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Processo n.º 543/2025/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Relator: Kan Cheng Ha
Data : 12 de Agosto de 2025

Assuntos:
- Suspensão de eficácia do acto administrativo
- Prova de prejuízos de difícil reparação para a requerente

SUMÁRIO:
A suspensão da eficácia depende, essencialmente, da verificação dos três requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo e Contencioso (CPAC), destacando-se, entre eles, o referente ao prejuízo previsível e de difícil reparação para a requerente — matéria que compete à própria Requerente alegar e provar. Ao incumprir este ónus probatório, o pedido deve ser indeferido.

O Relator,


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Kan Cheng Ha





REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Processo n.º: 543/2025/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data do Acórdão:12 de Agosto de 2025
Requerente:A
Entidade Requerida:Secretário para a Segurança
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I. RELATÓRIO
  A (doravante designado por “Requerente”), de nacionalidade birmanesa, titular do passaporte do Mianmar n.º MXXX60, com domicílio em Macau, na Alameda XX, n.os XX, Edifício XX, XX.o “XX”, ao abrigo dos artigos 120º e ss. do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a Suspensão de Eficácia do acto do Secretário para a Segurança (doravante designado por “Entidade Requerida”), de 15 de Maio de 2025, que decretou a nulidade da autorização de residência concedida à requerente.
  O requerimento da Requerente baseia-se nos fundamentos constantes a fls. 2 a 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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  Regularmente citada, vem a Entidade Requerida contestar pugnando pelo indeferimento do pedido, por não preenchimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 1º do artigo 121º do CPAC.
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  O Ministério Público emitiu douto parecer opinando que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.
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II. FACTOS
  Considera-se assente a seguinte factualidade com interessa para a decisão da causa:
1. A requerente A, nascida em Myanmar e ter nacionalidade birmanesa, é titular do passaporte Myanmar.
2. Por sentença de 10/01/2025, já transitada em julgado, nos autos CR1-23-0286-PCC, proferida pelo TJB, a requerente foi condenada pela pratica do crime de falsificação do documento, p.e p. pelo art.º18, n.º2 da Lei n.º 6/2004, e foi condenada numa pena de 2 anos e 9 meses de prisão, pena que foi suspensa a sua execução pelo período de 3 anos.
3. Por despacho do Exmº Secretário para a Segurança, de 15 de Maio de 2025, com base no parecer do relatório nº 300029/SRDARPREN/2025P foi declarada a nulidade da autorização de residência concedida à requerente e das suas renovações.
4. Assim sendo, veio a Requerente instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança, datado de 15 de Maio de 2025, através do qual foi declarada a nulidade da sua autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) e das suas renovações.
5. E a requerente formulou o presente pedido de suspensão de eficácia em 17/07/2025.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
  O presente procedimento de suspensão de eficácia tem por objecto o acto praticado pela Entidade Requerida que decretou a nulidade da autorização de residência peticionada pela Requerente.
  Dispõe o art.º 120º do CPAC:
“Artigo 120.º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
  Prevê, por sua vez, o art.º 121º do CPAC:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
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  É jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que o decretamento de suspensão de eficácia de acto administrativo depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos no art. 121º n.º 1 do CPAC e de que o acto suspendendo tenha pelo menos uma vertente positiva. 1
  No caso vertente, dos factos indiciariamente provados resulta que a requerente tem permanecido legalmente aqui na RAEM por força da autorização concedida pelo Sr. Secretário para a Segurança ao abrigo do disposto no art. 11º da Lei n.º 16/2021. Antes da expiração do prazo concedido, veio a Requerente, requerer a prorrogação do prazo, para que ela pudesse continuar a permanecer na RAEM.
  Este requerimento, no entanto, foi indeferido pela Entidade Requerida em 15/05/2025.
  Como é óbvio, para a persistência da situação actual, i.e., a permanência da requerente na RAEM mesmo após o decurso do prazo concedido no acto anterior, é imprescindível a prorrogação do prazo.
  Por isso, o acto suspendendo, não obstante se tratar dum acto negativo, repercutir-se-á na esfera jurídica da Requerente, sendo certo que a geração da eficácia do acto e os respectivos actos de execução que mais tarde podem surgir determinarão a saída da requerente da RAEM, o que criará, a obrigação de acatar e cumprir em conformidade com a decisão administrativa. Assim, somos de opinião de que o acto não deixa de ter uma vertente positiva, uma vez que afecta uma situação jurídica preexistente, e daí que cabe na previsão do art. 120º al. b) do CPAC.
  Assim, o despacho de cuja eficácia ora se requere a suspensão integra no artº 120º/-b) do CPAC, e portanto é susceptível da suspensão.
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  Vejamos então os restantes requisitos.
  Passemos então a debruçar-nos sobre a verificação ou não dos requisitos previstos no artº 121º/1 do CPAC.
  Para o deferimento da providência, a ei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.
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  - Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. a):
  Para a suspensão da eficácia do acto, é necessária a demostração de que a sua execução causará previsivelmente à requerente prejuízo de difícil reparação.
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  Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente ou para os interesses que esta defenda ou venha a defender no recurso contencioso.
  A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.
  A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.
  Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a difuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.
  E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que a requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.
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  Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, a Requerente alega que os prejuízos resultantes da execução imediata do despacho consistem em síntese no seguinte:
o A requerente é nacional birmanesa, reside em Macau desde 2007, já há 18 anos. Sem família, amigos ou vínculos em Myanmar.
o Por um lado, a requerente alega se ela voltasse a Myanmar, implicaria risco vital face ao perigo iminente que ameaçaria a sua integridade física e sobrevivência. Desde o golpe militar de 2021, o país mergulhou numa guerra civil caracterizada por violência extrema, mortes arbitrárias e caos generalizado, agravada por uma crise humanitária catastrófica que afeta 20 milhões de pessoas e deslocou 3,5 milhões internamente, situação ainda exacerbada pelo aumento do tráfico humano e de drogas. A devastação foi amplificada por um terramoto em março de 2025 que causou cerca de 4.000 mortos, acelerando o colapso nacional. Tal cenário é reconhecido internacionalmente, com alertas de viagem emitidos por Macau (R.A.E.M.), Hong Kong, Singapura, EUA, Canadá, Austrália e Portugal, entre outros.
o Por outro lado, a Requerente já tem forte vínculos com Macau, que ela tem residência contínua de 18 anos; formação académica e profissional em Macau; participação solidária (apoio a idosos em lares, doações de sangue); permanência em Macau durante a pandemia de COVID-19 (2020-2023), partilhando esforços com a comunidade e considerando Macau como o seu "lar" e centro de vida.
o Por fim, muito embora ela foi condenada a 2 anos e 9 meses de prisão (execução suspensa por 3 anos). A suspensão cumpre fins de reinserção social, sem prejuízo da análise do pedido de residência.
o Mostra-se caracterizada uma situação de absoluta falta de condições e de um real e efectivo perigo para a vida para que a requerente, natural e nacional de Myanmar, regresse ao seu país natal.
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Então vejamos.
A previsão da suspensão da eficácia do acto quando da execução deste possa resultar para o particular prejuízo de difícil reparação constitui justamente uma excepção a tal regra.
A este propósito, cumpre recordar os doutos ensinamentos do Tribunal de Última Instância (TUI), no acórdão de 04.11.2009 (Proc. n°33/2009) quando afirma que “não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto causa prejuízo de difícil reparação”.
Sobre o que deve entender-se por “prejuízo de difícil reparação”, importa ter presente a posição assumida pelo TUI no referido aresto: “mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
Tal como afirmámos supra, cabe à requerente o ónus de alegar e provar os factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos de difícil reparação.
Ora, in casu, para além do facto alegado sobre a situação de Myanmar, não cremos que a requerente cumpriu o seu ónus de provar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, os factos demonstrativos dos alegados prejuízos consistentes na dificuldade ou até a absoluta falta de condições e de um real e efectivo perigo para a vida para que a Requerente, regresse ao seu país natal.
Portanto, uma eventual decisão favorável apenas tem uma utilidade temporária que consiste justamente na não execução imediata do acto na pendência do recurso contencioso.
Quanto aos prejuízos resultantes da perda da vida em Macau, é de citar a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância no seu Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, afirmando que é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares. Todavia, o que a requerente alegou é não só meramente conclusivo, como também não atinge essa situação extrema nos termos definidos pelo Venerando Tribunal de Última Instância.
Pois cremos que atendendo à sua idade, a requerente pode ganhar o mínimo da sua subsistência na sua pátria ou em outros sítios do mundo, pois devem existir quer na sua pátria quer noutra parte do mundo oportunidades de trabalho, em condições inferiores, iguais ou até melhores do que em Macau.
Não obstante o actual panorama sociopolítico de Myanmar, o certo é que a requerente é titular de um passaporte emitido por esse país com validade até 06.11.2028, o que lhe permite regressar, de imediato e sem qualquer obstáculo, ao seu país natal.
Tal como se refere no parecer do Ministério Público, que merece a nossa concordância, não nos parece que o regresso da requerente a Myanmar possa representar, por si, apenas em virtude das condições de vida nesse país, um prejuízo irreparável.
Pelo exposto, somos de opinião de que a execução do acto não é o que causará previsivelmente prejuízo de difícil reparação à Requerente, por conseguinte, não é verificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC.
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- Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. b):
No que respeita ao requisito exigido na alínea b), apesar de o fundamento invocado pela entidade requerida para o indeferimento da requerida renovação ser o prognose desfavorável quanto ao futuro comportamento da requerente na observância da lei da RAEM, não cremos que a não execução imediata, apenas num curto período de tempo correspondente ao tempo da pendência do recurso contencioso de anulação, do despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, possa causar imediatamente lesão do interesse público de tal maneira grave que frustrará de todo em todo o fim concretamente prosseguido por este despacho.
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- Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. c):
Neste procedimento, para além de ninguém suscitar, analisados tanto os actos principais (com o recurso contencioso interposto em 30 de Junho de 2025) como o presente apenso, não se vê nenhum elemento que aponte a ilegalidade do recurso contencioso, pelo que, deve ser considerado verificado este último requisito.
Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, in casu, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a sindicabilidade contenciosa do acto, a data de notificação do acto ao requerente e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto que representa a última palavra da Administração.
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  Tudo ponderado, resta decidir.
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IV. DECISÃO
  Nos termos e fundamentos expostos, acordam em indeferir o presente pedido de suspensão da eficácia.
  Custas a cargo da Requerente fixando-se a taxa de justiça em 4Uc´s.
  Registe e Notifique.
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RAEM, aos 12 de Agosto de 2025
              
              
              
               ______________________________
              Kan Cheng Ha (Relator)
              
              
              
               ______________________________
              Chiang I Man (1a Juiz Adjunta)
              
              
              
               ______________________________
              Rong Qi (2o Juiz Adjunto)
              
              
              
               ______________________________
              Cheng Lap Fok (Procurador-Adjunto)
1 Vg. Ac. TUI, de 04/11/2009, no proc. n.º 33/2009; Ac. TSI, de 15/12/2011, no proc. n.º 799/2011.
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