Processo nº 96/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Julho de 2025
Recorrente: A
Recorrida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
C (1ª Ré) e
A (2º Réu),
todos, também, com os demais sinais dos autos.
Pedindo a Autora que seja julgada procedente a acção e em consequência:
I. Relativamente às fracções “D11” e “031S/L”
1) Serem os Réus condenados, a título solidário, a pagar à Autora o valor de HKD$9.250.000,00, com juros legais a contar da data da sentença até integral e efectivo pagamento; ou, subsidiariamente
2) Ser a 1ª Ré condenada a pagar à Autora o valor de HKD$9.250.000,00, acrescido de juros legais que à data se somam em HKD$6.767.768,84 e que continuam a contar até integral e efectivo pagamento; ou, subsidiariamente
3) Serem os Réus condenados a restituir à Autora, com fundamento em enriquecimento sem causa, o valor de HKD$9.250.000,00, acrescido de juros legais que à data se somam em HKD$6.767.768,84 e que continuam a contar até integral e efectivo pagamento.
Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condena o 2º réu a pagar à autora uma quantia de HKD$5.554.061,925, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados do dia de citação;
2. Absolve o 2º réu dos outros pedidos da autora pela improcedência destes;
3. Absolve a 1ª ré de todos os pedidos da autora pela improcedência destes;
4. Nega a qualificação de qualquer parte por litigante de má fé.
Não se conformando com a sentença veio o 2º Réu e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
I. Por sentença da fls. 442 a 450 dos autos (adiante designada por “sentença recorrida”), o Tribunal a quo proferiu decisão na fls. 17 da sentença recorrida (fls. 450 dos autos), pela qual condenou o recorrente (2º réu do processo):
“…
1. Condena o 2º réu a pagar à autora uma quantia de hKD$5.554.061,925, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados do dia de citação;
2. …”
II. Inconformado com a decisão recorrida, entende o recorrente que a sentença recorrida tem os seguintes erros no julgamento:
* No tocante à questão de prescrição, por ofensa à eficácia probatória legal, o Tribunal a quo violou o princípio da livre convicção no juízo dos factos;
* No tocante à questão de compensação, por decisão incorrecta da matéria de facto (quesito 7.º do factum probandum), o Tribunal a quo julgou improcedente o argumento de compensação.
A. No tocante à questão de prescrição, por ofensa à eficácia probatória legal, o Tribunal a quo violou o princípio da livre convicção no juízo dos factos
III. No último parágrafo da fls. 15 ao 1º parágrafo da fls. 16 da sentença recorrida (fls. 449 e 449v. dos autos), indica-se que, as certidões do registo predial constantes dos autos são insuficientes para sustentar que a recorrida deveria ter tido conhecimento do seu direito logo após a venda dos imóveis em impugnação e a feitura do registo predial pelo comprador e os factos provados não demonstram quando a recorrida soube a venda dos dois imóveis em causa, pelo que, não tem razão a questão de prescrição suscitada pelo recorrente.
IV. De facto, o recorrente juntou à sua contestação as certidões do registo predial dos imóveis em causa (fls. 146 a 198 dos autos), das quais consta a descrição de alienação da fracção autónoma “D11” e do lugar para estacionamento “031S/L” de 24 d e Abril de 2014.
V. Ao abrigo do art.º 363.º do Código Civil, as certidões do registo predial das fls. 146 a 198 dos autos são documentos autênticos com força probatória plena.
VI. A recorrida nunca questionou a veracidade e a validade desses documentos autênticos (certidões do registo predial), nem instaurou procedimento de ilisão da sua força probatória nos termos do art.º 471.º do CPC, pelo que, deve-se considerar que tais documentos autênticos têm a força probatória plena, ou seja, fazem prova plena do seu teor.
VII. Por outro lado, relativamente ao registo predial de Macau, prevalecem os princípios da fé pública, da publicidade e do edital, que se encontram manifestados pelo art.º 5.º do Código do Registo Predial, termos em que o registo produz efeitos contra terceiros.
VIII. Segundo a doutrina comum, reconhece-se a eficácia positiva erga omnes do registo, isto é, presumem-se conhecidos todos os actos registados. O Prof. Vicente João Monteiro também invocou os seguintes entendimentos dos juristas:
“Segundo o Prof. Carlos Ferreira de Almeida, “a oponibilidade fáctica fundamenta-se na presunção do conhecimento das pessoas sobre o facto (sendo um reconhecimento efectivamente inegável na doutrina)”
O Prof. Mónica Jardim salientou que: “o carácter edital do registo leva à cognoscibilidade vulgar ou possibilidade de conhecimento, fazendo com que o “terceiro” fique prejudicado ou sujeito à situação jurídica divulgada por edital, muito apesar de este realmente não ter conhecimento dessa situação. (……) substituindo-se o conhecimento efectivo pela cognoscibilidade vulgar, a produção dos efeitos jurídicos não depende de ocorrência ou não da circunstância de ele ter conhecimento do facto. Em resultado, o “terceiro” é impedido de invocar desconhecimento ou ignorância, devido à possibilidade de seu conhecimento do facto”
(sub. nosso)
IX. O entendimento no último parágrafo da fls. 15 ao 1º parágrafo da fls. 16 da sentença recorrida apresenta-se oposto à disposição do art.º 365.º do Código Civil sobre a força probatória plena de documentos autênticos, os princípios da fé pública, da publicidade e do edital inerentes ao registo predial e o disposto do art.º 5.º do Código do Registo Predial.
X. Desde que esses meios de prova têm o efeito vinculativo à convicção do juiz, o Tribunal a quo incorreu em ofensa à força probatória legal na apreciação da prova para formar o juízo dos factos.
XI. Não há qualquer facto, in casu, de que a recorrida só teve conhecimento, depois de 24 de Abril de 2014, da alienação dos imóveis ao terceiro.
XII. Por isso, tendo em conta o ponto 6 dos factos provados, as certidões do registo predial das fls. 146 a 198 dos autos e o princípio do edital do registo, presume-se que a autora deveria ter tido conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável em 24 de Abril de 2014.
XIII. Deste modo, o prazo de prescrição de 3 anos, relativamente ao seu pedido de restituição por invocado enriquecimento sem causa, conta-se a partir de 24 de Abril de 2014, expirando, assim, em 23 de Arbil de 2017.
XIV. Pelo exposto, é procedente a excepção da prescrição, deduzida pelo recorrente, ou seja, o pedido da recorrida extingue-se por prescrição.
Se os Dignos Juízes discordarem do referido argumento, devem considerar o seguinte erro da sentença recorrida
B. No tocante à questão de compensação – por decisão incorrecta da matéria de facto (quesito 7.º do factum probandum), o Tribunal a quo julgou improcedente o argumento de compensação.
XV. Segundo o 3º parágrafo da fls. 10 da sentença recorrida (fls. 446v. dos autos), por falta de facto provado de que o dinheiro se originou do património próprio do recorrente, não se pode verificar que o recorrente tem um direito de crédito em relação à recorrida.
XVI. O recorrente entende que tal entendimento da sentença recorrida resulta da decisão incorrecta da matéria de facto, relativamente ao quesito 7.º do factum probandum.
XVII. Dos pontos 2, 3, 9, 10 e 11 dos factos provados permite-se concluir que:
- O recorrente e a recorrida alteraram em 1 de Abril de 2011 o regime de bens no da separação;
- A sentença de divórcio entre o recorrente e a recorrida transitou em julgado em 16 de Janeiro de 2012;
- O recorrente e a recorrida contraíram juntos dois empréstimos bancários, entre os quais um no valor de HKD$5.300.000,00 se destinou a pagar o preço dos imóveis em apreço;
- O recorrente depositava dinheiro periodicamente na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no Banco D, para reembolsar os dois aludidos empréstimos contraídos pelo recorrente e a recorrida juntos.
- Em 16 de Abril de 2014, o recorrente liquidou integralmente as dívidas em relação ao Banco D, decorrente da garantia por hipoteca dos imóveis em causa, e assim sendo, foi cancelado o registo de hipoteca da recorrida e o recorrente a título de co-hipotecante.
XVIII. Nos termos do art.º 1601.º do Código Civil, depois de alteração do regime de bens no da separação, os bens do recorrente e da recorrida passaram a ser respectivamente próprios. Isto é, desde 1 de Abril de 2011, os bens do recorrente e da recorrida passaram a ser respectivamente próprios e a sentença de divórcio entre estes transitou em julgado em 16 de Janeiro de 2012.
XIX. Ao abrigo do art.º 80.º do CPC, em conjugação com o art.º 8-F da réplica da recorrida da fls. 277 dos autos, faz prova plena a confissão da recorrida no sentido de nunca ter reembolsado empréstimo.
XX. Deste modo, dos pontos 29 e 35 acima expostos pelo menos chega-se à seguinte conclusão:
- A recorrida nunca realizou reembolso dos dois empréstimos bancários referentes aos imóveis em causa, ou seja, não depositou qualquer dinheiro na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no D para reembolsar os dois empréstimos bancários contraídos pelos cônjuges juntos,
- Eram do património próprio do recorrente as quantias que este depositava periodicamente (pelo menos desde 1 de Abril de 2011 (dia em que o recorrente e a recorrida alteraram o regime de bens no da separação)) até 17 de Abril de 2014 na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no D, para reembolsar os dois aludidos empréstimos contraídos pelos cônjuges juntos.
XXI. Assim sendo, a decisão da matéria de facto, quanto ao quesito 7.º, deve ser:
“Desde 1 de Abril de 2011, o 2º Réu reembolsou individualmente, com o seu próprio património, ao Banco D o empréstimo no valor total de HKD$5.300.000,00, contraído pela Autora e o 2º Réu juntos, acrescido dos juros.”
XXII. Em conjugação com o quesito 7.º, que deve ser dado provado, a informação da fls. 268 dos autos e os dados da conta de HKD (n.º 23XXX10) do D constantes das fls. 206 a 223 dos autos, de 1 de Abril de 2011 até 17 de Abril de 2014, foi pago dessa conta um montante total de HKD$1.310.056,91, correspondente ao empréstimo de HKD$5.300.000,00, acrescido dos juros, portanto, o pagamento foi do património próprio do recorrente.
XXIII. Ao abrigo do art.º 1565.º n.º 1 do Código Civil, desde que o recorrente cumpriu a responsabilidade de devolução ao D que devia incumbir à recorrida (HKD$1.310.056,91/2= HKD$655.028,46), o recorrente torna-se credor desta.
XXIV. E nos termos dos art.ºs 467.º n.º 1 e 838.º do Código Civil, do montante de HKD$5.554.061,925, que a sentença recorrida condenou o recorrente a pagar à recorrida, deve ser deduzida uma quantia pelo menos de HKD$655.028,46.
Face ao exposto, pede-se que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão da sentença recorrida por prescrição; ou, em alternativa, ainda seja concedido provimento ao recurso e substituída a sentença recorrida por outra que “condena o 2º réu a pagar à autora uma quantia de HKD$4.889.033,47, acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados do dia de citação do 2º réu.”
Contra-alegando veio a Autora e agora Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Foi a Acção julgada procedente com fundamento no Enriquecimento sem causa sendo o 2º Réu condenado a pagar à Autora a quantia indicada por se ter também entendido não ter prescrito o direito da Autora.
Em sede de Recurso o 2º Réu vem impugnar a decisão da matéria de facto quanto à resposta dada ao quesito 7º da Base instrutória e impugnar a decisão recorrida quanto à improcedência da prescrição no que concerne ao enriquecimento sem causa, sendo estas as questões a apreciar em sede de recurso.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Interposto recurso da decisão sobre a matéria de facto, é por esta questão que se inicia a apreciação do mesmo uma vez que daqui decorre a subsequente aplicação do direito.
Impugnada a resposta dada pelo Tribunal “a quo” ao quesito 7º da Base instrutória sustenta o 2º Réu e Recorrente que a resposta aquela está em manifesta contradição com os factos constantes dos pontos 2, 3, 9, 10 e 11 da sentença recorrida e o artº 8º F da réplica da Autora e que se deveria ter respondido que desde 01.04.2011 a 17.04.2014 quem pagou as amortizações do empréstimo foi o Recorrente.
Vejamos então.
No quesito 7º da Base instrutória perguntava-se o seguinte:
«De 5 de Julho de 2007 a 13 de Dezembro de 2012, o 2º Réu reembolsou, com o seu próprio património, ao Banco D, S.A. o empréstimo, no valor de HKD$5.300.000,00, contraído pela Autora e o 2º Réu juntos, acrescido dos juros?»
O que consta dos autos quanto ao empréstimo de HKD5.300.000,00:
- No artº 8ºF da sua Réplica a Autora diz o seguinte:
«Pelo facto de as fracções “D11” e “031S/L” terem sido atribuídos para uso exclusivo do 2.º Réu e dos filhos comuns enquanto casa de morada de família, e porque o dinheiro adquirido pelo empréstimo bancário de HKD$3.000.000,00 em 14/12/2012 que deu origem à hipoteca sobre mesmas as fracções a favor do Banco D foi exclusivamente destinado e efectivamente utilizado pelo 2.º Réu, tinha ficado acordado entre Autora e o 2.º Réu que a Autora não teria que proceder à amortização do mesmo, nem do empréstimo anteriormente feito em 5/7/2007 no valor de HKD$5.300.000,00, garantido pela mesma hipoteca.»;
- Por sua vez os factos 2, 3, 9, 10 e 11 da decisão recorrida dizem o seguinte:
2. Por convenção pós-nupcial de 1 de Abril de 2011, o regime de bens do casal passou a ser o da separação (ver idem). (alínea B dos factos provados)
3. Por sentença transitada em 16 de Janeiro de 2012, o casamento dissolveu-se por divórcio (ver idem). (alínea C dos factos provados)
9. O 2º réu e a autora contraíram dois empréstimos sobre as fracções autónomas “D11” e “031S/L” junto do Banco D, respectivamente no valor de HKD$5.300.000,00 e de HKD$3.000.000,00 (vide as fls. 197 e 268 dos autos), o primeiro empréstimo, no valor de HKD$5.300.000,00, foi destinado a pagar o preço das duas fracções e o segundo, no valor de HKD$3.000.000,00, foi contraído para movimentações financeiras próprias do 2º réu, com o consentimento da autora. (alínea I dos factos provados)
10. O 2º réu depositava dinheiro periodicamente na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no Banco D, para reembolsar os dois empréstimos aludidos sobre as fracções autónomas “D11” e “031S/L”. (alínea J dos factos provados)
11. Em 16 de Abril de 2014, o 2º réu liquidou integralmente as duas dívidas em relação ao Banco D e, assim sendo, foi cancelado o registo de hipoteca da autora e o 2º réu a título de co-hipotecante. (alínea K dos factos provados)
- O documento de fls. 197 e 268 localiza este empréstimo de HKD5.300.000,00 como tendo sido contraído em 05.07.2007.
Desta factualidade que não é impugnada o que resulta é que Autora e 2º Réu casaram em 26.01.2006 no regime de comunhão de adquiridos, em 01.04.2011 alteraram o regime de bens sob o qual estavam casados para separação de bens e em 16.01.2012 divorciaram-se.
As duas fracções autónomas aqui em causa “D11” e “031S/L” foram adquiridas em 14.12.2012, isto é, quando Autora e 2º Réu estavam já divorciados.
Pese embora dos documentos a fls. 197 e 268 conste que o empréstimo de HKD5.300.000,00 foi contraído em 05.07.2007, o certo é que por confissão das partes (alínea I) dos factos assentes) foi aceite por ambas partes que o empréstimo de HKD5.300.000,00 foi usado para adquirir as fracções objecto destes autos o que aconteceu em 14.12.2012.
No item 7º da Base instrutória pergunta-se se foi o 2º Réu quem liquidou o empréstimo e juros no valor de HKD5.300.000,00 de 05.07.2007 a 13.12.2012, isto é, em data anterior à aquisição das fracções autónomas a que se reportam estes autos.
Ora, dando-se como provado que o empréstimo de HKD5.300.000,00 foi contraído para a aquisição das fracções em causa o que só aconteceu em 14.12.2012, salvo melhor opinião, é irrelevante o que é que aconteceu antes da data dessa aquisição quanto a esse empréstimo contraído em 2007 que nem se percebe para quê, mas que de certeza não foi para a aquisição das fracções o que só vem a acontecer 5 anos após.
O que se discute nos autos é o empréstimo contraído em 14.12.2012 que as partes aceitam ser de HKD5.300.000 e a que se reporta a escritura pública dessa data a fls. 199, indicada na alínea I) dos factos assentes e ponto 9 da factualidade da sentença.
Destarte, salvo melhor opinião face ao que se discute nos autos é irrelevante o facto quesitado sob o nº 7, mas havendo-o sido, vejamos qual seria a resposta possível.
De 05.07.2007 a 01.04.2011 temos Autora e Réu casados no regime de comunhão de adquiridos, pelo que à míngua de prova em contrário todos os valores pagos até à alteração do regime de bens para separação em 01.04.2011 presumem-se comuns independentemente de quem os depositou, pelo que relativamente a este período nenhuma prova se fez dos valores pagos serem bem exclusivo do 2º Réu.
Relativamente ao período posterior, durante o regime de separação de bens e antes do divórcio o que resulta é que a conta nº 23XXX10 pertence à Autora e 2º Réu sendo que do documento junto de fls. 206 a 223 não resulta quem fez os depósitos, nem tão pouco dos documentos de fls. 197 e 268.
O que a Autora confessa no artº 8º F da Réplica é que não pagou o empréstimo de HKD5.300.000,00 contraído para a aquisição das fracções em causa em 14.12.2012 porque nelas ia viver o 2º Réu e os filhos do casal, pelo que o facto confessado é posterior ao que se pergunta no quesito 7º da Base instrutória.
Destarte, sem prejuízo de nos parecer irrelevante o quesito 7º da Base Instrutória por se reportar a um período anterior à aquisição das fracções autónomas a que se reportam os autos e da data que as partes confessadamente admitem ter sido contraído o empréstimo, também não resulta qualquer contradição entre a resposta que foi dada e os demais factos provados.
Por outro lado, não poderia ser retirada outra conclusão dos documentos existentes nos autos porque a conta pertence a Autora e 2º Réu e nada se diz ou sabe quanto a quem fez os depósitos.
Pelo que se impõe julgar improcedente a impugnação da matéria de facto quanto à resposta dada ao quesito 7º da Base Instrutória.
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora e o 2º Réu casaram em 26 de Janeiro de 2006, ao abrigo do regime da comunhão de adquiridos (ver fls. 18 e verso dos autos). (alínea A dos factos provados)
2. Por convenção pós-nupcial de 1 de Abril de 2011, o regime de bens do casal passou a ser o da separação (ver idem). (alínea B dos factos provados)
3. Por sentença transitada em 16 de Janeiro de 2012, o casamento dissolveu-se por divórcio (ver idem). (alínea C dos factos provados)
4. Por escritura pública de 14 de Dezembro de 2012, lavrada a fls. 77 do livro 159 do N.P. E, e levada a registo a 9 de Janeiro de 2013 (inscrição n.º 24XXX9G), a Autora e o 2º Réu adquiriram, cada um deles, em partes iguais, 1/2 da propriedade dos seguintes imóveis:
- A fracção autónoma designada por “D” do 11º andar, para habitação, do prédio sito em Macau, com o n.º XX da Rua de XX, denominado por “Edifício XX, Fase XX”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XX04-J (doravante a fracção “D11”) (ver fls. 146 a 165 dos autos); e
- A fracção autónoma designada por “031” da sobreloja, lugar de estacionamento para automóvel, do prédio sito em Macau, com os n.ºs XX da Rua de XX e n.ºs XX da Rua de XX, denominado por “Edifício XX, Fase XX”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XX04-J (doravante a fracção “031S/L”) (ver fls. 166 a 196 dos autos). (alínea D dos factos provados)
5. No dia 17 de Outubro de 2013, a Autora, a par com o 2º Réu, outorgou uma procuração à 1ª Ré, mãe deste, atribuindo-lhe poderes, designadamente, para vender a quota-parte de cada um dos dois imóveis supra identificados. (alínea E dos factos provados)
6. Por escritura pública de 16 de Abril de 2014, lavrada a fls. 2 do livro 26 da N.P. F, e levada a registo a 24 de Abril de 2014 (inscrição n.º 27XXX9G), a 1º Ré vendeu, ao abrigo da referida procuração, a G e mulher H, as quotas-partes da Autora e do 2º Réu das fracções “D11” e “031S/L”, pelos preços de HKD$16.500.000,00 e HKD$2.000.000,00, respectivamente, recebido no próprio dia (ver fls. 82 a 90 dos autos). (alínea F dos factos provados)
7. No dia 2 de Abril de 2013, o 2º Réu, conduzindo em estado de embriaguez e acentuado excesso de velocidade em Zhuhai, colidiu num par de pessoas causando a sua morte. (alínea G dos factos provados)
8. A autora intentou a presente acção contra os RR. em 7 de Outubro de 2021. (alínea H dos factos provados)
9. O 2º réu e a autora contraíram dois empréstimos sobre as fracções autónomas “D11” e “031S/L” junto do Banco D, respectivamente no valor de HKD$5.300.000,00 e de HKD$3.000.000,00 (vide as fls. 197 e 268 dos autos), o primeiro empréstimo, no valor de HKD$5.300.000,00, foi destinado a pagar o preço das duas fracções e o segundo, no valor de HKD$3.000.000,00, foi contraído para movimentações financeiras próprias do 2º réu, com o consentimento da autora. (alínea I dos factos provados)
10. O 2º réu depositava dinheiro periodicamente na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no Banco D, para reembolsar os dois empréstimos aludidos sobre as fracções autónomas “D11” e “031S/L”. (alínea J dos factos provados)
11. Em 16 de Abril de 2014, o 2º réu liquidou integralmente as duas dívidas em relação ao Banco D e, assim sendo, foi cancelado o registo de hipoteca da autora e o 2º réu a título de co-hipotecante. (alínea K dos factos provados)
12. Em 29 de Abril de 2010, o 2º réu e a autora adquiriram a fracção autónoma designada por “F” do 6º andar, para habitação, do prédio sito em Taipa, com os n.ºs XX da Avenida de XX (descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XX01) (doravante a fracção “F6”) (vide as fls. 227 a 247 dos autos). (alínea L dos factos provados)
13. Nos termos do acordo de divórcio entre si, foi atribuído ao 2º réu o direito de uso da sua casa de morada de família, composta pelas fracções autónomas “D11” e “031S/L” (vide as fls. 250 a 252 dos autos). (alínea M dos factos provados)
14. Em 17 de Março de 2015, o 2º réu outorgou uma procuração sobre a fracção autónoma “F6” a favor de I, mãe da autora (vide as fls. 269 a 273 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (alínea N dos factos provados)
15. Em 31 de Março de 2015, I, em representação do 2º réu com a referida procuração, outorgou com a autora a escritura pública de partilha de bens, partilhando a fracção autónoma “F6” e concedendo-a na totalidade à autora (vide as fls. 255 a 258 dos autos. (alínea O dos factos provados)
16. Como consequência dum acidente de viação ocorrido no Interior da China, o 2º Réu teve que despender vários milhões de RMBs a título de indemnização e outros custos. (resposta ao quesito 3.º do factum probandum)
17. O preço recebido pela 1ª Ré da venda das fracções “D11” e “031S/L”, no total de HKD$11.108.123,85 nunca foi entregue pela 1ª Ré à Autora. (resposta ao quesito 4.º do factum probandum)
18. Por instrução do 2º Réu, seu filho, a quantia de HKD$11.108.123,85 foi entregue a este último. (resposta ao quesito 5.º do factum probandum)
19. Em 8 de Junho de 2011, a autora outorgou a procuração constante das fls. 248 a 249 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 9.º do factum probandum)
20. É de MOP$240.000,00 a procuradoria do Advogado nomeado pelos RR. e já foi paga. (resposta ao quesito 16.º do factum probandum)
b) Do Direito
Na parte que interessa ao recurso é o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Cabe analisar em concreto os factos dados provados e aplicar o Direito, para resolver os litígios entre as partes.
Conforme o ponto 4 dos factos provados, a autora e o 2º réu celebraram em 13 de Dezembro de 2012 a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas “D11” e “031S/L”, altura em que já estavam divorciados, pela qual cada um deles adquiriu uma quota-parte igual de 1/2 da propriedade dos 2 imóveis.
Conforme os pontos 5, 6, 17 e 18 dos factos provados, a 1ª ré (mãe do 2º réu), em representação da autora e 2º réu com a procuração emitida por estes, vendeu ao terceiro as fracções autónomas “D11” e “031S/L”, entregou ao 2º réu, segundo a instrução dele, uma quantia recebida do terceiro no valor de HKD$11.108.123,85.
(…)
No que diz respeito à questão de compensação, os RR. argumentaram que, a autora, na qualidade de mutuária e hipotecante, completamente não cumpriu a sua dívida para o banco comercial, decorrente dos empréstimos, que, porém, foram reembolsados integralmente com o património próprio do 2º réu, pelo que, o crédito pretendido pela autora teria que ser compensado. Nesse aspecto, do ponto 10 dos factos provados se revela que, antes da venda das fracções autónomas “D11” e “031S/L”, o 2º réu depositava dinheiro periodicamente na conta de HKD (n.º 23XXX10) aberta no Banco D, para reembolsar os dois empréstimos aludidos, só que a factualidade provada não demonstra a origem do dinheiro, especialmente se a autora entregava ao 2º réu o montante correspondente à sua quota-parte acerca da data de prestação mensal para a ajudar a realizar pagamento. Também importa assinalar que, segundo os pontos 3 e 13 dos factos provados, após o divórcio o 2º réu gozava do direito de uso das fracções autónomas “D11” e “031S/L”, no entanto, nem se vislumbra, nesta situação, se as partes chegaram a acordo sobre o pagamento das despesas pelo 2º réu próprio em virtude do seu uso pleno das fracções autónomas. Pelo exposto, o 2º réu não consegue provar que tem um crédito em relação à autora, portanto, não lhe assiste razão na questão de compensação.
No que concerne à feitura já na altura de divórcio da distribuição dos bens, como acima disse, segundo o registo predial, os 2 imóveis em causa foram registados a favor da autora e 2º réu em proporção igual de 1/2 da propriedade. Na contestação, os RR. defenderam que, na altura de divórcio, o 2º réu e a autora já resolveram por acordo atribuir ao 2º réu a propriedade das fracções “D11”, “031S/L” e “HR/C”, enquanto à autora a fracção “F6”; a par disso, a autora sabe bem que não tem qualquer propriedade e gozo sobre os imóveis “D11” e “031S/L” em impugnação, portanto, absolutamente não tem direito de adquirir o preço de venda da sua quota-parte dos dois imóveis, tampouco os juros de mora. Se a versão dos factos alegados pelos RR. seja dada provada, obsta possivelmente ao exercício pela autora dos direitos sobre os 2 imóveis em apreço, pelo que, tal questão suscitada pelos RR. constitui excepção, recai sobre estes a responsabilidade da prova dos factos fundamentais constitutivos da excepção ao abrigo do art.º 335.º n.º 2 do Código Civil, só que os respectivos factos no factum probandum não são dados provados após realizada a audiência de julgamento, essa excepção não pode impedir a procedência da pretensão dos direitos pela autora.
No tocante à questão de prescrição, levantada pelos RR., o Tribunal procede à análise juntamente com os pedidos da autora.
*
(…)
A seguir, é de analisar o pedido da autora contra o 2º réu.
Antes de mais, na parte da responsabilidade civil extracontratual, igualmente à situação da 1ª ré, dos factos provados não se verifica todos os pressupostos dessa responsabilidade.
Porém, é ainda necessário analisar o pedido fundado no enriquecimento sem causa.
No caso, a autora e o 2º réu são comproprietários dos dois imóveis em causa, após a venda destes, os seus direitos sobre o preço absolutamente podem ser separados de forma independente, ou seja, respectivamente têm direito a gerir e dispor da sua própria quota.
Mesmo assim, de acordo com os pontos 17 e 18 dos factos provados, o 2º réu adquiriu, sem causa legítima, a quantia que a autora tinha direito a receber, isto é, obteve interesse indevido sem causa e à custa da autora.
Com base nisso, ao abrigo do art.º 467.º do Código Civil, é de condenar o 2º réu a restituir à autora uma quantia de HKD$5.554.061,925 (=11.108.123,85/2).
Também urge analisar a questão de prescrição, levantada pelos RR. na contestação. Na óptica deste, já prescreveu o pela autora pretendido direito, quer fundado em responsabilidade civil extracontratual, quer fundado em enriquecimento sem causa.
Vejamos.
Ao abrigo dos art.º 476.º e 491.º n.º 1 do Código Civil, quer em caso de responsabilidade civil extracontratual, quer em caso de enriquecimento sem causa, a contagem do prazo de prescrição curto só se inicia desde a data em que teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.
A questão de prescrição constitui excepção peremptória, cabe aos RR. a prova dos factos fundamentais relacionados nos termos do art.º 335.º n.º 2 do Código Civil. Isto é, recai sobre os RR., mas não a autora, o ónus da prova da data em que a autora teve conhecimento do direito que lhe compete.
Os factos provados não demonstram quando a autora soube a venda dos dois imóveis em causa, portanto, é impossível concluir dos factos quando a autora teve conhecimento do direito que lhe compete. A par disso, nem dos factos pode resultar que a autora teve conhecimento do direito logo após a venda dos imóveis e a feitura do registo predial pelo comprador. Convém assinalar que, conforme o ponto 13 dos factos provados, nos termos do acordo de divórcio, foi atribuído o direito de uso dos 2 imóveis ao 2º réu. Apesar de terem os 2 imóveis sido alienados ao terceiro em 2014 com descrição do estado no registo predial, segundo as regras de experiência e o senso comum, as pessoas comuns não examinam, de repente ou regularmente, o estado registado do seu imóvel, pelo que, in casu, o estado manifestado no registo predial é insuficiente para sustentar que a autora deveria ter tido ou necessariamente teve conhecimento da venda dos imóveis. Pelo que, não tem razão a questão de prescrição suscitada pelos RR..
Face ao exposto, é de condenar o 2º réu a pagar à autora uma quantia de HKD$5.554.061,925.
No tocante aos juros de mora, dos factos provados não se revela o momento da constituição de mora. Assim sendo, ao abrigo dos art.ºs 794.º n.º 1 e 795.º n.º 1 do Código Civil, é de condenar o 2º réu a pagar os juros contados do dia de citação.».
Vem o Recorrente invocar que tendo sido registadas as vendas das fracções autónomas objecto destes autos se tem por demonstrado que a Recorrida e Autora teve conhecimento das mesmas e decorreu o prazo de prescrição previsto no artº 476º do C.Civ..
Segundo o que reza o artº 476º do C.Civ. a prescrição do direito por enriquecimento sem causa ocorre sempre no prazo da prescrição ordinária, isto é, no prazo de 15 anos de acordo com o disposto no artº 302º do C.Civ., contudo, pode também acontecer no prazo de 3 anos “a contar da data em que o credor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”.
Porém, neste caso especial da prescrição de 3 anos prevista no indicado preceito, não se tratando de prescrição presuntiva, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 335º do C.Civ. àquele que invoca o facto extintivo do direito – neste caso o 2º Réu aqui Recorrente sendo o facto extintivo a prescrição – cabe a prova dos respectivos factos.
Ou seja, cabia ao 2º Réu ora Recorrente demonstrar quando a Autora tomou conhecimento do direito a invocar o enriquecimento sem causa, sendo que, apesar do registo predial ser público, pelo simples facto de estar feito não permite presumir que outros que não aquele que o requereu têm conhecimento do facto registado.
Assim sendo improcedem as conclusões de recurso quanto à matéria da prescrição.
No que concerne à matéria da alegada compensação o que resulta da factualidade apurada é que as duas fracções objecto destes autos foram vendidas por HKD16.500.000,00 e HKD2.000.000,00, num total de HKD18.500.000,00 – facto nº 6 da decisão recorrida – mas que apenas foi recebido o valor de HKD11.108.123,85 – facto nº 17 da decisão recorrida – sendo que a diferença foi usada para pagar os empréstimos bancários garantidos por hipoteca que onerava as fracções no valor de HKD 4.437.366,12 e HKD2.954.510,03.
Logo, a única compensação possível e que se reporta aos empréstimos feitos e que oneravam as indicadas fracções foi feita, pelo que reparo algum há a afazer à decisão recorrida.
Destarte, em face do exposto, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
IV. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 24 de Julho de 2025
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)
96/2025 CÍVEL 1