Processo nº 55/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 6 de Junho de 2025
ASSUNTO:
- Artº 349º do ETAPM
- Poder discricionário
SUMÁRIO:
- A possibilidade de conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva prevista no nº 6 do artº 349º do ETAPM consiste num poder discricionário da Administração.
- A intervenção do Tribunal na apreciação do exercício do poder discricionário por parte da Administração só deve ter lugar quando se verifica o erro manifesto, a total desrazoabilidade ou o desvio do poder, ou seja, apenas em casos de “injustiça grave ou erro grosseiro”.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 55/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 6 de Junho de 2025
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso contencioso do despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 3/5/2024, que indeferiu o seu pedido de conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva.
Por Acórdão de 13/2/2025, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) julgou improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
Inconformado, vem o ora Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância (TUI), alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O Exm.º Secretário para a Economia e Finanças reabilitou o recorrente sem, todavia, ter aceite converter a demissão em aposentação compulsiva, entendimento este mantido pelo T.S.I. e alvo do presente recurso para o T.U.I.
2. Tal como foi decidido numa outra decisão do T.S.I. e se pode ler no sumário do seu acórdão de 7 DEZ 2016, proferido no processo n.º 836/2015 e relatado pelo Exm.º Juiz JOÃO GIL DE OLIVEIRA: «(...) Se um funcionário a quem foi aplicada a pena disciplinar de demissão, vem pedir, decorrido o prazo previsto na lei, a sua reabilitação, invocando uma conduta posterior habilitante e merecedora dessa medida regeneratória, a Administração não pode limitar-se a repetir os argumentos relativos à gravidade passada e que conduziu à demissão, devendo pronunciar-se sobre aquela conduta posterior e sua relevância reparadora, só em função disso devendo apreciar o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva concomitantemente formulado (...)».
3. Bastará percorrer o Despacho de 3 MAI 2024 - mormente os pontos n.os 28 a 30 da Informação n.º 015607/DAF/STEV/2024 em que esse despacho se louvou e sobre a qual recaiu - para facilmente se apreender que apenas se pretendeu como que novamente penalizar o recorrente uma segunda vez, em violação do princípio non bis in idem.
4. O entendimento do recorrente, em flagrante contradição com a decisão do T.S.I., é manifestamente outro pois que com a sanção disciplinar de demissão que havia aplicado, a Administração já tinha conhecido, já tinha valorado e já tinha sinalizado no ordenamento jurídico o desvalor da acção e o desvalor do resultado do agir do seu servidor - o aqui recorrente.
5. E sendo esses comportamentos e actuações ilícitas e censuráveis segundo o entendimento da Administração corporizado na determinação de uma pena de demissão, não poderiam os mesmos mais, seguidamente, ainda que sob outras vestes e encarnação, servir ou ser usados para outros pretextos ou como subliminar fundamento para o que quer que seja, designadamente para serem reaproveitados ou repristinados para quaisquer fins ou efeitos.
6. Assim, ao contrário do entendimento adoptado e acolhido pelo T.S.I., o recorrente sustenta que a susceptibilidade de valoração e de apreciação de tais actos e omissões na base da sanção disciplinar ficou definitivamente afastada por esgotada e exaurida com a prolação do despacho que havia determinado a sanção disciplinar de demissão.
7. Sendo que, por conseguinte, aquando da apreciação de um pedido de reabilitação cumulado com um pedido para convolação da demissão em aposentação compulsiva, caso a Administração avaliasse que não pretendia proceder a tal convolação, não poderia ter-se baseado ou ter-se sustentado em fundamentos de facto e de direito nem em argumentos e considerações já expendidos e mobilizados precisamente para a fase da determinação e do merecimento concretos da sanção disciplinar específica que aplicou!
8. Ora, a “não convolação / não conversão” não é, nem tem a natureza, de uma segunda sanção disciplinar, de uma segunda sanção acessória ou de uma segunda sanção ad hoc atípica que coubesse usar como resquício do ius puniendi já antes esgotantemente exercido em fase anterior!
9. Tal como se pode ler na página 27 do mencionado acórdão do T.S.I. de 7 DEZ 2016: «(...) Só após a avaliação do comportamento que o infractor teve ao longo do período de prova se poderá conceder ao infractor, com comportamento merecedor, a reabilitação, apagando o rasto de consequências negativas deixado pela sanção disciplinar. Daqui decorre que esse exercício sobre a conduta posterior não pode deixar de ser feito. Ora, o que se observa, no despacho recorrido, é que esse exercício não foi produzido, devendo tê-lo sido. Sobre o comportamento posterior nem uma palavra na decisão tomada e ora sob recurso. A entidade recorrida reforça as suas razões justificativas da demissão – que não estão aqui em causa –, face à gravidade da conduta e parte desse pressuposto para se eximir àquilo a que não se podia eximir: a avaliação da conduta posterior e concluir no sentido da verificação e integração dos pressupostos da reabilitação e concessão da aposentação compulsiva, reportada esta a outra base factual e temporal. (...)».
10. A convertibilidade da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva não tem em vista - nem, aliás, é apta a - como que “modificar retroactivamente” a sanção anteriormente aplicada e inteiramente executada, cabendo destacar que pelos actos praticados pelo recorrente, foi o mesmo já em 2017 penalizado com a pena de demissão e, desde então, tem permanecido, ano após ano, sob o labéu e o estigma desta sanção disciplinar - a mais grave de todo o E.T.A.P.M.!
11. Não está em causa fazer-se “tábua rasa” do passado ou como que “dar o dito por não dito” no que diz respeito à demissão determinada em 2017 e sofrida pelo recorrente desde então, ao longo destes 7 anos!
12. O mérito de tal decisão de demissão não foi à data nem agora questionado, conformando-se o recorrente, então como agora, com tal sentido decisório.
13. Simplesmente sente o recorrente que aquilo que serviu para à data o demitir não pode ser o mesmo que irá servir mais tarde para não convolar a demissão em aposentação compulsiva, ou seja, o mesmo material fáctico, o mesmo material argumentativo, as mesmas elaborações e ponderações cumpriram à data um fim e não podem perdurar ou valer ultra-activamente para quaisquer outros fins!
14. A não ser assim, tornando algo que não é legalmente rígido em algo que se torna de facto rígido - isto é, o poder-dever de convolação transformado na prática em dever de nunca convolar - está-se a violar a lei e o seu espírito.
15. Ora, o que está em causa quanto à reabilitação é proceder-se à reintegração de infractores disciplinares que, após a sanção e passado sobre esta o período legalmente estabelecido, deixem de sofrer e ver subsistir nas suas esferas jurídicas incapacidades ou efeitos adversos resultantes da punição sofrida.
16. Reintegração ou recuperação nas quais, não se apagando ou eliminando evidentemente o passado, se faculta ao ex-servidor a possibilidade de recuperação o mais plena quanto possível do seu estatuto social e económico a fim de arredar o mais possível o rasto de consequências negativas derivadas da punição disciplinar, já aplicada e já cumprida por inteiro.
17. In casu, caberá também salientar que qualquer funcionário público contribui ele mesmo, a partir de determinada percentagem do seu salário, para formar e aforrar a sua carreira contributiva para efeitos de pensão (ou lump sum) aquando da sua aposentação, sendo que o dinheiro retido mês após mês a partir da remuneração do servidor irá formar o pecúlio a receber a final da relação de trabalho, seja sob a forma de prestação periódica, seja numa prestação global unitária.
18. Assim, a não conversão da demissão em aposentação compulsiva fere igualmente o direito de propriedade do recorrente - que tem 18 anos, 2 meses e 26 dias de serviço -, equivalendo à expropriação ou confisco parcial do seu salário precisamente na parte em que serviu para formar a sua carreira contributiva para efeitos de aposentação ou, vistas as coisas do ângulo inverso, a não conversão da demissão em aposentação compulsiva valerá, da perspectiva da Administração, a um seu enriquecimento sem causa às custas do correlativo empobrecimento do recorrente.
19. Ao ter decidido como decidiu no douto acórdão a quo, coonestando um entendimento do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças diverso do acima exposto, o T.S.I. - sempre ressalvado o elevado e muito justamente devido respeito -, na decisão judicial ora recorrida, fez uma errada interpretação e aplicação do n.º 6 do artigo 349.º do E.T.A.P.M. e dos poderes discricionários nele ínsitos em total desrazoabilidade do seu exercício, apud art. 21.º, n.º 1, al. d), do C.P.A.C., pelo que, consequentemente, a douta decisão a quo deverá ser revogada por V. Ex.as.
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A Entidade Recorrida respondeu nos termos constantes a fls. 90 a 93 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Mº Pº é de parecer pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II - FACTOS PROVADOS
Pelo TSI foi considerada como relevante e provada seguinte a matéria de facto:
1. Por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 03.05.2024 foi indeferido o pedido relativo à conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva;
2. Do Despacho referido no item anterior consta o seguinte:
Parecer:
Despacho:
De acordo com a análise e os fundamentos apresentados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, defiro o pedido relativo à concessão da reabilitação do Requerente A, no entanto, indefiro o pedido relativo à conversão da sua pena de demissão em aposentação compulsiva.
O Secretário para a Economia e Finanças,
Assinatura (vide o original)
3 de Maio de 2024
Remeta ao DAF para o acompanhamento.
Assinatura (vide o original)
3/5/2024
Assunto: Relativo ao pedido de um ex-funcionário sobre a concessão da reabilitação e a conversão da demissão em aposentação compulsiva
Informação N.º 015607/DAF/STEV/2024
Data: 30/04/2024
Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças:
O Ex.mo Senhor Doutor B, representante de A (doravante designado por Requerente), ex-assistente técnico administrativo especialista principal desta Direcção de Serviços, 3.º escalão, nomeação definitiva, dirigiu uma petição à Sua Excelência o Chefe do Executivo em 8 de Março de 2024 (anexo I), a fim de pedir a concessão da reabilitação relativa à pena de demissão aplicada pelo Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças ao Requerente, e pedindo que seja convertida a pena de demissão em aposentação compulsiva. Vem esta Direcção de Serviços informar a V. Ex.ª o seguinte:
I) Apresentação
1. A partir de 19 de Dezembro de 1997, o Requerente foi nomeado, provisoriamente, para o exercício de funções de técnico auxiliar de 2.ª classe na presente Direcção. (Anexo II)
2. A partir de 19 de Dezembro de 1999, o referido funcionário foi nomeado, definitivamente, para o exercício de funções de técnico auxiliar/assistente técnico administrativo. (Anexo II)
3. Entre 5 de Setembro de 2016 e 9 de Abril de 2017, o Requerente deu 217 dias de faltas seguidas e injustificadas ao serviço. (Anexo II)
4. Para efeitos da contagem de tempo de serviço para a aposentação, o Requerente perfez 18 anos, 2 meses e 26 dias de serviço. (Anexo III)
5. Em 23 de Março de 2017, o Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho na Informação da presente Direcção n.º 20/7-2016/PD-DSAL, que aplicou a pena de demissão ao Requerente, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 2 do art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por ETAPM). (Anexo IV)
6. A supracitada decisão de aplicação da pena foi notificada ao Sr. Dr. B, representante do Requerente, em 10 de Abril de 2017.(Anexo IV)
7. Relativamente à decisão acima referida, o Requerente interpôs o recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) (Processo n.º 418/2017). O TSI proferiu a decisão em 21 de Junho de 2018, cujo o referido recurso contencioso foi julgado improcedente. (Anexo I)
8. Em 8 de Março de 2024, o representante do Requerente dirigiu uma petição à Sua Excelência o Chefe do Executivo para pedir a concessão da reabilitação relativa à pena de demissão aplicada pelo Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças ao Requerente, e pedindo que a pena de demissão seja convertida em aposentação compulsiva. (Anexo I)
9. O Requerente apresentou 11 documentos, incluindo um certificado de registo criminal. (Anexo I)
10. A fim de analisar se o pedido de concessão da reabilitação do Requerente preencha os requisitos legais de “boa conduta”, esta Direcção de Serviços notificou o Requerente em 27 de Março de 2024, solicitando-lhe complementar a apresentação da certidão de não devedor de imposto emitida pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF). (Anexo V)
11. No requerimento apresentado pelo Requerente arrolou duas testemunhas, no entanto, não indicou concretamente quais os factos a provar pelas respectivas testemunhas, pelo que, a presente Direcção solicitou a apresentação dos dados complementares na notificação acima referida. (Anexo V)
12. Em 16 de Abril de 2024, o Requerente apresentou a certidão de não devedor de imposto emitida pela DSF à presente Direcção e indicou os factos que pretende provar pelas testemunhas. O Requerente requereu que as duas testemunhas respondam os factos estipulados nos art.ºs 7.º a 19.º do requerimento, a fim de comprovar que o pedido de reabilitação do Requerente preencha os requisitos de “boa conduta”. (Anexo 6)
13. Dado que as alegações dos art.ºs 7.º a 19.º do requerimento se tratam principalmente, após a sua desvinculação do serviço, do estado de vida familiar do Requerente no Canadá, e tendo em conta que os dados apresentados pelo Requerente são suficientes para comprovar que o mesmo possui os requisitos de “boa conduta”, esta Direcção de Serviços não chegou a ouvir as declarações das testemunhas.
II) Relativamente ao pedido de reabilitação
14. Nos termos do art.º 349.º do “ETAPM”:
1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
(…)
15. De acordo com o acima exposto, a concessão da reabilitação é necessária de preencher simultaneamente os dois pressupostos seguintes:
(1) Decorrido um determinado tempo: 5 anos a contar da aplicação da pena, no caso da demissão;
(2) Boa conduta.
16. Por despacho proferido pelo Ex. o Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças em 23 de Março de 2017, o Requerente foi aplicado a pena de demissão, e a aplicação da pena foi notificada ao Requerente em 10 de Abril de 2017.
17. O Requerente apresentou o pedido de concessão da reabilitação em 8 de Março de 2024, o qual está preenchido o requisito de “decorrido um determinado tempo”.
18. Quanto à “boa conduta”, consiste num conceito incerto. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 349.º do “ETAPM”, cabe o ónus de prova ao Requerente, podendo utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
19. Perante um conceito incerto sobre “boa conduta”, vem a jurisprudência apontar que: A respectiva avaliação deve repousar sobre o que levou o arguido à censura e o esforço feito e conseguido para que igual comportamento não venha a repetir-se no futuro.
Para que a reabilitação possa proceder é indispensável que o arguido prove essa boa conduta, no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu comportamento e conduta anteriores antifuncionais, que permitam ilaccionar, em função de critérios da avaliação do homem médio, que o sancionado retomou uma situação de comportamento normal dos seus deveres funcionais sem perigo de recidiva.
20. Pelo que, permite proceder à uma análise concreta, rigorosa e objectiva sobre o comportamento do Requerente desde a data da sua demissão até à data da apresentação do pedido de concessão da reabilitação.
21. Analisados os dados apresentados pelo Requerente, nomeadamente o facto de o Requerente não ter registo criminal e a certidão que comprova que não é devedor da RAEM, pode concluir-se que: o comportamento do Requerente ter alterado desde que foi demitido e ter havido uma inflexão segura no seu comportamento e conduta anteriores antifuncionais, que permita tirar a ilação, em função de critérios de avaliação do homem médio, que o Requerente tem uma “boa conduta” e não tem perigo de recidiva.
22. Pelo exposto, nos termos do disposto no n.º 1 a n.º 5 do art.º 349.º do “ETAPM”, propõe que seja deferida a concessão da reabilitação.
III) Relativmente ao pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva
23. Nos termos do n.º 6.º do art.º 349.º do “ETAPM”, se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º.
24. Nos termos do disposto no n.º 3.º do art.º 315.º do “ETAPM”, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
25. O Requerente começou a desempenhar as funções na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais em 19 de Dezembro de 1997 e, até à data da desvinculação do serviço, o tempo de serviço contado para efeitos de aposentação é de 18 anos, 2 meses e 26 dias, o que está preenchido o requisito de tempo para a aposentação obrigatória.
26. No entanto, nos termos do disposto no n.º 6.º do art.º 349.º do “ETAPM”, a reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da demissão em aposentação compulsiva, ou mais preciso, a reabilitação torna a “conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva” é apenas uma possibilidade e a concretização dessa possibilidade compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
27. No caso em apreço, em relação ao pedido do Requerente sobre a conversão da demissão em aposentação compulsiva, a presente Direcção considera que existem razões fortes e ponderosas para o indeferimento.
28. Entre 5 de Setembro de 2016 e 9 de Abril de 2017, o Requerente deu 217 dias de faltas seguidas e injustificadas ao serviço.
29. Durante o período de ausência, o Requerente nunca apresentou qualquer comprovativo ao serviço para a justificação das faltas.
30. Nos termos do disposto no n. 9 do artigo 279.º do “ETAPM”, comparecer regular e continuadamente ao serviço é um dever geral do trabalhador, o Requerente não cumpriu aquele dever, pelo que deve ser punido com pena de aposentação compulsiva ou pena de demissão, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 315.º do “ETAPM”.
31. O facto doloso das faltas injustificadas do Requerente foi provado, o Requerente pretende renunciar ao seu cargo para pôr em termo à sua ligação com o serviço.
32. É necessário de salientar alguns factos: até 8 de Setembro de 2016 (ou seja, o 4.º dia da falta injustificada do Requerente), a superior hierárquica do Requerente, C, recebeu uma mensagem de WHATSAPP do Requerente, com o conteúdo de que “o Requerente afirmou que ainda está no Canadá, a sua família expressou que não quer regressar a Macau e deseja que o Requerente fique no Canadá”; ao mesmo tempo, o Requerente pediu à sua superior hierárquica que informasse a situação acima referida ao Director e pediu solicitar ao Director que o despedisse e o permitisse receber a sua pensão de aposentação.
33. Assim resulta que o comportamento do Requerente não tinha qualquer interesse manifesto em manter a sua ligação à administração pública e que o objectivo final do seu comportamento era permitir-lhe receber a sua pensão de aposentação (aposentação).
34. Com apenas 18 anos, 2 meses e 26 dias de tempo de serviço contado para efeitos de aposentação, para atingir o objectivo de “aposentação”, o Requerente desrespeitou completamente a lei e os deveres que um funcionário público deve cumprir, faltando sem justificação, assim, se for deferida a conversão da sua demissão em aposentação compulsiva, será, sem dúvida, um prémio para o Requerente, fazendo com que as pessoas se sentirem que “os infractores é que são beneficiados”.
35. Um funcionário público que cumpre as regras e a lei tem de proceder à contribuição, para efeitos de aposentação, pelo menos 30 anos, sendo esta uma das condições para a aposentação, se permitir o Requerente, que infringiu dolosamente a lei e que desrespeitou a lei e os deveres da função pública, a aposentar-se com apenas 18 anos, 2 meses e 26 dias de antiguidade, implica inevitavelmente um grande prejuízo à dignidade e ao moral da administração pública.
36. Tal como referido no ponto n.º 26, a reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva e a conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
37. Face ao exposto, tendo em conta os factos acima referidos e o objectivo final da conduta repreensiva do Requerente, esta Direcção de Serviços é de entender que, com base em consideração do interesse público, não deve conceder a conversão da pena de demissão que lhe foi aplicada em pena de aposentação compulsiva.
IV) Conclusão
Relativamente ao pedido de concessão da reabilitação:
38. De acordo com os dados apresentados pelo Requerente, fica demonstrado que o mesmo preenche os requisitos de “boa conduta”, estabelecidos no art.º 349.º do “ETAPM”.
39. Decorrido 5 anos desde a sanção até à data da apresentação do pedido, está preenchido o requisito de “tempo” do mesmo articulado.
40. Pelo exposto, proponho que seja deferida a concessão da reabilitação.
Relativamente ao pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva:
41. A reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da demissão em aposentação compulsiva.
42. A conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
43. Com base em consideração do interesse público, proponho que seja indeferido o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva apresentado pelo Requerente.
A supracitada proposta é subida ao Ex.mo Senhor Secretário para a apreciação.
O Director da DSAL,
Assinatura (vide o original)
XXX
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do presente recurso jurisdicional consiste em apreciar se a não autorização por parte da Entidade Recorrida do pedido da conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva do Recorrente traduz-se numa “errada interpretação e aplicação do nº 6 do artigo 349º do E.T.A.P.M e dos poderes discricionários nele ínsitos em total desrazoabilidade do seu exercício”, bem como numa violação do direito da propriedade do Recorrente na medida em que como funcionário público, tinha de contribuir uma certa percentagem do seu salário para efeitos de pensão de aposentação.
Para o Recorrente, a referida não autorização da conversão equivale “à expropriação ou confisco parcial do seu salário precisamente na parte em que serviu para formar a sua carreira contributiva para efeitos de aposentação”.
Quid iuris?
Estabelece o nº 6 do artº 349º do ETAPM que “Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 315º”.
Trata-se portanto de um poder discricionário da Administração.
Sobre a aplicação do referido nº 6 do artº 349º do ETPAM, este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar no seu Acórdão de 20/5/2020, no Proc. n.º 33/2020), entendendo que:
“…
Por sua vez, e em nossa (modesta) opinião, importa distinguir “reabilitação”, e (todos) os seus “efeitos”, (como a agora almejada “conversão da pena”).
Uma coisa é a “reabilitação” (stricto sensu), que – desde que verificados os seus atrás referidos pressupostos quanto aos “períodos de tempo” e “boa conduta” do funcionário ou agente – “(…) faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente”; (cfr., art. 349º, n.º 4 do E.T.A.P.M.).
Porém, importa desde já notar que como se estatui no n.º 5 do mesmo comando legal, “A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração”.
Isto é, (o reabilitado) volta a adquirir “capacidade para o exercício de funções públicas”, (cfr., art. 13º, n.º 1, al. d) do citado E.T.A.P.M.), embora “sem direito ao lugar ou cargo que detinha”, necessário sendo enão um novo processo de candidatura/selecção e (eventual) provimento, tudo nos termos e em conformidade com o previsto no “Regime Jurídico da Função Pública”.
No caso, a ora recorrente, disciplinarmente punida com a pena de “demissão”, (que consiste no afastamento definitivo do funcionário ou agente com a cessação do seu vínculo laboral), pode, após reabilitada, restabelecer o referido vínculo de emprego público, não podendo porém voltar ao seu lugar de origem, tendo, antes, caso assim o queira, que se colocar na mesma posição que qualquer outro candidato que se apresente a disputar o lugar.
No fundo, com a “reabilitação”, (e como sua “consequência directa”), cessa a “impossibilidade de reocupação de um lugar ou cargo na Administração”.
Porém, e como se viu, não se trata de um “voltar tudo atrás, ficando tudo na mesma”, nesta óptica se devendo perspectivar a medida em causa, pois que também a “conversão da pena de demissão em aposentação” prevista no n.º 6 do preceito em questão, constitui, apenas, uma “probabilidade” ou uma (eventual) “expectativa” do trabalhador, à qual corresponde uma “faculdade” – ou melhor, um “poder discricionário” – da Administração, não sendo ou constituindo um efeito, “directo”, “imediato” ou “necessário” da concessão da reabilitação.
Doutra forma, e como se mostra evidente, outra seria a “redacção” do preceito, sem necessidade de se regular de forma expressa, separada e específica, a questão da (“reocupação do cargo” e da) pretendida “conversão”.
E se assim é, é porque foi (real) intenção do legislador (local) “separar as águas”, exigindo uma “nova”, global, (e “diferente”), ponderação da Administração aquando da decisão a proferir em relação à dita “conversão da pena”, como (foi o que sucedeu e) acabou por concluir o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Portanto, (para além dos aludidos “prazos”), não está só (e apenas) em causa, a “boa conduta” da recorrente.
Ou seja, a “boa conduta”, que no caso até se deu como verificada para efeitos da sua “reabilitação”, não implica uma (necessária e automática) “conversão da pena”.
Esta, como um dos possíveis efeitos da “reabilitação”, pressupõe uma (nova) “ponderação de interesses” – onde, para além do interesse do requerente, (no caso, da recorrente), sobressai, obviamente, o “interesse público e da colectividade” – e uma decisão em conformidade.
No caso, o Acórdão recorrido é cristalino na justificação dos motivos da inexistência de qualquer desrespeito ou “violação à lei”, o mesmo sucedendo com a razão da inexistência de qualquer “abuso ou excesso no exercício do poder administrativo discricionário”.
E só não vê quem não quer ver, pois que, atentos os “factos” que levaram à aplicação da “pena de demissão” em questão, e, em especial, os “motivos da sua prática”, a sua “conversão”, nos termos pretendidos, acabaria, no fundo, por permitir a consideração, que se estaria a “beneficiar o infractor”, com graves prejuízos para a dignidade e moralização da Administração Pública, (não sendo pois de olvidar que, in casu, a conduta desenvolvida pela recorrente consistiu – precisamente – em faltar ao serviço de forma intencional para com as faltas cometidas alcançar, ou melhor, “provocar”, a sua “aposentação compulsiva” com os benefícios que a mesma proporciona).
Dir-se-á que, desta forma, “inútil” ou “vazia de conteúdo” é a norma do n.º 6 do art. 349º do E.T.A.P.M..
Em nossa opinião, de forma alguma assim é.
Para além do demais, importa pois ter presente que a pena disciplinar de “demissão” pode ser aplicada a (um conjunto de) “situações” que integram outras “infracções disciplinares”, (cfr., art. 315º do E.T.A.P.M.), e que, para o “efeito” aqui em causa são objecto de apreciação casuística, em face dos interesses atingidos e que à Administração Pública cabe prosseguir e assegurar.
Seja como for, com o consignado, não se quer dizer que esteja a ora recorrente (absoluta e eternamente) “excluída” de poder vir a beneficiar da prevista “conversão”, sendo apenas de sublinhar que, em face da “situação” no momento existente e verificada, e em resultado da análise e ponderação que se efectuou, (tanto no acto administrativo objecto do recurso para o Tribunal de Segunda Instância, como no Acórdão deste mesmo Tribunal), não se vislumbram motivos para qualquer divergência ou reparo.
…”.
As considerações acima transcritas são inteiramente válidas para o caso sub justice, pelo que face à “conduta disciplinar” do Recorrente dada como provada, é de concluir que não se verifica a alegada total desrazoabilidade do exercício do poder discricionário por parte da Entidade Recorrida.
Aliás, temos sempre afirmado que a intervenção do Tribunal na apreciação do exercício do poder discricionário por parte da Administração só deve ter lugar quando se verifica o erro manifesto, a total desrazoabilidade ou o desvio do poder, ou seja, apenas em casos de “injustiça grave ou erro grosseiro”. (cfr., v.g., entre outros, os Acórdãos do TUI de 31/7/2020, Proc. n.º 57/2020; de 5/12/2018, Proc. n.º 65/2018; de 31/7/2018, Proc. n.º 46/2018; de 17/12/2010, Proc. n.º 75/2010; de 16/1/2007, Proc. n.º 5/2007 e de 13/12/2007, Proc. n.º 36/2006).
Quanto à questão do acto da não autorização da conversão da Entidade Recorrida equivale “à expropriação ou confisco parcial do seu salário precisamente na parte em que serviu para formar a sua carreira contributiva para efeitos de aposentação”, é de salientar que tal problema inexiste, já que quem fica com os descontos da aposentação do Recorrente é o Fundo das Pensões, que é uma pessoa colectiva com personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial em relação à RAEM, pelo que a Entidade Recorrida nunca pode ficar enriquecida ou expropriar/confiscar tais descontos pela não conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva.
Face ao expendido, o presente recurso jurisdicional não deixará de se julgar improvido.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto.
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Custas pelo Recorrente, com 15UC taxa de justiça.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 6 de Junho de 2025.
Juízes : Ho Wai Neng
Song Man Lei
José Maria Dias Azedo
O Magistrado do Ministério Público presente na conferência:
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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55/2025