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Processo n.º 318/2024
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 24/Julho/2025

Recorrente:
- Secretário para a Economia e Finanças

Recorridos:
- Banco A S.A. e outros

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou procedente o recurso contencioso interposto por Banco A S.A. e outros, recorreu o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. No âmbito das infracções administrativas, na observância das disposições imperativas do RGIA, o intérprete só deve recorrer a normas e princípios gerais do direito e do processo penal, nas situações em que não existem disposições legais e regulamentares especiais, que prevêem e sancionam as infracções em causa (in casu o RJSF), bem como nas situações em que inexistem disposições adequadas no Código do Procedimento Administrativo (CPA).
     2. O artigo 52º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF) vigente à data da prática das infracções é uma norma de direito substantivo que consagra, ipso facto, a responsabilidade dos titulares dos órgãos sociais pela prática de actos ilícitos das instituições de crédito, isto é, como consequência natural ou automática das suas funções.
     3. O acto recorrido ao descrever, casuística e detalhadamente, os períodos de tempo em que os outrora recorrentes 2º a 12º exerceram funções no BDA, estabeleceu o “nexo de imputação subjectiva” que a Sentença, erroneamente, refere estar omisso.
     4. A participação dos outrora recorrentes 2º a 12º nas decisões ilegais do BDA em causa, encontra-se concreta e suficientemente comprovada no PI.
     5. O documentos de suporte inclusos nas comunicações obrigatórias do BDA a que aludem os artigos 75º e 77º do RJSF (com base nos quais se detectaram as infracções praticadas) foram submetidos à AMCM, para efeitos de aceitação desta autoridade de supervisão, após a sua aprovação e a emissão de parecer do Conselho de Administração e do Conselho de Fiscal do BDA, respectivamente, o que, como é óbvio, implica necessariamente a participação dos respetivos membros na tomada destas decisões ilegais (para cumprimento das disposições legais, bem como das normas em matéria do quórum exigido nos estatutos do BDA).
     6. Nenhum dos outrora recorrentes 2º a 12º, em ocasião alguma, invocou (e, muito menos, provou, como era seu ónus) que não participou nas decisões ilegais em causa, reconhecendo deste modo a sua participação.
     7. Nestes termos, forçoso é concluir que não se verifica o vício de omissão do elemento obrigatório a que se refere ao artigo 14º, alínea b) do DL n.º 52/99/M, designadamente, a descrição do facto ilícito imputado aos 2º a 12º Recorrentes, assacado pelo Tribunal a quo ao acto sancionatório posto em crise no recurso contencioso.
     8. Discordamos do entendimento expendido na Sentença do TA posta em crise por via deste recurso jurisdicional, segundo o qual não estamos perante infracções permanentes ou habituais.
     9. O BDA inscreveu, desde o ano 2008, nas rubricas “compensation entries” ou “reimbursement receivable”, determinadas verbas, sem quaisquer bases documentais para o efeito, como aliás o TA reconhece nos termos da sentença objecto do presente recurso.
     10. Assim sendo, os outrora Recorrentes violaram, ao longo do tempo, de forma duradoura e ininterrupta, o n.º 1 do artigo 64º do RJSF, (ultrapassagem dos limites de exposição a clientes), o número 1.4 do Aviso n.º 11/93-AMCM e as alíneas g) e h) do n.º 1 do Aviso 12/93-AMCM (e a partir da sua entrada em vigor o Aviso n.º 002/2011-AMCM), os parágrafos 31 a 34, 37, 89, 90, 92 e 93 das Normas de Relato Financeiro que constituem o Anexo II do Regulamento Administrativo n.º 25/2005 (regras contabilísticas e de cálculo dos fundos próprios de base), bem como os números 1 e 2 do artigo 75º do RJSF (não publicação de contas anuais e balancetes).
     11. A conduta dos outrora Recorrentes traduziu-se na prática de uma série de factos ilícitos, reiterada e persistentemente, ofensivos dos mesmos bens jurídicos, factos esses que foram praticadas de uma forma homogénea e no quadro de determinada situação exterior (in casu de uma alegada promessa do então Senhor Chefe do Executivo por perdas que alegadamente sofreu, nunca documentada e, muito menos, comprovada).
     12. Na sequência do acima exposto concluímos que estamos perante infracções permanentes ou habituais, cuja consumação ainda não cessou.
     13. Assim sendo, deve aplicar-se em matéria de prescrição o disposto no artigo 136º, n.º 2 do RJSF, concluindo-se que as infracções praticadas pelo BDA, que determinaram a aplicação da multa a que se referem os autos, não prescreveram, nem irão prescrever, até que esta instituição de crédito:
     i. Cesse de ultrapassar os limites de exposição relativamente aos seus clientes, a que alude o artigo 64º do RJSF;
     ii. Deixe de contabilizar as designadas “compensation entries” ou “reimbursemente receivable”, a que nos referiremos mais tarde; e
     iii. Publique as suas contas, após serem devidamente auditadas, a que se reporta o n.º 1 do artigo 75º do RJSF.
     14. Os outrora Recorrentes tomaram conhecimento de todos os fundamentos (de facto e de direito) necessários e relevantes para a decisão final, quando exerceram o seu direito de audiência em face do relatório n.º 062/2013-GAJ, de 13/5/2013 (Relatório Final), que lhes foi fornecido para esse efeito, ou seja, estes já se haviam pronunciado sobre todas as questões que entenderam e importavam à decisão, bem como sobre as provas produzidas.
     15. Nestes termos, não reveste qualquer utilidade para o procedimento que os outrora Recorrente se voltem a pronunciar sobre as circunstâncias de tempo da prática das infracções subsequentes à elaboração do Relatório Final (que não constituem, só por si, uma alteração substancial relevante), sobretudo quando estamos perante infracções permanentes ou habituais (que são públicas e notórias).
     16. Assim sendo o exercício do direito de audiência relativamente aos factos não constantes do Relatório Final, de 13/5/2013, não traria quaisquer novidades em relação ao que o procedimento já tinha adquirido, pelo que a diligência seria inútil, ou seja, a decisão final não poderia ter sido outra (caso os ora Recorrentes tivessem sido ouvidos novamente) e que, portanto, a omissão desta diligência não implica a nulidade processual porquanto não está em causa em direito fundamental dos Recorrentes), ao contrário do que se entende na Sentença do TA em causa.
     17. Por fim, conclui-se que, ao contrário do entendimento expendido na sentença objecto do presente recurso jurisdicional, aos procedimentos sancionatórios por infracções ao RJSF não se aplica o artigo 71º do Código Penal, sendo que estamos perante 3 tipos diferentes de infracções, e que os agentes devem ser sancionados por todos os tipos legais preenchidos, sendo que as infracções devem ser sancionadas autonomamente.
     18. Assim sendo, em face do artigo 9º do RGIA, entendemos que o legislador optou, claramente, pelo cúmulo real, em detrimento do cúmulo jurídico, na determinação concreta das multas aplicadas por infracções administrativas.
     Nos termos expostos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, pugnamos pelo provimento do presente recurso jurisdicional e, consequentemente, que o Tribunal de Segunda Instância revogue, pelos fundamentos expostos, a sentença impugnada, mantendo intocado, por ser válido e legal, o acto administrativo anulado pela Sentença objecto do presente recurso jurisdicional.”
*
Contra-alegaram Banco A S.A. e outros recorridos, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A solidariedade da responsabilidade pela prática de infracções prevista no artigo 52º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), e a co-responsabilização por factos ilícitos que consta do artigo 124º do mesmo diploma estão sujeitas a condição, e não acontecem de forma automática.
2. A aplicação de sanções aos responsáveis de instituições financeiras que pratiquem infracções ao abrigo do RJSF, nos termos do n.º 1 do artigo 52º do RJSF, depende de três factores cumulativos, a saber: (a) que sejam membros de órgãos de gestão da entidade infractora; (b) que tenham participado no acto infractor; e (c) que tal participação tenha ocorrido sem que tivessem manifestado por escrito a sua oposição.
3. Quanto ao n.º 2 do mesmo normativo, existem também condicionantes à punição dos membros do órgão de fiscalização da entidade infractora: (a) que tenham tido conhecimento do acto infractor; e (b) não tenham manifestado por escrito a sua oposição ou discordância.
4. Em lado algum vem expressamente especificado e explicado no acto punitivo como e quando ficaram preenchidos os requisitos previstos no artigo 52º do RJSF, para que os 2º a 12º Recorridos pudessem ser punidos como o foram.
5. O acto punitivo apenas descreve actos praticados pelo Recorrido Banco A, S.A., mas nunca se refere a actos ou omissões atribuídos especifica e individualmente a cada um dos 2º a 12º Recorridos.
6. O acto punitivo omite aquilo que se poderá considerar a fundamentação da decisão relativamente aos 2º a 12º ora Recorridos, exigida pela alínea b) do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
7. Mesmo que se considere o contrário, ao contrário do que vem defendido no recurso a questão levantada na douta sentença recorrida não é uma de prova, mas antes do conteúdo obrigatório que, sob pena de nulidade, deve constar do acto punitivo nos termos do artigo 14º do referido Decreto-Lei.
8. A existência de documentos no PI que provem certa factualidade não dispensa a Entidade Recorrente de cumprir todos os requisitos de forma do acto punitivo previstos no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
9. Nos termos do número 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, os regimes material e procedimental aplicáveis às infracções que ora se discutem são fixados no RJSF, mas ao abrigo do n.º 2 do mesmo normativo, o mesmo Decreto-Lei veio substituir normas que o contrariem, e, além disso, nos termos do n.º 3 da mesma norma, este Decreto-Lei aplica-se subsidiariamente, quando os diplomas citados no n.º 1 são omissos.
10. Verifica-se que o RJSF não contém normas que regulem o teor obrigatório do acto punitivo, pelo que, ao abrigo do n.º 3 do dito artigo 3º, outra solução não existirá senão, ao contrário do que alega a Entidade Recorrente, fazer aplicar, neste aspecto, o artigo 14º do referido Decreto-Lei n.º 52/99/M.
11. A Entidade Recorrente, no acto punitivo, nem sequer explica se os ora Recorridos são punidos ao abrigo do artigo 52º do RJSF, ou do artigo 124º do mesmo diploma, e em que medida o são – individualmente e de acordo com a culpa de cada um em separado, como o deveria ter feito.
12. Vem apenas sucintamente dito no acto punitivo que os ora Recorridos (todos eles, em conjunto) devem “… responder solidariamente pela multa aplicada”, o que se afigura patentemente insuficiente no contexto de um acto punitivo, face às exigências da alínea b) do artigo 14º do DL n.º 52/99/M.
13. Enquanto ao abrigo do artigo 52º do RJSF, as pessoas que gerem a entidade infractora podem ser solidariamente responsabilizadas por actos ou omissões por si próprios praticados, já no artigo 124º do mesmo diploma não está prevista qualquer solidariedade pelo cometimento de infracções pelos representantes da pessoa colectiva.
14. Nos termos dos n.ºs 2 e 4 do artigo 124º do RJSF, o 1º Recorrido Banco A SA pode ser responsabilizado por infracções cometidas pelos seus responsáveis, mas essa responsabilização nunca será solidária, antes conjunta ou separada, como vem dito n.º 1 do mesmo normativo.
15. As pessoas singulares a quem se atribui responsabilidades ao abrigo do artigo 52º poderão sê-lo solidariamente entre si, mas tal solidariedade não se estende à instituição financeira, a qual só pode ser responsabilizada conjunta ou separadamente de tais pessoas.
16. O artigo 124º do RJSF não cria nenhuma solidariedade entre a instituição e os seus responsáveis, tanto mais que estes últimos podem ser responsabilizados separadamente ao abrigo do artigo 52º do referido diploma, até por aplicação do n.º 4 do seu citado artigo 124º.
17. A Entidade Recorrente não terá certamente absorvido correctamente o significado e alcance da douta sentença recorrida, porque a questão não é, como alega, que a sentença defende a não responsabilização dos gestores do 1º Recorrido.
18. Antes é que o acto punitivo apenas descreve, como fundamento fáctico, actos praticados pelo 1º Recorrido, sem explicitar, concreta e individualmente, qual a conduta punível dos 2º a 12º Recorridos, para, afinal, os punir a todos, solidariamente.
19. O que defende a douta sentença recorrida, é que o acto punitivo, explicando apenas actos ilícitos supostamente praticados pelo 1º Recorrido, poderia ter optado por punir apenas este, chamando-se os seus responsáveis (os 2º a 12º Recorridos) apenas em fase coerciva se a multa aplicada não fosse paga, cfr. artigo 142º do Código do Procedimento Administrativo e artigo 297º do Decreto n.º 38088.
20. Mas não foi isso que aconteceu, sendo o acto punitivo nulo pela omissão dos elementos obrigatórios consagrados na alínea b) do artigo 14º do DL 55/99/M, no que respeita aos 2º a 12º Recorridos, tanto porque não explicita factos concretos quanto a estes, como porque utiliza erradamente o instituto da solidariedade na aplicação da sanção.
21. No último parágrafo da página 5 das alegações da Entidade Recorrente e no primeiro parágrafo da página 6, defende esta que “… para afastar a sua responsabilidade … era a estes [2º a 12º Recorridos] que cabia o ónus de provar que não estiveram presentes em determinadas reuniões … bem como que aqueles actos mereceram a sua oposição ou discordância …”, e “… nunca nenhum dos outrora Recorrentes 2º a 12º terem alegado (e muito menos provado) que não participaram nessas decisões, reconhecendo assim a sua participação.”
22. A Entidade Recorrente parece pretender que os princípios do inquisitório e da presunção de inocência não se aplicam ao procedimento sancionatório administrativo, o que não se afigura correcto.
23. Na sua argumentação, a Entidade Recorrente invoca o artigo 87º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o qual determina no seu n.º 1, que “Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.º 1 do artigo anterior” e, no seu n.º 2, que “Os interessados podem juntar documentos e pareceres ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesses para a decisão”, para depois dizer que os ora Recorridos não alegaram nem provaram a sua não participação em decisões!
24. Ora, se os ora Recorridos não alegaram na sua defesa que não participaram nas decisões objecto do processo, então, salvo melhor opinião, não lhes cumpre apresentar prova sobre tal.
25. O n.º 1 do artigo 87º do CPA remete para o n.º 1 do artigo 86º do mesmo diploma, o qual impõe ao órgão administrativo um dever de “… averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento…”.
26. Existindo condicionantes legais para que uma determinada conduta seja punível (cfr. n.º 1 do artigo 52º do RJSF então compete à entidade instrutora averiguar a efectiva e comprovada verificação de tais condições, sem a qual não lhe é legítimo simplesmente presumir a culpa, e aplicar a alínea b) do artigo 14º do DL 55/99/M, explicitando de alguma forma a sua verificação, o que não é feito no acto punitivo.
27. A Entidade Recorrente parece desconsiderar totalmente o n.º 1 do artigo 86º do CPA, sendo que as presunções de culpa, neste contexto, violam n.º 2 do artigo 49º do Código de Processo Penal, e os artigos 3º, 4º, 5º, 7º e 8º, todos do CPA.
28. As infracções cujo prática é assacada aos ora Recorridos não são continuadas e nem permanentes.
29. A violação da obrigação de publicação das contas anuais que consta do n.º 1 do artigo 75º do RJSF, é uma infracção cometida instantaneamente se tais documentos não forem publicados até dia 31 de Maio do ano subsequente ao fim do exercício, sendo que a publicação subsequente não limpa a infracção.
30. A infracção verifica-se irremediavelmente cometida em 1 de Junho se as contas não estão publicadas, e neste sentido o artigo 137º do RJSF impõem a obrigação do cumprimento do dever omitido, mesmo depois da aplicação da sanção e do pagamento da respectiva multa.
31. Esta cessação do cometimento da infracção é essencial no que respeita às infracções permanentes, porque nestas, a prescrição inicia-se no dia em que cessar a consumação, cfr. al. a) do n.º 2 do artigo 136º do RJSF.
32. Como a infracção está consumada no momento em que existe violação dos limites temporais previstos no artigo 75º e o cumprimento da publicação omitida não faz cessar o comportamento infractório, então a prescrição nunca se iniciaria e tais infracções jamais prescreveriam, o que representaria um absurdo jurídico.
33. Este raciocínio também se aplicará às publicações obrigatórias previstas no n.º 2 do artigo 75º do RJSF.
34. E aplica-se também à qualificação das mesmas infracções como continuadas, porque o facto de uma instituição financeira violar ao longo de vários anos os n.ºs 1 e 2 do referido artigo 75º do RJSF não significa que as infracções cessam com o cumprimento dos deveres omitidos, para permitir que se inicie o prazo de prescrição como prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 136º do RJSF.
35. Não ocorrendo nunca a prática do último acto integrante da conduta infractora porque a infracções nunca são sanadas nem cessam, mesmo com o cumprimento do dever omitido, então aqui, como acima, a prescrição nunca se iniciaria o que é violador dos direitos fundamentais dos Recorridos e de elementares princípios de segurança e certeza jurídica, porque esvazia de sentido o instituto da prescrição.
36. E o mesmíssimo raciocínio se aplica também à alegada violação dos limites de exposição previstos no artigo 64º do RJSF, e normas contabilísticas conexas.
37. Uma coisa é a violação continuada da lei através da prática de um acto infractor que se prolonga temporalmente, ou de vários actos infractores ao longo do tempo e violadores da mesma norma jurídica ou que ofendem um mesmo bem jurídico, e outra, bem diferente, é o estado de infracção, o qual é o caso quanto às infracções a que acima se refere.
38. Bem esteve a douta sentença recorrida ao considerar que prescreveram as infracções ocorridas até 4 de Maio de 2010 e aquelas cuja prescrição se tenha completado entre aquela data e 12 de Novembro de 2015.
39. Ao contrário do que vem invocado pela Entidade Recorrente no 3º parágrafo da página 12 das suas alegações, o legislador entendeu aplicar expressamente às infracções administrativas o n.º 1 do artigo 111º do Código Penal e, bem assim, os seus artigos 112º e 113º, cfr. artigo 19º do DL 55/99/M.
40. Sendo que o n.º 2 do artigo 111º do Código Penal vem reproduzido no n.º 2 do artigo 136º do RJSF, o qual não foi revogado nem expressa nem tacitamente, pelo citado DL 55/99/M, o que resulta na aplicação integral ao regime das infracções administrativas dos n.º 1 e n.º 2 do artigo 111º, e dos artigos 112º e 113º, todos do Código Penal, ou de normas idênticas e com os mesmos resultados.
41. O acto punitivo e o subsequente recurso contencioso farão suspender, ou prolongam a suspensão do prazo de prescrição do procedimento, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 112º do Código Penal.
42. Mas a suspensão não pode ser eterna, nos termos do n.º 3 do artigo 112º do Código Penal, aplicável por via do artigo 19º do DL n.º 55/99/M, a suspensão da prescrição do procedimento ao abrigo da alínea b) do n.º 1 daquele normativo não pode exceder 3 anos.
43. Em última análise e mesmo que não proceda a argumentação sobre esta matéria que consta da sentença recorrida, a prescrição funcionará inevitavelmente e em qualquer caso porque, no limite, terá de se considerar que ela interrompe-se e imediatamente se suspende com a notificação do despacho punitivo, a qual ocorreu 12 de Novembro de 2015, sob pena de nunca funcionar.
44. A prescrição terá então inevitavelmente ocorrido ao fim de cinco anos a partir desta data, decorrida a suspensão de 3 anos prevista no n.º 3 do artigo 112º do Código Penal, seguida do prazo prescricional de 2 anos imposto pelo n.º 1 do artigo 7º do DL 55/99/M, isto é, em 13 de Novembro de 2020.
45. E mesmo que assim não se considere, mas sem conceder, que tal prazo de 5 anos começou com a interposição do recurso contencioso, então ocorreu em 15 de Dezembro de 2020.
46. E mesmo que assim não se considere, ainda assim o processo se encontra totalmente prescrito, por força do n.º 3 do artigo 113º do Código Penal, ex vi n.º 3 do artigo 7º e artigo 19º, ambos do DL n.º 55/99/M, porque a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
47. Assim, e em qualquer caso, a prescrição terá necessariamente ocorrido, obrigatória e inelutavelmente, o mais tardar, seis anos após a interposição do recurso contencioso, em 15 de Dezembro de 2021.
48. Para justificar e fundamentar a sua conduta, e a sua argumentação de que as infracções que são assacadas aos ora Recorridos são permanentes e/ou continuadas, a Entidade Recorrente procura apoiar-se em factos que não constam do processo instrutor, e que até supostamente terão acontecido após os ora Recorridos terem sido notificados do acto recorrido, em 12 de Novembro de 2015.
49. Os factos que não constam do processo instrutor nem do relatório final não podem ser utilizados como justificação para a prática do acto punitivo.
50. A invocação peal Entidade Recorrente de factos que não constam dos autos nem da douta sentença recorrida para justificar a sua argumentação constitui, salvo o devido respeito, comportamento que se critica fortemente, devendo dar-se por não escritas tais alegações.
51. Convém não perder de vista que as alegações de recurso foram apresentadas no Tribunal Administrativo em 28 de Fevereiro de 2024.
52. Na total ausência de prova adicional produzida pela Entidade Recorrente para além do que consta no processo instrutor, o Tribunal só poderá apreciar a factualidade que serviu de fundamento ao acto recorrido e que ocorreu antes deste, e a prova apresentada pelos recorrentes contenciosos.
53. Não existe qualquer prova nos autos do que eventualmente poderá ter acontecido a partir da data da expedição da notificação do despacho punitivo aos ora Recorridos, em Novembro de 2015, o mais tardar.
54. Por isso, dar-se por não escrito o 6º parágrafo da página 10 das alegações de recurso.
55. Também se deve dar por não escrito o terceiro parágrafo da página 11 das alegações de recurso, porque a Entidade Recorrente ali descreve factos que não estão provados nos autos.
56. O mesmo acontecendo no primeiro parágrafo da página 12 das alegações, onde a Entidade Recorrente vem agora, em face de recurso, assacar ao ora Recorrido Banco A SA condutas que supostamente terão ocorrido após a emissão do despacho punitivo e continuariam até ao presente, as quais não provou atempadamente, extravasam a matéria do processo e não servem de fundamento ao acto recorrido.
57. Os ora Recorridos foram notificados para se pronunciarem sobre o relatório final da instrução em 13 de Março de 2014, e deveriam ter sido apenas os factos ali explicados a servirem de fundamento ao acto punitivo, e não outros, como aconteceu.
58. A Entidade Recorrente produziu um segundo relatório de instrução a que acrescentou matéria fáctica sobre a qual não foi aos ora Recorridos dada oportunidade para se pronunciarem, em violação do n.º 2 do artigo 11º do DL n.º 55/99/M e do artigo 93º do CPA, este último ex vi n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 55/99/M.
59. Comparando o relatório do instrutor de 13 de Maio de 2013, com a deliberação n.º 689/CA de 15 de Outubro de 2015, que serviu de fundamento ao acto recorrido, os ora Recorridos acabaram punidos por factos sobre os quais não se pronunciaram.
60. O período de tempo ao longo do qual um agente comete infracções, e o número dessas infracções, afecta a extensão e o alcance das sanções administrativas a aplicar.
61. A referida Acta n.º 689/CA, ao alargar o período de tempo durante o qual é assacado aos ora Recorridos o cometimento de infracções, por comparação ao relatório final da instrução, viola os seus direitos de defesa e de audiência, porque agrava tais períodos.
62. O intervalo temporal adicionado pela Acta n.º 689/CA joga em desfavor dos ora Recorridos, prolongando a sua suposta conduta infractora e agrava os fundamentos de facto do acto punitivo, sem que àqueles tenha sido dada oportunidade de apresentarem defesa ou se pronunciarem sobre a matéria.
63. No que respeita aos processos de natureza administrativa sancionatória, o dever de participação dos interessados tem uma dimensão qualificada e a falta de audiência gera a nulidade do acto.
64. Assim, como vem dito na douta sentença recorrida, o acto recorrido é nulo, por violação da alínea b) do n.º 3 do artigo 6º do DL n.º 55/99/M, devendo improceder o recurso.
65. Não existe no RJSF qualquer regra que regule a graduação e a cumulação das sanções aplicadas no seu âmbito, limitando-se a lei a elencar as penas possíveis para cada infracção, cuja aplicação e/ou graduação fica ao critério do aplicador.
66. E também não se encontram ali critérios para a determinação concreta da medida da pena.
67. É assim necessário aplicar o n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 59/99/M, n aparte em que se refere aos princípios gerais do direito e do processo penal, incluindo o princípio da culpa, consagrado no artigo 40º do Código Penal.
68. Na determinação da multa por infracção administrativa, e perante a necessidade de graduar a pena, o aplicador da norma punitiva não terá outro remédio senão seguir este critério.
69. O princípio da culpa é concretizado no Capítulo IV do Título III do Código Penal, e é aplicável às infracções administrativas.
70. O cúmulo material de multas poderá, em certos casos, punir o infractor muito para além do que seria razoável, em face da sua culpa concreta, tendo em conta os factores previstos no n.º 2 do artigo 65º do Código Penal.
71. Perante o enorme intervalo de quantitativos possíveis para a multa que consta no n.º 1 do artigo 128º do RJSF, a determinação da medida da pena não pode não deixar de ter em conta os critérios previstos no n.º 2 do artigo 65º do Código Penal e, bem assim, os do artigo 66º do mesmo código, por força do imposto pelo n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 59/99/M.
72. O mesmo princípio da culpa tem também de valer para a escolha do critério da cumulação de multas no contexto de infracções administrativas, sob pena de existir incoerência do sistema jurídico e violação do n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 59/99/M.
73. A Entidade Recorrente tem de cumprir e aplicar o dito n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 59/99/M, respeitando de forma coerente e consistente os princípios gerais do direito e do processo penal, dos quais o princípio da culpa será, porventura um dos mais fundamentais.
74. E isto ainda porque o RJSF não consagra qualquer limite máximo para a soma total das multas após o cúmulo, existindo apenas um tecto para cada multa individual.
75. E esta lacuna tem de ser suprida com recurso ao DL n.º 59/99/M e com respeito pelas regras ali consagradas, incluindo as da conformação dos regimes das infracções administrativas pré-existentes, cfr. n.º 2 do seu artigo 3º, e da integração de lacunas nesses regimes, cfr. n.º 3 do mesmo artigo.
76. Tem toda a razão a douta sentença recorrida, quando defende que o cúmulo a aplicar não pode ser o material, mas sim o jurídico, consagrado no artigo 71º do Código Penal, ao abrigo da aplicação do princípio geral da culpa na determinação da medida da pena tal como exige e estipulado n.º 3 do artigo 3º do DL n.º 59/99/M.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao douto recurso interposto pela Entidade Recorrente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Assim se fazendo a serena e costumada Justiça!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O 1º. Recorrente BANCO A, S.A.(A銀行股份有限公司)foi constituído em 31/5/1968, tendo por objecto “prática de todas as operações bancárias, financeiras, de crédito e de comissão, bem como de todos os demais actos inerentes à actividade bancária nas condições de terminadas pela legislação aplicável no território de Macau” (conforme consta de fls. 533 a 546 do processo administrativo).
O 1.º Recorrente foi sujeito ao regime de intervenção previsto nos artigos 85.º e seguintes do RJSF, por se encontrar numa situação de desequilíbrio grave que prenunciava sérios riscos de incumprimento das suas obrigações, que punha em causa a confiança dos agentes económicos no sistema financeiro da RAEM, no período compreendido entre 17/9/2005 e 29/9/2007 (conforme consta de fls. 737 a 1368 do processo administrativo).
Com base em dados recolhidos entre 30/9/2008 e 31/12/2012, o 1º. Recorrente ultrapassava os limites de exposição a riscos, designadamente ao incorrer em riscos, em valores superiores a 30% dos seus fundos próprios, relativamente aos seguintes clientes, pela ordem temporal abaixo indicada (conforme consta de fls. 231 a 235, a fls. 2069 a 2171, a fls. 2851 a 2874 e a fls. 3292 a 3340 do processo administrativo):
Com base em dados actualizados em 30/9/2008, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente ao seguinte grupo de clientes:
- B, C.
Com base em dados actualizados em 31/12/2008, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- B, C; e
- D Engineering & Construction Co. Ltd.
Com base em dados actualizados em 31/3/2009, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- B, C;
- D Engineering & Construction Co. Ltd.; e
- Sociedade Fomento Predial E Lda./Sociedade Imo. F Lda.
Com base em dados actualizados em 30/6/2009, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente ao seguinte grupo de clientes:
- B, C.
Com base em dados actualizados em 31/12/2009, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- G Group;
- H Group;
- I Cons. e Imv. Lda.; e
- J.
Com base em dados actualizados em 31/3/2010, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- G Group;
- H Group;
- I Cons. e Imv. Lda.; e
- J.
Com base em dados actualizados em 30/6/2010, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- G Group;
- H Group;
- B, C; e
- J.
Com base em dados actualizados em 30/9/2010, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- G Group;
- H Group;
- B, C; e
- J.
Com base em dados actualizados em 31/12/2010, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.; e
- H Group.
Com base em dados actualizados em 31/3/2011, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- K;
- G Group;
- H Group; e
- J.
Com base em dados actualizados em 30/6/2011, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- G Group;
- K;
- H Group;
- B e L; e
- I Cons. e Imv. Lda.;
Com base em dados actualizados em 30/9/2011, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- K;
- G Group;
- H Group; e
- B e L.
Com base em dados actualizados em 31/12/2011, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- K;
- G Group;
- H Group; e
- B e L.
Com base em dados actualizados em 31/3/2012, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- K;
- I Cons. e Imv. Lda.;
- G Group;
- H Group; e
- M Co. Lda.
Com base em dados actualizados em 30/6/2012, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- K;
- G Group;
- H Group;
- M Co. Lda.;
- N Engineering Co. Ltd.;
- O Real Estate Development Co. Ltd.; e
- P/Q.
Com base em dados actualizados em 30/9/2012, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- I Cons. e Imv. Lda.;
- K;
- G Group;
- H Group;
- O Real Estate Development Co. Ltd.;
- N Engineering Co. Ltd.;
- M Co. Lda.; e
- P/Q.
Com base em dados actualizados em 31/12/2012, os limites de exposição foram ultrapassados relativamente às seguintes entidades ou grupos de clientes:
- G Group;
- H Group;
- K;
- O Real Estate Development Co. Ltd.;
- M Co. Lda.; e
- N Engineering Co. Ltd.
O 1.º Recorrente ainda registou nas contas relativas ao exercício dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 as designadas “compensation entries” ou “compensation item” na rúbrica “reimbursement receivable” (conforme consta de fls. 719 a 734, 737 a 1368, 1970 a 2068, 2571 a 2610 e 2719 a 2849 do processo administrativo).
As “compensation entries” ou “compensation item” referem-se despesas de natureza diversa, entre outras, honorários a advogados nos EUA, e na RAEHK, auditores, empresas de segurança, jornais, prejuízos da subsidiária do BDA na RAEHK, despesas de funcionamento, juros pagos à AMCM referentes ao empréstimo concedido pela AMCM, e lucros cessantes (conforme consta da fls. 737 a 1368 e 1979 do processo administrativo).
Em Março de 2013, o valor registado na rúbrica “reimbursement receivable” atingiu MOP 352,364,081.36 (conforme consta da fls. 3341 a 3345 do processo administrativo).
Até ao 15/10/2015, inexiste qualquer decisão judicial transitada que condena a RAEM ou a AMCM a pagar ao 1.º Recorrente quantia a título de indemnização, nem qualquer acordo escrito que aponta para este sentido.
O 1.º Recorrente não procedeu à publicação das suas contas anuais desde o ano 2007 até ao 2011, e as últimas contas anuais publicadas no Boletim Oficial da RAEM n.º 39, II série, de 27/9/2007, respeitava ao ano 2006 (conforme consta de fls. 3187 e 3189 a 3203 do processo administrativo).
O 1.º Recorrente não procedeu à publicação dos balancetes do razão geral trimestrais desde o 4.º trimestre do ano 2008, até a 13/5/2013, e o último balancete publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 46, II série, de 12/11/2008, respeitava ao 3.º trimestre de 2008 (conforme consta de fls. 3187 a 3188 do processo administrativo).
O Conselho de Administração do 1.º Recorrente até ao 15/10/2015 é integrado pelos seguintes membros e entre os outros:
2.º Recorrente XXX, aliás, XXX;
3.ª Recorrente XXX que exercia função entre 29/9/2007 e 16/8/2012;
4.º Recorrente XXX;
5.º Recorrente XXX;
6.º Recorrente XXX;
7.º Recorrente XXX que exercia função até 31/12/2013;
8.º Recorrente XXX;
9.º Recorrente XXX;
O Conselho Fiscal do 1.º Recorrente até ao 15/10/2015 é integrado pelos seguintes membros e entre os outros:
10.º Recorrente XXX;
11.ª Recorrente XXX que exercia função até 5/12/2014;
12.º Recorrente XXX.
Em 4/5/2012, foram os Recorrentes notificados, por ofícios enviados datados de 2/5/2012, de que contra eles foi instaurado pela deliberação n.º 102/CA do Conselho de Administração da AMCM, o processo de infracção, e que estes poderiam apresentar defesa escrita no prazo de 20 dias a contar da data desta notificação (conforme o doc. junto a fls. 247 a 431, 446 a 502, 506, 509 a 513 e 515 a 518 do processo administrativo).
Foi-lhes ainda enviada junto do referido ofício de notificação a cópia do auto de infracção n.º 002/2012, em que se encontravam descritos os factos que consubstanciam infracção administrativa (idem).
Concluídas as diligências instrutórias, foi enviada, por ofício n.º 1463/14-AMCM-GAJ, datado de 12/3/2014 e notificado em 13/3/2014, aos Recorrentes através do seu mandatário constituído a cópia do relatório final n.º 062/2013-GAJ elaborado no âmbito do processo, para que sobre ele se pronunciassem no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação (conforme consta de fls. 3443 a 3537 e 3542 a 3543 do processo administrativo).
Em 15/10/2015, foi tomada a deliberação n.º 689/CA pelo Conselho de Administração da AMCM no sentido de propor à Entidade recorrida a determinação da aplicação da multa única no montante de MOP 2,000,000.00 pela prática das duas infracções administrativas, uma em violação do artigo 64.º, n.º 1 do RJSF, do número 1.4. do Aviso n.º 11/93-AMCM e das alíneas g) e h) do n.º 1 do Aviso n.º 12/93-AMCM (e a partir da sua entrada em vigor o Aviso n.º 002/2011-AMCM); dos parágrafos 31 a 34, 37, 89, 90, 92 e 93 das Normas de Relato Financeiro que constituem o Anexo II do Regulamento Administrativo n.º 25/2005, aplicável, por força do seu artigo 4.º, às instituições de crédito; outra relativa aos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º do RJSF (conforme consta de fls. 3954 a 3991 do processo administrativo).
A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade Recorrida exarada na informação n.º 030/2015-GAP(CA), de 29/10/2015, que foi notificado em 12/11/2015 (conforme consta a fls. 3992 e fls. 4014 do processo administrativo).
Em 14/12/2015, da referida decisão sancionatória, os ora Recorrentes apresentaram o presente recurso contencioso.
*
O recorrente, o Secretário para a Economia e Finanças, suscitou quatro questões, a saber: (i) da alegada falta de descrição do facto ilícito imputado aos 2º a 12º recorrentes; (ii) da invocada prescrição do procedimento de infracção administrativa relativamente aos factos ocorridos antes de 12.11.2010; (iii) da alegada omissão da realização da audiência prévia; e (iv) da realização do cúmulo jurídico ou cúmulo material na determinação da multa aplicada.
*
O juiz do tribunal recorrido proferiu a decisão nos seguintes termos transcritos:
“2. Matéria de direito
1). O acto sob impugnação, nos termos em que foi praticado, consubstancia uma multa administrativa aplicada pelas infracções previstas no Regime Jurídico do Sistema Financeiro (doravante designado por RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, então vigente, designadamente, a que se refere nos artigos 122.º e ss do Título IV desse Regime (Não obstante ser a “contravenção”, termo utilizado pela norma, importa que a infracção nela tipificada não reveste, contudo, carácter criminal, segundo o entendimento perfilhado no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 746/2022, de 16/3/2023. Nesta linha, é da infracção administrativa que se trata, cujo regime geral se encontra estabelecido pelo DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro).
Ainda de acordo com o acto impugnado, a multa quantificada no valor de MOP2,000,000.00, resultou da soma das multas concretamente aplicadas pelas duas infracções:
- ultrapassagem dos limites de exposição a riscos, e registo indevido na rúbrica “reimbursement receivable” relativa ao exercício dos anos de 2007 a 2014 da sua contabilidade, das designadas “compensation entries” ou “compensation item”, em violação do artigo 64.º, n.º 1 do RJSF, do número 1.4. do Aviso n.º 11/93-AMCM, das alíneas g) e h) do n.º 1 do Aviso n.º 12/93-AMCM (e a partir da sua entrada em vigor o Aviso n.º 002/2011-AMCM); dos parágrafos 31 a 34, 37, 89, 90, 92 e 93 das Normas de Relato Financeiro que constituem o Anexo II do Regulamento Administrativo n.º 25/2005, aplicável, por força do seu artigo 4.º, às instituições de crédito, a que corresponde a multa no valor de MOP1,500,000.00.
- a falta de publicação das suas contas anuais entre 2007 e 2014 e nem dos seus balancetes trimestrais do razão geral desde o 4.º trimestre do ano 2008 até ao 15/10/2015, data da deliberação do Conselho de Administração do AMCM que serve de base ao acto impugnado, em violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º do RJSF, a que corresponde a multa no valor de MOP 500,000.00.
Segundo o que se alega na petição inicial, o acto impugnado padece de vários vícios de violação de lei que dizem respeito,
ou aos vícios procedimentais - a violação do direito fundamental dos arguidos à defesa (conforme se alega nos artigos 1.º a 25.º da petição inicial), a deficiência da instrução, resultante da recolha ilícita dos depoimentos das testemunhas, e da recusa ilícita da testemunha arrolada pela defesa (conforme os artigos 71.º a 356.º), assim como a falta da fundamentação do acto (conforme os artigos 357.º a 390.º).
ou aos vícios substantivos, que concernem à falta dos requisitos subjectivos dos arguidos (conforme os artigos 404.º a 423.º), à violação dos princípios da imparcialidade e da boa-fé do direito administrativo (conforme os artigos 424.º a 457.º), à violação das regras de prescrição procedimental (conforme os artigos 26.º a 70.º), e à ilegalidade do fundamento para o cúmulo do valor da multa (conforme os artigos 391.º a 403.º).
Implicitamente, os Recorrentes aproveitando a alegação facultativa a fls. 909 a 925 dos autos, ainda invocaram o vício que não fora invocado anteriormente – a revogação das normas regulamentares que fundamentam o acto impugnado pelas novas normas emitidas, o que gera impunibilidade das condutas que se reputam ilegais face ao regime anterior. Já não são atendíveis as alegações facultativas na parte em que importa o “acréscimo”, face ao que se invoca na petição inicial, por manifesta ausência de superveniência subjectiva dos fundamentos, conforme se refere no artigo 68.º n.º 3 do CPAC.
Além do mais, segundo invocado pelo Ministério Público no douto parecer final, o acto ainda está inquinado da nulidade pela omissão do elemento obrigatório da decisão em violação da norma do artigo 14.º, alínea b) do DL n.º 52/99/M.
Esse o âmbito do recurso sobre o qual se debruça a decisão judicial.
*
2). Começamos por conhecer de tal vício de nulidade invocado pelo Ministério Público. Segundo o que se entende, do acto impugnado, ao contrário do que se exige no artigo 14.º, alínea b) do DL n.º 52/99/M, não constava da descrição do facto ilícito concretamente imputado aos 2.º a 12.º Recorrentes, inexistindo, designadamente, a descrição de factos a demonstrarem se estes enquanto membros dos conselho de administração e do conselho fiscal da sociedade do 1.º Recorrente tenham participado nos actos contrários à lei ou aos estatutos das instituições, sem manifestar por escrito a sua oposição ou discordância, conforme o que se prevê no artigo 52.º do RJSF.
Salvo melhor opinião, deve se adiantar que a douta posição assumida nos merece concordância.
Importa salientar, desde já, que o fenómeno de pluralidade dos responsáveis se verifica no plano do direito civil – em que se fala de “obrigações solidárias”, quando “há um vínculo de mais estreita dependência e reciprocidade entre os sujeitos da relação” (cfr. entre os outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. 1, pp. 743 e 751). Desse modo, na solidariedade passiva, o credor pode exigir a prestação, na sua totalidade, de qualquer dos devedores, tal como previsto no artigo 512.º do CCM.
Por sua vez, no direito sancionatório penal, já não se costuma considerar como solidária a relação que existe entre os vários agentes do crime, ainda que estes tenham comparticipado no mesmo facto ilícito penalmente censurável. Como sabemos, a responsabilidade criminal do agente é sempre pessoal, mesmo que tenha actuado em nome de um ente colectivo – conforme se prevê nos artigos 10.º e 11.º do CPM. Aliás, é em função da culpa de cada agente, além das exigências de prevenção criminal, que o Tribunal determina a medida da pena em relação a cada um, atentas todas as circunstâncias exemplificadas no artigo 65.º do Código que também se devam verificar em cada pessoa. A posição não deverá ser muito diferente se passarmos para o campo do direito sancionatório administrativo, na consideração especial de uma situação em que está em causa infracção administrativa, sendo certo que “os princípios gerais do direito e do processo penal” se aplicam subsidiariamente, segundo o artigo 3.º, n.º 3 do DL n.º 52/99/M.
A ora Recorrida, no relatório n.º 062/2013-GAJ de 13/5/2013 que serviu de fundamento ao acto impugnado, assenta-se na norma do artigo 124.º, n.ºs 1, 4 e 5 do RJSF, a fim de justificar que a existência de uma relação solidária entre no total de 12 Recorrentes. Sendo assim, no seu entender, a aplicação de uma multa única a todos era a solução que se impunha.
Ademais, na sua resposta ao parecer do Ministério Público, considerou que não ocorreu a suscitada omissão dos factos imputados aos 2.º a 12.º Recorrentes – para ela, a respectiva responsabilidade é determinada pelo período do tempo em que desempenhavam as respectivas funções, e por força da lei, têm estes necessariamente conhecimento directo dos factos descritos no acto impugnado.
Com todo o respeito, não vemos que tal tese defendida pudesse ter apoio na norma indicada, sobretudo no n.º 4 do referido artigo 124.º, nos termos do qual “A responsabilidade do ente colectivo não preclude a responsabilidade individual dos membros dos respectivos órgãos, de quem naquele detenha participações sociais, exerça cargos de direcção, chefia ou gerência, ou actue em sua representação, legal ou voluntária.” É de ver que a norma literalmente não estabelece nenhuma “solidariedade” entre o próprio ente colectivo e os membros dos seus órgãos, mas refere-se antes à “responsabilidade individual”. Daí, se os membros dos órgãos devam responder individualmente, para além da pessoa colectiva por eles representada, a sanção administrativa terá de ser necessariamente determinada relativamente a cada um deles.
Além disso, em bom rigor, tal norma nem criou, só de per si, pressupostos constitutivos de imputação da responsabilidade daqueles membros dos órgãos societários: a responsabilidade individual só não ficará precludida, se quando existir. Esta conclusão tornar-se-á ainda mais patente, na leitura em conjugação com o que consta do artigo 52.º do RJSF, em que se prevê “1. Os membros dos órgãos de gestão das instituições de crédito são solidariamente responsáveis por todos os actos contrários à lei ou aos estatutos das instituições, desde que neles tenham participado sem manifestar por escrito a sua oposição ou discordância. 2. Ficam igualmente responsáveis pelos referidos actos contrários à lei e aos estatutos os membros dos órgãos de fiscalização que desses actos tiverem conhecimento sem manifestar por escrito a sua oposição ou discordância.”
Pois, do que ainda se depreende da norma transcrita acima, não é pelo facto de terem desempenhado as funções no período em que se verificou os factos ilícitos administrativos, é que os membros dos órgãos societários devam ser chamado, sem mais, à responsabilização. A não ser assim, caso a responsabilidade dos titulares dos órgãos fosse inerente ao exercício das respectivas funções, o legislador não teria acrescentado qualquer condicionalismo como fez na parte sublinhada da norma, bastando-lhe dizer “Os membros dos órgãos de gestão das instituições de crédito são solidariamente responsáveis por todos os actos contrários à lei ou aos estatutos das instituições” e ponto final. Portanto, parece linear, tal como afirmou o digno Magistrado do Ministério Público, que a responsabilização estabelecida por aquele artigo 52.º do RJSF deva depender da participação concreta daqueles no acto ilícito (que não se satisfaz, obviamente, com o exercício da função em termos genéricos) e da ausência da sua oposição ou discordância por escrito.
Posto isto, sempre se dirá que nem esta última norma invocada pudesse fundamentar a responsabilidade dos 2.º a 12.º Recorrentes nos termos referidos pelo acto impugnado. Como acabámos de referir, a solidariedade entre os diversos responsáveis só se concebe nos termos em que é concebível – Inexiste, por natureza das coisas, a responsabilidade solidária pela prática da infracção administrativa.
Poder-se-á, no entanto, configurar, a título do exemplo, a responsabilidade solidária civil dos membros dos órgãos societários pelos prejuízos decorrentes dos actos ilícitos, ou, a responsabilidade pelo pagamento das sanções pecuniárias - “Trata-se de responsabilidade configurada como sendo de natureza civil, pois não depende de aquele a quem é atribuída a responsabilidade por ser responsável pela infracção que está subjacente à aplicação da multa ou coima” (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4.ª edição 2010, pp. 90 a 91). Neste último caso, a responsabilidade apenas emerge na pressuposição da prévia aplicação da sanção a quem seja responsável principal (conforme, e.g. se alude no artigo 16.º do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, e a propósito desta norma, veja-se ainda Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 875/2022, de 4/5/2023).
Sendo assim, os titulares dos órgãos societários, não sendo responsável principal, não podem ser configurados como infractores a que se destina a sanção administrativa, podendo apenas ser chamados na fase seguida à aplicação da multa – a que se refere no artigo 142.º do CPA, para o pagamento da dívida emergente da aplicação da multa, isto é, na posterior execução fiscal movida contra o responsável principal, através do instituto de reversão ao abrigo do artigo 297.º do Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38088 de 12.12.1950 (segundo se prevê nesta norma, “Por todas as contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado que forem liquidadas ou impostas a empresas ou sociedades de responsabilidade limitada, em relação a actos praticados ou a actividades exercidas por essas sociedades ou empresas, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos administradores ou gerentes e ainda os membros do conselho fiscal nas sociedades em que o houver, se este expressamente sancionou o acto de que deriva a responsabilidade, desde que as mesmas dívidas não possam ser cobradas dos originários devedores.”, o período de gerência dos membros dos órgãos societários é considerado como pressuposto da sua responsabilidade, o que vai ao encontro, em certa medida, da vontade punitiva manifestada pela Entidade Recorrida).
É de acrescentar que o que vem sendo afirmado até aqui ainda fica corroborada à luz das normas ínsitas na lei nova - Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pela Lei n.º 13/2023, em especial, os artigos 61.º (em que é inequívoco apontar para a responsabilidade solidária civil entre os membros do órgão societário, face à norma do artigo 52.º do regime anterior) e 131.º, n.º 4 (onde se impõe a responsabilidade solidária pelo pagamento da multa, norma que inexiste no regime anterior).
Nesta perspectiva, já não seria possível ignorar que o ora acto recorrido se limitou a especificar os comportamentos do 1.º Recorrente como sendo violadores das normas regulamentares, reguladoras do sector bancário, não contendo nenhuma descrição do facto ilícito que seja concretamente imputável aos restantes Recorrentes - o desempenho das funções por estes no período em que ocorreram os factos que consubstanciam o ilícito administrativo, por si, não é ilícito nos termos legalmente previstos no RJSF, nem suficiente para estabelecer o nexo de imputação, como já vimos atrás.
É de concluir que neste sentido, o acto sancionatório impugnado é nulo por omissão do elemento obrigatório a que se refere no artigo 14.º, alínea b) do DL n.º 52/99/M - a descrição do facto ilícito imputado aos 2.º a 12.º Recorrentes.
Uma vez que a Recorrida, ainda com base no seu entendimento errado sobre a solidariedade da responsabilidade entre os Recorrentes, veio a aplicar uma multa única a todos como se estes fossem vinculados entre si numa relação de dependência e reciprocidade que não existia na verdade, torna-se impossível a anulação parcial do acto recorrido pelo facto de o acto não ser divisível – alias, ainda que a ilegalidade dizer apenas respeito à sanção determinada contra os 2.º a 12.º Recorrente, não é possível apurar o quantum da sanção que se atribuiria ao 1.º Recorrente sem a parte viciada do acto.
Pelo que se deve julgar procedente o recurso nesta parte, com a declaração da nulidade do acto recorrido.
*
3). Não obstante, cumpre ainda apreciar os outros vícios invocados na petição inicial.
Segundo o que se entendeu, o acto recorrido é ainda nulo por prescrição do procedimento relativamente aos factos constantes dos autos de infração, já que decorreu o período de três anos, seis meses e seis dias entre a data da notificação do auto de infracção – 2/5/2012, e a notificação do acto – 12/11/2015, que excedeu o prazo previsto no artigo 7.º, n.º 1 do DL n.º 52/99/M. E subsidiariamente, o procedimento prescreveu relativamente aos 3.ª e 7.º Recorrentes, que tinham deixado de exercer funções, respectivamente, em 16/8/2012, e 31/12/2013 (conforme os artigos 26.º a 70.º na petição inicial).
A isso contrapôs a Recorrida, tendo alegado que se trata de infracções cometidas de carácter permanente ou continuado, que persistem até à data da prática do acto, o que obsta à consumação da prescrição (conforme os artigos 27.º a 37.º da contestação).
Assim como sucedeu com a extinção da responsabilidade criminal pela prescrição, no direito de infracção administrativa, a prescrição é também forma de extinção da responsabilidade, conforme previsto no artigo 7.º do DL n.º 52/99/M, onde se estatui no n.º 1 que “O procedimento para aplicação das sanções prescreve decorridos 2 anos sobre a data da prática da infracção.” E o prazo de prescrição do procedimento suspende-se ou interrompe-se nos termos previstos nos artigos 112.º e 113.º do Código Penal, por remissão feita pelo n.º 3 do artigo 7.º do referido DL (É de sublinhar que não há lugar à aplicação do prazo de prescrição de 3 anos prevista no artigo 136.º n.º 1 do RJSF, porquanto se o facto ilícito decorrente da violação das normas desse Regime passa a ser qualificado como infracção administrativa pelo DL n.º 52/99M, a norma deve-se considerar revogada por força da exigência feita no artigo 20.º deste DL, nos termos do qual “1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os regimes das leis ou regulamentos referidos no n.º 1 do artigo 3.º devem conformar-se com o disposto no presente diploma no prazo de 60 dias. 2. Decorrido o prazo referido no número anterior, as normas que não se encontrem conformes com o disposto no presente diploma consideram-se revogadas…”).
A controvérsia surge agora relativamente ao início da contagem do prazo prescricional. Apesar da remissão do preceito legal do referido DL apenas para os artigos 112.º e 113.º do CPM, consideramos que tendo em vista a coerência do sistema, inexiste razão para excluir sobre a matéria em discussão a aplicação da norma do artigo 111.º do Código não referida naquela remissão, que regula o início do prazo. Se como entendesse a Recorrida, tratando-se da infracção permanente ou continuada, o prazo apenas corre desde o dia em que cessar a consumação ou em que ocorrer a prática do último acto – conforme se prevê no n.º 2, alíneas a) e b) do preceito legal, e à data da prática do acto recorrido, nem deveria começar iniciar o prazo prescricional, porquanto a ilegalidade ainda subsistiria.
Porém, é evidente a falta da razão deste entendimento.
Na infracção permanente, por contraposição à infracção imediata ou instantânea, na mesma linha que se entende sobre o crime permanente, “o extremo da linha marca o fim da actividade ilícita do agente e o princípio da actividade para sancionar, começando aí a prescrição”, sendo por isso a acção indivisível, na medida em que “O estado violador da lei prolonga-se sem intervalos numa duração, digamos assim, sem colapso e sem limites, e a qualquer momento está sendo cometido o crime, porque esse ininterrupto estado antijurídico é que é exactamente o crime” (cfr. Manuel Simas Santos, e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, p. 264).
De acordo com o que consta do auto de infracção n.º 002/2012, de notificação enviada aos Recorrentes, por apenso aos ofícios datados de 2/5/2012, notificados em 4/5/2012, foi contra estes instaurado o processo de infracção, designadamente pelos seguintes factos:
- ultrapassaram os limites de exposição a riscos, designadamente ao incorrer em riscos, em valores superiores a 30% dos seus fundos próprios relativamente aos seus clientes, de acordo com os dados recolhidos entre 30/9/2008 e 31/12/2011;
- registaram na sua contabilidade a rúbrica relativa ao exercício dos anos de 2008 a 2011, as designadas “compensation entries” ou “compensation item” na rúbrica “reimbursement receivable”;
- não publicaram as suas contas anuais entre 2007 e 2011 e nem os seus balancetes trimestrais do razão geral desde o 4.º trimestre do ano 2008 até 2/3/2012, data daquele auto.
Segundo mais se especificou no referido auto de infracção, os referidos actos consubstanciam:
- a violação do artigo 64.º, n.º 1 do RJSF, pela ultrapassagem dos limites de exposição;
- a violação do número 1.4. do Aviso n.º 11/93-AMCM, pela inobservância dos critérios e métodos adoptados na valorimetria dos seus activos e passivos, em particular no que diz respeito aos níveis de precaução reflectidos nas suas contas;
- a violação das alíneas g) e h) do n.º 1 do Aviso n.º 12/93-AMCM sobre o preenchimento do conceito de “fundos próprios de base”, a partir da sua entrada em vigor do Aviso n.º 002/2011-AMCM);
- a violação dos parágrafos 31 a 34, 37, 89, 90, 92 e 93 das Normas de Relato Financeiro que constituem o Anexo II do Regulamento Administrativo n.º 25/2005, aplicável, por força do seu artigo 4.º, às instituições de crédito, sobre “Estrutura Conceptual para a Apresentação e Preparação das Demonstrações Financeiras”;
- a violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º do RJSF pela falta da publicação de contas anuais e dos balancetes.
Certo é que as condutas que consubstanciam infracção supra descritas se reiteram, de forma periódica ao longo dos anos, mas nem por isso estaríamos perante a situação de infracção permanente, pois que a conduta (comitiva ou omissiva) que por referência de cada ano se verificou, considerada em si mesma, constitui a violação dos comandos normativos legais e regulamentares, e por isso, susceptível de acarretar, de modo autónomo, as consequências cominatórias daí decorrentes. Em suma, a actuação descrita como sendo infracção administrativa é perfeitamente divisível, o que é diferente do que se requer para típica infracção permanente.
Na realidade, a situação que temos aqui configuraria quando muito a infracção continuada, a que se reporta o artigo 111.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, em que “a acção é constituída por uma série de actos violadores da lei que, verificadas determinadas condições, são considerados como uma só uma” infracção. “Daí que a prescrição só corra a partir do último dos actos englobados na continuação.” (cfr. Manuel Simas Santos, e Jorge Lopes de Sousa, obra cit, p. 265). Porém, não obstante de uma referência genérica na sua defesa oferecida, na fundamentação do próprio acto recorrido, nunca se chegou a qualificar a actuação ilícita como tal (apenas como infracção permanente – conforme resulta do relatório final, a fls. 3462 do processo administrativo), com a devida ponderação dos requisitos constitutivos contemplados no artigo 29.º, n.º 2 do Código, assim como da respectiva regra de punição prevista no artigo 73.º.
Pelo que é a pluralidade das infracções parcelares que está em causa, deve-se então atender ao momento em que cada infracção se consumou, como o início do prazo de prescrição de 2 anos.
Considerando a notificação da acusação que é para nós, a notificação tida lugar em 4/5/2012, sobre a instauração do processo de infracção, para a apresentação da defesa escrita por parte dos Recorrentes conforme o procedimento específico previsto no artigo 131.º, n.ºs 2 e 3 do RJSF, o prazo prescricional relativamente aos factos constantes do auto de infracção, suspende-se a partir desta data, por força do artigo 112.º, n.º 1, alínea b) do CPM, até ter decorrido o prazo máximo de 3 anos, previsto no n.º 2 do artigo, isto é, em 4/5/2015, dia em que o prazo voltou a correr. Assim, é seguro concluir que relativamente aos factos ilícitos que tiveram ocorrido até 4/5/2010, dois anos antes da notificação da acusação, havia prescrito o procedimento.
Por outro lado, consideramos que não ocorreu nenhuma causa interruptiva desse prazo, pois a notificação do relatório final do processo n.º 62/2013-GAJ por ofício n.º 1462/14-AMCM-GAJ, de 12/3/2014 a fls. 3443 a 3991 do processo administrativo, para se pronunciarem os Recorrentes, não constituiu acto equivalente à notificação do despacho de pronúncia, previsto no artigo 113.º, n.º 1, alínea c) do CPM. Nota-se, tal como sublinhado na petição inicial – neste relatório do instrutor, após a consideração das defesas escritas e a realização das diligências instrutórias, veio a incluir os novos factos em que se apoia a sanção administrativa - ultrapassagem dos limites de exposição a riscos, com os dados recolhidos entre 31/3/2012 e 31/12/2012. Tal relatório final, parece-nos, pudesse funcionar como uma acusação suplementar em relação aos factos novos nele acrescentados. Assim, na mesma linha de consideração, com a notificação do relatório final aos Recorrentes em 13/3/2014, opera-se ainda a suspensão da prescrição sobre os factos novos.
Sucedeu, no entanto, que foi apenas em 29/10/2015 que se tomou a decisão sancionatória pelas infracções acusadas, e notificado em 12/11/2015, assim , além dos factos ocorridos até 4/5/2010, em relação aos outros que se tinham verificado depois de 4/5/2010 até 12/11/2015, apesar de não ter esgotado ao início da suspensão do prazo 4/5/2012, o prazo completou no período que decorreu entre o reinício do prazo em 4/5/2015 e a notificação da decisão final em 12/11/2015.
Por outro lado, em relação aos factos novos acrescentados no relatório final, em virtude do efeito suspensivo ocorrido em 13/3/2014, até à data da notificação do acto em 12/11/2015, não se completou o prazo prescricional de 2 anos.
Impõe-se, portanto, ainda a anulação do acto impugnado pela ilegalidade decorrente da violação do artigo 7.º, n.º 1 do DL n.º 52/99/M nos termos acima referidos. Como atrás já concluímos pela irresponsabilização individual dos 2.º a 12.º Recorrentes, não se mostra necessário apreciar o fundamento subsidiário suscitado na petição inicial, isto é a prescrição que ocorreu sobre as infracções acusadas contra os 3.ª e 7.º Recorrentes.
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4). Não se deve olvidar ainda que o acto sancionatório veio a incluir como seu fundamento factos que não foram descritos no auto de infracção n.º 002/2012. Como tal o acto seria nulo pela violação do direito fundamental dos arguidos à defesa, na medida em que por um lado, o instrutor extravasou sua competência que lhe foi atribuída sobre os factos não incluídos no auto de infracção, e por outro lado os Recorrentes nunca foram ouvidos relativamente aos factos não constantes do relatório final, mas acrescentados no acto sancionatório (conforme se alega nos artigos 1.º a 25.º da petição inicial).
Não é a competência do instrutor que deva ser posta em causa. Ao que nos parece, tendo a acusação sido notificada, com a realização das diligências instrutórias que se reputa necessária, é legítimo ao instrutor ampliar o objecto inicial da acusação que serve de base à decisão final, desde que tenha sido previamente ouvido o respectivo destinatário do acto sobre a inclusão dos novos factos. É isso que cremos ser a função da notificação do relatório final aos Recorrentes em 13/3/2014, como referimos.
Assim, não ocorreu a preterição da audiência prévia, por conseguinte, a violação do direito de defesa nos termos alegados, e deve-se improceder o vício invocado.
Mas já ocorreu tal vício procedimental sob perspectiva diferente:
Como se sabe, a audiência prévia do interessado, como uma formalidade essencial no procedimento administrativo cuja observância é exigida nos termos do artigo 93.º do CPA, tem, nas palavras dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, funções subjectivas e objectivas: “as primeiras são as de evitar decisões e de facultar aos particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos no procedimento, as segundas, as de auxiliar a administração a decidir melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco de legalidade.” (cfr. Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 127).
Assim, na audiência do interessado, deve este ser informado sobre o sentido provável da decisão final – a que se refere no artigo 93.º, n.º 1 do CPA, como ainda, “os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito” – conforme se exige no artigo 94.º, n.º 2 do CPA.
Segundo reiterada posição do professor Mário Aroso de Almeida, “A audiência tem de basear-se, por um lado, em informação que permita ao interessado reconhecer o objecto do procedimento, tal como ele se encontra delimitado a final, e o sentido provável da decisão a tomar….e um projecto de decisão, consubstanciado nos “elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, na matéria de facto e de direito…” (cfr. Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 2017, 4.ª edição, pp. 116 a 118).
No caso dos autos, não se contesta que em relação os novos factos que vieram a ser incluídos no acto final face ao objecto já ampliado pelo relatório final de processo, não foram ouvidos os interessados, designadamente, os factos ilícitos reiterados no período para além do que fora definido no relatório - a falta da publicação das suas contas anuais desde 2011 a 2014, nem os seus balancetes trimestrais do razão geral desde 13/5/2013 até a data da deliberação de 29/10/2015.
Nesta conformidade, tal como propôs o digno magistrado do Ministério Público, verificou-se de facto a omissão da realização da audiência prévia relativamente aos factos supra identificados, o que gera a consequência da nulidade da decisão sancionatória ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do DL n.º 52/99/M, na parte em que se determina a aplicação da multa pela violação do artigo 75.º, n.º 1 e 2 do RJSF.
Pelo que se deve julgar procedente o recurso nesta parte.
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5). No entanto, parece-nos que o recurso ora interposto já não deva proceder relativamente aos outros vícios invocados, especialmente, às alegadas deficiências da instrução do processo – conforme se alega nos artigos 71.º a 356.º da petição inicial.
A este propósito, começaram os Recorrentes por porem em causa a forma com que se utilizava para recolher os depoimentos das testemunhas, especialmente, a prestação do depoimento mediante o preenchimento de formulário previamente disponibilizado, desse mesmo documento não constava o juramento prestado pela testemunha, e a recolha do depoimento não obedece aos requisitos legais para os actos processuais escritos, entre os outros.
O vício aqui invocado, estamos em crer, não tem pertinência para a anulação do acto impugnado.
Importa que, como questão de princípio, se tratando do procedimento de infracção administrativa, a obtenção e a valoração da prova está sujeita aos limites decorrentes dos artigos 111.º a 114.º do CPP, por remissão do artigo 19.º do DL n.º 52/99/M, não sendo de chamar à colação todo o regime processual que regula a respectiva tramitação, que, em nosso entender, não é directamente aplicável ao caso em que a prova seja produzida perante o órgão administrativo, não judicial. Daí que não se deve afirmar sem mais a existência das irregularidades na obtenção da prova testemunhal só por causa da inobservância dos requisitos disciplinados nos termos processuais.
Uma outra nota que ainda se deve reter é que mesmo no domínio do direito processual penal, a valoração da prova obtida por meios proibidos apenas ganha relevância, e como assim configuraria um erro de julgamento, prejudicando o acto respectivo, na medida em que “para formação da convicção do aplicador concorreu prova que ele não podia considerar”, sendo para o sucesso do recurso como fundamento na “inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (artigo 410/3)” , suficiente a demonstração de “não ser de excluir que sem erro em que se analisa a valoração da prova proibida, o sentido da decisão teria sido outro”, segundo professor Manuel da Costa Andrade (Veja-se, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almeida, pp. 75 a 76).
No caso dos autos, tendo em consideração as infracções em causa, a inobservância das normas e procedimentos contabilísticos pelo registo indevido na rúbrica “reimbursement receivable” da contabilidade as verbas designadas “compensation entries” ou “compensation item”, e a inobservância das disposições e limites prudências de natureza legal, regulamentar destinados a proteger a liquidez e a solvabilidade das instituições, pela ultrapassagem dos limites de exposição a riscos, assim como o incumprimento da publicação obrigatória das contas anuais e dos balancetes trimestrais do razão geral, fundamental apenas seria a prova documental, ou melhor dizendo, “os elementos contabilísticos, estatísticos e, de modo geral, informativos”, considerados necessários para o desempenho das funções remetidos pelas instituições sujeitas a supervisão – segundo o que se prevê no artigo 7.º, n.º 1 do RJSF.
No que concerne à inobservância das publicações obrigatórias previstas no artigo 75.º do RJSF, a norma é ainda inequívoca, no sentido de exigir a remessa obrigatória à AMCM cópia de todos os elementos destinados a publicação – ao abrigo do artigo 77.º desse regime.
É de ver nesta linha que na deliberação n.º 689/CA que faz parte do acto recorrido, encontra-se devidamente identificado respectivo elemento documental (quer elementos informativos, quer defesas escritas dos próprios interessados) em que se apoia cada facto discriminado como provado na parte V. Por outro lado, pelo teor das declarações prestadas pelas testemunhas consideradas relevantes, identificadas nos pontos 6 e 7 da Parte V-1) do relatório final, juntas a fls. 2418 a 2425 e 2483 a 2489 do processo administrativo, a prova que se considera como ilícita na petição inicial nada poderia acrescentar ao que já resultou daqueles, suficiente para a prova dos factos, essencial à decisão tomada.
Desse modo, consideramos ser de excluir que sem erro em que se analisa a valoração da prova ilícita, o sentido da decisão poderia ser outro. E como tal, o vício invocado ainda que exista não poderá produzir efeitos invalidantes do acto impugnado.
Deve-se improceder o recurso nesta parte.
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6). Outro vício instrutório suscitado diz respeito ao despacho do instrutor constantes de fls. 2915 a 2917 do processo administrativo, em que ele decidiu dispensar, de modo alegadamente ilícito, a audição da testemunha XXX.
À partida, temos por certo que de acordo com o entendimento da jurisprudência do tribunal superior, o alegado “défice instrutório”, mesmo demonstrado, não conduziria à invalidade do acto praticado a título autónomo. Deve-se ter em conta, por isso, que “a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto)” (cfr. Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância n.º 193/2000, de 27/3/2003 e n.º 456/2015, de 10/3/2016).
No caso concreto, inexiste qualquer norma que obriga o órgão administrativo a realizar uma determinada diligência instrutória requerida pelo interessado. E antes pelo contrário, o órgão administrativo goza da certa liberdade instrutória face ao previsto na norma do artigo 86.º do CPA, no sentido de recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito, a fim de “averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”.
Nesta medida, quanto a nós, relevante é apenas saber se a omissão da diligência tal como requerida repercute-se na suficiência dos pressupostos de facto para decisão final. Neste ponto, a prova ora requerida, para os oras Recorrentes, seria relevante na medida em que se versa sobre a promessa verbal que a testemunha deu enquanto então Chefe Executivo no sentido de que a RAEM iria reembolsar ao BANCO A, S.A. os danos que ele sofreu em resultado das actuações sancionatórias do governo norte-americano desde o ano 2005, inclusivamente, as receitas perdidas e as despesas incorridas. Neste ponto, tal crédito prometido ao ter sido demonstrado, deveria ser registado, segundo as regras contabilísticas, na rúbrica “reimbursement receivable” da contabilidade de exercício como “compensation entries” ou “compensation item”.
Salvo melhor entendimento, a audição da testemunha assim requerida, segundo cremos, não tem relevância que se desejava atribuir, porquanto a comprovação dos factos que se pretendeu em nada poderá influir na suficiência da matéria de facto para a decisão sancionatória tomada.
Tal como referimos atrás, estando em causa a infracção resultante do incumprimento das regras regulamentares contabilísticas pelas instituições sujeitas à supervisão, deve ser essencialmente os elementos informativos, contabilísticos ou estatísticos dessas que se servem para exercício da função da AMCM. Ou seja, a supervisão deve ser feita por exame de documentos. Neste sentido, a prova testemunhal não tem força probatória para contradizer os factos apenas susceptíveis de serem demonstrados por via documental, conforme se aludem nas normas dos artigos 387.º e 388.º do Código Civil de Macau.
Aqui não se discute que não tem suporte documental a suposta promessa do então Chefe Executivo donde deveria emergir o crédito do referido Banco sobre a RAEM, segundo o que se entendeu na petição inicial. Contudo nem por isso passaria a existência desse crédito a ser susceptível de demonstração através da produção da prova testemunhal – porque na essência, a vinculatividade deste tipo de promessa, em nosso entender, não pode deixar de depender da respectiva validade formal, isto é, da forma escrita.
Procuremos justificar em breves linhas.
A suposta promessa em causa, a existir, seria de natureza administrativa (não política, que deva decorrer de um exercício de função política cujo objectivo é “a definição do interesse público finalisticamente determinado pela Constituição e dos meios para o atingir” – veja, João Taborda da Gama, Promessas Administrativas, da decisão de autovinculação do acto devido, pp. 92 a 93), configurando uma decisão de autovinculação da autoridade administrativa de vir a emitir o acto administrativo para autorizar o pagamento destinado a ressarcir os danos reclamados pelo promissário, que é o BANCO A, S.A e no interesse deste. Tal promessa, na sua qualificação como um acto administrativo deve preencher certos requisitos específicos para ser válida e por consequência, vinculativa, entre os quais se destaca o requisito da forma escrita.
Trata-se aqui de um modo típico de revelação de acto administrativo, conforme se estabelece no artigo 112.º, n.º 1 do CPA, “os actos administrativos devem ser praticados por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto”. Como é consabido, a forma escrita do acto é a regra geral, por razões de segurança do destinatário do acto e de exigência de uma maior ponderação ou reflexão que é pressuposta nos actos escritos. Só não é exigível a escrita, segundo a norma prevista, quando da natureza e da circunstância do acto possa resultar outra forma, ou seja, oral. Daí que é nulo o acto praticado de forma oral enquanto está sujeito apenas à forma escrita, por carecer em absoluto de forma legal – nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 2, alínea f) do CPA.
Relativamente à promessa aqui em apreço, de um acto de autorização para pagamento, se bem que o promitente estiver habilitado nos termos legais para a prática do acto, não existe, certamente, norma que dispensa a respectiva forma escrita. Nem, para o tal, a natureza ou circunstância do acto exige a adopção de outra forma que não seja escrita. Importa, quanto a isto, que “Não basta, portanto que essa natureza ou circunstância tornem recomendável ou conveniente o uso de outra forma, só nos casos que o exigem mesmo, é que não se usará a forma escrita” (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo anotado, p. 578).
Na matéria aqui em causa, sobre o compromisso para o efeito de efetuar o pagamento nos cofres do Tesouro da RAEM, segundo o previsto no artigo 14.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2006 (Regime de administração financeira pública), vigente ao tempo da prática do acto impugnado, consiste no “registo das obrigações constituídas com indicação da respectiva rubrica de classificação económica”, compreendendo, designadamente, “Os montantes das obrigações decorrentes de lei ou de contrato” – a que se refere alínea 1) do n.º 1 do preceito legal. Além disso, no n.º 4 da norma, “Nenhum pagamento pode ser efectuado sem que tenha sido previamente registado o inerente compromisso.” Não nos parece que diante desta peculiaridade normativa, com a inexistência de qualquer decisão judicial condenatória nem do contrato celebrado para o efeito, a promessa pudesse ser simplesmente dada só por forma verbal, em função da natureza ou circunstância do acto.
Se assim é, pela inobservância da forma legal, a promessa administrativa oral não pode ser válida muito menos vinculativa. Aliás, a promessa como assim feita, de um ponto de vista da interpretação da declaração negocial, só poderia indiciar uma menor vontade de vinculação do respectivo promitente, o que poderá levar a uma menor intensidade da tutela da posição do promissário.
Dito nestes termos, cremos que a promessa unilateral e verbal nos termos alegados na petição inicial, não podia constituir fonte de auto-vinculação da autoridade administrativa, nem daí emanaria o crédito do referido Banco para ser registado na rúbrica da contabilidade do exercício, cuja satisfação se impunha à RAEM. Nestes termos, o facto que se considerou como relevante sobre que a testemunha indicada deva depor não é afinal relevante para abalar os pressupostos tidos por verificados na sanção aplicada.
Motivo pelo qual inexiste o vício alegado, se devendo improceder o recurso quanto a este fundamento.
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7). Da mesma maneira, o argumento sobre a ausência do dolo ou negligência por parte dos Recorrentes não se deve colher (conforme se alega nos artigos 404.º a 423.º da petição inicial).
Pelo que se concluiu atrás, a suposta promessa no sentido de reembolsar as perdas do Banco nos termos em que foi alegadamente dada, não é vinculativa. A confiança eventualmente depositada na existência válida dessa promessa não deve afastar a culpa por parte do 1.º Recorrente pelas infracções acusadas, que actuava pelo menos a título de negligência. Ou melhor, ele, sendo uma entidade bancária profissional, devia proceder com o cuidado exigível em cumprimento das regras legais e regulamentares emitidas pela entidade reguladora do sector, destinados a proteger a liquidez e a solvabilidade das instituições bancárias, a salvaguarda contra riscos e a garantia de depositantes e outros credores.
Mas não assim quanto aos restantes Recorrentes, uma vez que já consideramos que estes não são responsáveis individualmente por causa da omissão dos factos relevantes, o erro assim cometido repercute-se inelutavelmente na falta aqui em causa.
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8). Mais assacaram os Recorrentes ao acto impugnado a insuficiência e do erro no fundamento de facto, nos artigos 357.º a 403.º da petição inicial, quanto aos acusados excessos de exposição a clientes do Banco, na medida em que desse acto não consta nenhuma explicação detalhada sobre a forma, ou montantes concretos que terá excedido os limites, nem a Recorrida teve em conta no cálculo do montante os créditos do Banco sobre a RAEM e os respectivos juros contabilizados que se deve integrar nos fundos próprios da instituição bancária.
Quanto à fundamentação do acto recorrido, consideramos que nos termos em que foi praticado, o acto impugnado contém uma especificação dos fundamentos de facto e de direito, dele constando detalhadamente o motivo pelo qual foram considerados como existentes os excessos de exposição a clientes em violação do artigo 64.º do RJSF. Assim, mostra-se inteiramente satisfeito o dever legal de fundamentação, exigido pelos artigos 114.º, n.º 1, alínea a) e 115.º, n.º 2 do CPA.
Ademais, não obstante ter o vício sido enquadrado, de modo genérico, como a falta da fundamentação, resultou do teor concreto das alegações que não é a suficiência formal da fundamentação que está em causa, e aquilo que vêm os Recorrentes a questionar é essencialmente a suficiência dos fundamentos para legitimar a actuação administrativa (A propósito da distinção entre a fundamentação formal e a fundamentação material, veja-se, e.g. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 577/2016, de 4/10/2018).
A este respeito, importa ver que os imputados “excessos” de montante se encontram sustentados nos documentos constantes de fls. 231 a 235, 2069 a 2171, 2851 a 2874 e 3292 a 3340 do processo administrativo, com base nos elementos fornecidos pelo Banco, facto reconhecido pelo Banco desde a carta subscrita em 31/12/2008, junta a fls. 2870.
Apesar de se insurgirem agora contra o erro de cálculo dos montantes, os próprios Recorrente não trouxeram elementos pertinentes para esse efeito. Aliás, tal erro nunca chegou a ser arguido perante o instrutor do processo nas sucessivas defesas escritas apresentadas por aqueles, apesar de terem sido previamente notificados, com a possibilidade da consulta do processo. Assim, é manifesto que não se pode ter por verificado o erro invocado.
Além disso, o erro invocado pelos Recorrentes enfatizou-se noutra vertente – a quantia do supra referido crédito prometido se existir, deve ser incluído como fundos próprios, e desse modo, não podia ocorrer a ultrapassagem dos limites gerais de exposição face ao valor dos referidos fundos se o crédito fosse tido em consideração (ainda pelo teor da referida carta, junta a fls. 2870 do processo administrativo).
Contudo, pelas considerações vertidas a propósito do vício anteriormente analisado, inexiste o crédito que se arroga contra a RAEM, por causa da inexistência de título válido para tal. E por consequência, não merece censura a actuação administrativa nesta parte, uma vez que não havia nenhum activo do Banco que se deve levar em conta para efectuar o cálculo dos montantes dos fundos próprios, para determinação do excesso dos limites de exposição.
De todo o modo, deve-se improceder o vício invocado.
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9). Ainda invocaram os Recorrentes a violação do princípio da imparcialidade e da boa fé administrativa do acto impugnado. Segundo o que se alega, foi omitida a investigação da existência do suposto crédito do dito Banco sobre a RAEM resultante da promessa acima referida, e a AMCM recusou ilegalmente a emissão do documento desse crédito mesmo para tal foi repetidamente solicitado – conforme se alega nos artigos 424.º a 457.º da petição inicial.
Reitera-se, conforme a jurisprudência consolidada da RAEM, “no âmbito da actividade vinculada não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.” (veja-se, e.g. Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 143/2020, de 27/11/2020).
No direito sancionatório administrativo, quando se trata de aplicar uma sanção administrativa como no caso dos autos, a Administração está vinculada a actuar perante a verificação dos pressupostos que integram a previsão normativa, não sendo de chamar à aplicação os princípios gerais do direito administrativo.
Para além disso, como referimos, a supradita promessa a ser comprovada, pela sua irrelevância, não podia vincular a Administração no sentido de praticar o acto prometido, e da mesma forma, desvincular esta do dever de exercer o poder sancionatório contra infracção administrativa.
Assim, o vício invocado também não procede.
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10). Deve naufragar também o novo fundamento trazido pelos Recorrentes na alegação facultativa sobre a ilegalidade na aplicação da lei no tempo, que não procede pela manifesta impertinência.
A razão é simples – no recurso contencioso de anulação, o Tribunal limita-se a conhecer da legalidade do acto recorrido por referência às normas legais vigentes ao tempo da prática do acto, sendo certo que apenas estas e não as normas que surgem posteriormente, vinculam a actuação administrativa de acordo com o princípio de legalidade previsto no artigo 3.º, n.º 1 do CPA (cfr. A este respeito, Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 908/2021, de 10/3/2022).
Nesta linha de entendimento, as normas regulamentares emitidas pela entidade reguladora posteriormente à prática do acto impugnado nunca podiam servir de fundamento para este, assim, a preterição da aplicação das normas invocadas não pode gerar a invalidade do acto. Portanto, neste contexto, não há lugar à aplicação do artigo 2.º, n.º 2 do Código Penal de Macau.
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11). Já consideramos pertinente o argumento em que se atacam a forma de cúmulo do valor da multa, apesar da alegação deficiente dos Recorrentes (conforme se alega nos artigos 391.º a 403.º da petição inicial).
É irrelevante, para nós, a invocação imprópria do relatório emitido pelo CCAC como fundamento do acto para efectuar o cúmulo material dos valores da multa aplicável a cada infracção parcelar. O interessante é que o cúmulo material utilizado neste caso concreto tem ou não fundamento legal.
Tratando-se de saber a forma com que se deve determinar uma multa única em caso de concurso de infracções administrativas, na falta de norma prevista no regime geral da infracção administrativa nem no regime especial, teremos de recorrer às existentes no direito penal que funciona como direito subsidiário, conforme se prevê nos artigos 3.º e 9.º do DL n.º 52/99/M. Como se sabe, o regime geral que se consagra no artigo 71.º do nosso Código Penal, é o de cúmulo jurídico, tanto para pena de prisão como para pena de multa. Mas esta norma parece não ter sido expressamente incluída na remissão feita para o Código Penal, pelo artigo 9.º do referido DL.
Porém, entendemos que a solução não podia ser outra, uma vez que a adoptação do modelo de “cúmulo jurídico” é o que se impunha em virtude da observância dos princípios gerais do direito penal, designadamente, o princípio de culpa, neste sentido “a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa. Pois se a culpa não deixa de ser sempre referida ao facto (no caso: aos factos), a verdade é que, ao ser aferida por várias vezes, num mesmo processo, relativamente ao mesmo agente, ela ganha um inegável efeito multiplicador. O que, se é particularmente visível quanto às penas de multa e ao seu efeito «progressivo» (…), não deixa de ser exacto – e ainda, em princípio, mais pesado para o agente – quanto às penas de prisão.” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2.ª Reimpressão, pág. 279 a 283, ipud. Acórdão do Tribunal de Última Instância Processo n.º 160/2021, de 27/4/2022).
Neste caso, se consideramos que os princípios gerais no direito penal não podem deixar de valer no direito administrativo sancionatório, como o princípio de culpa, a preferência pelo cúmulo material na determinação da multa administrativa contradiz manifestamente tal princípio, o que poderá originar, como será de imaginar, uma manifesta incoerência sistemática.
A não ser que exista a previsão legal expressa que determina o cúmulo material, donde é inequívoca vontade do legislador em afastar o princípio geral para aplicação da sanção relativa a alguns tipos especiais de infracção. Como por exemplo, o artigo 34.º, n.º 2 da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), onde se determina a aplicação da regra de cúmulo material às infracções administrativas em concurso. O que contudo não sucedeu no caso que aqui temos.
Aqui chegado, cremos que se deve proceder ao cúmulo jurídico, e não ao material, na falta da norma que o determina, com base nos princípios gerais do direito penal, a que se remete o artigo 3.º, n.º 3 do DL n.º 52/99/M. Neste ponto, ocorreu a ilegalidade do acto impugnado que deva ser por isso anulado.
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12). Pelo que fica dito acima, deve o recurso ser julgado procedente com a declaração da nulidade do acto, em suma, pela verificação dos seguintes vícios:
- a omissão do elemento obrigatório a que se refere no artigo 14.º, alínea b) do DL n.º 52/99/M, designadamente, a descrição do facto ilícito imputado aos 2.º a 12.º Recorrentes.
- a violação das regras de prescrição do procedimento previstas no artigo 7.º, n.º 1 do DL n.º 52/99/M, relativamente aos factos descritos no auto de infracção n.º 002/2012, ocorrido antes de 12/11/2010.
- a omissão da realização da audiência prévia, relativamente aos factos não constantes do relatório n.º 062/2013-GAJ, de 13/5/2013.
- a violação dos princípios gerais de direito penal na determinação da multa aplicada.
Inexiste, além do mais, necessidade de cumprir o disposto no artigo 118.º, n.º 2 do CPAC.
Tudo visto, resta decidir.
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III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso interposto pelos Recorrentes, com a declaração da nulidade do acto recorrido.
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Sem custas pela Entidade Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
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Registe e notifique.”
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Aberta vista ao Ministério Público, o Digno Procurador-Adjunto teceu as seguintes doutas considerações:
“Na sua alegação do recurso jurisdicional, o Exmo. Sr. SEF pediu a revogação da sentença pela qual o MM.º Juiz do Tribunal Administrativo declarou a nulidade do despacho identificado na petição, afirmando que se verificam os quatro vícios especificados nessa sentença.
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1. Quanto à violação da b) do art. 14.º do D.L. n.º 52/99/M
Sem prejuízo do devido respeito, afigura-se-nos que é infundada a crítica do recorrente e órgão recorrido sobre o primeiro fundamento no qual o MM.º Juiz a quo estribou a declaração da nulidade, fundamento que traduz na omissão do elemento obrigatório a que se refere a alínea b) do art. 14.º do D.L. n.º 52/99/M, tal alínea b) dispõe: A decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade: b) A descrição do facto ilícito imputado.
1.1. Repare-se que aplicável ao caso sub judice, o RJSF aprovado pelo D.L. n.º 32/93/M contém 4 títulos: Título I- Actividade financeira em geral, Título II- Instituições de crédito, Título III- Intermediários e outras instituições financeiras, Título IV- Infracções.
Ora, o dito Título II abrange Cap. I- Disposições gerais, Cap. II- Acesso à actividade, Cap. III- Registo, Cap. IV- Accionistas, titulares dos órgãos sociais e gerentes das instituições de crédito, Cap. V- Auditores externos, Cap. VI- Capitais, reserva, dividendo, provisões e amortizações, Cap. VII- Regras prudenciais sobre a exposião das instituições de crédito, Cap. VIII- Contabilidade e publicações obrigatórias, Cap. IX- Segredo profissional, Cap. X- Regime de excepção das instituições de crédito, Cap. XI- Disposições diversas.
Importa assinalar que o art. 52.º fica na Secção II (Titulares dos órgãos sociais e gestão das instituições de crédito) do Cap. IV do Título II (Instituições de crédito), diversamente, o art. 124.º vê colocado no Cap. II (contravenções e seu processamento) do Título IV (Infracções).
De acordo com o esquema e estrutura do RJSF, afigura-se-nos que a responsabilidade consignada no art. 52.º é diferente da estabelecida no art. 124.º que, sendo evidente, define categoricamente os “Responsáveis” pelas contravenções previstas no art. 122.º do RJSF.
Na nossa modesta opinião, a responsabilidade solidária fixada no art. 52.º tem como esfera e circunscrição a relação interna dos membros tanto dos órgãos de gestão como dos órgãos de fiscalização das instituições de crédito, e é assumida por tais membros, na qualidade de titulares dos órgãos sociais, para com as instituições de crédito e os clientes.
Daí flui que o art. 52.º que consagra a responsabilidade solidária não é automaticamente aplicável aos “Responsáveis” pelas sobreditas contravenções, eles ficam sujeitos, tão-só e simplesmente, ao regime previsto no art. 124.º referido, e por isso, é insubsistente a conclusão 2 da alegação do recurso jurisdicional. Pois, o recorrente/órgão recorrido cometeu o erro nas interpretação e aplicação do art. 52.º do RJSF
1.2. Bem vistas, as conclusões 3 e 4 da supramencionada alegação dão-nos conta de que o recorrente/órgão recorrido confundiu o “facto” com a “prova”, e esqueceu que a b) do art. 14.º do D.L. n.º 52/99/M exige a “descrição do facto ilícito imputado”. A abundância da prova não pode isentar ou dispensar a “descrição” imperativamente prescrita.
Sendo assim e na medida em que é evidente e inegável que no Relatório Final n.º 062/2013-GAJ, na Informação n.º 030/2015/GAP (CA) e no acto declarado nulo pelo MM.º Juiz a quo, não se descortina descrição de factos imputados aos 2.º a 12.º recorrentes, a conclusão 7 da referida alegação não pode deixar de incuravelmente falecer.
1.3. O art. 52.º do RJSF dispõe: 1. Os membros dos órgãos de gestão das instituições de crédito são solidariamente responsáveis por todos os actos contrários à lei ou aos estatutos das instituições, desde que neles tenham participado sem manifestar por escrito a sua oposição ou discordância. 2. Ficam igualmente responsáveis pelos referidos actos contrários à lei e aos estatutos os membros dos órgãos de fiscalização que desses actos tiverem conhecimento sem manifestar por escrito a sua oposição ou discordância.
Na nossa óptica, constitui regra geral que a oposição ou declaração de voto vencido relativa às deliberações dos órgãos colegiais de pessoa colectiva exclui a responsabilidade de quem a tenha manifestado, e em sede da doutrina e jurisprudência, é consensual ou, ao menos, maioritário entendimento neste sentido.
Porém, basta a interpretação gramática deste art. 52.º para extrair que a responsabilidade solidária estabelecida no mesmo normativo tem como pressuposto ou elemento constitutivo imprescindível que os membros dos órgãos de gestão tenham participado nos actos contrários à lei ou aos estatutos das instituições de crédito, ou os membros dos órgãos de fiscalização tenham conhecimento desses actos.
Daí resulta que cabe à AMCM o ónus de provar, consoante cada caso, a participação ou o conhecimento, e nesta medida, a conclusão 7 da alegação do recurso jurisdicional em apreço fere a errada interpretação do art. 52.º do RJSF, para além de ser irrelevante por, como já apontámos acima, este preceito legal não se aplicar à contravenções.
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2. Sobre a impugnação da prescrição
Na sentença atacada no recurso jurisdicional, o MM.º Juiz a quo tomou decisão de se verificar a violação da disposição no n.º 1 do art. 7.º do D.L. n.º 52/99/M, o recorrente/órgão recorrido opinou que as infracções praticadas pelo Banco A não prescreveram.
2.1. Admitimos teoricamente a figura de infracção administrativa permanente, e a conclusão 11 da supramencionada alegação aconselha-nos a colher que se deve esclarecer o recorrente/órgão recorrido que são reciprocamente distintos comportamento reiterativo, comportamento permanente e comportamento instantâneo de efeito permanente.
No caso sub judice, ressalvado o devido respeito, temos por acertada e imaculada a tese do MM.º Juiz a quo, no sentido de que “Certo é que as condutas que consubstanciam infracção supra descritas se reiteram, de forma periódica ao longo dos anos, mas nem por isso estaríamos perante a situação de infracção permanente, pois que a conduta (comitiva ou omissiva) que por referência de cada ano se verificou, considerada em si mesma, constitui violação dos comandos normativos legais e regulamentares, e por isso, susceptível de acarretar, de modo autónomo, as consequências cominatórias daí decorrentes. Em suma, a actuação descrita como sendo infracção administrativa é perfeitamente divisível, o que é diferente do que se requer para típica infracção permanente.”
2.2. Nos termos do n.º 1 do art. 3.º do D.L. n.º 52/99/M, os regimes, material e procedimental, aplicáveis às infracções administrativas são fixados nas leis ou regulamentos que as prevêem e sancionam. Por sua vez, o n.º 1 e n.º 2 do seu art. 20.º dispõem: 1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os regimes das leis ou regulamentos referidos no n.º 1 do artigo 3.º devem conformar-se com o disposto no presente diploma no prazo de 60 dias. 2. Decorrido o prazo referido no número anterior, as normas que não se encontrem conformes com o disposto no presente diploma consideram-se revogadas.
Ora, é evidente e indiscutível que o prazo de prescrição de três anos fixado no n.º 1 do art. 136.º do RJSF é mais longo que o previsto (de dois anos) no n.º 1 do art. 7.º do D.L. n.º 52/99/M, e que sendo ambos da mesma hierarquia, este é cronologicamente mais novo que aquele.
Tudo isto implica concludentemente que aquele n.º 1 do art. 136.º foi revogado e substituído pelo n.º 1 do art. 7.º do D.L. n.º 52/99/M, e as conclusões 8 a 13 da referida alegação são infundadas.
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3. Em relação à falta da audiência
No caso sub judice, não há dúvida de que no despacho objecto do recurso contencioso, o ora recorrente/órgão recorrido valorou factos não constantes do relatório final, mormente, factos reiterados no período posterior ao definido nesse relatório – a falta da publicação das contas anuais do Banco A desde 2011 a 2014 e dos seus balancetes trimestrais desde 13/05/2013 até a 29/10/2015 que é a data da deliberação.
Bem, o recorrente/órgão recorrido reconheceu que não realizara a audiência dos 12 recorrentes contenciosos sobre os factos não constantes do relatório final, opinando que tais factos não constituíram a alteração substancial relevante e, assim, a omissão de audiência devia ser inócua e insignificante, e não implicara nulidade processual.
Salvo devido respeito, sufragamos a posição e a brilhante fundamentação do MM.º Juiz a quo. Convém acrescentar que sem dúvida, o despacho impugnado no recurso contencioso nasceu do procedimento da infracção administrativa e, à luz dos arts. 126.º a 128.º do RJSF, comporta necessariamente o exercício do poder discricionário.
Assevera a jurisprudência mais autorizada (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 20/2021), a “falta de prévia audiência do interessado” apenas constitui ou se degrada em “formalidade não essencial” quando em causa estiver uma decisão proferida no exercício de um “poder vinculado”.
Com efeito, no âmbito do exercício de poderes discricionários, a audiência do interessado, prevista no n.º 1 do art. 93.º do CPA, constitui formalidade essencial do procedimento administrativo, salvo nos casos previstos nos arts. 96.º e 97.º deste Código, por haver mais do que uma solução possível para o caso concreto, devendo ser dada aos interessados a possibilidade de questionarem o mérito ou a legalidade da solução prefigurada pela Administração e de procurarem influenciar o conteúdo e sentido da decisão (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 28/2013).
Nesta linha de raciocínio, entendemos que as conclusões 14 a 16 da mencionada alegação são descabidas.
*
4. Quanto ao cálculo da multa e à sua influência
Com todo o respeito pelo melhor entendimento diverso, afigura-se-nos que o cúmulo jurídico consagrado no art.71.º do Código Penal não tem a virtude de “princípio geral” do direito penal, pelo que sufragamos a jurisprudência que inculca (cfr Acórdão do TSI no Processo n.º 281/2020): Ao Regime Geral das Infracções Administrativas não se aplica o artº 71º do CP, não sendo de proceder ao cúmulo jurídico das multas aplicadas.
Daí flui que, segundo nos parece, procedem as conclusões 14 a 16 da alegação do presente recurso contencioso.
Na nossa modesta opinião, a procedência dessas duas conclusões não é capaz de germinar a revogação da sentença in questio, dado que a declaração da nulidade do despacho aí recorrido pelo MM.º Juiz a quo se encontra, cabal e inabalavelmente, sustentada pelos primeiros três vícios por ele elencados na mesma sentença (cfr. fls. 1006 dos autos).
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso jurisdicional.”
*
Ponderando o teor das sagazes considerações tecidas pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, somos a entender que a solução adoptada na sentença recorrida é acertada, perpicaz e sensata, nela foi feita uma correcta aplicação de direito, cuja explanação sufragamos inteiramente, pelo que remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 149.º, n.º 1 do CPAC e, em consequência, negamos provimento ao recurso.
*
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas, por o recorrente jurisdicional ser subjectivamente isento.
Registe e notifique.
***
RAEM, 24 de Julho de 2025

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Adjunto)

Seng Ioi Man
(2º Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)




Recurso Jurisdicional 318/2024 Página 34