
28/02/2017
$14,450.00
01/03/2017
28/02/2018
$14,950.00
01/03/2018
31/12/2019
$15,450.00
01/01/2020
26/02/2022
$15,990.00
6. À chegada às instalações da Ré, o Autor (e os demais guardas de segurança) apresentava-se com as suas roupas civis. (facto assente F)
7. Para desempenhar as suas funções de “guarda de segurança”, era exigido ao Autor (e aos demais guardas de segurança) que vestisse o respectivo uniforme, o que ocorria dentro de uma sala de vestiário própria para o efeito. (facto assente G)
8. Depois de uniformizado, o Autor (e os demais guardas de segurança) dirigia-se a uma sala específica com vista a participar numa sessão de briefing. (facto assente H)
9. No interior da sala de briefing eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, nomeadamente mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (facto assente I)
10. A sessão de briefing era conduzida pelos Team Leaders (leia-se, Chefes de turno e ou de equipa), estando, por vezes, presentes os Managers e/ou outros Superiores do Departamento de Segurança. (facto assente J)
11. Na sessão de briefing os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções relevantes e necessárias ao desempenho das funções do Autor (e dos demais guardas de segurança) e relativas ao respectivo turno, aos turnos anteriores e/ou relativamente aos turnos seguintes. (facto assente K)
12. Na sessão de briefing os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções relativas ao funcionamento e às regras do Departamento de Segurança, bem como informavam a respeito de alteração nas políticas da Ré. (facto assente L)
13. Caso o Autor (ou qualquer outro guarda de segurança) chegasse atrasado à sessão briefing, o mesmo teria de justificar oralmente ao seu Team Leader a razão do atraso, o que, em regra, era aceite, sem qualquer consequência negativa. (facto assente M)
- Da Base Instrutória: (no que à sua motivação concerne, vejam-se as fls. 197 a 202)
Provado que:
14. Durante o período da relação de trabalho, o Autor gozou de dias de férias anuais e dias de dispensa ao trabalho, pelo menos, nas seguintes datas: (resposta ao quesito 1.º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de dispensa
06/10/2009
10/11/2009
36
2010
2010
15
2011
2011
15
10/03/2012
03/04/2012
25
10/10/2013
07/11/2013
29
2014
2014
15
10/10/2015
31/10/2015
22
2016
2016
15
17/10/2017
11/11/2017
26
2018
2018
15
05/10/2019
31/10/2019
27
2020
2020
15
2021
2021
15
15. A mudança de vestuário durava, em regra, entre 10 a 15 minutos. (resposta ao quesito 2.º)
16. Na sessão de briefing, os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções a respeito da presença naquele dia (ou nos dias seguintes) nas instalações da Ré de membros do Governo da RAEM e/ou da presença de membros do Conselho de Administração e/ou da Direcção da Ré, v.g., da presença do Senhor C e/ou dos seus familiares, accionistas. (resposta ao quesito 3.º)
17. Durante a sessão de briefing o Autor (e os demais guardas de segurança) tinha de manter boa postura e estar atento às informações e instruções que verbalmente lhe eram prestadas. (resposta ao quesito 4.º)
18. Depois de entrar na sala de briefing não era permitido ao Autor (ou aos demais guardas de segurança) ausentar-se, excepto em caso de necessidade pessoal e inadiável (v.g., para ir de emergência à casa de banho). (resposta ao quesito 5.º)
19. A sessão de briefing tinha, em regra, uma duração de 15 minutos, podendo estender-se por tempo superior em função do conjunto de ordens e de informação a transmitir. (resposta ao quesito 6.º)
20. No início do ano civil de 2020, a participação na sessão de briefing deixou de ter carácter obrigatório. (resposta ao quesito 7.º)
21. Entre 08/01/2008 até 31/12/2019, o Autor compareceu ao serviço da Ré com, pelo menos, 15 minutos de antecedência relativamente ao início do turno, por forma a participar na sessão de briefing obedecendo às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, nos seguintes termos: (resposta ao quesito 7.A)
De
A
N.º de dias trabalho (A)
08/01/2008
30/06/2008
150
01/07/2008
31/12/2008
148
01/01/2009
29/02/2012
944
01/03/2012
28/02/2013
288
01/03/2013
31/10/2013
191
01/11/2013
28/02/2014
96
01/03/2014
28/02/2015
307
01/03/2015
31/12/2015
242
01/01/2016
30/06/2016
156
01/07/2016
28/02/2017
198
01/03/2017
28/02/2018
289
01/03/2018
31/12/2019
550
22. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 15 minutos que antecedia o início de cada turno. (resposta ao quesito 8.º)
23. Entre 08/01/2008 até 31/12/2019, o Autor gozou um período, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado. (resposta ao quesito 8.A)
24. Durante as pausas referidas no quesito 8Aº, o Autor não era permitido a ausência do interior dos Casinos da Ré. (resposta ao quesito 8.B)
25. Durante o período da relação de trabalho o Autor prestou, por vezes, para a Ré a sua actividade de “guarda de segurança” durante sete ou mais dias de trabalho consecutivos. (resposta ao quesito 9.º)
26. Entre 08/01/2008 até 26/02/2022, a Ré não fixou ao Autor, um dia de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, nos seguintes termos: (resposta ao quesito 10.º, 12.º e 13.º)
De
A
N.º de dias de trabalho prestado ao 7.º dia (A)
08/01/2008
30/06/2008
7
01/07/2008
31/12/2008
10
01/01/2009
29/02/2012
78
01/03/2012
28/02/2013
34
01/03/2013
31/10/2013
22
01/11/2013
28/02/2014
6
01/03/2014
28/02/2015
22
01/03/2015
31/12/2015
21
01/01/2016
30/06/2016
13
01/07/2016
28/02/2017
20
01/03/2017
28/02/2018
28
01/03/2018
31/12/2019
53
01/01/2020
26/02/2022
68
27. Durante o período da relação de trabalho, a Ré não pagou ao Autor qualquer acréscimo de salário pelo trabalho prestado ao sétimo dia; isto é, pelo trabalho prestado pelo Autor após seis e/ou mais dias de trabalho consecutivos. (resposta ao quesito 11.º e 14.º)
28. O A. gozou desde 2006, pelo menos, um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (resposta ao quesito 16.º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A – Recurso interlocutório:
1) – Despacho de fls.93 e verso
Fls. 79 a 88:
1. Vem a Ré requerer o depoimento de parte do Autor aos quesitos 15º e 16º.
O depoimento da parte é um meio de prova destinado a provocar confissão, ou seja, factos desfavoráveis ao depoente. No caso em apreço, não se pode negar que, pelo menos formalmente, esse meio de prova ora requerido sirva para obter o pretendendo efeito. Aliás, os factos vertidos nos quesitos 15.º e 16.º são factos pessoais ou de que o Autor deve ter conhecimento.
Por estar em conformidade com os requisitos previstos no art. 345º do CC e art. 479º do CPC para a sua admissão, admite-se o depoimento de parte requerido pela Ré.
2. Admite-se o rol de testemunhas.
3. Defere-se a gravação da audiência.
*
Fls. 81 a 83:
1. Admite-se o rol de testemunhas.
2. Vem o Autor requerer o depoimento de parte da Ré aos quesitos 3º, 5º, 6º e 20º.
O depoimento da parte é um meio de prova destinado a provocar confissão, ou seja, factos desfavoráveis ao depoente. No caso em apreço, não se pode negar que, pelo menos formalmente, esse meio de prova ora requerido sirva para obter o pretendendo efeito. Aliás, os factos vertidos nos quesitos 3º, 5º e 6º são factos de que a Ré deve ter conhecimento.
Por estar em conformidade com os requisitos previstos no art. 345º do CC e art. 479º do CPC para a sua admissão, admite-se o depoimento de parte é aos quesitos 3º, 5º e 6º.
Notifique a Ré para nomear representante com poderes suficientes para o efeito.
3. Por ter interesse para a decisão da causa, notifique a Ré para juntar, no prazo de 10 dias, os "registos de dados" relativos ao Autor, nos termos do art. 455º do CPC, designadamente os recibos do pagamento de remuneração, as mapas de férias gozadas e de ausência do trabalho, os "Roster"s etc.
Quanto aos contratos de trabalho e suas "adendas", julga-se dispensáveis uma vez que as respectivas matérias ficaram já assentes.
4. Defere-se a gravação da audiência.
*
O recurso visa o teor do parágrafo acima destacado.
A primeira pergunta que formulamos neste recurso é qual ou quais normas que foram violadas pelo Tribunal a quo ?
A Ré/Recorrente invocou o seguinte: O Tribunal a quo violou as disposições dos arts. 6.º n.º 3, 139.º n.º 1 e 2 al. a), 455.º do C.P.C e 13.º da Lei n.º 7/2008.”
Será?
Ora, nenhuma norma invocada dá cobertura à posição da Ré, pois nenhum artigo invocado diz que o Tribunal não pode ordenar a junção aos autos de documentos pertinentes.
Tal ordem foi dada com base no artigo 455º do CPC que dispõe:
(Documento em poder da parte contrária)
1. Quando pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2. Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.
Perante tal ordenado, a Ré, uma de duas, ou entregar os documentos no prazo indicado, ou não entregar e justificar a razão da não entrega! Tem uma ampla margem de manobra! Em regra, não deve ser resolvida esta questão por recurso.
Pois, o que está em causa é a realização duma diligência, se a Ré não entregar, então é chamado para reger a situação o artigo 456º do CPC que estipula:
Artigo 456.º
(Não apresentação do documento pela parte contrária)
Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 442.º
Depois, o artigo 442º do CPC manda:
(Dever de cooperação para a descoberta da verdade)
1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que não prestem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que sejam legalmente possíveis; se a colaboração não for prestada pela parte, o tribunal aprecia livremente o valor da respectiva conduta para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 337.º do Código Civil.
3. Cessa o dever de colaboração quando esta importe:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nos outros meios de comunicação;
c) Violação do segredo profissional ou de funcionário, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4. Pedida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei processual penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo invocado.
A não entrega está sujeita à consequência de que o Tribunal aprecia livremente a conduta da Ré para efeitos probatórios!
É inútil discutir aqui se tais documentos são obrigatoriamente guardados pela Ré, até mesmo que fosse obrigatório, a Ré podia sempre dizer que tais documentos tenham extraviado ou desaparecido!
Pelo que, não há violação das normas indicadas, julga-se deste modo improcedente o recurso interposto pela Ré.
*
Prosseguindo, segundo recurso interlocutório:
2) – Despacho de fls.141 a 143
Fls. 128-129: admite a junção do CD aos autos.
*
Fls. 132-138: notifique à Re.
*
Fls.125-127, 139-140:
Vem o Autor requerer a dispensa de prestar depoimento ou as despesas de deslocação ficam a cargo da Ré, por não residir em Macau e ter dificuldade económica de deslocar a Macau.
A Ré entende que não fica provado o sacrifício incomportável para o Autor deslocar à RAEM, além disso, também não aceita suportar as despesas de deslocação do Autor.
Como reflexo do princípio de cooperação e oralidade (art. 8º nº2, 3º e 440º de C.P.C), as partes são obrigadas a comparecer na audiência e prestaram oralmente o depoimento perante o tribunal, a fim de fornecer ao tribunal os elementos de apreciação e de convicção.
Sendo os depoentes residirem em Macau, não há qualquer obstáculo que os impeça de comparecer à audiência. No entanto, quando os depoentes não residem em Macau, como é o caso do Autor, a questão que se coloca é saber se o depoente tem a obrigação de comparecer para depor na audiência de julgamento.
Nos termos do artº 481º de C.P.C., nº 1. O depoimento deve ser prestado na audiência de discussão e julgamento, salvo se for urgente, o depoente residir fora de Macau ou estiver impossibilitado de comparecer no tribunal.
2. O tribunal pode ordenar que deponha na audiência de discussão e julgamento a parte que reside fora de Macau, se o julgar necessário e a comparência não representar sacrifício incomportável para a parte.
A redacção do artº 481º de C.P.C.M é muito semelhante ao artº 573º de C.P.C. Português de 1939, o que permite o recurso a Doutrina sobre essa matéria, como refere o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, Vol. 4°, 3ª edição, pág. 138),“a comissão revisora entendeu que devia estabelecer-se em termos menos rígidos a obrigação de a parte se deslocar da sua comarca para a do processo, a fim de prestar o depoimento, tal obrigação podia traduzir-se num encargo insuportável; devia, por isso, temperar-se a sua formulação. Daí resultou o que hoje se lê no 2º período do art. 573º. Continua o juiz a dispor do poder de ordenar que a parte venha à comarca da causa prestar o depoimento na audiência de discussão e julgamento; mas a modificação consistiu em se inserirem duas limitações: a) se julgar isso necessário; b) se a obrigação de comparecimento não representar para a parte sacrifício incomportável. Claro que as limitações são mais subjectivas do que objectivas, é do critério do juiz que depende o funcionamento delas, sobretudo o da primeira”
Isto é, quando os depoentes residem no estrangeiro, tem-se entendido não ser admissível a sua intimação para prestar depoimento em audiência (esta é a regra geral), a menos que se prove que a deslocação não representaria sacrifício incomportável8.
Sendo assim, o tribunal deve fazer um juízo de proporcionalidade, que considere a relevância do depoimento a prestar para a decisão de causa, bem como o sacrifício emergente da deslocação, ou seja, a distância e a facilidade da deslocação e a capacidade económica do depoente.
Quanto à primeira limitação (necessidade de depor na audiência), embora a imediação e oralidade de depoimento sejam convenientes para uma boa decisão da causa, no caso em apreço, foi requerido o depoimento do Autor aos quesitos 15º e 16º da B.I.. O quesito 16º pode ser comprovado (ou não) com base nos dados contidos no CD juntado pela Ré (especialmente o Excel “RDO”), assim, o depoimento do autor não é indispensável.
Em relação ao quesito 15º, que diz respeito à existência dum acordo entre as partes sobre descanso semanal, mas quando lê os artº 5º e 6º de resposta de contestação, fica muito claro qual é a posição do autor, que impugna e nega especificamente a existência desse tipo de acordo. Como se sabe, o depoimento de parte visa obter a confissão judicial, é incrível que o Autor faça uma declaração totalmente contrária na audiência de julgamento, por isso, julgo que o seu depoimento na audiência não é necessário.
Quanto à segunda limitação (a comparência não representar sacrifício incomportável), dos elementos constantes dos autos não se conclui que o Autor possui uma forte capacidade financeira, pelo contrário, sendo ele um trabalhador não residente, que saiu da sua família no Nepal para trabalhar aqui, recebia um salário mensal que variava entre 9,000 a 16,000 MOP ao longo dos anos, o que demostra que ele não tem uma capacidade financeira forte.
Não faz sentido considerar apenas o cálculo do rendimento total do autor ao longo desses anos de trabalho para justificar a sua situação financeira, como a Ré fez no fls. 120, porque o autor precisava de pagar a renda, comprar comida, entre outras despesas. Ou seja, ele tem de viver em Macau que implica muitas despesas necessárias, só assim ele podia continuar a trabalhar e suportar as despesas das famílias.
Por outro lado, o artº 6º do Código de processo de trabalho estabelece uma presunção de insuficiência económica dos trabalhadores, embora essa presunção seja fixada apenas para efeito de apoio judiciário, o que não deixa de ser um sinal bem claro de que, nas accões em que sejam reclamados créditos laborais, tem-se tender a concluir pela insuficiência económica dos trabalhadores, especialmente quando outros elementos dos autos (profissão, salário…etc.) apontam para a mesma conclusão.
Posto isto, não fica provado que a deslocação não representaria sacrifício incomportável para o autor, julgo que é improporcional exigir que o autor suporte as despesas de deslocação e alojamento, para comparecer à audiência e responder a um quesitos sobre o qual ele já manifestou sua posição de maneira muito clara nos articulados.
Por todo o exposto, defere-se o pedido de dispensa de depoimento de Autor.
* * *
Para a audiência de discussão e de julgamento, designo o dia 13 de Fevereiro de 2025, pelas 09:30 horas.
Notifique.
*
Quid juris?
O objecto deste recurso consiste na decisão acima destacada: dispensa da comparência do Autor em audiência de julgamento para prestar depoimento da parte. A Ré, discordando desta decisão, veio a interpor recurso para este TSI.
Do mesmo modo, comecemos por perguntar, qual norma jurídica que não foi respeitada pelo Tribunal a quo?
O regime de depoimento de parte encontra-se regulado no artigo 477º a 489º do CPC, único artigo que disciplina a situação semelhante é o artigo 482º do CPC que dispõe:
(Impossibilidade de comparência no tribunal)
1. Mostrando-se que a parte está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, o juiz pode fazer verificar por entidade médica a veracidade da alegação e, em caso afirmativo, a possibilidade de a parte depor.
2. Havendo impossibilidade de comparência, mas não de prestação de depoimento, este realiza-se no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico assistente, se for necessário.
O que está em causa é a falta de condições económicas do Autor para se deslocar para Macau para prestar depoimento, a Ré entende que este motivo não está comprovado nem é bastante para ser atendido pelo Tribunal.
É uma leitura possível, só que se a Ré insistisse na realização desta diligência, podia lançar mão do mecanismo previsto no artigo 547º do CPC que (apesar de regular o regime de inquirição das testemunhas, ele pode ser aplicado com adaptações para o regime de depoimento de parte) manda:
(Abono das despesas e indemnização)
A testemunha que tenha sido notificada para comparecer, resida ou não na Região Administrativa Especial de Macau e tenha ou não prestado o depoimento, tem direito ao pagamento das despesas de deslocação e a uma indemnização, fixada pelo juiz, por cada dia em que tenha comparecido, se o pedir no acto do depoimento, ou no momento em que se lhe der conhecimento de que se prescindiu da sua inquirição ou, quando esta comunicação não tenha lugar, até à conclusão do processo para sentença.
Mas, como o pedido foi na sequência da insistência da Ré, as despesas ocorreriam a cargo da Ré! Será que esta aceitaria? Ora, os artigos 21º/1-d), 32º/2-a), e 35º/1-a), todos do Regime de Custas nos Tribunais, dão resposta directa à questão em causa: não realização da diligência!
Isto por um lado, por outro, que a verdade seja dita, nos processos laborais, por regra tem valor muito reduzido o depoimento de parte, já que é quase impossível que o Autor consegue precisar em que data é que gozou ou não gozou de descanso, ou gastou quanto tempo para acabar o trabalho!
A Ré avançou com o seguinte argumento:
“O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 442.º n.º 2, 481.º do Código de Processo Civil e 335.º n.º 1 e 350.º n.º 2 do Código Civil.”
Que consequências que daí decorrentes? Mesmo que se entenda que não foi dado cumprimento aos artigos citados?
Ora, o artigo 442º do CPC manda:
(Dever de cooperação para a descoberta da verdade)
1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que não prestem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que sejam legalmente possíveis; se a colaboração não for prestada pela parte, o tribunal aprecia livremente o valor da respectiva conduta para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 337.º do Código Civil.
3. Cessa o dever de colaboração quando esta importe:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nos outros meios de comunicação;
c) Violação do segredo profissional ou de funcionário, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4. Pedida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei processual penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo invocado.
Depois, o artigo 350º do CC estabelece:
(Declaração confessória)
1. A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar.
2. Se for ordenado o depoimento de parte ou comparecimento desta para prestação de informações ou esclarecimentos, mas ela não comparecer ou se recusar a depor ou a prestar as informações ou esclarecimentos, sem provar justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta da parte para efeitos probatórios.
É de verificar-se que a consequência é a mesma: a conduta do Autor está sujeita à livre apreciação do Tribunal para efeitos probatórios!
Merece igualmente destacar aqui, que efeito prático ou utilidade que a Ré/Recorrente vem a tirar deste recurso? Nada! Para além de os argumentos invocados improcederem!
Assim, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Prosseguindo,
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I. RELATÓRIO
B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente na XXXXXX, em Macau, titular do Passaporte da República do Nepal nº XXXXX, propôs a presente acção de Processo Comum do Trabalho contra
A S.A. (adiante, A),
pedindo que seja julgada procedente a presente acção e, em consequência, seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$6,676.67, a título de 15 minutos de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento de 08/01/2008 a 31/12/2008;
b) MOP$66,819.84, a título de 15 minutos de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento de 01/01/2009 a 31/12/2019;
c) MOP$34,696.66, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, relativo ao período de 08/01/2008 a 31/12/2008;
d) MOP$290,120.00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, relativo ao período de 01/01/2009 a 26/02/2022;
e) Em custas e procuradoria condigna.
*
Realizada a tentativa de conciliação presidida pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
A Ré contestou a pretensão do Autor, negou a natureza obrigatória da reunião de briefing, sustentando que o tempo da reunião não conta para efeito de período normal de trabalho; além disso, o período normal de trabalho do Autor não excede 8 horas. Quanto à questão de trabalho no descanso semanal, a Ré entende que o descanso semanal pode ser fixado em qualquer dia do período de sete dias (da segunda-feira a domingo), e não no sétimo dia após sete dias de trabalho consecutivo. Ademais, a Ré alegou existir o acordo entre as partes para o gozo irregular de descanso semanal.
Foi elaborado despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e selecionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(...)
***
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Ficou provado que, de 08/01/2008 a 26/02/2022, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. Por outro lado, a Ré pagou ao Autor uma determinada quantia a título de salário de base mensal.
Pelo que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
*
A. Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal:
- Do descanso semanal:
O Autor alega que, durante o período da relação de trabalho, prestou por vezes trabalho para a Ré durante sete ou mais dias de trabalho consecutivo, sem um período de descanso de 24 horas.
Além de alegar existir um acordo para que o gozo do período de descanso semanal possa não ter frequência semanal, a Ré sustenta que o que a lei impõe sobre o descanso semanal, é que o trabalhador tem o direito de gozar um dia de descanso numa semana (de segunda-feira a domingo), independentemente de quantos dias de trabalho consecutivo haja.
A questão que agora apreciamos depende da resposta que dermos à seguinte interrogação: se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer um dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho (esse é o argumento da Ré), ou se, pelo contrário, tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia (esse é o argumento do Autor).
Estas duas posições têm os seus seguidores, quanto à primeira posição, o BERNARDO LOBO XAVIER9 defende que o dia de descanso não tem de recair no sétimo dia, ou seja, pode existir os períodos de trabalhos superiores a uma semana de calendário, aos quais se seguirão outros de menor duração.
O douto Tribunal de Segunda Instância (os Acórdãos de TSI. Proc. nº 477/2022 de 06/10/2022, nº 944/2020 de 04/02/2021, nº 791/2024 de 23/01/2025) seguia, de forma unânime, a segunda posição. A jurisprudência portuguesa recente também tende à mesma orientação, quanto está em causa o trabalho por turnos rotativos em laboração contínua ininterrupta10.
Sustentamos a orientação adoptada pela nossa jurisprudência, pois o descanso semanal justifica-se por razões de segurança e de produtividade da empresa e do trabalhador, reduzindo o risco de ocorrência de acidentes de trabalho, isto é, permite ao trabalhador que recupere física e psiquicamente do esforço despendido ao longo de uma semana de trabalho consecutivo.
Essa forma de interpretação de descanso semanal revela-se respeitadora do direito internacional, nomeadamente das Convenções n.º 14 e n.º 106 da O.I.T11.
Só não o será quando o empregador e trabalhador acordam em gozo do descanso de forma irregular, ou seja, não ter frequência semanal, neste caso, o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (art. 42 º nº 2 de L.R.T.)
*
- Da existência do acordo sobre o descanso pode não ter frequência semanal:
Alega a Ré que o Autor assinou o documento da fls. 192, o que mostra que ele conhece e aceite todos regulamentos internos da Ré, incluindo trabalho por turnos e o gozo do descanso semanal irregular.
No entanto, o documento da fls. 192 não tem a relação com o descanso irregular. A aceitação do trabalho por turnos não equivale à aceitação de gozo irregular do descanso semanal.
Sendo certo que o acordo aludido no artº 42º n º 2 de L.R.T. não está sujeito à forma especial, tal acordo pode ser expresso ou tácito, isto é, existe um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade o sentido de acordo (comportamento concludente).
Devido à dependência de trabalhador em relação ao empregador, a mera não objeções à programação do descanso semanal está muito longe de constituir o comportamento concludente de tal acordo, porque não devemos esquecer que o trabalhador tem o dever de obedecer a ordem do empregador.
A Ré não conseguiu provar a existência de tal acordo, que é o facto impeditivo do direito de Autor, pois improcede este fundamento de contestação.
*
- Do cálculo de compensação:
Foi provado que de 08/01/2008 a 26/02/2022, o Autor prestou 382 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. Contudo, a Ré não pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado aos sétimos dias.
Como se sabe, a Lei n.º 7/2008 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, a relação laboral anterior a esta data aplica-se o regime de Decreto-Lei 24/89/M.
Sendo que a relação laboral entre o Autor e a Ré se mantém durante a vigência das leis nova e antiga, temos de dividir a relação laboral em dois períodos, um de 08/01/2008 a 31/12/2008, e outro de 01/01/2009 a 26/02/2022.
Relativamente à compensação de trabalho prestado em dias de descanso semanal durante o período entre 08/01/2008 a 31/12/2008, o artigo 17.º n.º6 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Posto isto, a fórmula para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário × n.º de dias devidos e não gozados × 2.” (veja-se, o Ac. TSI, de 17/07/2024, Proc. nº 394/202412)
Assim, segundo o facto provado 26º, o Autor tem o direito de receber MOP$11,609.98 relativo à compensação de trabalho em dia de descanso semanal durante o período de 08/01/2008 a 31/12/2008, nos seguintes termos:
Período
Remuneração de base diário13
(MOP)
N.º de dias não gozados X 2
Quantia indemnizatória
(MOP)
01/01/2008 a 30/06/2008
$331.67
7 x 2
$4,643.38
01/07/2008 a 31/12/2008
$348.33
10 x 2
$6,966.60
Em relação ao período de 01/01/2009 a 26/02/2022, nos termos de artigo 43.º, n.º2, al. 1) da Lei n.º 7/2008, sem prejuízo do disposto no n.º 8, a prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e o direito a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Isto é, de acordo com a lei vigente, o trabalhador que labora em dia de descanso semanal tem o direito de receber um acréscimo de um dia de remuneração de base e mais um dia de descanso compensatório.
O Autor aceita que a Ré já lhe proporcionou o descanso compensatório devido, pois apenas pede a indemnização por falta de pagamento do acréscimo salarial.
Assim, segundo o facto provado 26º, a fórmula de cálculo é seguinte: (Remuneração de base diário) x (n.º de dias devidos e não gozados), o que perfaz de MOP$164,782.35 relativo à compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal durante o período de 01/01/2009 a 26/02/2022:
DE
A
Remuneração de base diário
(MOP)
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
(MOP)
01/01/2009
29/02/2012
$365.00
78
$28,470.00
01/03/2012
28/02/2013
$381.67
34
$12,976.78
01/03/2013
31/10/2013
$398.33
22
$8,763.26
01/11/2013
28/02/2014
$415.00
6
$2,490.00
01/03/2014
28/02/2015
$431.67
22
$9,496.74
01/03/2015
31/12/2015
$448.33
21
$9,414.93
01/01/2016
30/06/2016
$465.00
13
$7,506.75
01/07/2016
28/02/2017
$481.67
20
$9,633.40
01/03/2017
28/02/2018
$498.33
28
$13,953.24
01/03/2018
31/12/2019
$515.00
53
$27,295.00
01/01/2020
26/02/2022
$533.00
68
$36,244.00
*
B. Compensação de trabalho extraordinário para reunião de briefing:
O Autor alega que estava obrigado a participar em uma reunião de briefing, com 15 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
A Ré não nega a existência de uma reunião antes de cada turno, mas sustenta que a sua participação não tem carácter obrigatório, e que esta reunião de briefing não conta para período normal de trabalho nos termos de art. 33º nº5 de L.R.T, e que o Autor gozou em cada turno de 8 horas uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado.
Dos factos provados 8º-12º, 16º-21º resultam que, durante a reunião, o Team leader verificava o uniforme dos guardas de segurança, distribuía o trabalho e fornecia instruções de trabalho. Os guardas não eram permitidos ausentar da sala de briefing livremente, sendo assim, sem mais consideração, logo pode-se concluir que o tal “briefing” não é voluntário no sentido de que os trabalhadores podem escolher livremente a participar ou não. Pelo contrário, tudo isto mostra que o “briefing” era organizado pela Ré e fazia uma parte do trabalho, ou seja, o “briefing” era obrigatório.
*
- Do art º 33º nº5 de L.R.T:
Alega a Ré que nos termos de art. 33º nº5 de L.R.T (e artº 10º nº 4 do D/L 24/89/M), o tempo necessário à preparação para o início do trabalho não deve ser contabilizado para efeitos de período normal de trabalho, desde que tal não ultrapasse a duração de 30 minutos diários.
A Ré compara o regime de Macau com o de Portugal, alegando que a lei de Macau não menciona o caracter excepcional dessa tolerância, mas a lei portuguesa sim (artº 203 da Lei nº 7/2009 de PT), pois conclui que o legislador de Macau permite sempre esta tolerância, desde que não ultrapasse 30 mins.
Embora a Ré tenha corretamente identificado o problema em causa, que é a excepcionalidade dessa tolerância, o Tribunal não pode concordar com a sua conclusão. Isto porque, interpretando assim, significa que o trabalhador pode ser exigido a prestar 8,5 horas de trabalho por dia, desde que o empregador qualifique a parte de trabalho como preparatório.
De facto, a lei já implica o caracter excepcional desse tolerância, pois a lei alude ao “tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, actividades e serviços começados e não acabados”. Não faz sentido dizer que todos os dias existem serviços começados e não acabados, pois essas situações, por sua natureza, são excepcionais e ocasionais. Neste ponto, o Tribunal acompanha totalmente os argumentos do douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, datado de 27.04.2017, sob o Processo n.º 167/2017.
Dessa forma, improcede este argumento da Ré.
*
- Das pausas/intervalos:
Fica provado que o Autor gozou em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado, mas também provado que, durante essas pausas, não era permitido ao Autor ausentar-se da área dos Casinos da Ré.
A questão está em saber se estas pausas devem ser contabilizadas para efeitos de período normal de trabalho.
O artº 33º nº 3 da L.R.T impõe que haja um intervalo de não inferior a 30 mins, de modo que o trabalhador não preste mais de 5 horas de trabalho consecutivo. Não há dúvida de que este é o minino repouso, nada impede que o empregador concede mais pausas para descansar.
Considerando que o conceito do período normal de trabalho não é naturalístico, mas jurídico, ou seja, não se pode afirmar que todos os tempos de não trabalho efectivo têm de ser descontado do período normal de trabalho, como por exemplo a interrupção do trabalho em razão da necessidade pessoal (ir a casa de banho).
Como Pedro Romano Martinez afirma, as pausas, por via de regra, não contam para o cômputo do período normal de trabalho, desde que sejam previamente fixadas, e tendo o trabalhador autonomia para as preencher no seu interesse14.
A linha de fronteira entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ situa-se naquele momento em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada15.
É por essa mesma razão e raciocínio que o legislador de Macau adopta um critério concreto e fixo para esta fronteira da definição, que é a permissão da ausência incondicional do trabalhador do seu local de trabalho previsto no artº 33º nº 4 da L.R.T.
A razão para essa norma é a seguinte: se durante o intervalo, o trabalhador pode sair livremente do local de trabalho, isso demostra que ele pode dispor livremente do seu tempo e pode fazer o que ele quiser. Pelo contrário, se não pode sair do local de trabalho, já não pode afirmar que o trabalhador adquiriu domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada.
No caso presente, as pausas devem ser contabilizadas no período normal de trabalho, pois ficou provado que o Autor não era permitido ausentar-se do casino livremente (facto 24º).
*
- Do cálculo de compensação:
Fica provado que de 08/01/2008 a 31/12/2019, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos, e cada turno dura 8 horas. No entanto, o Autor tinha de comparecer ao serviço da Ré com 15 minutos de antecedência relativamente ao início do turno, por forma a participar na sessão de briefing.
Como referido acima, estes 15 minutos de briefing não estão cobertos no âmbito do artº 33º nº5 de L.R.T., por tal briefing ter carácter regular. Assim, esses 15 minutos devem ser qualificados como trabalho extraordinário, isto é, o trabalho prestado para além do período normal de trabalho de 8 horas (artº 2º nº8 de L.R.T.).
Relativamente ao período entre 08/01/2008 a 31/12/2008, nos termos do artigo 11.º, n.º2 do D/L 24/89/M, nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador tem direito a um acréscimo de salário.
Posto isto, a fórmula para compensar o trabalho extraordinário, nos termos da Lei antiga, deverá ser a seguinte: “Nº de dias trabalhos x Remuneração normal horário / 4”
Assim, o Autor tem o direito de receber MOP$3,167.22 relativo à compensação de trabalho extraordinário durante o período de 08/01/2008 a 31/12/2008, nos seguintes termos:
Período
N.º de dias de trabalho efectivo
Remuneração normal horário16 /4
Quantia indemnizatória
01/01/2008 a 30/06/2008
150
$41.46/4
$1,555.50
01/07/2008 a 31/12/2008
148
$43.54/4
$1,611.72
Em relação ao período de 01/01/2009 a 26/02/2022, nos termos de artigo 36.º, n.º1, e artº 37º nº 1 da L.R.T, a prestação de trabalho extraordinário nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo anterior confere ao trabalhador o direito a auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%.
Embora a lei apenas se refira expressamente a um acréscimo de 50% quando a prestação de trabalho extraordinário se verifica nas situações de força maior, de iminência de prejuízos importantes e de acréscimo de trabalho não previsível, este benefício também deve ser conferido quando o trabalho extraordinário é prestado nas outras situações em que faltam o consentimento do trabalhador.
O raciocínio é o seguinte: nessas três situações, a lei legitima a prestação de trabalho extraordinário porque a empresa está enfrentando dificuldades imprevisíveis. Considerando o carácter colaborativo da relação laboral subjacente à ideia de que não há trabalhador sem empresa, o trabalhador deve prestar o trabalho extraordinário requerido, caso contrário, violaria o seu dever de zelo e empenho. Em contrapartida, isso confere ao trabalhador uma remuneração com acréscimo de 50%. Pelo contrário, quando o trabalho extraordinário seja exigido pelo empregador sem qualquer justa causa e sem o consentimento do trabalhador, o empregador não deve obter mais benefícios, nem o trabalhador deve ser prejudicado por causa disso. Portanto, embora a lei não especifique expressamente qual é a compensação que o empregado pode receber nessas situações residuais, esta nunca deve ser inferior à remuneração com acréscimo de 50%.
Pelo exposto, a fórmula para compensar o trabalho extraordinário, nos termos da L.R.T. vigente, deverá ser a seguinte: “Nº de dias trabalhos x Remuneração normal horário / 4 x 1.5”.
Assim, o Autor tem o direito de receber MOP$65,937.63 relativo à compensação de trabalho extraordinário durante o período de 01/01/2009 a 31/12/2019, nos seguintes termos:
DE
A
N.º de dias de trabalho efectivo
Remuneração normal horário x 1.5/4
Quantia indemnizatória
01/01/2009
29/02/2012
944
$45.63 x 1.5 /4
$16,153.02
01/03/2012
28/02/2013
288
$47.71 x 1.5 /4
$5,152.68
01/03/2013
31/10/2013
191
$49.79 x 1.5 /4
$3,566.21
01/11/2013
28/02/2014
96
$51.88 x 1.5 /4
$1,867.68
01/03/2014
28/02/2015
307
$53.96 x 1.5 /4
$6,212.15
01/03/2015
31/12/2015
242
$56.04 x 1.5 /4
$5,085.63
01/01/2016
30/06/2016
156
$58.13 x 1.5 /4
$3,400.61
01/07/2016
28/02/2017
198
$60.21 x 1.5 /4
$4,470.59
01/03/2017
28/02/2018
289
$62.29 x 1.5 /4
$6,750.68
01/03/2018
31/12/2019
550
$64.38 x 1.5 /4
$13,278.38
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Juros moratórios
As quantias supramencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$245,497.18, sendo:
-MOP$3,167.22 pela prestação de trabalho extraordinário (relativo ao período de 01/08/2008 a 31/12/2008);
-MOP$65,937.63 pela prestação de trabalho extraordinário (relativo ao período de 01/01/2009 a 31/12/2019);
-MOP$11,609.98 pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal (relativo ao período de 01/08/2008 a 31/12/2008);
-MOP$164,782.35 pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal (relativo ao período de 01/01/2009 a 26/02/2022).
Às quantias supramencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante até integral e efectivo pagamento.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Ora, é de verificar-se que todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e da decisões por parte do Tribunal a quo, e, nesta sede, limitamo-nos a destacar os seguintes aspectos:
1) – A Ré concluiu neste ponto da seguinte forma:
C. O Recorrido reclama da Recorrente o pagamento de trabalho extraordinário pela reunião de "briefing" que durava, em média, 15 minutos e a compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
D. No entanto, o Recorrido, não sabe, nem nunca alegou quando compareceu ao serviço com 15 minutos de antecedência, como também nunca alegou quando trabalhou mais de seis dias consecutivos.
E. Do facto provado 21.º não consta nenhum dia concreto, assumindo o Tribunal a quo que o Recorrido. compareceu, sempre que trabalhou, com 15 minutos de antecedência.
F. Salvo o devido respeito andou mal.
G. O Recorrido confessou em 21.º da PI, (confissão aceite pela Recorrente), não ter sofrido nenhuma consequência negativa quando chegou atrasado ao briefing!
H. Ou seja, nem o A. foi tão longe e alegar que sempre tinha comparecido ao dito briefing, como o Tribunal acabou por concluir no facto provado 21.º.
I. A Recorrente impugnou (4.º e 5.º da Contestação) o facto de o Recorrido ter comparecido com pelo menos 30 minutos de antecedência relativamente ao início do turno (8.º da PI), no entanto o Tribunal a quo julgou inverter o ónus da prova, acabando por julgá-lo provado porque a Recorrente não provou o contrário!
J. Violando, desta forma o Tribunal a quo, princípio em que quem alega tal facto tem o ónus de o provar.
(…)”.
Relativamente a esta questão, já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos:
1) – Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos. No caso de esta não apresentar esses dados, a sua conduta está sujeita à livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC). Pois, quem controla a entrada e saída dos empregados é sempre a entidade patronal, o mesmo acontece com os trabalhadores da Função Pública, eis a razão da montagem de máquinas para picar pontos ou sistemas semelhantes para a mesma finalidade.
2) – Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime geral, em vez de ser uma situação casuística, pois ficou demonstrado que tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020. Regime geral, aqui, no sentido de ele ser aplicável a todos os trabalhadores da mesma área funcional e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade. Aliás não é pela primeira vez que este TSI se pronunciou sobre esta questão.
3) Por outro lado, uma vez que ficou provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, e de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos!
4) – Pelo que, os argumentos tecidos pelo Tribunal a quo são válidos e como tal devem ser acolhidos.
*
Quanto ao demais, concluímos que, em face da argumentação acima transcrita, o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I - Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos nesta matéria. No caso de esta não apresentar esses dados em litígio, a sua conduta esta sujeita a livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC ).
II - Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing”, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime (geral), aplicável a todos os trabalhadores (da mesma área funcional) e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade, em vez de ser uma situação casuística, pois tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020.
III – Uma vez provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, é de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos, o que lhe permite reclamar remunerações nos termos fixados pela legislação laboral.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (interlocutórios e finais), confirmando-se as decisões recorridas (incluindo a sentença) nos seus precisos termos.
*
Custas pela Recorrente/Ré.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 24 de Julho de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Apenas se deixa sublinhado que no âmbito dos Processos n.º LB1-22-0011-LAC e LB1-23-0061-LAC a aqui Ré juntou, devidamente, os "registos de dados" respeitantes a um ex-colega de trabalho do Autor, o que apenas mostra que os mesmos "registos/documentos" existem e que estão na posse da Ré...
2 Por dever de ofício, também o Autor/Recorrido adianta estar plenamente confiante de que o Recurso interposto pela Ré/Recorrente a respeito da sua não obrigatoriedade de junção aos autos dos "Registos de dados" relativos ao Autor (art. 13.º da Lei n.º 7/2008) será julgado improcedente, conforme se pediu, oportunamente, em sede de Alegações de Resposta.
3 Cfr. o alegado pela Recorrente sob os arts. 51.º a 54.º das Motivações de Recurso.
4 Salvo o devido respeito, também nesta parte se recomenda à Recorrente uma leitura mais atenta ao detalhadamente exposto pelo Tribunal a quo, a pág. 9 (in fine) e 10 do douto Despacho de 7 de Março de 2025, Resposta à Matéria de Facto.
5 Correspondente ao alegado pela Ré sob o art. 58.º da Contestação.
6 Porque pertinente, da resposta do douta Tribunal a quo ao referido Quesito 15, pode ler-se, entre outro, que: "Nos autos não há nenhum documento que mostre que o Autor tenha concordado em gozar do período de descanso semanal de forma irregular. O documento apresentado pela Ré em audiência (fls.192) apenas demonstra que o Autor já leu e conheceu os regulamentos internos da Ré (...)" (Cfr. pág. 11 do Despacho de 7 de Março de 2025, Resposta à Matéria de Facto).
7 Cfr. o alegado pela Recorrente sob o art. 93.º das suas Motivações de Recurso. Negritos do Recorrido.
8 Código de Processo Civil - Anotado - Volume 2º, artigos 381º a 675º , de José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, Coimbra Editora, 2001, 476 pag..
9 - Manual de Direito do Trabalho, de Bernardo da Gama Lobo Xavier, P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho e Joana Vasconcelos, editor: Verbo, 2011, fls. 624.
10 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 5960/18.2T8MAI.P1, Data do Acordão: 2022/09/12: Estando em causa uma situação de prestação de trabalho por turnos rotativos, em laboração contínua ininterrupta, logo sujeita à previsão legal do n.º 5, do art.º 221.º do CT, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório.
- Ac. da RP de 07.11.2016, proc. n.º 5286/15.3T8MTS.P1.
11 O artigo 2.º da Convenção n.º 14 da OIT, dispõe que “1. Todo o pessoal ocupado em qualquer estabelecimento industrial, público ou privado, ou nas suas dependências deverá, ressalvadas as excepções previstas nos artigos presentes, gozar, em cada período de sete dias, de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas pelo menos.”
o o artigo 6.º da Convenção 106 OIT, prevê “ que todas as pessoas a quem se aplica a presente convenção terão direito, sob reserva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de repouso semanal, compreendendo um mínimo de 24 horas consecutivas, por cada período de sete dias.”.
12 O mesmo sentido, Ac. TSI, Proc. nº 301/2016, nº 944/2020.
13 Remuneração de base diário = salário de base mensal / 30
14 Direito do Trabalho, Pedro Romano Martinez, 2005. 7ª edição, fls. 562-563.
15 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Pro. nº: 250/13.0TTCTB.C1, Data do Acordão: 2016/03/10
Direito do Trabalho, relação individual, João Leal Amado, 2019, Almedina, fls. 578.
16 Remuneração normal horário = salário de base mensal / 30 /8
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