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Processo nº 14/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por apenso aos Autos de Execução Ordinária – no Tribunal Judicial de Base registados com a referência CV3-18-0024-CEO, e – em que é exequente A (甲), e executados B (乙) e C (丙), deduziram estes embargos que, após adequada tramitação processual, foram por sentença da Mma Juiz Presidente do Coletivo julgados parcialmente procedentes, declarando-se extinta a execução relativamente à (2ª) embargante (C), reduzindo-se também a quantia exequenda para a de HKD$9.250.940,31 acrescida de juros contados desde 28.02.2017; (cfr., fls. 2 a 6-v e 122 a 125-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o embargado (e exequente) A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância quanto à decisão de “extinção da sua execução relativamente à (2ª) embargante C”; (cfr., fls. 135 a 143).

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Oportunamente, em apreciação do dito recurso, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 13.10.2022, (Proc. n.° 521/2022), e concedendo provimento ao recurso, revogou o segmento decisório recorrido, determinando que a execução prosseguisse também contra a referida (2ª) embargante e executada C; (cfr., fls. 167 a 169).

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Confrontados com o assim decidido, trazem agora os embargantes B e C o presente recurso, batendo-se pela inversão – revogação – do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, para que fique a valer o decidido pela Mma Juiz Presidente do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 178 a 187).

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Respondendo, pugna o embargado (e exequente) pela total confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 193 a 199).

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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.

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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base considerou provada a seguinte “matéria de facto” (que foi integralmente confirmada com o Acórdão agora recorrido pelo Tribunal de Segunda Instância proferido):

“- A execução a que estes embargos respeitam se instaura com base no documento de “garantia do pagamento” constante de fls. 9 nos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (alínea A) dos factos assentes)
- A “garantia do pagamento” em causa cuja assinatura não foi notarialmente reconhecida. (alínea B) dos factos assentes)
- Em 29 de Dezembro de 2016, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de cem mil dólares de Hong Kong (HKD$100.000,00). (alínea C) dos factos assentes)
- Em 03 de Janeiro de 2017, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de cem mil dólares de Hong Kong (HKD$100.000,00). (alínea D) dos factos assentes)
- Em 09 de Janeiro de 2017, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de cem mil dólares de Hong Kong (HKD$100.000,00). (alínea E) dos factos assentes)
- Em 26 de Janeiro de 2017, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de cem mil dólares de Hong Kong (HKD$100.000,00). (alínea F) dos factos assentes)
- Em 26 de Janeiro de 2017, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de oitenta mil dólares de Hong Kong (HKD$80.000,00). (alínea G) dos factos assentes)
- Durante o período entre Dezembro de 2016 e Fevereiro de 2017, o 1º embargante pagou ao embargado, mediante transferência bancária, a quantia de cem mil dólares de Hong Kong (HKD$100.000,00). (alínea H) dos factos assentes)

Base Instrutória
- Depois de os embargantes assinarem a referida “garantia de pagamento”, o 1º embargante acompanhou o embargado para o [Banco] e onde a pedido do 1º embargante o embargado transferiu USD$1.300.000,00 dólares dos EUA para uma conta de Hong Kong, a favor duma beneficiária que o 1º embargante indicou na altura. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)”; (cfr., fls. 122-v a 123-v e 167-v a 168-v).

Do direito

3. Como se deixou relatado, com o presente recurso pelos (1° e 2ª) embargantes (executados) – B e C – interposto, pretendem os mesmos a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância para que, em sua substituição, fique a valer a decisão pelo Tribunal Judicial de Base proferida e que, na parte que agora interessa, tinha julgado parcialmente procedentes os embargos que deduziram, declarando “extinta a pelo exequente, ora recorrido, instaurada execução no que à aludida 2ª embargante dizia respeito”.

Da reflexão que sobre o decidido, assim como sobre o que alegado vem nos foi possível efectuar, cremos que correcta e adequada é a decisão do Tribunal de Segunda Instância.

Vejamos, (notando-se que em sede da presente lide recursória não se questiona a decisão de redução da quantia exequenda).

Pois bem, em síntese, considerou a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base que a execução não devia prosseguir contra a (2ª) embargante C, dado que, não obstante provado estar que assinou a “garantia de pagamento” apresentada como “título executivo” – e referida na “alínea A” dos factos considerados assentes – o certo é que com a mesma não fez a dita (2ª) embargante nenhuma declaração no sentido de “reconhecer uma obrigação pecuniária”, (reconhecendo que a mesma também a vinculava).

Por sua vez, considerando que “provado” não tinha ficado grande parte da matéria pelos embargantes alegada quanto à “falta de título” e “ilegitimidade da 2ª embargante” – e, muito especialmente, o constante do “quesito 2°” da base instrutória, onde, exactamente, se quesitava se “com a sua assinatura a 2ª embargante apenas tomou conhecimento do empréstimo, não tendo dado o seu consentimento ao empréstimo e respectiva garantia de pagamento” – e, ponderando ainda que os 3 imóveis dados de “garantia de pagamento do empréstimo” eram “bens comuns dos embargantes”, concluiu o Tribunal de Segunda Instância que aquele “empréstimo” devia ser considerado uma “dívida comum do casal”, pelo que, dando aplicação ao estatuído nos art°s 1557°, n.° 1 e 1561°, n.° 1 do C.C.M., decidiu nos termos já vistos.

E, como se deixou adiantado, justo e acertado se nos mostra o pelo Tribunal de Segunda Instância assim entendido.

Na verdade, não se pode perder de vista que nos termos do dito art. 1557°, n.° 1 do C.C.M.: “Tanto o marido como a mulher têm legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge”, sendo de se atentar igualmente que preceitua também o art. 1561°, n.° 1 que “As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens”, apresentando-se-nos, assim, que o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido está em perfeita conformidade com a letra e espírito do estatuído nestes comandos legais que se deixaram transcritos.

E, in casu, não menos relevante, é ter também presente que dos “documentos” juntos com a petição inicial da acção executiva – a que tivemos acesso – se constata (nomeadamente) que:
- os 1.° e 2.ª embargantes “são casados entre si, em regime de comunhão de adquiridos”;
- as “3 fracções autónomas” utilizadas para garantir o pagamento do empréstimo contraído com o embargado, exequente – situadas na [Endereço(1)]; [Endereço(2)]; e [Endereço(3)] – são, efectivamente, “bens comuns do casal”, (por serem bens adquiridos na “constância do regime de comunhão de adquiridos”); e que,
- do referido “título executivo” dado à execução, (ou seja, a dita “garantia do pagamento”), constam as cópias dos B.I.R.M. dos 1° e 2ª embargantes imprimidas no próprio documento utilizado para a celebração do “contrato de mútuo com garantia de pagamento”, assim como as suas assinaturas e as impressões digitais dos mesmos apostas precisamente no lugar para tal efeito reservado ao “mutuário” do mesmo “contrato de mútuo com garantia de pagamento”; (cfr., doc. 6, 7 e 8 dos autos de execução a que tivemos acesso, a fls. 136 e 137).

E, perante o que se deixou exposto, clara e evidente se nos apresenta a solução a adoptar, pouco havendo a acrescentar.

Com efeito – sabendo-se que nos termos do art. 228°, n.° 1 do C.C.M.: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, (e, como igualmente o faz o exequente, embargado e ora recorrido) – natural parece então perguntar pelo motivos e razão da “intervenção” da aludida 2ª embargante nos termos atrás descritos, assim como da necessidade, (ou justificação), e para que efeitos entendeu intervir na consumação do aludido contrato, se era tão só e apenas para do mesmo tomar (um simples) conhecimento?

Ora, cremos bem que, excluindo o que já se deixou considerado, muito sentido não faz…

E, seja como for, de olvidar também não é o preceituado no art. 1558°, n.° 1 do citado C.C.M., onde se prescreve que: “São da responsabilidade de ambos os cônjuges: a) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro; (…)”, inegável se nos apresentando assim que a execução pelo ora recorrido movida contra ambos os embargantes ora recorrentes, deve prosseguir nos exactos termos pelo Tribunal de Segunda Instância decididos, (embora com a redução da quantia exequenda em face dos comprovados “pagamentos” já efectuados e não impugnados).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 30 de Julho de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

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