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Processo n.º 97/2025
(Autos de recurso jurisdicional das decisões do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 24 de Julho de 2025

Assuntos:

- Caducidade do poder tributário em matéria de imposto complementar de rendimentos

SUMÁRIO:

I - O Regulamento de Imposto Complementar não permite que o acto de liquidação seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria colectável e a fixação da matéria colectável (mesmo que parcialmente feita por razões diversas) ultrapasse o prazo de caducidade (cfr. artigo 55º do Regulamento de Imposto Complementar).
II – Ficou demonstrado que em 12/05/2016 foi feita a fixação da matéria colectável pela Comissão de Avaliação, contra esta deliberação foi feita impugnação contenciosa, tendo a mesma sido anulada pelo tribunal, e igualmente ficou provado que a referida Comissão veio a tomar nova deliberação sobre a liquidação em 12/08/2016, sem base factual sobre o rendimento já definitivamente fixado, eis uma decisão desprovida de qualquer efeito jurídico.
III – Perante tais circunstâncias, é de concluir-se que já caducou o poder de fixação de matéria colectável referente ao ano de exercício de 2012, o que obsta a que a entidade tributária procedesse à liquidação do imposto complementar em causa.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong


Processo n.º 97/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 24 de Julho de 2025

Recorrente : Director dos Serviços de Finanças (財政局局長)

Recorrida : A Limited (A有限公司)

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
O Director dos Serviços de Finanças (財政局局長), devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 30/09/2024, veio, em 17/10/2024, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 332 a 351, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de 30/9/2024, de fls.290v a 303 dos autos, a qual julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Requerente:
- e reconhecer à Requerente o direito ao reembolso do imposto pago no valor de MOP 32,632,810.00 assim como das custas pagos no valor de MOP 1,632.00, com a consequente condenação da Entidade requerida Director dos Serviços de Finanças a pagar à Requerente o montante total de MOP 32,634,442.00.
- reconhecer à Requerente direito aos juros legais moratórios vencidos e vincendos sobre a referida quantia de MOP 32,634,442.00 desde 9/12/2018 até ao seu efectivo pagamento, com a consequente condenação da Entidade requerida a pagar os mesmos à Requerente.
2. A decisão que se impugna procede, em nosso entender, a uma errada interpretação e aplicação da lei material aplicável bem como errada apreciação da matéria de facto - devidamente enumeradas na explicitação supra e nas conclusões seguintes.
3. - Por notificação datada de 15/8/2016, a Requerente foi notificada da fixação do rendimento colectável relativamente ao exercício do ano 2012, no valor de MOP 323,942,395.00, com a consequente liquidação do imposto no valor de MOP 38,846,088.00 (conforme o doc. junto a fls. 37 dos autos).
4. - A Requerente foi mais informada, pela referida notificação, que terá de pagar a diferença de imposto no valor liquidado de MOP 32,632,810.00 (conforme idem).
5. - Por deliberação tomada em 17/10/2016, a Comissão de Revisão negou provimento à reclamação apresentada, mantendo o montante do rendimento colectável fixado em MOP 323,942,395.00, com determinação do agravamento da colecta em 0.005% no valor de MOP 1,632.00 (conforme o doc. junto a fls. 43 dos autos).
6. - Em 17/11/2016, a Requerente foi notificada para o pagamento do imposto liquidado no valor de MOP 32,632,810.00, a partir do quinto dia da data do registo da notificação e recebeu uma guia para pagamento da quantia do imposto referida e o agravamento determinado (conforme o docs. juntos a fls. 45 a 46v dos autos).
7. - Em 6/12/2016, a Requerente efectuou o pagamento conforme notificado, com reserva (conforme os docs. juntos a fls. 36 e 55 dos autos).
8. - A referida decisão da Comissão de Revisão, datada de 17/10/2016, veio a ser anulada com fundamento na falta da fundamentação pela sentença do Tribunal Administrativo, de 23/10/2018, transitada em 8/11/2018 no processo de recurso contencioso que correu os seus termos sob o n.º 2441/17-CF, interposto pela Requerente (conforme os docs. juntos a fls. 56 a 80 dos autos).
9. A Autora nunca requereu ao Réu a restituição em dinheiro do montante pago, supra referido na conclusão n.º 6. e 7. ao abrigo do disposto no artigo 14.º do Regime geral da anulação e restituição das contribuições e impostos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/85/M, de 3/2/1985. A não consideração e aplicação desta norma gera erro de direito na interpretação e aplicação da lei na sentença recorrida.
10. - Em 28/1/2022 a Requerente deduziu a presente acção, nunca tendo até esta data promovido a execução da sentença referida na conclusão nº 8.
11. A lei, que está em vigor, é clara ao estipular o prazo para o contribuinte apresentar o pedido de restituição é de 3 anos a contar da data em que teve conhecimento da anulação respectiva, por via da decisão judicial de anulação do acto de fixação.
12. Além do mais recaia sobre a Autora o ónus de executar a decisão de anulação, por apenso aos autos originais, sob pena de preclusão, no prazo de 365 dias, previsto no artigo 180.º n.º 2 do CPAC, o qual, englobou na execução para prestação de facto a execução de sentenças de anulação de actos administrativos.
13. Em 22/3/2019, quando a Requerente deu entrada da PI do Recurso Contencioso de Anulação - Processo n.º 253/19-CF poderia ainda ter feito o pedido cumulativo de Execução da sentença de 23/10/2018, pois inequivocamente, com a notificação da nova decisão da Comissão de Revisão, já tinha tomado conhecimento da intenção da Administração Fiscal, relativamente á manutenção da fixação nos mesmos montantes do imposto anteriormente liquidado e pago sob reserva.
14. Nesta data o acto de liquidação já se encontrava viciado de nulidade superveniente, decorrente da anulação da fixação, e o prazo de caducidade desta também já se encontrava caducado em 31 de Dezembro de 2017. Pelo que nada obstava igualmente a arguição desta caducidade em ambas as instâncias, o que não fez.
15. Desde que transitou em julgado em 8/11/2018, a sentença anulatória e não sendo de considerar idónea a reformulação do acto da Comissão de Revisão subsequente, em face da caducidade do direito a liquidação supra mencionado, decorreram 3 anos, 2 meses e 20 dias até a interposição da acção sub judice, sem que, como foi alegado múltiplas vezes em sede de contestação, em momento algum a Requerente tenha interpelado o Réu, ora Recorrente, para solicitar o pagamento.
16. O enriquecimento sem causa prescreve no prazo de 3 anos nos termos do disposto no artigo 476º do Código Civil, pelo que improcede o fundamento do Meritíssimo Juiz a Quo "a Administração Tributária obrigou-se, à luz do previsto no artigo 467.º, n.º 2 do Código Civil, a restituir, por enriquecimento sem causa "o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou". A mesma exigência ainda consta da norma especial prevista no artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2017 mencionada anteriormente.". A norma do artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2017 refere não só um prazo de 5 anos, a contar do dia 31 de Dezembro do ano em que a quantia deu entrada nos cofres, como também ressalva disposição legal em contrário.
17. O Decreto-Lei N.º 16/85/M, De 2 de Março - Regime Geral Da Anulação e Restituição Das Contribuições e Impostos - que consagra um prazo de 3 anos a contar da data da anulação, que se operou com o transito em Julgado em 8/11/2018.
18. A douta sentença recorrida, decide conceder juros moratórios apenas com fundamento no previsto genericamente no Código Civil de Macau artigos 552º e 795.º do Código Civil.
19. Quer no quadro legal do Direito Fiscal da RAEM, quer do comparado em Portugal a cobrança de juros moratórios só é possível perante a previsão legal expressa em Lei Fiscal, como foi dado o exemplo na contestação - Regulamento do Imposto de Consumo - aprovado pela Lei n.º 4/99.
20. Lei que foi, curiosamente, publicada no mesmo dia que o Decreto-Lei n.º 110/99/M, que aprovou o Código de Processo Administrativo Contencioso, e remete no artigo 39.º para o disposto no lei geral reguladora da anulação e restituição de contribuições e impostos, o que não pode deixar de ter a devida ponderação em termos de interpretação sistemática do ordenamento jurídico fiscal da RAEM,
21. Verifica-se erro de julgamento na aplicação da lei no que tange à data da constituição em mora. A decisão da douta sentença recorrida, além de contra-legem, com os fundamentos supra, por in caso não haver mora em face do disposto na lei Fiscal, como lei especial, no Regime geral da anulação e restituição das contribuições e impostos, que exige requerimento de restituição a Administração Fiscal.
Termos em que se requer a V. Exa. o douto suprimento para que a Sentença do Tribunal Administrativo de 30 de Setembro de 2024 seja revogada, absolvendo o Réu de todos os pedidos, na medida em que a Autora, ora Recorrida, não requereu atempadamente a restituição em dinheiro do remanescente do imposto liquidado oficiosamente, e anulado por decisão transitada em julgado, pelo que não se constituiu em mora, nem tão pouco promoveu dentro do prazo preclusivo de 365 dias a execução da sentença anulatória, gerando inexigibilidade, caducidade e prescrição do direito da Autora, não estando previstos na legislação fiscal da RAEM juros moratórios, com as devidas consequências legais.
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A Limited (A有限公司), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 359 a 364, tendo alegado o seguinte:
Como nota introdutória, oferece-se como comentário a forma clara, precisa e concisa com que na douta sentença recorrida se fundamentou a respectiva decisão, dando a conhecer perfeitamente o itinerário lógico que lhe esteve subjacente. A sentença em crise não merece qualquer reparo.
O âmbito do recurso é limitado pelas conclusões apresentadas pelo Recorrente. Daqui decorre que o segmento decisório a sentença que incidentalmente decide a nulidade da liquidação do imposto complementar do ano 2012 não foi impugnado pelo Recorrente (v. em especial Conclusão 14. da alegação do Recorrente).
Estabelecido que está que o acto de liquidação foi declarado nulo, com trânsito em julgado, balizamos pelas conclusões formuladas, que o Recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida essencialmente por entender que:
a) A sentença procede a errada interpretação da lei material aplicável; e
b) Errada apreciação da matéria de facto.
Em primeiro lugar, o Recorrente surgiu apenas agora em sede de recurso jurisdicional com o argumento novo da aplicação ao caso dos autos do Decreto-Lei 16/85/M, de 2 de Março - Conclusão 9 da alegação de recurso.
Ora, nos termos do disposto no artigo 411º do CPC, "1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado."
Ónus de impugnação que o Recorrente não cumpriu e que, inevitavelmente, inviabiliza a sua pretensão inovadora.
Donde decorre também que a afirmação da Recorrente de que "a autora nunca requereu ao Réu a restituição em dinheiro do montante pago", ínsita nessa Conclusão 9 da sua alegação não tem qualquer suporte factual, nem na matéria dada como provada na sentença recorrida.
Além disso, nos termos do disposto no artigo 5º do CPC (Princípio do dispositivo) "1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções."
Trata-se dum dos princípios estruturantes do direito processual civil, em cuja observância, o tribunal está também impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido (art. 564.º/1, do CPC).
Deste modo, o Mmo. juiz a quo apenas podia conhecer, por regra, das questões que lhe foram apresentadas pelas partes, bem como não poderia proferir decisão que ultrapassasse os limites dos pedidos formulados, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto.
Isto sob pena de a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer se conhecesse de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda se condenasse em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido.
Além disso, o princípio da auto-responsabilidade das partes não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado.
Assim, a lei faz recair ónus sobre as partes, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
Sendo certo que as normas contidas nos artigos citados são aplicáveis ao presente processo por força da remissão do artigo 99º do CPAC.
Ora, quod non est in actis non est in mundo, e a questão de se saber se o aludido requerimento de restituição em dinheiro foi formulado pela agora Recorrente não pode ser relevada na decisão da presente causa.
Mais, a posição defendida em todo o processo até ao momento da apresentação das alegações, foi precisamente que a liquidação do imposto notificada em 17/11/2016 se mantém válida e em vigor - ora, sendo esse o caso, como seria possível à agora Recorrida pedir ao Recorrente o pagamento das quantias devidas com base num acto anulado?
O Recorrente não pode ter uma convicção num dia e no outro argumentar em sentido diametralmente oposto. Se, por um lado configura a situação como sendo uma em que o acto de liquidação se mantém válido e em vigor, não pode beneficiar da passagem dum prazo que impunha à Recorrida a formulação de requerimento para restituição de quantias na sequência "da anulação total ou parcial de colectas de contribuições ou impostos" (artigo 2º do Decreto-Lei n.º 16/85/M).
Aliás, o Decreto-Lei n.º 16/85/M nem sequer pode ser interpretado no sentido que o Recorrente parece querer que seja (as suas conclusões não são claras a este respeito). É que, de acordo com o artigo 1º deste DL, "O presente diploma aplica-se às situações tributárias em cujo processo de lançamento e liquidação tenham sido fixadas colectas que, por força das normas legais aplicáveis a cada imposto ou contribuição, devam ser anuladas."
Quanto ao modo de anulação das colectas, dispõe o artigo 2º que "1. Haverá lugar a anulação total ou parcial de colectas de contribuições ou impostos quando:
a) Tal seja determinado por decisão com trânsito em julgado da entidade ou tribunal legalmente competentes; [...]"
Sucede que, no caso dos autos, não existe qualquer decisão judicial transitada em julgado que determine a "anulação total ou parcial de colectas de contribuições ou impostos."
Conforme bem se fundamentou na douta sentença recorrida, o acto contenciosamente impugnado anteriormente foi o acto de revisão da fixação do rendimento colectável, não o da liquidação do imposto a pagar, nem o da fixação da colecta.
Donde decorre que a douta sentença recorrida julgou bem na não aplicação das normas deste Decreto-Lei.
Quanto ao alegado na Conclusão 16., vale o mesmo efeito preclusivo do artigo 411º do CPC: o Recorrente invocou na sua Contestação apenas a prescrição do pedido de juros, mas não o fez em relação ao pedido de devolução do imposto pago, pelo que não pode esse Tribunal conhecer agora dessa excepção.
Sendo certo que, nos termos do artigo 38º da Lei 15/2017, "3. A interrupção ou a suspensão da prescrição regem-se pelas disposições previstas na lei civil."
E dispõe o artigo 296º do Código Civil que "1. O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante.
Quanto à matéria dos juros devidos, embora com reserva da posição anteriormente defendida nos presentes autos, a Recorrida aceita a solução preconizada na douta sentença recorrida, conformando-nos com a mesma.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exa. deverá o presente recurso ser julgado improcedente e mantida, na integra, a sentença recorrida, assim se fazendo Justiça!
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- A ora Requerente é uma sociedade comercial regularmente constituída, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob número XXXX (SO) e matriculada na Direcção dos Serviços de Finanças com o número de contribuinte XXXX (conforme o doc. junto a fls. 22 a 28 dos autos).
- Em 16/9/2013 e 6/11/2013, a ora Requerente efectuou o pagamento, em duas prestações, do imposto complementar de rendimentos relativamente ao exercício de 2012, liquidado no valor de MOP 6,213,278.00 (conforme o doc. junto a fls. 36 dos autos).
- Por notificação datada de 15/8/2016, a Requerente foi notificada da fixação do rendimento colectável relativamente ao exercício do ano 2012, no valor de MOP 323,942,395.00, com a consequente liquidação do imposto no valor de MOP 38,846,088.00 (conforme o doc. junto a fls. 37 dos autos).
- A Requerente foi mais informada, pela referida notificação, que terá de pagar a diferença de imposto no valor liquidado de MOP 32,632,810.00 (conforme idem).
- Em 2/9/2016, a Requerente reclamou contra a referida decisão de fixação junto da Comissão de Revisão (conforme o doc. junto a fls. 39 a 41 dos autos).
- Por deliberação tomada em 17/10/2016, a Comissão de Revisão negou provimento à reclamação apresentada, mantendo o montante do rendimento colectável fixado em MOP 323,942,395.00, com determinação do agravamento da colecta em 0.005% no valor de MOP 1,632.00 (conforme o doc. junto a fls. 43 dos autos).
- Em 17/11/2016, a Requerente foi notificada para o pagamento do imposto liquidado no valor de MOP 32,632,810.00, a partir do quinto dia da data do registo da notificação e recebeu uma guia para pagamento da quantia do imposto referida e o agravamento determinado (conforme o docs. juntos a fls. 45 a 46v dos autos).
- Em 6/12/2016, a Requerente efectuou o pagamento conforme notificado, com reserva (conforme os docs. juntos a fls. 36 e 55 dos autos).
- A referida decisão da Comissão de Revisão, datada de 17/10/2016, veio a ser anulada com fundamento na falta da fundamentação pela sentença transitada do Tribunal Administrativo, de 23/10/2018, no processo de recurso contencioso que correu os seus termos sob o n.º 2441/17-CF, interposto pela Requerente (conforme os docs. juntos a fls. 56 a 80 dos autos).
- A referida sentença anulatória do Tribunal Administrativo transitou em julgado em 8/11/2018.
- Em 1/2/2019, a Comissão de Revisão veio a deliberar, de novo, sobre a reclamação apresentada pela Requerente, com a manutenção do rendimento colectável fixado para o exercício de 2012 e a determinação do agravamento (conforme o doc. junto a fls. 82 a 84 dos autos).
- Esta última decisão chegou a ser mantida pela sentença do Tribunal Administrativo, de 23/3/2020, com a improcedência do recurso contencioso interposto, que correu termos no processo n.º 2853/19-CF, e posteriormente com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 5/11/2020, o qual negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da dita sentença (conforme os docs. juntos a fls. 140 a 171 dos autos).
- Em 28/1/2022 a Requerente deduziu a presente acção.
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
     

I. Relatório
Requerente A Limited(A有限公司), melhor id. nos autos,
intentou a presente
Acção para Reconhecimento de Direitos ou Interesses Legalmente Protegidos
contra
Entidade Requerida Director dos Serviços de Finanças
com os fundamentos constantes da p.i. de fls. 2 a 17 dos autos,
Concluiu, pedindo que seja declarado a nulidade do acto de liquidação do imposto complementar de rendimentos datado de 8/11/2016, e reconhecido o direito ao reembolso do imposto pago pela Requerente e assim como as custas pagas.
E que a Entidade requerida seja condenada ao seguinte:
“a) A reconhecer ter o direito à liquidação do Imposto Complementar do ano 2012 caducado e, em consequência;
b) Cominar o Réu a pôr termo à violação dos direitos absolutos da Autora;
c) Na devolução à Autora das seguintes quantias:
i) MOP 32,632,810.00, a título de devolução do imposto complementar de rendimentos do ano 2012, cuja liquidação é nula.
ii) MOP 1,632.00, a título de custas a que foi condenada na deliberação anulada.
iii) MOP 16,379,211.98, a título de juros já vencidos sobre as quantias indevidamente retidas pelo Réu a título de imposto complementar de rendimentos do ano 2012.
iv) MOP 819.14, a título de juros já vencidos sobre as custas a que a Autora foi condenada na deliberação anulada.
v) Juros à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”
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A Entidade requerida contestou a acção com os fundamentos de fls. 91 a 114 dos autos, concluiu pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções suscitadas ou improcedente a acção interposta.
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A digna Magistrada do M.º P.º emitiu douto parecer a fls. 278 a 287v dos autos, no sentido de ser julgada parcialmente procedente a presente acção, cujo teor se transcreve no seguinte:
“原告A有限公司(A Limited)針對被告財政局局長提起本案確認權利或受法律保護之利益之訴,請求宣告:1)被告於2016年11月8日作出關於2012年度的所得補充稅結算行為無效及確認原告有權取回已支付稅款及開支的權利﹔2)判處被告確認2012年度的所得補充稅的結算權利失效、終止違反原告的絕對權利、以及向原告返還澳門幣 32,632,810.00元的所得補充稅款項、澳門幣1,632.00元被撤銷議所科處的開支、澳門幣 16,379,211.98元涉及不當收取上述所得補充稅的已到期利息、澳門幣 819.14涉及不當收取上述開支的已到期利息和自傳喚日起計至完全清償日為止的法定利息。
我們先分析被告提出的各抗辯理由是否成立。
被告主張存在已有確定裁判的延訴抗辯,簡言之,其理據為由於行政法院2020年03月23日於第2853/19-CF號卷宗裁定原告針對所得補充稅複評委員會2019年02月01日的決議提出的司法上訴理由不成立,當中包括已就該被上訴決議是否違反第21/78/M號法令核准之《所得補充稅規章》第55條規定(結算時效)作出審理並裁定該違法性瑕疵的主張不成立,且隨後原告針對上述行政法院判決向中級法院提起上訴,中級法院裁定上訴理由不成立並維持原審法院判決,以及原告就該合議庭裁決提出無效主張時,中級法院認為該問題並沒有作為上訴標的範圍,並指出行政法院對該問題作出決定的部分視為既決而駁回裁判無效聲請。因此,原告於本案中再次提出2012年所得補充稅的結算有效性問題便出現(違反)已有確定裁判的抗辯。
在充分尊重不同立場下,我們並不認同被告主張。這是因為,本案中明顯不存在延訴抗辯成立的前提:即主體、請求及訴因並不相同。
本案中,原告針對被告財政局局長,主張被告2016年11月08日作出的結算行為的依據行為 ‐ 財政局複評委員會2016年10月17日的決議 ‐ 已透過行政法院2018年10月23日第2441/17-CF號司法上訴卷宗的已確定判決所撤銷,因此,上述結算行為作為被撤銷行為的執行行為亦無效,故原告請求宣告被告於2016年11月08日作出的結算行為無效、有權收回2016年12月06日(附明示保留)向財政局繳納因該結算而得出的稅款、開支及遲延利息、以及確認被告就原告2012年的所得補充稅的結算權利亦失效。而行政法院第2853/19-CF號卷宗稅務司法上訴案中,原告針對該案的被訴實體財政局複評委員會,主張後者於2016年10月17日駁回其稅務申駁的決議存在違法性瑕疵而請求撤銷之。
明顯可見,本案與上述稅務司法上訴案的訴因並不相同:前者主張2016年11月08日作出的結算行為存在合法性的問題,而後者則主張財政局複評委員會2016年10月17日的決議存在各項違法性瑕疵為理據,而且兩者訴訟中原告擬取得的法律效果並不相同:前者以宣告該結算行為無效並基於該結算而繳納的稅款和開支等請求返還,以及宣告被告針對2012年度所得補充稅的結算權力因除斥期屆滿而失效,簡言之,原告於本案訴訟目的是希望取得該年度所得補充稅不能合法地作出結算的法律效果﹔而後者則請求撤銷上述複評委員會的稅務申駁決議,目的使該決議的法律效果消滅。
被告聲稱於第2853/19-CF號卷宗稅務司法上訴案中,法院曾審理並確定判處結算失效及評定所得補充稅的權利失效問題,因而主張原告不能違反“已確定”判決再次於本案主張結算行為的合法性問題。然而, 我們並不認同如此理解。
於上述稅務司法上訴中,原告主張《所得補充稅規章》第55條 規定的所得補充稅結算五年除斥期間已屆滿,作為應早於結算行為作出的可課稅收益的評定行為已不可能為之,因此認為複評委員會的決議存在違反上述第55條規定的瑕疵。誠然,行政法院於上述稅務司法上訴卷宗的判決中,並沒有針對具體的結算行為的有效性作出審理,相反, 更指出上述《所得補充稅規章》第55條的規定並不適用作為該案件中針對複評委員會決議的撤銷性依據而裁定該違法性瑕疵理由不成立。正如上述判決指出:“A citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos, o que manifestamente não se trata no caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão. Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegada ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos n.º 1 e 3 do art.º 174.º do C.P.A.C..” 。另一方面,雖然上述判決見解認為行政法院2018年10月23日於第2441/17-CF號稅務司法上訴案中撤銷2016年10月17日複評委員會的決議,其撤銷效果並不觸及先於該決議之前已作出的評稅行為和結算行為的有效性,然而,這僅是上述判決本身的說明理由,該法律理解並不作為既決察效力範圍﹔再者,按照該判決已確定事實第4點所載,更能顯示上述判決說明理由所指的評稅行為為財政局評稅委員會於2016年05月12日所作出者,以及所指“結算行為”係指財政局局長於2016年08月12日基於該評稅行為而作出者,僅此而已。質言之,這與本案原告所主張應屬無效的2016年11月08日結算行為並不相同,而原告正正是主張由於上述2016年10月17日複評委員會的決議被撤銷後,隨後才作出的11月08日的結算行為亦應屬無效而請求返還基於該結算而繳納的稅款和開支,以及即便複評委員會2019年02月01日決議的有效性已確立,由於至今已屆滿五年的結算期間,故被告亦不能再針對原告作出2012年度所得補充稅的結算行為。
無容贅言,上述第2441/17-CF號稅務司法上訴卷宗的已確定判 決並不對於本案訴訟構成已有確定裁判的延訴抗辯。
關於第二項的延訴抗辯,即主張就原告的各項請求中包括要求 支付因被告不當收取的稅款、開支而產生的延遲利息及將到期利息,對此部分的請求應屬於按照《行政訴訟法典》第102條b)項規定的可允許合併的賠償請求,為此,本案應同時針對澳門特別行政區作為共同被告提起,否則被告僅為一般部門欠缺當事人能力的訴訟前提。
《行政訴訟法典》第102條規定: “不論管轄法院為何,下列請求均得與要求確認權利或受法律保護之利益之請求合併:a)要求判處有關之人須履行應作之給付之請求,或要求判處有關之人須在裁判處有關之人須在裁判所定之期間內作出對保護有關權利或利益屬必需之行為或行動之請求﹔ b)要求賠償因有關權利或利益受侵犯或不被承認而造成之利益喪失及損害之請求。” ,法律允許於這種訴合併提出附帶請求:其主請求是要求確認一個權利或受法律保護的利益,而附加兩個請求,一是要求判處行政機關作出應作的給付,或在指定期間內作出保護有關權益所需的行為或行動,二是要求對因不承認或損害有關權益所造成的損失作出賠償。
本案中,按照原告於起訴狀內所主張的事實,請求確認返還已支付稅款及相應開支的權利,實際上是基於行政當局沒有按照《行政訴訟法典》第174條第3款規定的標準執行行政法院第2441/17-CF號司法上訴卷宗的撤銷性判決,亦即是說,2016年10月17日複評委員會的決議被撤銷後,行政當局應消除不符合法律行為的效果,包括向原告返還已支付的稅款及相應開支以便於當時使原告回復原會出現的狀況,而非僅僅重新作出“可重複行為”的決定。換言之,原告是主張因行政當局在履行上述判決時並沒有依法完全和及時地作出執行,以致侵犯了原告主張的返還權利而產生損害賠償。按照該訴因,原告的合併請求支付有關遲延利息的部份條符合《行政訴訟法典》第102條b)項規定。
根據《行政訴訟法典》第24條b)項規定,在司法上訴中立法者允許於這種訴提出因司法上訴理由成立而獲得恢復原應出現的狀態後,但仍繼續存在利益喪失和損害的賠償請求。關於此附帶的賠償請求,承擔責任的主體必然是澳門特別行政區或其他公法人,正如José Cândido de Pinho指出:“Efectivamente, se o legislador prevê na alínea b), do n.º 1, que o recorrente possa, além do pedido de nulidade, anulação ou de inexistência do acto, cumular o de indemnização por perdas e danos – que se sabe ser dirigido primacialmente contra a RAEM e outras pessoas colectivas públicas (cfr. art.º 1.º, do D.L. n.º 28/91/M, de 22/04) -, é porque ao mesmo tempo admitiu implicitamente que os pedidos tenham que ser dirigidos contra pessoas singulars e colectivas distintas. Neste sentido, pensamos haver no contencioso administrativa um claro distanciamente em relação ao que é prescrito no regime do processo civil. E se assim for, quanto aos primeiros pedidos, a legitimidade passiva é conferida obviamente ao autor do acto, ao passo que quanto ao pedido indemnizatória, como é evidente, a legitimidade passiva cabe à pessoa colectiva a que aquele pertence (pode ser a RAEM ou algum ente colectivo dotado de autonomia administrativa a financeira).1” 。
立法者允許於確認權利或受法律保護之利益之訴附帶提出損害 賠償請求,我們看不到這種訴的賠償請求相應應針對的被訴主體的要求會與司法上訴中附帶損害賠償者有所不同。毫無疑問,本訴中就遲延利息部分的賠償請求應針對澳門特別行政區而提起。
接下來的問題是,是否允許如原告按照《民事訴訟法典》第267條規定請求誘發澳門特別行政區作為共同被告參加本訴。在充分尊重不同立場下,我們持否定意見。
首先,正如上述所指,本案主請求 ‐ 基於被告2016年11月8日作出關於2012年度的所得補充稅結算行為無效因而確認原告有權取回已支付稅款及開支的權利,以及其兩項附帶請求 ‐ i)因確認該權利而應返還已繳納的稅款和開支,以及針對該年度的所得補充稅的結算權力失效而不應再作出結算和 ii) 因違反該權利而產生的遲延利息的賠償 ‐ 之間存在審理上的先決關係﹔另一方面,原告與被告之間的行政法律關係以及原告與澳門特別行政區的因不法事實產生的非合同損害關係分屬不同的法律關係。質言之,客觀上原告於本案所主張的訴訟及請求(倘若就該賠償請求同時針對澳門特別行政區提起) 顯然符合《民事訴訟法典》第64條第1款及第65條規定,存在被訴方聯合的複數正當性。
誠然,按照《民事訴訟法典》第262條規定:“對於正處待決之 訴訟,下列之人得以主當事人之身分參加:a)依據第六十條及第六十一條之規定,對案件之標的具有與原告或被告相同利益之人﹔b)依據第六十四條之規定得與原告聯合之人,但不影響第六十五條規定之適用。”即使在自發參加下,僅為允許原告方的嗣後聯合,除非出現《民事訴訟法典》第219條規定之訴訟合併,否則不允許被告方的嗣後聯合。
在誘發參加上,除非出現屬同一法典第267條第2款及第271 條規定被告向共同債務人或主債務人作出召喚參加的特別規定的情況外,對於誘發被告方的“聯合”並不存在有用的意義。第270條第2款規定對於被召喚之人不參加訴訟,僅在第262條第a)項〔必要或任意共同訴訟人〕及第267條第2款〔補充關係而生的複數正當性〕才產生裁判既判案效力。質言之,誘發參加的目的僅在於使得被召喚人參加與訴訟當事人存在共同利益的訴訟,並且必然對該等人士產生相同的裁判效力,否則便失去了訴訟恆定原則的意義。
從比較法角度參考,正如葡萄牙基馬拉斯中級法院合議庭裁判 2011年01月06日合議庭裁判2所指:“A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha. Como não permite que o autor substitua o réu contra quem, por erro, dirigiu a acção….
Como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado.
….Por outro lado, a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do acionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio….Vimos já que o incidente de intervenção principal permite a modificação subjectiva da instância, por iniciativa das partes, e é admissível quando qualquer dos litigantes pretenda fazer intervir na causa um terceiro, como seu associado ou como associado da parte contrária, isto é, quando pretenda chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (art. 325.º, n.º 1, do CPC), e, ainda, nos casos de pluralidade subjectiva subsidiária, quando o autor pretenda fazer intervir um réu diverso do demandado a título principal, nos termos previstos nos arts. 325.º, n.º 2 e 31.º-B, do CPC.”(下劃線為我們所強調)
Cândida da Silva Antunes Pires及Viriato Manuel Pinheiro de Lima 指出3,就《民法典》第267條第1款可誘發參加的第三人為:“Os terceiros que podem ser chamados são aqueles que têm direito de intervir espontaneamente, nos termos do art. 262.º, ou seja, aqueles que deveriam ou poderiam intervir em listisconsórcio voluntário ou necessário com o autor ou como o réu e aqueles que deveriam ou poderiam coligar-se com o autor.”。
回到本案,正如上述分析,原告提出的主請求及遲延利息的附帶賠償請求分別相應於為不同的爭議法律關係,並不能透過《民事訴訟法典》第267條第1款規定誘發澳門特別行政區嗣後聯合本案被告參加﹔再者,原告於起訴狀中並沒有共同針對澳門特別行政區提起本訴而在被告主張就賠償請求存在欠缺當事人能力的抗辯時才提出誘發參加,明顯是為了“補正”其錯誤提告真正的實體關係主體,已超出了誘發參加制度的目的。
無容贅言,我們認為原告針對被告提出遲延利息的賠償請求明 顯欠缺當事人能力4,建議駁回該部份請求。
從而,亦妨礙審理被告主張關於遲延利息賠償請求的時效屆滿 的抗辯。
接下來我們分析本案的實體問題。
原告主張,本案針對被告於2016年11月08日作出的結算行 為,是作為已被行政法院2018年10月23日第2441/17-CF號司法上訴 卷宗判決所撤銷的複評委員會2016年10月17日的決議的後續行為。基於此,根據《行政程序法典》第122條第2款i)項規定該結算行為屬無效行為。
然而,被告主張,簡言之,由於上述被撤銷的決議僅存在欠缺 說明理由的形式瑕疵,屬可重複行為,且其後複評委員會於2019年02月01日在不重複該形式瑕疵下重新作出內容與先前被撤銷決議一樣的決議,且後一決議的合法性已被法院確認,故認為本案的結算行為並非與上述撤銷性判決的執行不相容的行為,因而不能視之為無效。
在充分尊重不同立場下,我們並不認同被告理據。
首先,如果行政當局作出一個和被撤銷行為的內容相同的行為,後者不應具有追溯效力,即其效力不是追溯到作出被撤銷行為的時候,而是由這一新行為被作出後才產生效力。正如《行政程序法典》第117 條及第118條第1款b)項後半部分,除非對於利害關係人更有利的決定才允許追溯效力(同一法典第118條第2款a項)。再者,執行裁判目的在於重建現在本應出現的狀況,倘給予重複不利行為賦予追溯效力,則被撤銷的行為等同繼續生效,就像沒有被撤銷過一樣,那麼但凡裁定因形式瑕疵成立的撤銷性司法上訴判決均總是毫無意義。
正如Diogo Freitas do Amaral教授指出: “…. a jurisprudência mais recente do Supremo veio, no entanto, a alterar esta posição, passando a recusar que, anulada uma demissão por vício de forma, se possa atribuir eficácia retroactiva à renovação do acto punitivo. Ao rigor formal da argumentação exposta, a referida jurisprudência contrapõe, para o efeito, dois argumentos fundamentais. Por um lado, um argumento que se baseia no propósito de proteger os interesses do recorrente e de acordo com o qual a atribuição de eficácia retroactiva aos actos de execução de sentenças só faz sentido para tutela e benefício do recorrente, devendo ser afastada quando os seus interesses o justifiquem. Por outro lado, um argumento que assenta no propósito do assegurar a reintegração da legalidade violada e sustenta que, 《se a renovação do acto tivesse efeitos retroactivos, frustrar-se-ia a reintegração da ordem jurídica violada, pois tudo se passaria como se o acto ilegal, anulado continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando na prática inútil um recurso contencioso que mereceu provimento》… preferimos hoje as considerações de justiça material da segunda ao rigor formal da primeira solução, pelo que nos parece que, anulada uma demissão por vício de forma, a renovabilidade do acto punitivo não dispensa a Administração de pagar ao interessado os vencimentos que ele tiver deixado de receber, desde o momento da anterior demissão até ao da renovação do acto punitivo. E o que se diz a respeito dos vencimentos deve dizer-se, em geral, da supressão de todos os efeitos positivos e negativos do acto anulado.5”。
另一方面,即便作出可重複行為 ‐ 即如本案複評委員會於 2019年02月01日作出的決議與先前被撤銷決議的內容一致,亦不能 因此斷言本案爭議的結算行為與執行上述撤銷性判決不存在不相容的結論。
對於撤銷性判決效力,我們可以援引José Cândido de Pinho 的精要解釋:“ A sentença de anulação tem um efeito constitutive, com se sabe, no sentido de que a invalidação do acto importa a sua eliminação desde o momento em que se tenha verificado a ilegalidade (eliminação retractive de uma determinada regulação jurídica). Mas além disse efeito constitutive, a sentença de anulação apresenta um outro efeito (efeito reconstitutivo), que a Administração deve observar na execução da sentença: A partir da anulação ela fica investida no dever de retirar os efeitos da anulação, reconstituindo ou reconstruindo a actual situação hipotéctica, isto é, a situação que teria existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal anulado ou se o acto tivesse tido praticado sem essa ilegalidade (art. 174.º, n.º 3, do CPAC).6”
在撤銷性判決的重建性效力下,行政當局必須消除基於被撤銷 行為而作出的隨後行為。本案中,結算行為作為被撤銷決議的隨後行為,必然視為無效且其法律效果亦自始不能存在,質言之,被告完全不能利用該結算行為的任何法律效果,視本案2012年度所得補充稅從未作出過結算一樣,對於原告而言,重建倘沒有出現該被撤銷決議當時應有的狀況 ‐ 即包括《所得補充稅規章》第55條第1款規定當時該結算的除斥期間仍應繼續進行。
誠然,立法者要求稅務行政當局作出結算行為為了確定應收稅 款的效力外,還同時設定了結算權利的失效期間,稅務行政當局有權力義務於特定期間內行使結算稅款的權力義務,以保護納稅主體的正當信任。葡萄牙最高行政法院於2020年01月08日的合議庭裁判7精闢地指出: “a razão de ser deste regime da caducidade do direito à liquidação é que o poder dever de actuação em que a lei investe a Administração Tributária cessa com o decurso de um período de tempo fixado pelo legislador para que possam ser realizadas oficiosamente as diligências necessárias para liquidar os tributos. Trata-se de um instituto jurídico que é ditado pelo princípio da protecção da confiança legítima, evitando que o contribuinte venha a ser surpreendido por um acto de liquidação que o coloque, de modo imprevisível, numa situação de desvantagem financeira e patrimonial em relação à qual dispõe de meios limitados ou especialmente onerosos para reagir por já ter passado um período de tempo considerado adequado para assegurar a previsibilidade e a calculabilidade da sua situação financeira (oito anos, neste caso) desde a ocorrência do facto tributário.
E este - o instituto jurídico da caducidade do direito à liquidação - é também um regime jurídico que obriga a Administração Tributária a actuar de modo célere e diligente e a promover a liquidação dos tributos sempre que tem notícia da ocorrência dos factos tributários (por declaração dos sujeitos passivos ou de terceiros) ou, quando aquela notícia não lhe tenha chegado, sempre que a Administração Tributária tivesse a obrigação de investigar da ocorrência ou não do facto tributário (como sucede nos impostos periódicos quando os sujeitos passivos não entregam a declaração anual de rendimentos e não existe fundamento para essa omissão).
Quer isto dizer que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação cessa o poder dever de a Administração Tributária promover a liquidação dos tributos, o que equivale a dizer que a mesma não deve iniciar ou prosseguir oficiosamente, a partir desse momento, quaisquer diligências do procedimento tributário que visem a prática do acto tributário e que, se o fizer, os actos praticados a partir daquele prazo são ilegais.”。
無需贅言,至少基於結算除斥期間計算的效力,原告主張結算行為與執行撤銷性判決不存不相容的理據無法成立,必然地,本案爭議的結算行為作為被撤銷決議的隨後行為而無效,並應確認原告要求被告返還先前已繳付的稅款及開支的權利。
接著分析的是,本案中原告涉及2012年的所得補充稅的結算除斥期間是否已屆滿的問題。
根據《所得補充稅規章》第55條第1款規定,某年度的所得補充稅的結算自該年度起五年失效。為此,明顯地,本案所討論的2012年度的所得補充稅的結算早已失效。
值得補充的是,本案中被告曾於2016年08月12日 ‐ 即在原告第一次向複評委員會針對評稅委員會2016年05月12日的可課稅收益的評定提出異議之前 ‐ 作出了結算(見卷宗第156頁) ,然而,我們認為該結算對於上述規定的失效制度而言並不能產生任何應有效力。
《所得補充稅規章》第44條第3款規定:“三、對可課稅收益核定的申駁,有暫緩執行的效力。”。毫無疑問,評稅委員會作出的可課稅收益的評定行為並不具有橫向的確定效力,除非在該條規定的法定期限內納稅主體沒有提出申駁,在此情況下,評稅委員會的決定才轉為確定,又或在提出申駁後,複評委員會作出的決定才具有該確定性。質言之,對於可課稅收益尚未存在確定性效力下,並不能展開狹義結算及征收階段。對此,我們援引中級法院2020年6月24日第327/2020號合議庭所指: “…enquanto ao acto pressuposto ou acto preparatório como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver estabilizado no procedimento, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
O ora acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido irradicado da ordem jurídica.
Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
...Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisã da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.”。
對於上述法律問題,亦值得我們參考葡萄牙最高行政法院2021 年11月10日合議庭裁判8的司法見解:“I – O acto de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indiretos é ilegal - artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária9. II – Pelo que a anulação da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos implica a anulação da liquidação subsequente. III – Se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada.”。
本案中,評稅委員會於2016年05月12日作出可課稅收益的評 定,然而,由於原告已於法定期間內針對該評定向複評委員會提出申駁,且其後複評委員會否決該申駁的決議被撤銷,顯然,2016年08月12日的結算從來沒有基於任何已確定的收益評定結果下作出而不能產生任何法律效果。只有隨後複評委員會於2019年02月1日重新作出決議〔該決議有效性已被司法確認〕才視上述可課稅收益評定轉為確定,即便如此,本案原告2012年度的所得補充稅結算除斥期間早已屆滿,被告確實不能基於該決議而作出結算行為。
綜上所述,我們意見認為本案訴訟部份理由成立,建議裁定起訴狀第1)至3)點、第4)點a)、b)、及c)項第i)及ii)的請求成立,其餘第4) 點c)項iii)至 v)請求因欠缺當事人能力而駁回之。”
***
II. Saneamento

Cumpre conhecer das excepções dilatórias suscitadas pela contestante.

Começa a Requerida por invocar a excepção do caso julgado, segundo a qual na sequência da anulação judicial da deliberação sobre a revisão da matéria colectável referente ao exercício de 2012, datada de 12/5/2016, a Administração Tributária renovou o acto anulado, com a tomada da nova deliberação de revisão em 1/2/2019 – tal segunda deliberação foi mantida pela sentença do Tribunal Administrativo que foi por sua vez mantida pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 658/2020, de 5/11/2020, proferido em sede do recurso jurisdicional.

Como tal, entendeu a Requerida que face à indiscutibilidade da matéria em causa por força do caso julgado formado, a liquidação efectuada com fixação da colecta no montante de MOP 38,846,088.00 é válida, o que obsta à satisfação da pretensão restitutiva da quantia reclamada mediante a acção aqui proposta. Deve-se portanto absolver a mesma da instância com procedência da excepção do caso julgado, ao abrigo do artigos 412.º, n.ºs 1 e 2 e 413.º, alínea c) e 414.º do CPC.

Com o devido respeito, é manifesto que inexiste aqui o caso julgado que se opera como excepção tendente a impedir que a presente causa seja apreciada neste tribunal.

De facto, com a sentença judicial proferida que tenha mantido o acto impugnado no recurso contencioso, torna-se indiscutível “a afirmação jurisdicional sobre a legalidade do acto nos termos resultantes da sentença administrativa, a qual vincula não apenas as autoridades públicas, mas também os próprios particulares, que ficam, assim, impedidos de renovar indefinidamente litígios com o mesmo objecto e entre as mesmas partes.” (cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 888/2019, de 18/6/2020). Nele consiste o caso julgado material em contencioso administrativo.

A pretensão restitutiva da ora Requerente da quantia paga funda-se na nulidade do acto de liquidação da colecta do imposto complementar de rendimentos enquanto acto consequente da fixação da matéria colectável anulada, acto esse distinto do renovatório da fixação anulada, mantido pelas decisões judiciais.

Não há, portanto, manifestamente a repetição da mesma causa por modo a ofender os limites objectivos do caso julgado material anteriormente formado, para além da falta da coincidência entre os sujeitos que tenham intervindo naquele processo e neste.

Assim, deve-se improceder a excepção suscitada.
*
Também cremos, salvo melhor entendimento, que se deva improceder outra excepção dilatória invocada na contestação, no sentido de que falta à Requerida a personalidade judiciária para ser demandada relativamente ao pedido indemnizatório cumulado, correspondente ao pagamento do montante de juros vencidos e vincendos sobre as quantias indevidamente pagas, ao abrigo do disposto no artigo 102.º, alínea b) do CPAC.

Do que se trata, na norma referida, é da cumulação, na acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, entre o pedido do reconhecimento do direito e o pedido indemnizatório sobre “perdas e danos decorrentes da violação ou do não reconhecimento do direito ou interesse em causa”. De mesma forma que se autoriza no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do CPAC, a cumulação do pedido indemnizatório no recurso contencioso, a formulação desse pedido na acção de reconhecimento visa também à efectivação da tutela reparatória, de acordo com as linhas gerais do direito substantivo, nos termos preceituados no n.º 1 do artigo 8.º do DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril.

Contudo não estamos aqui perante uma verdadeira pretensão indemnizatória a que se refere no artigo 102.º, alínea b) do CPAC que a ora Requerente formulou em juízo.

Como se sabe, uma cumulação real dos pedidos existe quando há singularidade de litigantes, unidade de processo e especialmente, a existência da multiplicidade de pedidos que envolva vários pedidos deduzidos cumulativamente, não alternativamente ou subsidiariamente (cfr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, pp. 141 a 142). Dito por outra forma, fala-se da cumulação entre os pedidos todos formulados a título principal.

Quando existe entre os pedidos cumulados uma relação de acessoriedade ou dependência, ou seja, o pedido da causa subordinada é objectivamente dependente do pedido da causa principal, já não se fala da cumulação dos pedidos, ou seja, a cumulação que existe seria meramente aparente.

Nestes termos, entende-se “Quem pede o pagamento do capital e dos juros… propõe uma acção única, porque submete à apreciação do tribunal somente uma determinada relação jurídica material. Há unidade de acção, porque há unidade de lide: o acto ou facto jurídico que se trata de analisar e considerar é um só.” Assim sendo, “…o pedido acessório de juros ou rendimentos não deve considerar-se como um pedido acumulado ao pedido principal… de modo que quando o autor pede, além do capital, os respectivos juros…limita-se a ampliar o pedido inicial, não formula um pedido novo que acresça ao primitivo.” (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, pp. 149 a 150).

Olhando a questão nesta perspectiva, o que temos aqui, em bom rigor, é apenas um único pedido condenatório da realização da prestação pecuniária referido na alínea a) do artigo 102.º do CPAC, cumulado com o pedido de reconhecimento do direito a tal prestação referido no artigo 100.º, n.º 1, alínea b) do Código, designadamente, o direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas, incluindo a própria colecta paga e as inerentes custas, assim como os juros acessórios desse crédito.

Numa outra perspectiva, ainda que se considere, ao contrário do que ficou dito atrás, que o pedido relativo aos juros é desprovido da acessoriedade, antes configurando um pedido principal que se distingue do reembolso do capital e se acumulando a este, tal pedido de juros também não é indemnizatório previsto no artigo 102.º, alínea b) do CPAC, apesar da sua natureza essencialmente indemnizatória.

Diferenciou a este respeito Dr. Jorge Lopes de Sousa, o direito a indemnização nos termos gerais do direito a juros indemnizatórios, entendendo que embora o direito a juros indemnizatórios deva ser perspectivado como concretização do direito a indemnização por responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito, este é um “direito em matéria tributária” conforme se conclui no artigo 30.º, n.º 1, alínea e) da Lei Geral Tributária portuguesa, “… é uma forma mais fácil de concretização do direito de indemnização, com dispensa da prova da existência de danos”. Assim sendo “é constitucionalmente admissível que se atribua o direito a juros indemnizatórios apenas nos casos e através dos meios previstos na lei, sem prejuízo do direito a indemnização total dos prejuízos provados pelo facto ilícito, nos termos gerais.” Desse modo, tem o contribuinte o direito de optar por uma indemnização autonomizada através de juros indemnizatórios ou pela indemnização determinada nos termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual (veja-se Sobre a responsabilidade civil da Administração Tributária por actos ilegais, pp. 90 a 93).

No mesmo raciocínio, se a ora Requerente pretende contra o acto tributário ilegal, exercer o direito de indemnização em termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual, terá de propor uma acção comum, ou cumular o pedido indemnizatório na acção de reconhecimento intentada, segundo o artigo 102.º, alínea b) do CPAC. Se apenas pretende exercer o direito de indemnização na forma de juros indemnizatórios, já não tem de socorrer-se da acção autónoma ou de utilizar a cumulação referida, bastava-lhe formular o pedido de reconhecimento do direito a juros em primeiro lugar e depois o pedido de condenação do seu pagamento.

Dito de forma mais precisa, temos nesta situação, dois pedidos de reconhecimento do direito à prestação pecuniária - sobre o direito ao reembolso da quantia de colecta pago e sobre o direito aos juros devidos, ambos referidos no artigo 100.º, n.º 1, alínea b) do CPAC, assim como dois pedidos condenatórios na realização da prestação, cumulados ao abrigo do artigo 102.º, alínea a) do referido Código. De todo o modo, não é de chamar à colação a norma da alínea b) do mesmo preceito legal, porquanto não está em apreço um pedido indemnizatório propriamente dito.

Deve-se concluir que a Entidade Requerida é o órgão administrativo com legitimidade para intervir na presente acção de reconhecimento ao abrigo do artigo 101.º do CPAC e para contestar todos os pedidos formulados. Daí, a questão da falta da personalidade judiciária não se deve colocar nos termos invocados na contestação, como tal, a excepção suscitada é de improceder.

Por conseguinte, não se mostra necessário pronunciar-se sobre o requerimento do chamamento da RAEM para intervir neste processo relativo ao pedido de juros, o qual foi deduzido pela Requerente a mero título subsidiário, a fim de acautelar contra a hipótese da procedência das razões invocadas na dita excepção.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou outras questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***
III. Fundamentação
1. Matéria de factos assentes
Considera-se assente a seguinte factualidade que interessa à decisão da causa:
(...)
*
A convicção sobre a matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos juntos neste processo e das informações que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, designadamente, sobre a referida data do trânsito da sentença anulatória do Tribunal Administrativo.
*
2. Matéria de direito
1.) Como já vimos, com a presente acção proposta, a Requerente pretende obter, essencialmente, o reconhecimento junto da Entidade requerida o direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, incluindo o imposto e as inerentes custas, assim como o direito aos juros acessórios devidos pela retenção dessa quantia, mais formulando para este efeito o pedido declarativo da nulidade do acto de liquidação que tinha servido de base à cobrança daquelas quantias.

No entanto, deve-se notar que a pronúncia declarativa nos termos peticionados só poderia ser obtida num recurso contencioso que se destina à anulação do acto recorrido ou à declaração da respectiva nulidade, ao abrigo do artigo 20.º do CPAC. No âmbito de um processo que não se dirija à impugnação do acto em causa assim como à respectiva eliminação da ordem jurídica, a validade do acto de liquidação não é apreciada como questão principal da causa, mas apenas a título incidental, por ser uma questão que se deva considerar no percurso lógico e racional no conhecimento da pretensão deduzida, a fim de chegar à sua apreciação, com efeitos da decisão que se produz dentro do respectivo processo, segundo o previsto no artigo 26.º, n.º 2 do CPC.

Foi isso o que aconteceu na situação vertente em que a nulidade do acto da liquidação em causa foi invocada como pressuposto da procedência da pretensão restitutiva deduzida, na medida em que o acto se tornou nulo com a anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável que o antecede, ficando a Administração tributária obrigada a restituir a quantia recebida, uma vez que o pagamento efectuado deixava de ser titulado enquanto não for praticada uma nova liquidação em substituição.

Nesta conformidade, deve-se conhecer incidentalmente da invocada nulidade do acto de liquidação, notificado, segundo a matéria de facto apurada, por carta de notificação datada de 15/8/2016, em conjunto com o acto de fixação do rendimento colectável relativamente ao exercício do ano 2012. (Ao contrário do que pretendeu a Requerente, a liquidação do imposto não só ocorreu mais tarde com a notificação de 8/11/2016, mas sim no momento anterior) conforme se verá de seguida. Mas de todo o modo, por não ser o meio processual adequado, deve-se indeferir o pedido formulado quanto à declaração da nulidade, vertido no n.º 1 da petição inicial.

Também não merece atendimento o pedido intimatório vertido na alínea 4) b) da p.i, cuja cumulação não é admissível legalmente, nem se nos afigura necessária, com a formulação expressa do pedido relativo aos juros moratórios pelo atraso na restituição da quantia demandada.

1.2.) À partida, se entender que um acto de liquidação surge, na tramitação do procedimento tributário, como acto consequente do da fixação da matéria colectável que condiciona aquele irremediavelmente, determinando os pressupostos necessários à prática daquele, a anulação judicial do acto de fixação deve determinar, inelutavelmente, a nulidade do acto de liquidação, ao abrigo do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA. Isso parece isento de dúvidas (cfr. neste sentido, no direito comparado, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18/10/2000, no processo n.º 25256, de 25/10/2000, no processo n.º 24962, de 8/11/2000, no processo n.º 25257).

A Administração tributária neste caso concreto, ao contrário do que se impunha num procedimento tributário tramitado de forma ordenada e organizada, não aguardou a decisão de revisão sobre a eventual reclamação contra o acto de fixação para depois proceder à liquidação do imposto, antecipou a prática desse último acto logo na sequência da fixação inicial da matéria colectável e ainda mais, aproveitou a ocasião da notificação do acto de fixação para notificar também o montante do imposto já liquidado com base naquele. Tal prática adoptada, ao que nos parece, não invalida aquilo que entendemos atrás, pelo facto de que a liquidação antecipada sempre pressupõe logicamente a existência de um acto prévio da fixação, que ficou posteriormente incorporado no acto de revisão que viria a ter lugar.

Assim sendo, no caso dos autos, com a anulação judicial do acto da revisão da matéria colectável praticado em 17/10/2016 mediante a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de 23/10/2018, no processo de recurso contencioso que correu os termos sob o n.º 2441/17-CF, a liquidação do imposto em diferença já efectuada no montante de MOP 32,632,810.00 passou a ser nula por força da norma do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA, que por isso não se mantém na ordem jurídica. Desapareceu, desse modo, o título jurídico que deu cobertura à transferência patrimonial da ora Requerente para a Administração tributária.

O mesmo deve suceder com o valor de agravamento da colecta de MOP1,632.00, que foi calculado e cobrado com base na percentagem de 0.005% do liquidado montante de colecta, fixada pela Comissão da Revisão nos termos do artigo 47.º do RICR, aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro. Sendo nula a liquidação da colecta, naturalmente, o valor de agravamento liquidado com base nesta nunca podia subsistir.

Daí emerge o direito da Requerente à restituição do montante de imposto pago em 6/12/2016, assim como das custas condenadas, o que corresponde, em contrapartida, à obrigação de restituição desses por parte da Administração tributária, que lhe é imposta pela norma do artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2017 (Lei de enquadramento orçamental), nos termos da qual “São restituídas as importâncias de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Tesouro sem direito a essa arrecadação.”.

1.3.) Além do mais, o direito deve ser reconhecido mesmo considerando a prática do acto renovatório da fixação anulada que só por si não legitima a recusa da restituição da quantia paga nem a respectiva retenção por parte da Administração tributária.

Sendo o acto de liquidação que deva constituir o título jurídico bastante para justificar a transferência patrimonial da contribuinte para a Administração tributária, é incontornável que a Administração tributária nunca chegou a efectuar a nova liquidação, seja por estar em crer que bastaria a renovação do acto de fixação anulado, sendo por isso desnecessária uma nova liquidação posterior, seja por entender impossível fazê-la, dada a caducidade do seu direito de liquidar naquela altura relativamente ao exercício de 2012, na mesma linha do entendimento perfilhado nos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferidos nos processos n.ºs 326/2020, 327/2020 e 505/2020.

Quanto a nós, a renovação do acto de fixação anulado não valida a liquidação consequente daquele, inquinada de nulidade. Já considerámos que por força da nulidade prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 122.º do CPA, a liquidação não subsiste na ordem jurídica. Isto impõe à Administração que tivesse renovado o acto anulado, expugnado do vício formal que determinou a sua anulação, também a prática do novo acto de liquidação. Se entendemos que tal nova liquidação, a existir, seria sempre desprovida da eficácia retroactiva dado tratar-se de um acto impositivo de deveres (cfr. neste sentido, obra cit. A responsabilidade civil da Administração…, pp. 42 a 49), mal se compreende que a renovação do acto de fixação anterior fosse suficiente por modo a dispensar a prática do novo acto consequente, como a primeira liquidação fosse sempre válida. Ou seja, tudo se passa como se nada tivesse ocorrido. (Além disso, é de realçar que quanto a este ponto, a construção doutrinária de que a nulidade dos actos consequentes não existiria, se o acto anulado viesse a ser renovado, não haveria que alterar o status quo existente, foi sempre passível de críticas severas, desde logo porque assentava num critério inadequado de delimitação da categoria dos actos consequentes. – veja-se Mário Aroso de Almeida, A Anulação dos Actos Administrativos no Contexto das Relações Jurídicas Administrativas, pp. 242 a 255).

No que respeita à eventual caducidade do direito de liquidar de acordo com o previsto no artigo 55.º do RICR, a qual, a ocorrer, poderia fragilizar anda mais a posição da contestante, tal questão não tem, no entanto, relevância para a solução do caso dos autos: se nunca vier a ser praticada a nova liquidação em substituição da anterior nula, seja qual for o respectivo motivo, a Administração tributária obrigou-se, à luz do previsto no artigo 467.º, n.º 2 do Código Civil, a restituir, por enriquecimento sem causa “o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. A mesma exigência ainda consta da norma especial prevista no artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2017 mencionada anteriormente.

Nestes termos ditos, o direito a reembolso de que se arroga deve ser judicialmente reconhecido, com a condenação da Requerida a restituir a quantia de MOP 32,632,810.00 e a quantia de custas de MOP 1,632.00, conforme peticionado nas alíneas c), i) e ii) dos pedidos vertidos na petição inicial.

2.) A maior controvérsia deve instalar-se na condenação do pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, que não é devido segundo a posição defendida pela ora contestante, com base na falta da previsão legal no RICR que atribua tal direito ao contribuinte, como sucedido no Regulamento do Imposto de Consumo. E além disso, não foi demonstrada, como pressuposto da atribuição desse direito, a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito que afecta o acto de liquidação, de acordo com o que prevêem as legislações portuguesas.

Com o devido respeito, não podemos acompanhar as considerações feitas. Desde logo, a falta da previsão específica no RICR sobre juros indemnizatórios nunca podia implicar a negação do direito de indemnização aos contribuintes em virtude da privação ilícita do montante do capital, o qual se encontra atribuído antes nos termos gerais.

De acordo com o previsto no artigo 2.º do DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril, “A Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”. À luz do previsto nesta norma, a Administração tributária obriga-se a responder civilmente pelos actos tributários que envolvam a arrecadação indevida do imposto, praticados pelos seus órgãos, funcionários ou agentes. Neste sentido, os juros indemnizatórios apresentam-se “como instrumento jurídico primacial do direito tributário que visa tal objectivo de indemnizar os contribuintes por actos ilegais” (veja-se, obra cit. A responsabilidade civil da Administração…, pp. 40 e ss.).

A questão a responder deve ser suscitada nos termos diferentes, ou seja, se existe ou não fundamento legal para que o direito de indemnização seja conferido na concreta forma de juros indemnizatórios, tal como peticionado pelo contribuinte lesado na intentada acção de reconhecimento.

É de sublinhar que muito diferentemente do que sucedeu nas legislações tributárias portuguesas, inexiste, no ordenamento tributário da RAEM, normas fiscais substantivas que atribuem de modo geral o direito a juros indemnizatórios em favor do contribuinte (tal como se prevê nos artigos 30.º, n.º 1, alínea e), e 43.º da Lei Geral Tributária). Da mesma forma, não existe uma distinção legal entre os juros indemnizatórios e as outras modalidades de juros, como por exemplo, moratórios também em favor do contribuinte (veja-se o artigo 102.º, n.º 2 da referida Lei), com a definição dos respectivos pressupostos e a fixação das respectivas taxas e dos períodos de vencimento. No entanto, tal como reconhecido pela jurisprudência portuguesa, face à redacção da LGT anterior ao aditamento do artigo 43.º, n.º 5, os juros indemnizatórios e moratórios, “ambos se destinavam a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga”, motivo pelo qual não era admissível a atribuição cumulativa dois tipos de juros relativamente ao mesmo período, sob pena da “dupla compensação” (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, -Pleno da 2ª. Secção, 17/06/2009, rec. 447/07, e da 2ª. Secção, 30/10/2013, rec. 955/13).

Nesta linha, não obstante a falta das previsões legais que atribuem ao contribuinte o direito de indemnização autonomizada através dos juros indemnizatórios, a figura dos juros moratórios, no nosso ordenamento jurídico em que não foi introduzida uma distinção específica nesta matéria, não deixa de ser configurável como indemnizatórios.

É bem certo que quanto aos juros moratórios em favor do contribuinte, as nossas leis tributárias substantivas também não os contemplam, porém isto “não poderá ser obstáculo a que a mora imputável a Administração Tributária, violadora do direito do contribuinte ao recebimento atempado da restituição de tributos, tenha consequência a nível patrimonial favorável ao contribuinte”. (cfr. obra cit. A responsabilidade civil da Administração…, pp. 94 a 98). Existem, na realidade, fundamentos que constam das normas da lei civil que visam assegurar o direito de indemnização pela mora no cumprimento de obrigações pecuniárias nos artigos 552.º e 795.º do Código Civil.

Traçadas as linhas gerais quanto ao direito a juros indemnizatórios e os seus fundamentos existentes no nosso ordenamento tributário, os argumentos trazidos pela contestante para negar a existência desse direito não podem colher evidentemente. Estando em causa, essencialmente, os juros moratórios configurados como indemnizatórios, a alegada falta do pressuposto constitutivo do direito a juros indemnizatórios previsto na legislação portuguesa carece da qualquer pertinência, assim como a invocada falta do pedido de juros nos anteriores recursos contenciosos de anulação que deva, segundo se entendeu, obstar à satisfação da pretensão formulada neste processo. Tendo os referidos recursos de anulação, salienta-se, sido dirigidos contra o acto de fixação, não o de liquidação, qualquer pedido relativo aos juros, acessório ao pedido restitutivo do imposto pago não tem, processualmente, cabimento no recurso contencioso.

Nesta linha de consideração, pela retenção indevida da quantia do imposto, deve ser atribuído ao contribuinte o direito a indemnização sob forma de juros indemnizatórios, mormente moratórios, à taxa legal, nos termos previstos no artigo 795.º, n.º 1 do CCM.

2.1.) Resta apurar, seguidamente, o termo inicial da contagem desses juros. Para tal efeito, releva a data da constituição em mora da Administração tributária como devedora ao abrigo do artigo 795.º, n.º 1 do CCM. Conforme referido atrás, sendo o acto de liquidação nulo que não produz quaisquer efeitos independentemente da declaração de nulidade, ao abrigo do artigo 123.º, n.º 1 do CPA, a Administração tributária obrigou-se, ab initio, a restituir a quantia recebida no exacto momento em que o seu pagamento foi efectuado pelo contribuinte.

Mas nos distanciamos da posição defendida pela Requerente neste ponto (uma vez que não é dos juro indemnizatório tal como previstos nas legislações comparativas que se trata no nosso caso, mas os juros moratórios), entendendo que não foi a partir dessa data do pagamento indevido da quantia que a Requerida fica constituída em mora. A mora do devedor, no caso que interessa, deve ocorrer com o incumprimento da sua obrigação de restituir dentro do prazo determinado na lei, conforme se alude no artigo 794.º, n.º 2, alínea a) do CCM.

Ao abrigo do artigo 174.º, n.º 1 do CPAC, com o trânsito das decisões judiciais anulatórios, impõe-se ao órgão administrativo o dever do cumprimento espontâneo destas no prazo geral de 30 dias. E o cumprimento “consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética” – segundo se prevê no n.º 3 do mesmo artigo. Ademais entende-se, na doutrina maioritária, que a Administração tem, na execução da sentença anulatória do acto antecedente, dever de reconhecer a nulidade do acto consequente, mediante a remoção da situação por eles criadas, ou melhor, “o poder-dever de proceder, em execução da sentença anulatória, ao reexame das situações jurídicas entretanto constituídas em conexão com aquela a que se referia o acto anulado, para o efeito de, verificando as consequências que sobre elas projectou a anulação, proceder, na medida do possível, à eliminação daquelas cuja manutenção seja incompatível com o restabelecimento da situação que deveria existir se o acto anulado não tivesse sido praticado” (veja-se Mário Aroso de Almeida, A Anulação dos Actos Administrativos no Contexto das Relações Jurídico-Administrativas, pp. 253 e 255, no mesmo sentido, José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, volume II, artigos 97.º a 187.º, p. 502).

Neste entendimento, se o acto de liquidação, por efeitos da nulidade, é como se nunca tivesse existido e como tal, a Administração obrigou-se a restituir a quantia recebida por força daquele acto, o cumprimento dessa obrigação apenas estaria sujeito àquele prazo legalmente determinado para execução espontânea da sentença anulatória. Isto é, dentro do prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a Administração tributária que tenha praticado o acto anulado deve, no reexame das situações constituídas pelos actos com aqueles conexos, eliminar as consequências incompatíveis com os efeitos repristinatórios resultantes da anulação judicial, e deve, neste contexto, restituir as quantias recebidas por virtude de uma causa que deixou de existir.

Acresce que o dever de restituir não desaparece com a renovação posterior do acto de fixação anulado, tal como aconteceu no caso concreto com a deliberação da Comissão de Revisão tomada em 1/2/2019, a qual consubstanciou efectivamente um reexercício do mesmo poder no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, admissível na execução espontânea da sentença. Porém, isso não obstou, naturalmente, ao efectivo cumprimento do dever de restituir que está em causa, que sempre se mantém enquanto não for, no reexercício cabal do poder, praticada uma nova liquidação.

Se assim é, uma vez que a sentença anulatória do acto de fixação datada de 23/10/2018, no processo n.º 2441/17-CF transitou em 8/11/2018, o prazo de que a Administração tributária dispunha para cumprimento espontâneo da decisão esgotou-se em 8/12/2018. Na data de 9/12/2018, ficou esta constituída em mora, momento em que se deve iniciar a contagem dos juros moratórios.

3.) Tendo-se reconhecido à ora Requerente o seu direito a juros, ainda veremos se esta encontra-se impedida de o exercer judicialmente contra a devedora, em virtude da ocorrência da prescrição da dívida, conforme invocada na contestação nos artigos 23.º a 34.º da petição inicial, ou por caducidade da execução do julgado, com decurso do prazo de 365 dias, a que se refere no disposto do artigo 180.º do CPAC, que foi invocada de modo implícito nos artigos 109.º a 114.º.

Salvo melhor opinião, entendemos que a hipótese relativa à caducidade da acção executiva não se verifica no caso dos autos, pelo facto de que a Administração tributária, embora atrasada, optou por renovar o acto de fixação anulado mediante deliberação da Comissão de Revisão tomada em 1/2/2019, o que afastou consequentemente qualquer possibilidade de a ora Requerente por sua iniciativa requerer a execução da sentença anulatória do modo alternativo, destinada à reposição da situação actual hipotética. Neste sentido, “extingue o direito do impugnante à execução do efeito repristinatório da anulação, a este não assistira o direito de exigir que a Administração declarasse a nulidade de eventuais situações constituídas ao abrigo de actos conexos” (veja-se Mário Aroso de Almeida, obra cit. pp. 249 e 250). Sendo assim, não podia ocorrer a caducidade da acção executiva cuja propositura deixou de ser viável com a renovação do acto anulado em 1/2/2019. Por conseguinte, a ora Requerente não está, por este motivo invocado, impedida de exercer judicialmente o direito que se reclama.

Quanto à prescrição da dívida, trata-se de juros moratórios legais, o prazo de prescrição é 5 anos, expressamente previsto no artigo 303.º, alínea d) do CCM, não o de 3 anos previsto no artigo 491.º do Código (neste sentido, cfr. e.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 143342/14.6YIPRT.L1-8, de 2015/06/04). Nesta medida, não se esgotou o prazo de 5 anos entre 9/12/2018 data em que iniciou a contagem dos juros e 28/1/2022, data da propositura da presente acção.

Com efeito, não se pode proceder a excepção peremptória invocada nesta parte.

Conclui-se, por isso, que a Entidade requerida se obriga a pagar relativamente a quantia de MOP 32,634,442.00 (MOP 32,632,810.00 + MOP 1,632.00) os juros à taxa legal, contabilizados desde 9/12/2018 até ao seu efectivo pagamento, com procedência parcial dos pedidos vertidos nas alíneas iii), iv) e v) da petição inicial.

Resta decidir.
***
IV. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção intentada pela Requerente A Limited(A有限公司):
- e reconhecer à Requerente o direito ao reembolso do imposto pago no valor de MOP 32,632,810.00 assim como das custas pagos no valor de MOP 1,632.00, com a consequente condenação da Entidade requerida Director dos Serviços de Finanças a pagar à Requerente o montante total de MOP 32,634,442.00.
- reconhecer à Requerente o direito aos juros legais moratórios vencidos e vincendos sobre a referida quantia de MOP 32,634,442.00 desde 9/12/2018 até ao seu efectivo pagamento, com a consequente condenação da Entidade requerida a pagar os mesmos à Requerente.
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Custas na proporção do decaimento.
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Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos presentes autos, instaurou acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos contra o Director dos Serviços de Finanças, pedindo que seja declarada a nulidade do acto de liquidação do imposto complementar de rendimentos datado de 8 de Novembro de 2016 e reconhecido o direito ao reembolso do imposto pago pela Autora.
Por douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 290 a 303 dos presentes autos foi a acção julgada parcialmente procedente e com o consequente reconhecimento à Autora do direito ao reembolso do imposto pago no montante de 32,632,810.00 de patacas acrescido do montante de 1,632.00 patacas referente às custas pagas e do direito aos juros moratórios à taxa legal vencidos desde 9.12.2018 até ao efectivo pagamento.
Inconformado, veio o Réu interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação daquela decisão.
2.
(i)
Comecemos por enunciar os traços essenciais da factualidade a considerar tendo em vista a resolução do litígio.
Em 15 de Agosto de 2016, a Autora foi notificada da fixação do rendimento colectável relativamente ao exercício do ano de 2012, no valor de 323,942,395.00 patacas com a consequente liquidação de imposto no valor de 38,846,088.00.
A Autora apresentou reclamação perante a Comissão de Revisão que foi indeferida e em 17 de Novembro de 2016 foi notificada para efectuar o pagamento do imposto liquidado no montante 32,632,810.00 patacas, o que a Autora fez, sob reserva, em 6 de Dezembro de 2016.
A decisão da Comissão de revisão antes referida foi anulada por decisão do Tribunal Administrativo transitada em julgado em 8 de Novembro de 2018, com fundamento na falta de fundamentação.
Em 1 de Fevereiro de 2019, a Comissão de revisão praticou novo acto de indeferimento da reclamação apresentada pela autora.
Esse acto foi objecto de recurso contencioso julgado definitivamente improcedente pelo Tribunal de Segunda Instância.
(ii)
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo acolheu, no essencial, a pretensão da Autora.
Em seu entender, com a anulação contenciosa do acto de revisão da matéria colectável praticado em 17 de Junho de 2016, a liquidação do imposto no montante de 32,632,810.00 passou a ser nula por força da norma do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que, por isso, se não mantém na ordem jurídica. Deste modo, ainda de acordo com a douta sentença recorrida, desapareceu o título jurídico que deu cobertura à transferência patrimonial da Autora para a Administração tributária, daí emergindo o seu direito à restituição do montante de imposto pago em 6 de Dezembro de 2016.
Além disso, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que a renovação do acto de fixação da matéria colectável antes anulado contenciosamente não valida a liquidação consequente daquele, inquinada de nulidade, uma vez que se impunha à Administração que, além de renovar o acto de fixação da matéria colectável anulado tivesse praticado um novo acto de liquidação do imposto.
(iii)
(iii.1)
Com todo o respeito pelo assim decidido, não o acompanhamos.
Pelo seguinte.
Como bem decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, o acto de liquidação do imposto complementar que foi pago pela Recorrida é um acto consequente do acto de fixação da matéria colectável praticado pela Comissão de Revisão em 17 de Outubro de 2016 e anulado contenciosamente por sentença do Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2018, porquanto, para utilizarmos a tradicional definição de DIOGO FREITAS DO AMARAL, é um acto que foi produzido ou dotado de um certo conteúdo, por se suporem válidos actos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Actos Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 1997, p. 84). É óbvia, aliás, a conexão procedimental entre os referidos actos, existindo entre eles um vínculo de prejudicialidade que, tipicamente, permite afirmar a existência da conexão consequencial relevante (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, A Anulação dos Atos Administrativos no Contexto das Relações Jurídico-Administrativas, 2.ª edição, Coimbra, 2022, p. 244).
É também certo que, segundo o disposto no artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados são nulos.
Cremos, todavia, que importa ler esta norma com alguma precaução e, sobretudo, à luz de um conceito de acto consequente que não apele a considerações de pura lógica formal, mas que seja determinado por considerações substantivas de natureza teleológica, é dizer que atendam à finalidade da consagração do regime legal. Com isto queremos colocar em destaque, no essencial, o seguinte. Os actos consequentemente inválidos por causa da anulação do acto precedente não são todos os actos consequentes, mas apenas «aqueles actos cujos efeitos não possam manter-se sem ofensa do caso julgado ou desconformidade com a sentença, concretamente, aqueles cujos efeitos têm necessariamente de ser destruídos para que se possa reconstituir a situação hipotética actual, na medida em que seja imposta pela sentença anulatória, em função dos respectivos fundamentos» (assim JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Actos Consequentes e Execução de Sentença Anulatória, Revista Jurídica da Universidade Moderna, Ano I, nº 1 ( 1998), pp. 29-46, apud acórdão do STA de 8.05.2003, processo n.º 40821A, disponível em dgsi.pt e, no mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 650).
Na verdade, como na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo português lapidarmente se assinala a este propósito, «a nulidade de certos actos conexos com actos que vêm a ser contenciosamente anulados não é uma exigência do plano lógico, mas do plano prático-normativo. Os actos consequentes são válidos no momento em que são praticados e a sua nulidade (recte, a sua anulação automática consequencial, porque é disso e não duma radical improdutividade jurídica que verdadeiramente se trata) só surge quando e na medida em que a sua conservação se torne incompatível com a execução da sentença» (acórdão do STA de 8.05.2003, processo n.º 40821A, disponível em dgsi.pt. Que a consequência da nulidade dos actos consequentes não resulta de uma qualquer «imposição ontológica» decorrente da sua natureza, mas corresponde a uma concreta construção dogmática que visou dar resposta a uma sentida necessidade prática no plano da execução das sentenças anulatórias dos actos precedentes é o que facilmente se retira da constatação de que, no direito administrativo português, foi eliminada do respectivo CPA a norma correspondente à da alínea i) do n,º 2 do artigo 122.º do nosso CPA).
Ora, em muitos casos, essa incompatibilidade não existe, como aliás, desde sempre, a própria doutrina tradicional não deixou de assinalar. Com efeito, quando o acto precedente anulado seja renovável, nomeadamente por ter sido anulado com base num vício de forma ou num vício procedimental, não pode considerar-se automaticamente, ipso iure, nulo o acto consequente. Nesse caso, a desconformidade jurídica do acto consequente terá de ser aferida à luz da nova definição resultante do reexercício do poder administrativo, é dizer, por referência ao acto que seja praticado em substituição do acto anulado (neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código…, p. 651. Como dissemos, mesmo a doutrina tradicional aceitava que, no caso dos actos renováveis, não operava a consequência da nulidade ope legis dos actos consequentes: assim, por todos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 10.ª edição, 3.ª reimpressão, Coimbra, 1990, p. 1219, nota 3).
Significa isto, no nosso caso, que, contrariamente ao que foi doutamente decidido na sentença recorrida, e com todo o respeito, não pode afirmar-se, sem mais, a nulidade do acto de liquidação do imposto complementar aqui em causa com fundamento na alínea 1) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA, exclusivamente por referência à anulação contenciosa do primeiro acto de fixação da matéria colectável (acto precedente). Essa afirmação, a fazer-se, terá de o ser à luz da nova definição jurídica introduzida pelo acto renovador do acto anulado.
É o que iremos ver de seguida.
(iii.2)
(iii.2.1)
Como já dissemos, do que se trata, essencialmente, é de avaliar da compatibilidade ou não da conservação do acto consequente com a execução da sentença anulatória, ou, se quisermos, com a reintegração efectiva da ordem jurídica violada e a reposição da situação actual hipotética impostas pela anulação (cfr. artigo 174.º, n.º 3 do CPAC).
Com esse fim e a benefício da explicitação argumentativa da nossa posição, começaremos por colocar uma mera hipótese. A de, na situação em apreço, o acto renovador – o acto de fixação da matéria colectável praticado pela Comissão de Revisão em 1 de Fevereiro de 2019 na sequência da anulação contenciosa com fundamento em vício de forma do acto praticado em 17 de Novembro de 2016 – ser dotado de eficácia retroactiva, reportada, portanto, a um momento anterior àquele em que o acto consequente – o acto de liquidação do imposto – foi praticado. Nessa hipótese, seria incontroverso que este acto, apesar de consequente, não seria nulo, porquanto, «a requalificação, com efeitos retroactivos, das situações jurídicas em que o acto conexo se tinha baseado teria o alcance de fazer desaparecer, ab initio, a sua nulidade» (nestes termos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, A Anulação…, p. 249. É também, como se sabe, o entendimento de DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução…, pp. 95-98). Colocando esta hipótese queremos sublinhar este ponto: a nulidade a que se refere a alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA não é sempre, pois, uma consequência necessária ou automática da anulação do acto precedente.
(iii.2.2)
O ponto, todavia, é que, no caso, não se procedeu a uma renovação retroactiva do acto anulado. Com efeito, como a nossa ilustre Colega junto do Tribunal Administrativo bem defendeu no seu douto parecer que se encontra nos autos, apesar das muitas dúvidas que a norma contida no n.º 1 do artigo 118.º do CPA tem suscitado, é relativamente pacífico que, em se tratando de um acto desfavorável ao particular, ainda que se considere inserido na execução da sentença, o acto renovador do acto anulado segue a regra da irrectroactividade do acto administrativo (já neste sentido, AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Fevereiro de 1986. Revista de Legislação e de Jurisprudência. 1986-1987, Ano 119.º, pp. 302-303.Foi também nesse sentido que se pronunciou, abundantemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo português: vejam-se as indicações contidas em MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVEZ/J. PACHECO AMORIM, Código…, p. 621. Aliás, mesmo DIOGO FREITAS DO AMARAL, que, ao que cremos, sempre defendeu a tese da retroactividade irrestrita do acto renovador, não deixou, a p. 98 da 2.ª edição da sua obra A Execução…, de se mostrar sensível aos argumentos da referida jurisprudência, introduzindo, por isso, uma importante nuance no seu pensamento).
Assim, a questão que importa considerar é, então, a de saber se, neste quadro, perante um acto renovador destituído de eficácia retroactiva, se imporá, como considerou a douta sentença recorrida, a nulidade ao acto consequente do acto anulado.
Somos modestamente a propender no sentido de que a resposta a esta questão deve ser negativa.
Iremos procurar explicar porquê.
(iii.2.3)
Começando por repetir o que antes dissemos: na hipótese de actos precedentes renováveis, a eliminação dos actos consequentes, é dizer a respectiva nulidade, depende dos termos em que se procedeu ao reexercício do poder administrativo na sequência da anulação. Ela terá, por isso, uma extensão variável que, em todo o caso, «não impõe inexoravelmente a eliminação puramente lógica, cega aos efeitos práticos, das situações criadas pelo acto anulado» (acompanhamos a expressiva formulação do Supremo Tribunal Administrativo português no já referido acórdão de 8.05.2003). A regra da nulidade dos actos consequentes deve, pois, atingir os actos ou as partes dos actos apenas na medida em que tal seja estritamente necessário em vista da reconstituição da situação actual hipotética.
Além disso, outra coisa parece certa, e a própria sentença recorrida, bem, chama a atenção para ela. A renovação do acto, mesmo a renovação que não é retroactiva, surge como causa extintiva do direito do impugnante à execução do efeito repristinatório resultante da sentença anulatória, como causa de extinção do dever de repristinar para além do cumprimento para usarmos a fórmula de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA; a nova manifestação da Administração que se consubstancia no acto renovador sobrepõe-se, desse modo, às obrigações restitutivas ou repristinatórias resultantes da anulação (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação…, p. 249 e pp. 531 e 538).
Sendo isto assim, o exercício que, então se impõe fazer é, se estamos a ver bem, o seguinte. É o de avaliar, uma vez renovado acto precedente anteriormente anulado, ainda que sem efeitos retroactivos, se e em que medida é que a manutenção na ordem jurídica do acto consequente é ou não incompatível com a efectiva reintegração da ordem jurídica violada e com a reconstituição da situação actual hipotética, pois só na estrita medida dessa incompatibilidade, como antes procurámos demonstrar, é que se justificará, à luz de um conceito finalisticamente reduzido de acto consequente, a nulidade deste.
Ora, no nosso caso, como já vimos, o acto de liquidação do imposto complementar do qual resultou o pagamento deste por parte da Recorrida (acto consequente) foi praticado com base no acto de prévia fixação da matéria colectável por parte da Administração tributária (acto precedente). Este último acto foi anulado judicialmente com base num vício de forma (falta de fundamentação) e, na sequência dessa anulação, a Administração renovou-o, dotando-o da indispensável fundamentação legalmente exigida, mas com o mesmo sentido, fixando exactamente a mesma matéria colectável. Deste modo, tendemos a concluir que, com a renovação do mencionado acto precedente, com a manutenção do acto de liquidação do imposto e, mais, com o pagamento do imposto liquidado, a situação actual hipotética ficou reposta e a ordem jurídica, antes violada, foi reintegrada. Parece claro, ao menos para nós, que a situação em que estaríamos se não fosse a ilegalidade antes cometida seria com toda a certeza a mesma em que se ficou no momento em que a Administração renovou o acto, agora já sem qualquer ilegalidade (para usarmos a formulação de DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução…, p. 96).
Salvo o devido respeito, não nos parece que a lei imponha, aliás, nem faria grande sentido que impusesse à Administração que, nestas situações, além de renovar o acto precedente, renovasse também o acto consequente (é a sugestão de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, em Anulação…, pp. 249-250 que, no entanto, não nos parece de acolher. Pelo seguinte. Se bem vemos, o autor defende essa necessidade de renovação do acto consequente com base na assunção, não explícita, mas incontornável, do pressuposto de que o acto consequente cai ipso iure com a anulação do acto precedente, pois só isso justifica a necessidade de renovar. Se o acto consequente se mantiver, não há que o renovar. Ora, é justamente esse pressuposto que importa demonstrar e que, salvo melhor juízo, na verdade, o citado autor não demonstra. Aceitando-se que o acto consequente não cai com a anulação quando o acto precedente anulado seja objecto de renovação, independentemente da natureza retroactiva do acto renovador, no que, de uma forma ou de outra, todos estaremos de acordo, de tal modo que, como vimos, a dita renovação do acto impede a execução do feito repristinatório, não se vê razão para que ele tenha de ser renovado no momento da renovação do acto precedente). A renovação do acto consequente constituiria, nesse caso, para nos servirmos das palavras do administrativista francês PROSPER WEIL, «uma complicação inútil» (apud, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação…, p. 249, nota 665), uma vez que representaria a pura repetição de um acto exactamente igual ao que já antes existia na ordem jurídica. Sem tirar nem pôr.
Com a renovação do acto precedente anulado, por isso que, nesse caso, da anulação não resulta a nulidade ipso iure dos actos consequentes, fica a Administração dispensada de, de qualquer forma, intervir sobre estes. Aliás, o sentido da renovação do acto precedente, é precisamente esse, o de repor sem mais, ainda que para o futuro, o pressuposto em que assentou o acto consequente (já neste sentido, a lição de MARCELLO CAETANO, Manual…, p. 1219, nota 3, onde se lê, «só não será assim, como é óbvio, se a Administração puder renovar o acto anulado, sem repetição do vício que determinou a anulação: da anulação, por vício de forma, da demissão de um funcionário, depois renova legalmente, não resulta a nulidade ipso iure dos actos consequentes dessa demissão»).
Não queremos sofismar que, no caso, como antes dissemos, o acto anulado era um acto desfavorável à Recorrida, um acto que para ela implicou, com a liquidação subsequente do imposto, ficar constituída no pagamento de uma obrigação pecuniária e que, por isso, o acto renovador foi destituído de eficácia retroactiva. O que nos parece, no entanto, é que, pelas razões que vimos, daí não resulta a necessária nulidade ou, ao menos, a nulidade total do acto de liquidação do imposto complementar praticado na sequência do acto de fixação da matéria colectável que foi judicialmente anulado. O enquadramento jurídico adequado é, a nosso modesto ver, outro.
Com a anulação do acto de fixação da matéria colectável (acto precedente) e a sua subsequente renovação, o acto de liquidação (acto consequente), apesar de não ter ficar afectado na sua validade, não produz quaisquer efeitos, ficou, pois, neste sentido, com a sua eficácia suspensa, precisamente até ao momento em que foi praticado o acto renovador do acto precedente, já que, nesse momento, aquele acto de liquidação volta a dispor do seu pressuposto que é a fixação da matéria colectável. Com as seguintes consequências: nas situações em que o imposto liquidado ainda não esteja pago, ele só passa a ser exigível no momento em que os efeitos da liquidação deixem de estar suspensos; nas situações em que o imposto liquidado já se encontre pago, o contribuinte, mesmo com a anulação do acto precedente, em virtude da renovação do acto (ver o que dissemos supra a propósito da renovação como causa de extinção dos efeitos repristinatórios e restitutivos resultantes da anulação) não poderá exigir a restituição do imposto, constituindo o acto precedente, título jurídico bastante para justificar a transferência patrimonial correspondente ao pagamento do imposto. Neste último caso caber-lhe-á, verificados os respectivos pressupostos, uma indemnização pelos danos eventualmente resultantes da indisponibilidade ou da privação da quantia pecuniária entregue à Administração durante o período em que a liquidação esteve com os seus efeitos suspensos [alternativamente, mas a implicar um resultado que, ao fim e ao cabo não é, substantivamente, muito diferente deste que vimos de enunciar, parece-nos que se pode equacionar um outro enquadramento para a situação em apreço: como uma nulidade parcial ratione temporis do acto consequente, é dizer de uma nulidade limitada aos efeitos produzidos pelo acto consequente (o acto de liquidação do imposto) até à renovação do acto precedente e apenas a esses, salvaguardando, pois, os efeitos desse acto a produzir para futuro, após a prolação do acto renovador].
Uma última nota. Para referir que, a nada do que dissemos constitui obstáculo relevante, segundo pensamos, a questão da caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro («a liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar»). Na verdade, a questão da caducidade do direito à liquidação do imposto coloca-se quando do exercício originário e autónomo do poder tributário e não quando, como na situação vertente, o que está em causa é a prática, na sequência de uma sentença anulatória, de um acto renovador de acto anteriormente anulado (que, no caso, nem sequer é um acto de liquidação, mas de fixação da matéria colectável) nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada. Como é bom de ver, a prática desse novo acto rege-se pelas regras legais próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória e é à luz dessas regras e através do meio processual próprio que deve ser avaliada a respectiva legalidade (neste mesmo sentido, na jurisprudência portuguesa, cfr. o ac. STA de 29.05.2024, processo n.º 2746/12.1BELRS). E a verdade é que, no caso, o acto renovador foi contenciosamente impugnado pela Recorrida, mas o respectivo recurso foi julgado improcedente.
Concluindo.
Do que vimos de dizer resulta, salvo o respeito devido pelo que foi decidido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, que, a nosso modesto ver, não pode ser reconhecido à Autora e, agora, Recorrida, o direito à restituição do imposto no montante 32,632,810.00 de patacas acrescido do montante de 1,632.00 patacas referente às custas pagas, nem consequentemente, o direito a quaisquer juros moratórios alegadamente devidos pelo atraso na restituição dessa quantia (accessorium principale sequitur),
Por isso, com a fundamentação jurídica que antecede, consideramos que a douta sentença recorrida se não deverá manter na ordem jurídica.
3.
Face ao exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a douta sentença recorrida que deve ser substituída por outra que julgue a acção improcedente e absolva o Réu do pedido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
É de verificar-se que as posições, perante as questões levantadas, são diferentes, pois a defendida pelo Magistrado junto do TA diverge da assumida pelo Magistrado junto deste TSI.
São questões interessantes e pertinentes levantadas nestes autos.
Neste recurso jurisdicional, importa destacar os seguintes aspectos:
1) – Merece aqui fazer uma recapitulação dos factos considerados assentes e pertinentes:
- Em 16/9/2013 e 6/11/2013, a ora Requerente efectuou o pagamento, em duas prestações, do imposto complementar de rendimentos relativamente ao exercício de 2012, liquidado no valor de MOP 6,213,278.00 (conforme o doc. junto a fls. 36 dos autos).
- Por notificação datada de 15/8/2016, a Requerente foi notificada da fixação do rendimento colectável relativamente ao exercício do ano 2012, no valor de MOP 323,942,395.00, com a consequente liquidação do imposto no valor de MOP 38,846,088.00 (conforme o doc. junto a fls. 37 dos autos).
- A Requerente foi mais informada, pela referida notificação, que terá de pagar a diferença de imposto no valor liquidado de MOP 32,632,810.00 (conforme idem).
- Em 2/9/2016, a Requerente reclamou contra a referida decisão de fixação junto da Comissão de Revisão (conforme o doc. junto a fls. 39 a 41 dos autos).
- Por deliberação tomada em 17/10/2016, a Comissão de Revisão negou provimento à reclamação apresentada, mantendo o montante do rendimento colectável fixado em MOP 323,942,395.00, com determinação do agravamento da colecta em 0.005% no valor de MOP 1,632.00 (conforme o doc. junto a fls. 43 dos autos).
- Em 17/11/2016, a Requerente foi notificada para o pagamento do imposto liquidado no valor de MOP 32,632,810.00, a partir do quinto dia da data do registo da notificação e recebeu uma guia para pagamento da quantia do imposto referida e o agravamento determinado (conforme o docs. juntos a fls. 45 a 46v dos autos).
- Em 6/12/2016, a Requerente efectuou o pagamento conforme notificado, com reserva (conforme os docs. juntos a fls. 36 e 55 dos autos).
- A referida decisão da Comissão de Revisão, datada de 17/10/2016, veio a ser anulada com fundamento na falta da fundamentação pela sentença transitada do Tribunal Administrativo, de 23/10/2018, no processo de recurso contencioso que correu os seus termos sob o n.º 2441/17-CF, interposto pela Requerente (conforme os docs. juntos a fls. 56 a 80 dos autos).
- A referida sentença anulatória do Tribunal Administrativo transitou em julgado em 8/11/2018.
*
- Em 1/2/2019, a Comissão de Revisão veio a deliberar, de novo, sobre a reclamação apresentada pela Requerente, com a manutenção do rendimento colectável fixado para o exercício de 2012 e a determinação do agravamento (conforme o doc. junto a fls. 82 a 84 dos autos).
- Esta última decisão chegou a ser mantida pela sentença do Tribunal Administrativo, de 23/3/2020, com a improcedência do recurso contencioso interposto, que correu termos no processo n.º 2853/19-CF, e posteriormente com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 5/11/2020, o qual negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da dita sentença (conforme os docs. juntos a fls. 140 a 171 dos autos).
- Em 28/1/2022 a Requerente deduziu a presente acção.
E, o Magistrado junto deste TSI emitiu, neste ponto, o seguinte douto parecer:
“(…)
Uma última nota. Para referir que, a nada do que dissemos constitui obstáculo relevante, segundo pensamos, a questão da caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro («a liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar»). Na verdade, a questão da caducidade do direito à liquidação do imposto coloca-se quando do exercício originário e autónomo do poder tributário e não quando, como na situação vertente, o que está em causa é a prática, na sequência de uma sentença anulatória, de um acto renovador de acto anteriormente anulado (que, no caso, nem sequer é um acto de liquidação, mas de fixação da matéria colectável) nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada. Como é bom de ver, a prática desse novo acto rege-se pelas regras legais próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória e é à luz dessas regras e através do meio processual próprio que deve ser avaliada a respectiva legalidade (neste mesmo sentido, na jurisprudência portuguesa, cfr. o ac. STA de 29.05.2024, processo n.º 2746/12.1BELRS). E a verdade é que, no caso, o acto renovador foi contenciosamente impugnado pela Recorrida, mas o respectivo recurso foi julgado improcedente.”
Ora, salvo o merecido respeito, não acompanhamos este raciocínio, visto que:
a) – O regime de execução das sentenças administrativas é um regime geral, quando aplicamos este regime, temos de coordenar com outro ou outros regimes que disciplinam a matéria em causa, no caso, que é o regime de imposto complementar, em que, entre outras, existem normas substantivas e adjectivas, sendo uma desta últimas a de caducidade! Ou seja, enquanto o regime de imposto complementar é um regime especial e nele existem regras sobre a caducidade, temos de cumprir este regime.
b) – No caso, tal como observou o Tribunal a quo:
Sendo o acto de liquidação que deva constituir o título jurídico bastante para justificar a transferência patrimonial da contribuinte para a Administração tributária, é incontornável que a Administração tributária nunca chegou a efectuar a nova liquidação, seja por estar em crer que bastaria a renovação do acto de fixação anulado, sendo por isso desnecessária uma nova liquidação posterior, seja por entender impossível fazê-la, dada a caducidade do seu direito de liquidar naquela altura relativamente ao exercício de 2012, na mesma linha do entendimento perfilhado nos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferidos nos processos n.ºs 326/2020, 327/2020 e 505/2020.

Quanto a nós, a renovação do acto de fixação anulado não valida a liquidação consequente daquele, inquinada de nulidade. Já considerámos que por força da nulidade prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 122.º do CPA, a liquidação não subsiste na ordem jurídica. Isto impõe à Administração que tivesse renovado o acto anulado, expugnado do vício formal que determinou a sua anulação, também a prática do novo acto de liquidação. Se entendemos que tal nova liquidação, a existir, seria sempre desprovida da eficácia retroactiva dado tratar-se de um acto impositivo de deveres (cfr. neste sentido, obra cit. A responsabilidade civil da Administração…, pp. 42 a 49), mal se compreende que a renovação do acto de fixação anterior fosse suficiente por modo a dispensar a prática do novo acto consequente, como a primeira liquidação fosse sempre válida. Ou seja, tudo se passa como se nada tivesse ocorrido. (Além disso, é de realçar que quanto a este ponto, a construção doutrinária de que a nulidade dos actos consequentes não existiria, se o acto anulado viesse a ser renovado, não haveria que alterar o status quo existente, foi sempre passível de críticas severas, desde logo porque assentava num critério inadequado de delimitação da categoria dos actos consequentes. – veja-se Mário Aroso de Almeida, A Anulação dos Actos Administrativos no Contexto das Relações Jurídicas Administrativas, pp. 242 a 255).

No que respeita à eventual caducidade do direito de liquidar de acordo com o previsto no artigo 55.º do RICR, a qual, a ocorrer, poderia fragilizar anda mais a posição da contestante, tal questão não tem, no entanto, relevância para a solução do caso dos autos: se nunca vier a ser praticada a nova liquidação em substituição da anterior nula, seja qual for o respectivo motivo, a Administração tributária obrigou-se, à luz do previsto no artigo 467.º, n.º 2 do Código Civil, a restituir, por enriquecimento sem causa “o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. A mesma exigência ainda consta da norma especial prevista no artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2017 mencionada anteriormente.”
c) – Merece o nosso acolhimento a douta argumentação do Digno. Magistrado do MP junto do TA quando opina:
“(…)
– 接著分析的是,本案中原告涉及2012年的所得補充稅的結算除斥期間是否已屆滿的問題。
根據《所得補充稅規章》第55條第1款規定,某年度的所得補充稅的結算自該年度起五年失效。為此,明顯地,本案所討論的2012年度的所得補充稅的結算早已失效。
值得補充的是,本案中被告曾於2016年08月12日 ‐ 即在原告第一次向複評委員會針對評稅委員會2016年05月12日的可課稅收益的評定提出異議之前 ‐ 作出了結算(見卷宗第156頁) ,然而,我們認為該結算對於上述規定的失效制度而言並不能產生任何應有效力。
《所得補充稅規章》第44條第3款規定:“三、對可課稅收益核定的申駁,有暫緩執行的效力。”。毫無疑問,評稅委員會作出的可課稅收益的評定行為並不具有橫向的確定效力,除非在該條規定的法定期限內納稅主體沒有提出申駁,在此情況下,評稅委員會的決定才轉為確定,又或在提出申駁後,複評委員會作出的決定才具有該確定性。質言之,對於可課稅收益尚未存在確定性效力下,並不能展開狹義結算及征收階段。對此,我們援引中級法院2020年6月24日第327/2020號合議庭所指: “…enquanto ao acto pressuposto ou acto preparatório como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver estabilizado no procedimento, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
O ora acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido irradicado da ordem jurídica.
Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
...Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisã da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.”。
(…)
本案中,評稅委員會於2016年05月12日作出可課稅收益的評 定,然而,由於原告已於法定期間內針對該評定向複評委員會提出申駁,且其後複評委員會否決該申駁的決議被撤銷,顯然,2016年08月12日的結算從來沒有基於任何已確定的收益評定結果下作出而不能產生任何法律效果。只有隨後複評委員會於2019年02月1日重新作出決議〔該決議有效性已被司法確認〕才視上述可課稅收益評定轉為確定,即便如此,本案原告2012年度的所得補充稅結算除斥期間早已屆滿,被告確實不能基於該決議而作出結算行為。
綜上所述,我們意見認為本案訴訟部份理由成立,建議裁定起訴狀第1)至3)點、第4)點a)、b)、及c)項第i)及ii)的請求成立,其餘第4) 點c)項iii)至 v)請求因欠缺當事人能力而駁回之。”

d) - Por outro lado, é do entendimento dominante no que se refere à questão em discussão, a seguinte ideia (citada aqui em nome do Direito Comparado):
O STA no seu acórdão de 8/1/2020 pronunciou-se:
“A razão de ser deste regime da caducidade do direito à liquidação é que o poder dever de actuação em que a lei investe a Administração Tributária cessa com o decurso de um período de tempo fixado pelo legislador para que possam ser realizadas oficiosamente as diligências necessárias para liquidar os tributos. Trata-se de um instituto jurídico que é ditado pelo princípio da protecção da confiança legítima, evitando que o contribuinte venha a ser surpreendido por um acto de liquidação que o coloque, de modo imprevisível, numa situação de desvantagem financeira e patrimonial em relação à qual dispõe de meios limitados ou especialmente onerosos para reagir por já ter passado um período de tempo considerado adequado para assegurar a previsibilidade e a calculabilidade da sua situação financeira (oito anos, neste caso) desde a ocorrência do facto tributário.
E este - o instituto jurídico da caducidade do direito à liquidação - é também um regime jurídico que obriga a Administração Tributária a actuar de modo célere e diligente e a promover a liquidação dos tributos sempre que tem notícia da ocorrência dos factos tributários (por declaração dos sujeitos passivos ou de terceiros) ou, quando aquela notícia não lhe tenha chegado, sempre que a Administração Tributária tivesse a obrigação de investigar da ocorrência ou não do facto tributário (como sucede nos impostos periódicos quando os sujeitos passivos não entregam a declaração anual de rendimentos e não existe fundamento para essa omissão).
Quer isto dizer que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação cessa o poder dever de a Administração Tributária promover a liquidação dos tributos, o que equivale a dizer que a mesma não deve iniciar ou prosseguir oficiosamente, a partir desse momento, quaisquer diligências do procedimento tributário que visem a prática do acto tributário e que, se o fizer, os actos praticados a partir daquele prazo são ilegais.”。
Depois, este TSI decidiu no seu acórdão de 24/06/2020: “…enquanto ao acto pressuposto ou acto preparatório como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver estabilizado no procedimento, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
O ora acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido irradicado da ordem jurídica.
Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
...Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisã da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.”。
A propósito desta matéria, o STA tem vindo a defender:
“I – O acto de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indiretos é ilegal - artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária10.
II – Pelo que a anulação da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos implica a anulação da liquidação subsequente.
III – Se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada.”。

Mutatis mutandis, o raciocínio acima citado vale perfeitamente para o caso em apreço.
Quanto ao demais, é da nossa conclusão que todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal a quo, que procedeu à uma correcta aplicação das normas jurídicas, tendo proferido uma decisão legalmente fundamentada, entendemos que a decisão recorrida não padece de vícios imputados pela Recorrente/Entidade Pública, razão pela qual é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida nos seus preciso termos (cfr. artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC).
*
Síntese conclusiva:
I - O Regulamento de Imposto Complementar não permite que o acto de liquidação seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria colectável e a fixação da matéria colectável (mesmo que parcialmente feita por razões diversas) ultrapasse o prazo de caducidade (cfr. artigo 55º do Regulamento de Imposto Complementar).
II – Ficou demonstrado que em 12/05/2016 foi feita a fixação da matéria colectável pela Comissão de Avaliação, contra esta deliberação foi feita impugnação contenciosa, tendo a mesma sido anulada pelo tribunal, e igualmente ficou provado que a referida Comissão veio a tomar nova deliberação sobre a liquidação em 12/08/2016, sem base factual sobre o rendimento já definitivamente fixado, eis uma decisão desprovida de qualquer efeito jurídico.
III – Perante tais circunstâncias, é de concluir-se que já caducou o poder de fixação de matéria colectável referente ao ano de exercício de 2012, o que obsta a que a entidade tributária procedesse à liquidação do imposto complementar em causa.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 24 de Julho de 2025.

Fong Man Chong
(Relator)

Tong Hio Fong
(1º Adjunto)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 José Cândido de Pinho, NOTAS E COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, Vol. I 法律及司法培訓中心,2018年版,第177頁。
2 Acórdão de Tribunal de Relação de Guimarães, Processo n.º 5907/09.7TBRR-A. G1, 見www.dgsi.pt 。
3 Cândida da Silva Antunes Pires, Viriato Manuel Pinheiro de Lima, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE MACAU, Anotado e Comentado, Vol. II, 澳門大學法學院, 2008年, 第188頁。
4 參見中級法院2012年02月09日第620/2010號合議庭裁判。
5 Diogo Freitas do Amaral, A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, 2ª. Edição, Almeida, 1997, 第97至98頁。
6 José Cândido de Pinho,同上,第491至492頁。
7 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 279/17.9BEVIS, 見www.dgsi.pt。
8 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0190/14.9BELRS, 見www.dgsi.pt。
9 該法律第91條第1及2款規定為:
“Artigo 91.º Pedido de revisão da matéria tributável
1 – O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efectuadas correcções com base noutro método indirecto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamento dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa.
2 – O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo.”
10 該法律第91條第1及2款規定為:
“Artigo 91.º Pedido de revisão da matéria tributável
1 – O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efectuadas correcções com base noutro método indirecto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamento dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa.
2 – O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo.”
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