Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 28 / 2009
Recorrentes: A
B
C
1. Relatório
No presente processo comum colectivo n.º CR3-08-0036-PCC, foram julgados e condenados os seguintes cinco arguidos:
- O 1º arguido D foi condenado pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 11 anos e 6 meses de prisão e 50.000 patacas de multa, convertível em 330 dias de prisão;
- O 2º arguido A e o 5º arguido C foram condenados, cada um deles, pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 9 anos e 6 meses de prisão e 20.000 patacas de multa, convertível em 132 dias de prisão;
- O 3º arguido E e o 4º arguido B foram condenados, cada um deles, pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 11 anos e 3 meses de prisão e 50.000 patacas de multa, convertível em 330 dias de prisão.
Todos os arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão de 16 de Julho de 2009 proferido no processo n.º 269/2009, foram julgados parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos 1º e 3º arguidos no sentido de reduzir as suas penas alternativas em 30 dias de prisão e negados os recursos dos restantes arguidos, mas igualmente com a redução das respectivas penas alternativas em 15 dais de prisão para os 2º e 5º arguidos e em 30 dias de prisão para o 4º arguido.
Vêm agora os 2º, 4º e 5º arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância.
O 2° arguido A formulou as seguintes conclusões na sua motivação de recurso:
“1. O Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Segunda Instância não consideraram a cooperação do recorrente com o órgão judicial. O mesmo fez confissão integral do acto praticado, tendo manifestado arrependimento e vontade de se responsabilizar pela sua conduta. Todavia, ao arguido foi imposta uma pena igual à do 5º arguido. Isto é injusto.
2. Na determinação da pena, os Tribunais não consideraram suficientemente se a conduta se enquadrava na disposição do art.º 65.º do Código Penal, no sentido de atenuar a pena do recorrente.
3. Por isso, o Tribunal de Última Instância deve considerar as circunstâncias referidas e aplicar ao recorrente uma pena de prisão não superior à do 5º arguido.”
O 4° arguido B apresentou as seguintes conclusões na sua motivação de recurso:
“1. A ilicitude, culpabilidade e o dolo nos crimes de tráfico de estupefacientes variam em função da quantidade de droga efectivamente apreendida.
2. O Tribunal não levou em conta a proporção de heroína transportada pelo recorrente quando determinou a sua ilicitude, culpa e dolo.
3. Sendo a quantidade de heroína transportada pelo recorrente inferior em quase 9%, não se compreende porque se aplicou ao recorrente pena igual a do 3.° arguido, isto é, 11 (onze) anos e 3 (três) meses de prisão e MOP$ 50.000,00 (cinquenta mil patacas).
4. Certo sendo que as circunstâncias do cometimento do crime pelo recorrente e o 3.° arguido são idênticas.
5. A tal pena foi fixada de forma desajustada e excessiva, violando os critérios para a determinação da medida concreta da pena enunciados no art.° 65.° do Código Penal.”
Pedindo que seja fixada uma pena de prisão não superior a 9 anos e multa não superior a 20.000 patacas.
O 5° arguido C formulou as seguintes conclusões úteis na sua motivação de recurso:
O acórdão recorrido viola o disposto no art.º 65.º do Código Penal quanto à determinação da medida da pena.
Não tendo o Tribunal de Primeira Instância tido em conta a confissão integral dos factos, o grande arrependimento que demonstrou na audiência de julgamento, aliados ao facto de ser primário e de objectivamente a pena a que foi condenado se mostrar imensamente prejudicial ao arguido e à sua família, bastando-se apenas com o facto de a quantidade de estupefacientes apreendida ser elevada, violou o art.º 65.°, n.º 1.
O Venerando Colectivo está obrigado a fundamentar a sua decisão descrevendo como foi efectuada a ponderação destes elementos na atribuição da medida concreta da pena pois que estes definem o grau de culpa do agente, coisa que, in casu, até agora, não sucedeu.
O Tribunal deveria ter concedido provimento ao recurso interposto pelo arguido e fixado uma pena mais próxima do mínimo.
Os argumentos referentes à precária situação económica do arguido justificam ainda o provimento do recurso interposto quanto à pena de multa aplicada, devendo também esta ter sido fixada mais próxima do mínimo legal, ou seja, MOP5.000,00.
Na resposta, o Ministério Público entende que as penas são equilibradas e justas, pelo que os recursos devem ser rejeitados.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
“No início de Maio de 2007, os arguidos D, A, E, B e C, para obter certa contrapartida pecuniária, combinaram com um indivíduo de identidade desconhecida que transportariam (incluindo no interior do corpo) estupefacientes para Macau para posteriormente entregá-los a indivíduo de identidade desconhecida.
Para isso, entre os dias 10 e 17 de Maio de 2007, os arguidos D, A, E, B e C, respectivamente, transportariam estupefacientes para Macau e hospedaram-se nos quartos n.ºs 206, 303, 305 e 410 do Hotel de Macau, de forma a preparar-se para entregá-los a outrém.
Em 17 de Maio de 2007, pelas 17h00, agentes da PJ dirigiram-se ao quarto n.º 303 do Hotel onde se hospedou o arguido D para realizar uma investigação, altura em que o arguido estava no referido quarto.
Na altura, os agentes da PJ encontram, no tecto da casa de banho do referido quarto, uma meia de cor preta contendo no seu interior 9 pacotes de pó creme (de forma oval, embrulhados em fita cola reflexiva de laser), e ao lado de um tubo de canalização no mesmo tecto, encontraram um saco de plástico de cor branca contendo no seu interior uma meia de cor branca e um saco de plástico de cor vermelha: no interior da referida meia de cor branca, foram encontrados 84 pacotes de pó creme (de forma oval, embrulhados em fita cola reflexiva de laser) e no interior do saco de plástico de cor vermelha foi encontrada uma meia de cor branca contendo 39 pacotes de pó creme (de forma oval, embrulhados em fita cola reflexiva de laser); e ao lado da televisão no quarto, encontraram ainda um frasco de lubrificante “vasline”.
Submetidos a exame laboratorial, os aludidos 132 pacotes de pó creme revelaram ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 1696,61 gramas.
Os estupefacientes supraditos (incluindo os transportados para Macau no interior do corpo) foram obtidos pelo arguido D junto a um indivíduo de identidade desconhecida, no intuito de oferecer ou entregá-los a terceiros.
O lubrificante “vasline” supracitado foi o instrumento que o arguido D utilizou para excretar os estupefacientes.
Além disso, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido D uma quantia de USD$804,00 em numerário.
A quantia acima referida foi uma parte da remuneração que o arguido D obteve pelo tráfico de estupefacientes.
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Em 17 de Maio, pelas 18h00, os agentes da PJ deslocaram-se ao quarto n.º 305 do Hotel, onde se hospedou o arguido A para realizar uma investigação, altura em que o arguido estava no referido quarto.
Na altura, os agentes da PJ encontraram na bagagem de mão de cor preta do arguido A um saco de plástico de cor vermelha contendo no seu interior 89,5 pacotes de pó creme (de forma oval, embrulhados em fita cola transparente e papel de alumínio).
Submetidos a exame laboratorial, os aludidos 89,5 pacotes de pó creme revelaram ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 1111,99 gramas.
Os estupefacientes supraditos foram obtidos pelo arguido A junto a um indivíduo de identidade desconhecida, no intuito de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Em 18 de Maio de 2007, os agentes da PJ apreenderam uma quantia de USD$404,00 em numerário que estava na posse do arguido A.
A quantia acima referida foi uma parte da remuneração que o arguido obteve pelo tráfico de estupefacientes.
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Em 17 de Maio de 2007, pelas 18h15, quando os agentes da PJ realizaram uma investigação no 4.º andar do Hotel, viram o arguido E sair do quarto n.º 410, por isso, interceptaram-no.
Logo a seguir, os agentes da PJ levaram o arguido E ao quarto n.º 410 para realizar a investigação, altura em que estava no referido quarto o arguido B.
Seguidamente, os agentes da PJ realizaram uma busca no quarto n.º 410, tendo encontrado, no tecto da casa de banho do referido quarto, uma toalha de banho de cor acastanhada, dois sacos de plástico de cor vermelha e um saco de plástico de cor branca: no interior da toalha de banho de cor acastanhada, foram encontrados 19 pacotes de pó creme (de forma cilíndrica, embrulhados em fita cola transparente), no interior de um dos sacos de plástico de cor vermelha, foram encontrados 5 pacotes de pó creme (de forma cilíndrica, embrulhados em fita cola transparente) e no interior do outro saco de plástico de cor vermelha foram encontrados 18 pacotes de pó creme (de forma cilíndrica, embrulhados em fita cola transparente) e no interior do saco de plástico de cor branca, foram encontrados 25 pacotes de pó creme (de forma cilíndrica, embrulhados em fita cola transparente); além disso, na mala de bagagem encontrada em cima da cama do referido quarto, foram ainda encontrados 2,5 pacotes de pó creme (de forma cilíndrica, embrulhados em fita cola transparente).
Submetidos a exame laboratorial, os aludidos 69,5 pacotes de pó creme relevaram ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 873,15 gramas.
Os estupefacientes supracitados foram obtidos pelos arguidos E e B junto a um indivíduo de identidade desconhecida, no intuito de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Além disso, os agentes da PJ ainda encontraram, na cueca que o arguido B vestia, um pacote de pó creme (embrulhado em fita cola transparente).
Submetido a exame laboratorial, o aludido pacote de pó creme revelou ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 9,90 gramas.
Os estupefacientes supracitados foram obtidos pelo arguido B junto a um indivíduo de identidade desconhecida, no intuito de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Aliás, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido E uma quantia de USD$6.000,00 em numerário.
A quantia acima referida foi uma parte da remuneração que o arguido E obteve pelo tráfico de estupefacientes.
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Em 17 de Maio de 2007, pelas 18h30, os agentes da PJ deslocaram-se ao quarto n.º 206 do hotel supracitado onde o arguido C se hospedou para realizar uma investigação, tendo visto o arguido sair da casa de banho do referido quarto.
De imediato, os agentes da PJ entraram na referida casa de banho e encontraram, no interior da sanita da referida casa de banho, 13 pacotes de pó creme (embrulhados em fita cola transparente e papel de alumínio).
Submetidos a exame laboratorial, os aludidos 13 pacotes de pó creme revelaram ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 175,04 gramas.
Os estupefacientes supracitados foram obtidos pelo arguido C junto a um indivíduo de identidade desconhecida, no intuito de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Além disso, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido C uma quantia de USD$2.000,00 em numerário.
A quantia acima referida foi uma parte da remuneração que o arguido C obteve pelo tráfico de estupefacientes.
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Tendo suspeitado de que os arguidos D, E e C estavam com estupefacientes guardados no interior do seu corpo, os agentes da PJ levaram os referidos arguidos ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser examinados.
Após exame de raio X na cavidade abdominal dos arguidos D, E e C, verificou-se a existência dos objectos estranhos no interior do corpo dos referidos arguidos.
Em 18 de Maio de 2007, pelas 09h30, o arguido D excretou um pacote de pó creme (de forma oval, embrulhado em fita cola reflexiva de laser).
Submetido a exame laboratorial, o referido pacote de pó creme revelou ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 13,08 gramas.
Os estupefacientes supracitados foram obtidos pelo arguido D junto a um indivíduo de identidade desconhecida e foram guardados no interior do corpo do mesmo para serem transportados para Macau, com a finalidade de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Em 18 de Maio de 2007, pelas 17h30, o arguido E excretou 7 pacotes de pó creme enquanto o arguido C excretou 8 pacotes de pó creme (todos embrulhados em fita cola, de forma oval).
Submetidos a exame laboratorial, os aludidos 7 e 8 pacotes de pó creme revelaram ter “heroína” substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 88,50 gramas e 109,43 gramas, respectivamente.
Os estupefacientes supracitados foram obtidos pelos arguidos E e C junto a um indivíduo de identidade desconhecida e foram guardados no interior do corpo dos mesmos para serem transportados para Macau, com a finalidade de oferecer ou entregá-los a terceiros.
Os arguidos D, A, E, B e C bem sabiam a natureza e as características dos referidos produtos estupefacientes.
Os arguidos agiram, de forma livre, voluntária e consciente, ao praticarem dolosamente as condutas acima referidas.
As aludidas condutas não são permitidas por lei.
Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Conforme os CRC, todos os arguidos são primários.
O 1.º arguido declarou que antes de ser preso preventivamente era operário de reparação numa companhia de engenharia eléctrica na África do Sul, auferindo mensalmente USD$800,00. Os pais do arguido morreram quando o arguido era pequeno. O arguido e a mulher falecida têm dois filhos que respectivamente têm 6 e 4 anos. Após a falência da mulher, os dois filhos têm sido cuidados pela sogra do arguido, tendo o arguido dado-lhe mensalmente USD$80,00 a 160,00 como custo de vida dos filhos. O arguido concluiu o curso de técnicas de contabilidade numa escola técnica profissional.
O 2.º arguido declarou que antes de ser preso preventivamente, como não tinha conseguido encontrar trabalho adequado na sua terra natal, Tanzânia, o arguido ia a outros países várias vezes por ano, como China e Malásia, a fim de adquirir produtos destes países, nomeadamente vestuário, e depois vendê-los no seu país. A mulher do arguido é empregada administrativa. O arguido e a sua mulher auferem respectivamente UDS$30,00 por mês, tendo dois filhos que têm respectivamente 6 e 2 anos. O arguido tem como habilitação académica o 9.º ano de escolaridade.
O 3.º arguido declarou que se dedicava à venda de artigos electrónicos antes de ser preso preventivamente, e desde 2007, começou a fazer negócios em Cantão, auferindo mensalmente cerca de UDS$800,00. A mulher do arguido explora uma loja de pronto a vestir, tendo o arguido dado-lhe mensalmente UDS$100,00 a UDS$200,00 como despesas familiares. O arguido e a mulher têm 3 filhos que têm respectivamente 10, 8 e 3 anos. O arguido tem como habilitação académica o 12.º ano de escolaridade.
O 4.º arguido declarou que antes de ser preso preventivamente, dedicava-se aos negócios de telemóveis, tendo adquirido telemóveis da China para depois vendê-los no seu país, pelo qual auferia mensalmente cerca de MOP$16.000,00. O arguido e a sua namorada têm um filho de 1,5 anos de idade que actualmente é cuidado pelos familiares da sua namorada. O arguido tem como habilitação académica o 10.º ano de escolaridade.
O 5.º arguido declarou que antes de ser preso preventivamente, dedicava-se aos negócios de telemóveis e vestuário, auferindo mensalmente cerca de UDS$2.000,00. O arguido e a ex namorada têm um filho de 7 anos de idade que actualmente é cuidado pelos seus familiares. A mulher do arguido é doméstica, tendo o arguido e a mulher um filho de 1 ano de idade. O arguido tem ainda de cuidar dos seus pais reformados, tendo como habilitação académica o 6.º ano de escolaridade.”
Factos não provados:
Nenhum facto relevante fica por provar.
2.2 As medidas das penas
Nos recursos ora interpostos perante o Tribunal de Última Instância, todos os recorrentes suscitaram a questão de medida da pena.
O 2° arguido A considera que a pena de prisão a que foi condenado mostra-se injusta em comparação com o 5° arguido pois apresentou o arrependimento mais sincero e ainda no início da audiência de julgamento, ao invés que o 5° arguido só o fez no fim da audiência.
É certo que, no presente processo, só os 2° e 5° arguidos confessaram integralmente os factos imputados, segundo a convicção do tribunal constante do acórdão do Tribunal Judicial de Base.
Na fixação da pena em primeira instância, o Tribunal Judicial de Base considerou ainda que o 2° arguido adoptou a atitude de colaboração já na fase de inquérito.
No entanto, é de notar que foi apreendida ao 2° arguido 1111,99g heroína, quantidade substancialmente superior a 284,47g heroína que foi apreendida ao 5° arguido.
Assim, não se mostra injusta a pena de 9 anos e 6 meses e 20.000 patacas de multa imputada ao 2° arguido.
O 4° arguido B entende que a sua pena não pode ser igual à do 3° arguido por ter em sua posse menos quantidade de heroína.
Segundo a convicção do tribunal de primeira instância, o 4° arguido entrou em Macau juntamente com o 3° arguido e ficaram no mesmo quarto do Hotel. A embalagem da heroína encontrada no corpo do 4° arguido era igual à da heroína encontrada no mesmo quarto do Hotel. E conforme os factos provados, a heroína encontrada neste quarto pertenciam aos dois arguidos.
Assim, não é de estranhar que foram fixadas as mesmas penas para os 3° e 4° arguidos.
Com a posse de 883,05g de heroína e a não confissão dos factos, não se mostra excessiva a pena de 11 anos e 3 meses de prisão e 50.000 patacas de multa fixada ao 4° arguido.
Para o 5° arguido C, os tribunais de instância não consideraram as suas condições pessoais ao determinar a pena concreta, nomeadamente a situação de ser desempregado e incapacitado de sustentar o seu agregado familiar, salientando o facto de ser primário e ter confessado integralmente e sem reserva os factos acusados.
Na realidade, o colectivo de primeira instância, ao fixar as penas concretas, procedeu a uma consideração global das circunstâncias de todos os arguidos, incluíndo as suas situações pessoais e económicas e a existência de confissão, que só não podiam chegar ao nível de capazes de atenuar especialmente as penas.
Com a posse de 284,47g de heroína e a confissão dos factos, não se mostra excessiva a pena de 9 anos e 6 meses de prisão e 20.000 patacas de multa.
Assim, os recursos devem ser rejeitados por manifesta improcedência.
2.3 Entrada em vigor da nova Lei n.° 17/2009. Aplicação da lei mais favorável
No passado dia 10 de Setembro entrou em vigor a nova lei de proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas (Lei n.° 17/2009, publicada em 10 de Agosto de 2009).
A nova lei mantém basicamente os mesmos estrutura sistemática e tipos de crimes ligados a drogas do anterior Decreto-Lei n.° 5/91/M.
Quando se verifica a sucessão de leis penais no tempo, é de atender ao comando do n.º 4 do art.º 2.º do Código Penal (CP):
“4. Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado.”
A sentença condenatória dos recorrentes não transitou ainda em julgado, pois está ainda em via de recurso ordinário nos presentes autos. O recurso aproveita aos restantes arguidos não recorrentes nos termos do art.º 392.º, n.º 2, al. a) do CPP. Assim, é de atender ao disposto no n.º 4 do art.º 2.º do CP para examinar o regime penal aplicável aos arguidos.
A nova Lei n.º 17/2009 entrou em vigor no passado dia 10 do mês corrente e passa a prever no seu art.º 8.º o crime de tráfico ilícito de drogas, em termos semelhantes do que previsto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
Assim, é de apurar qual é o regime penal aplicável aos arguidos que se mostre concretamente mais favorável aos mesmos, ao abrigo do referido art.º 2.º, n.º 4 do CP.
A ponderação concreta “pressupõe que o tribunal realize todo o processo de determinação da pena concreta face a cada uma das leis, a não ser, como é óbvio, que seja evidente, numa simples consideração abstracta, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra.”1
Dispõe assim o art.º 8.º da Lei n.º 17/2009:
“Artigo 8.º
Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
1. Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.
2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 4 a 16 anos.
3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
1) De 6 meses a 5 anos, no caso do n.º 1;
2) De 1 a 8 anos, no caso do n.º 2.”
Assim, em relação à moldura de pena do tipo-padrão do crime de tráfico de drogas que não seja de quantidades diminutas na lei antiga ou de menor gravidade como prevista na lei nova, em vez de 8 a 12 anos de prisão com multa passa agora a ser de 3 a 15 anos de prisão. Com o alargamento dos limites mínimo e máximo da pena de prisão, o legislador consagra uma maior flexibilidade ao tribunal na fixação concreta da pena, no sentido de aliviar a severidade da reacção penal para os casos de tráfico de drogas cuja gravidade não seja menor mas sem atingir o grau considerável, tal como acontecia na vigência da lei antiga, e de punir com maior severidade os casos de tráfico de drogas com dimensão mais significante.
As condutas dos arguidos integram, sem dúvida, na previsão do referido art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009. É de apurar agora quais são as penas concretas em aplicação desta lei nova.
As heroínas encontradas na posse dos arguidos têm as seguintes quantidades:
- 1º arguido: 1709.69g;
- 2º arguido: 1111.99g;
- 3º arguido: 961.65g;
- 4º arguido: 883.05g;
- 5º arguido: 284.47g.
Considerando todas as circunstâncias dos crimes, nomeadamente as situações pessoais e económicas dos arguidos, a atitude de colaboração manifestada pelo 2º arguido desde a fase de inquérito, a confissão integral dos 2º e 5º arguidos e a não confissão dos restantes, o grande risco para a tranquilidade social e a saúde pública, o modo ocultante de prática dos crimes, a eminente necessidade de prevenção geral, para além das quantidades relativamente elevadas dos produtos estupefacientes apreendidos, é de fixar as seguintes penas aos arguidos:
- 1º arguido: 11 anos de prisão;
- 2º arguido: 9 anos de prisão;
- 3º arguido: 10 anos e 6 meses de prisão;
- 4º arguido: 10 anos e 6 meses de prisão;
- 5º arguido: 9 anos de prisão.
Assim, é manifesto que a lei nova é mais favorável aos arguidos, pelo que é este o regime penal aplicável.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar os recursos.
Nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do Código Penal, aplicam o regime penal mais favorável aos arguidos e em consequência:
- condenar o 1º arguido D pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de onze anos de prisão;
- condenar o 2º arguido A pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de nove anos de prisão;
- condenar o 3º arguido E pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de dez anos e seis meses de prisão;
- condenar o 4º arguido B pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de dez anos e seis meses de prisão;
- condenar o 5º arguido C pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de nove anos de prisão.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, cada recorrente é condenado a pagar 4 UC.
Custas pelos recorrentes com as taxas de justiça fixadas individualmente em 4 UC e honorários aos defensores nomeados em MOP$1.200,00 cada.
Aos 23 de Setembro de 2009
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 Américo A. Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 247.
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Processo n.º 28 / 2009 1