Processo nº 211/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 11 de Setembro de 2025
Recorrente: Companhia de Predial (A) Limitada
Recorrido: Banco (B), S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Banco (B), S.A., com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
(C) (1º Réu),
(D) (2º Réu),
(E) (3º Réu),
(F) Sociedade Unipessoal Limitada (4ª Ré) e
Companhia de Predial (A) Limitada,
todos, também, com os demais sinais dos autos.
Pedindo a Autora que seja julgada procedente a acção e em consequência:
a) Serem declarados nulos e de nenhum efeito os contratos de arrendamentos e subarrendamento, por simulação absoluta, nos termos do artigo 232.° do C.C.;
Subsidiariamente, caso o pedido referido em a) não seja julgado procedente, o que não se espera,
b) Ser procedente a impugnação pauliana e, em consequência, serem os contratos de arrendamento e subarrendamento declarados ineficazes perante o Autor, com a consequente possibilidade de a fracção poder ser vendida, livre do ónus dos arrendamentos e de pessoas e bens, com a restituição dos bens, nos termos dos artigos 612.º do Código Civil, até à satisfação integral do seu crédito;
c) E em qualquer caso, serem os Réus condenados no pagamento de custas e procuradoria condigna, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência julgando-se:
- Procedente a impugnação pauliana suscitada pela Autora, declarando o contrato de arrendamento celebrado em 17 de Julho de 2017 entre os 1.º, 2.º, 3.º réus e a 4.ª Ré mencionado no ponto 11.º dos factos provados, e o contrato de subarrendamento celebrado em 6 de Dezembro de 2017 entre a 4.ª Ré e a 5.ª Ré mencionado no ponto 15.º dos factos provados não produzem efeitos contra a Autora, O imóvel envolvido pode então ser vendido sem que os dois contratos acima referidos produzem efeitos contra a Autora, fazendo com que o produto da venda seja utilizado para satisfazer o crédito da Autora.
Não se conformando com a sentença veio a 5ª Ré e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. É juridicamente insuficiente julgar a procedência da impugnação pauliana com base na diminuição da possibilidade de concretização de reembolso de dívida causada pelo acto de arrendamento.
B. No caso em apreço, não há elementos de prova que demonstrem que a dívida do credor, ou seja a Autora, não foi suficientemente satisfeita pela existência do contrato de arrendamento e que a liquidez e o valor do bem imóvel em causa foram afectados pelo contrato de arrendamento.
C. De acordo com os princípios normais da economia de mercado, a disponibilidade de um potencial comprador para licitar deve basear-se numa verdadeira avaliação do mercado do bem imóvel e não ser influenciada apenas pelos termos do contrato de arrendamento. Se o bem imóvel ainda tiver um valor de mercado razoável, o mercado de leilões deve reagir de forma racional e não emocional, tendo em conta o período de arrendamento remanescente e, por conseguinte, o tribunal não deve considerar que os requisitos do artigo 605.º, alínea b) do Código Civil foram cumpridos apenas com base no acto de arrendamento.
D. Ao abrigo do disposto no artigo 605.º do Código Civil, o credor deve comprovar sobre a diminuição da garantia patrimonial do crédito. Porém, o bem imóvel em causa ainda existe, e a relação de arrendamento pertinente não diminui efectivamente o valor do bem imóvel em causa.
E. Embora a existência do contrato de arrendamento possa afectar o valor de venda imediata, tal não significa que o valor do imóvel em si tenha diminuído. A Autora tem de provar que o facto de não ter sido bem sucedido no leilão se deveu à fraqueza do próprio mercado e não apenas à existência de um contrato de arrendamento.
F. O facto importante de que o prazo remanescente do contrato de arrendamento neste caso era de apenas aproximadamente seis anos também não foi totalmente tido em conta. É mais provável que as alterações no interesse do mercado estejam relacionadas com as condições reais do mercado e com a fixação de preços, do que apenas com a existência de um contrato de arrendamento.
G. Ao analisar o impacto do arrendamento no valor do imóvel, deve-se ter em atenção o prazo efetivo de vigência do contrato de arrendamento e o impacto económico causado pelo mesmo. Por conseguinte, entende a Recorrente que a existência do contrato de arrendamento em causa não enfraqueceu a garantia dos direitos de crédito
H. Se se decidir que um contrato de arrendamento de longa duração prejudica automaticamente a garantia de crédito, é necessário analisar se o contrato afecta o valor real do bem imóvel. A nível jurídico, o contrato de arrendamento em si é válido e protegido, que não deve ser automaticamente considerado como uma violação de crédito, especialmente se o bem imóvel ainda existir e tiver um valor de mercado. Por conseguinte, os requisitos do artigo 605.º do Código Civil não foram preenchidos.
I. Não se deve presumir automaticamente que o acto de arrendamento constitui uma diminuição da dívida. Devem ser tidos em conta vários factores económicos e o contexto do mercado e, em circunstâncias de mercado razoáveis, o acto de arrendamento não diminuirá os direitos e interesses do credor a curto prazo.
J. Além disso, a leitura que o Tribunal faz do artigo 605.º-B do Código Civil revela um mal-entendido. Esta disposição exige uma prova específica do efeito do acto de arrendamento nos direitos do credor, e não apenas a existência de um contrato de arrendamento. De facto, muitos juristas e jurisprudência sublinharam que a análise dos efeitos jurídicos deve ser feita caso a caso, a fim de garantir a equidade da decisão.
K. Concluímos que, no caso vertente, não se provou de forma substancial que a Autora foi afectada pela realização do seu crédito resultante do contrato de arrendamento. Existe no acórdão do tribunal a quo erro de aplicação de lei.
Contra-alegando veio a Autora e agora Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. O Autor, exerce, de entre outras, as actividades decorrentes da concessão de crédito (ver fls. 32 a 53 dos autos). (Factos provados ponto A)
2. A 4.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica a ... (ver fls. 54 a 58 dos autos). (Factos provados ponto B)
3. A 5.a Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica a ... (ver fls. 59 a 63 dos autos). (Factos provados ponto C)
4. O Autor é exequente na acção executiva para pagamento de quantia certa que corre termos pelo 2.° Juízo Cível do TJBM, sob o n.° CV2- l6-0146-CEO, intentada em 18 de Julho de 2016, em que são executados os ora 1.°, 2.° e 3.° Réus (C)(D), (E), (G), mulher do 1.° Réu, (H) e (I), para pagamento da quantia exequenda de MOP43.394.551,06, para cujo propósito foram realizadas, sem sucesso, 3 tentativas de venda judicial da fracção autónoma (ver fls . 64 a 79 dos autos). (Factos provados ponto D)
5. Os 1.°, 2.° e 3.° executados, na aludida acção executiva, foram todos devidamente citados (o 3.° Réu foi citado em 5 de Outubro de 2016, (G), mulher do ora 1.° Réu foi citada em 28 de Novembro de 2016, e os 1.° e 2.° Réus, juntamente com os restantes executados, foram citados editalmente em 7 de Junho de 2017) (ver fls. 100 a 112 dos autos). (Factos provados ponto E)
6. A fracção "WR/C" do rés-do-chão "W", composta de r/c + 1.° andar, para comércio, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, com os n.os … da Rua de …, n.os … da Rua de …, n.os … da Alameda … e o.os … da Avenida …, inscrita na matriz predial sob o art.° ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.° …, a fls. … do Livro …, aí registada pela inscrição n.° … (doravante a "fracção") (ver fls. 113 a 155 dos autos). (Factos provados ponto F)
7. Sobre a fracção recai uma hipoteca voluntária constituída em 28 de Abril de 2016 a favor do Banco, ora autor, registada na aludida Conservatória, sob a inscrição n.° …, para garantia do reembolso do crédito concedido no valor de HKD42.000.000,00, tendo sido efectuada a penhora em 25.10.2017 (ver fls. 128 dos autos). (Factos provados ponto G)
8. O aludido crédito foi constituído por escritura de compra e venda e facilidades bancárias com hipoteca outorgada em 28 de Abril de 2016 (ver fls. 89 a 99 dos autos). (Factos provados ponto H)
9. Os 1.°, 2.° e 3.° Réus subscreveram a livrança dada à referida execução sob o processo n.° CV2-16-0146-CEO. (Resposta ao artigo 1.º de factum probandum)
10. A fracção foi objecto dos contratos juntos a fls. 158 e 161 e verso dos autos. (Resposta ao artigo 2.º de factum probandum)
11. O 1.° contrato respeita a um alegado arrendamento, datado de 17.07.2017, celebrado entre os 1.°, 2.° e 3.° Réus nas qualidades de senhorios e a 4.a ré, representada pelo administrador ..., na qualidade de arrendatária. (Resposta ao artigo 3.º de factum probandum)
12. O prazo estipulado é de 14 anos, com início em 17.07.2017 e termo em 16.07.2031. (Resposta ao artigo 4.º de factum probandum)
13. E a renda mensal convencionada é de HKD5.000,00 para todo o período de 14 anos de arrendamento, valor que não inclui as despesas de condomínio. (Resposta ao artigo 5.º de factum probandum)
14. Na data da celebração do l° contrato, o arrendatário declarou que já pagou na íntegra o montante de HKD840.000,00, que corresponde ao valor global das rendas correspondentes ao período de 14 anos. (Resposta ao artigo 6.º de factum probandum)
15. O 2.° contrato, datado de 6.12.2017, foi celebrado entre a 4.a Ré, representada pelo seu administrador ... e a 5.a Ré, representada pelos administradores (J) e (K) (Resposta ao artigo 7º de factum probandum)
16. O prazo estipulado é de 5 anos, com início em 22.12.2017 e termo em 21.12.2022. (Resposta ao artigo 8º de factum probandum)
17. E a renda mensal convencionada é de HKD40.000,00, para o período de 22.12.2017 a 21.12.2020, passando a ser de HKD44.000,00 para o período entre 22.12.2020 e 21.12.2022. (Resposta ao artigo 9º de factum probandum)
18. A fracção dada de arrendamento está localizada no NAPE, uma das zonas mais modernas e privilegiadas da cidade, onde se encontram localizados vários casinos, espaços comerciais e hotéis de luxo. (Resposta ao artigo 10.º de factum probandum)
19. E trata-se de uma fracção por composta de r/c + 1.° andar, com uma área de 138,3 m2. (Resposta ao artigo 11.º de factum probandum)
20. O valor de referência respeitante à renda mensal da fracção em Julho e Dezembro de 2017, seria de HKD72.000,00 e no momento da interposição da acção, de HKD74.000,00. (Resposta ao artigo 13.º de factum probandum)
21. Quando os contratos (cuja cópia se concontra junta a fls. 158, 161 e verso), com as datas de 17 de Julho de 2017 e de 6 de Dezembro de 2017, foram celebrados, os 1.°, 2.° e 3.° Réus já tinham sido citados na acção executiva (n.° CV2-16-0146-CEO) intentada pelo Autor e tinham perfeito conhecimento das consequências que iriam resultar da execução. (Resposta ao artigo 17.º de factum probandum)
22. Ao celebrar o contrato de 17 de Julho de 2017, os 1° a 3° Réus sabiam que a sua celebração desvalorizaria o valor comercial da fracção numa potencial venda e constituiria um ónus sobre a aludida fracção, com o intutito de prejudicar a cobrança coerciva do crédito do Autor. (Resposta ao artigo 18.º de factum probandum)
23. Ao celebrar o contrato de 17 de Julho de 2017, a 4ª Ré sabia que a sua participação e assinatura deste papel poderia prejudicar o Autor. (Resposta ao artigo 19.º de factum probandum)
24. Ao celebrar o contrato de 06 de Dezembro de 2017, a 4ª Ré e a 5ª Ré sabiam que a sua participação e assinaturas deste papel poderia prejudicar o Autor. (Resposta ao artigo 19.º de factum probandum)
25. Os 1.°, 2.° e 3.° Réus, enquanto locadores, agiram com plena consciência do prejuízo que o contrato de arrendamento causaria aos interesses patrimoniais do Autor, na esperança de, por via da criação deste ónus sobre a fracção, frustrar o ressarcimento dos créditos do Autor. (Resposta ao artigo 20.º de factum probandum)
26. Desde a data de início do contrato de 06 de Dezembro de 2017 e até ao dia de hoje, a fracção autónoma em discussão dedica-se à actividade comercial de intermediação imobiliária, oferecendo serviços, produtos e atendendo clientela diversa. (Resposta ao artigo 21.º de factum probandum)
27. E a 4.a Ré tem pago anualmente impostos. (Resposta ao artigo 22.º de factum probandum)
28. Em 14/04/2021 as 4.a e 5.a Rés renovaram o contrato datado de 17 de Dezembro de 2017 por mais 5 anos, de 22/12/2022 a 21/12/2027, com renda mensal de HKD35.000,00. (Resposta ao artigo 23.º de factum probandum)
29. Esse novo contrato foi celebrado através da intermediação da agente de imobiliário (L), da empresa Fomento Predial X, que representa a 4.a Ré. (Resposta ao artigo 24.º de factum probandum)
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«O tribunal deve analisar especificamente os factos considerados provados no presente caso e aplicar o direito para resolver a impugnação entre as partes.
Analisado o conteúdo da petição inicial, os pedidos do Autor envolvem principalmente a simulação e a impugnação pauliana.
Quanto aos fundamentos da simulação, nos termo do artigo 232.º do Código de Civil e das jurisprudências dominantes, a título de exemplo, ver o acórdão n.º 69/2014 proferido em 13 de Maio de 2015 pelo Tribunal de Última Instância), para provar se um acto jurídico seja uma simulação depende de verificação cumulativa dos três elementos seguintes: 1) Existência de uma declaração negocial; 2) Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros; 3) Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Realizada a audiência de julgamento, os factos relevantes a provar que o contrato de arrendamento e o contrato de subarrendamento envolvidos no caso eram simulação não foram confirmados (ver, em particular, as partes não provadas constantes dos artigos 14.º, 17.º e 18.º do factum probandum). Com base nisto, os argumentos da Autora e os pedidos relacionados com a simulação não foram fundamentados.
Cumpre ainda analisar a questão da “nulidade” suscitada pela Autora na sua alegação jurídica. Em suma, a Autora defendeu na sua exposição de motivos que os contratos de arrendamento e subarrendamento em causa deveriam ser considerados “nulos”, nos termos do artigo 814.º, n.º 2, do Código Civil. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, os pedidos da Autora deveriam ter sido apresentados no processo de execução e resolvidas nesse caso após um processo justo.
*
Em seguida, o Juízo analisará os pedidos suscitados em termos de mecanismo de impugnação pauliana.
Nesse sentido, nos termos do artigo 605.º do Código Civil:
“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”
Prevê-se no artigo 607.º do mesmo Código:
“1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.
2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
- Requisitos previstos na alínea a) do artigo 605.º do Código Civil
Nos termos dos artigo 605.º, alínea a), 606.º e 353.º, alínea 1) do Código Civil, Para além de provar a existência e o montante do crédito invocado, o credor deve igualmente provar que o crédito foi feito antes ou seguiu o acto impugnado e, neste último caso, que o acto foi praticado intencionalmente para prejudicar a satisfação dos direitos dos credores futuros.
Quanto a este elemento, os pontos 1 a 10 dos factos provados mostram claramente que a Autora, enquanto Banco, tinha um crédito contra os primeiro a terceiro réu. Vale a pena notar que o crédito é garantido pelo bem imóvel em questão e que tanto a criação do crédito como a acção de execução da Autora contra os 1º a 3º réus são anteriores ao arrendamento e subarrendamento em questão.
Assim, estão reunidos os elementos previstos no artigo 605.º, alínea a), do Código Civil.
- Requisitos previstos na alínea b) do artigo 605.º do Código Civil
A alínea b) do artigo 605.º do Código Civil exige igualmente que o acto jurídico contestado torne improvável ou menos provável a satisfação integral do crédito do credor.
No caso em apreço, os actos jurídicos impugnados são, respetivamente, o Contrato de Arrendamento (celebrado em 17 de Julho de 2017) e o Contrato de Subarrendamento (celebrado em 6 de Dezembro de 2017, tendo, no decurso do processo, a 5.ª Ré afirmou que tinha renovado o arrendamento)
A hipoteca a que a Autora tinha direito foi registada em 30 de Maio de 2016 e o registo da penhora teve lugar em 25 de Outubro de 2017. (vide. fls. 128 dos autos)
Verifica-se que o referido contrato de arrendamento teve lugar após o registo da hipoteca, mas antes do registo da penhora.
De acordo com o contrato de arrendamento, embora as despesas de gestão do edifício estivessem a cargo do arrendatário, a renda relativa ao período de 14 anos de arrendamento teria sido paga na totalidade.
Assim, supondo que a referida relação de arrendamento não seria julgada inválida por força da aplicação do artigo 814.º, n.º 2, com base no artigo 1004.º do Código Civil após a venda judicial no âmbito do processo de execução interposto pela Autor contra os o 1.º ao 3.º Réus, então, o comprador vencedor no processo de venda teria adquirido um bem imóvel com um prazo de arrendamento de 14 anos. Este factor levaria inevitavelmente o comprador não está disposto a licitar, ou a estar disposto a licitar apenas se a mais-valia de 14 anos de arrendamento for deduzida. Mesmo que a Autora esteja disposto a esperar até ao final do período de locação de 14 anos antes de avançar com o processo de execução, receia-se que, nessa altura, já se tenham acumulado muitos juros diferidos e que a Autora não consiga obter o reembolso total do capital e dos juros, mesmo que consiga vender o imóvel sem quaisquer ónus.
Nas circunstâncias referidas no parágrafo anterior, o contrato de arrendamento em causa reduz a probabilidade de o crédito da Autora ser plenamente satisfeito.
Embora, como o autor alegou na sua declaração legal, no direito comparado, exista uma jurisprudência em Portugal de que um arrendamento feito após a hipoteca, mas antes da penhora, será caducado de acordo com o artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil Português (correspondente ao artigo 814.º, n.º 2 do Código Civil de Macau), tal opinião não é a opinião dominante. Atualmente, a opinião maioritária é a de que tais relações de arrendamento não serão caducadas pela venda judicial (ver a este respeito o parecer jurídico unificado do Supremo Tribunal de Justiça Português no seu Acórdão n.º 2/2021 e a declaração de voto nele contida; ver também os Acórdãos do mesmo Tribunal de 15 de Fevereiro de 2022 e 3 de Novembro de 2021 nos Processos n.º 718/11.2TBALQ-B.L1.S1 e n.º 2418/16.8T8FNCL1.S1, respetivamente).
A este respeito, este Tribunal gostaria de expressar que: se o Juiz responsável pelo processo de execução considerar que o contrato de arrendamento não caducou, a existência do contrato de arrendamento de 14 anos reduzirá directamente a possibilidade de o crédito da Autora ser totalmente satisfeito; mesmo que o Juiz responsável considere que o contrato de arrendamento é caducado, a decisão judicial em causa pode ter de ser contestada pelo arrendatário (ou mesmo pelo subarrendatário), e o processo de recurso pertinente resultará, sem dúvida, na incapacidade da Autora de vender a fracção e obter o reembolso da dívida num curto período de tempo.
Com base nos fundamentos expostos, entende este tribunal que, no que respeita ao contrato de arrendamento em causa – independentemente da sua caducidade por venda judicial no processo executivo – se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 605.º, alínea a) do Código Civil. O mesmo se aplica ao contrato de subarrendamento, pois a legitimidade do arrendatário para exercer atividades na fracção ou subarrendar a terceiros advém integralmente do próprio contrato de arrendamento, devendo, por isso, a existência do contrato de subarrendamento ser também considerada como tendo menor possibilidade de satisfazer integralmente as pretensões do autor.
- Requisitos do artigo 607.º do Código Civil
Este tribunal continuará a analisar se o contrato de arrendamento em causa preenche os requisitos do artigo 607.º do Código Civil.
De acordo com a primeira metade do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 607.º do Código Civil, O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Relativamente à aplicação desta disposição, o Venerando Tribunal de Última Instância salientou no seu acórdão n.º 129/2021 do Processo de Recurso, de 26 de outubro de 2022:
"Por outras palavras, a lei exige que o devedor e o terceiro estejam cientes de que o acto praticado prejudicará o credor, considera-se assim tendo sido agido de má fé. O legislador não exige que haja a intenção de dificultar ou impedir o credor de concretizar o seu direito de crédito.1
No que diz respeito a má fé, alguns estudiosos acreditam que não há necessidade de haver intenção de prejudicar os credores, desde que haja conhecimento de que o acto em questão causará danos aos credores; e que a aludida má fé inclui a intenção directa, a intenção necessária e a intenção possível (contingente), bem como a negligência devido à credulidade excessiva, mas não inclui a negligência devido ao descuido.2
Será que “a prática do acto em questão prejudicará os credores” significa, como entende a recorrente, apenas uma situação em que a consequência do prejuízo para o credor é inevitável? Tendo em conta o disposto no artigo 605.º alínea b) (“quando, em virtude do acto, se torna impossível ou menos provável que o crédito do credor seja integralmente satisfeito”), parece seguir-se que o prejuízo aqui referido não é uma certeza de que resultará em prejuízo, mas inclui circunstâncias em que é provável que resulte em prejuízo.
É claro que, após uma análise e compreensão abrangentes das disposições do artigo 606.º, deve dizer-se que, embora tenha sido realizada uma transação, se o devedor ou um terceiro puder provar que o devedor ainda possui bens penhoráveis de valor igual ou superior, o direito da impugnação pauliana não pode ser suscitado porque o acto em causa não prejudicou a plena satisfação dos direitos do credor; caso contrário, está suscitado.
Por conseguinte, algumas pessoas entendem que, como um dos requisitos do direito da impugnação pauliana, a "impossibilidade" mencionada no artigo 605.º, alínea b), não é um conceito relativo e não se refere simplesmente à dificuldade ou pura impossibilidade de obter a satisfação plena dos direitos do credor, mas é um conceito absoluto, o que significa que o acto da transação não permite, de modo algum, ao credor recuperar a dívida.3
Tendo sido igualmente entendido que a má fé significa que o devedor e o terceiro estão cientes de que o acto seria prejudicial para o credor, ou estão cientes dessa possibilidade.4
Por outro lado, embora a lei exija a má fé tanto do devedor como do terceiro, não é necessário que haja conluio, conspiração ou combinação entre as duas partes com o objectivo de enfraquecer a garantia dos bens do devedor. Por outras palavras, não é necessário que ambas as partes tenham uma intenção de má fé comum de prejudicar os direitos do credor, na realidade, pode haver casos em que um terceiro sabe que o acto em questão será prejudicial para o credor (e, portanto, preenche o requisito de má fé), mas não tem o objectivo de prejudicar o credor.
Só quando o direito de crédito é posterior ao acto da transação é que o credor tem de provar que o acto “tinha por objectivo impedir a satisfação dos direitos dos credores futuros”, mas não o contrário."
No caso em apreço, de acordo com os factos provados n.º 22.º, 23.º e 24.º, os 1.º ao 3.º réus, como arrendadores, e a 4.ª ré, como arrendatária, tinham todos clara consciência de que a assinatura do contrato de arrendamento provavelmente afectaria a Autora.
De facto, tendo considerado o prazo do contrato de arrendamento em questão e o montante do mesmo, é evidente que as condições em causa são impossíveis de existir num mercado de arrendamento normal. Daí se ver que a 4.ª Ré, na qualidade de arrendatária, não podia desconhecer o ónus que a existência do contrato de arrendamento em questão colocaria na situação jurídica do bem imóvel em causa e dificultaria a recuperação do crédito da Autora através do processo de venda judicial.
Com base nas razões acima expostas, no que respeita ao contrato de arrendamento em causa, foi também cumprido o último requisito para a pretensão da Autora em relação à impugnação pauliana.
Quanto ao contrato de subarrendamento, como acima referido, a legitimidade do arrendatário para exercer actividades na fracção ou subarrendar a terceiros advém exclusivamente do próprio contrato de arrendamento. Portanto, se o contrato de arrendamento não produzir efeitos contra a Autora, então, o contrato de subarrendamento, que tem a natureza de crédito, não deve produzir, em princípio, efeitos contra a Autora. De qualquer modo, com base no nº 25.º dos Factos Provados, mesmo considerando isoladamente o contrato de subarrendamento, está preenchido o último requisito da impugnação pauliana suscitada pela Autora.».
Nas suas alegações de recurso a única norma legal invocada pela Recorrente é o artº 605º referindo a propósito que cabe ao Autor demonstrar a diminuição da garantia patrimonial do crédito.
Porém labora a Recorrente em erro manifesto do direito aplicável.
O artº 606º do C.Civ. é claro quando determina que ao credor, o aqui Autor, cabe a prova do montante das dívidas e ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto – a aqui Recorrente – cabe a prova de que o devedor possui bens de igual ou maior valor, e que sejam suficientes para liquidar a dívida.
Destarte, na decisão recorrida não foi violada regra alguma do ónus da prova.
Da factualidade apurada nos autos o que resulta demonstrado é que os Réus na execução onde se pretende a cobrança coerciva da dívida do Banco aqui Autor, foram citados pessoalmente em Outubro e Novembro de 2016 e os demais editalmente em Junho de 2017.
Sobre a fracção autónoma objecto destes recai uma hipoteca constituída em Abril de 2016 a favor do Banco ora Autor, tendo a penhora da mesma sido efectuada em Outubro de 2017.
Em Julho de 2017 os 1º, 2º e 3º Réus (dos quais o 1º e 2º foram citados editalmente na execução obviamente porque não foram encontrados) celebram um contrato de arrendamento com a 4ª Ré com a duração de 14 anos pelo valor mensal de HKD5.000,00 sendo pago imediatamente o valor global de HKD840.000,00 referente aos 14 anos.
Em Dezembro de 2017 a 4ª Ré celebra com a 5ª Ré e aqui Recorrente um contrato de subarrendamento pelo valor mensal de HKD40.000,00 para o período de Dezembro de 2017 a Dezembro de 2020 e de HKD44.000,00 para o período de Dezembro de 2020 a Dezembro de 2022.
Igualmente se provou que o valor da renda para uma fracção com as características da que é objecto dos autos em 2017 era de HKD72.000,00.
Os contratos são celebrados após a citação para a acção executiva.
Perante esta matéria de facto, considerando os valores da renda devidos seja pela 4ª Ré, seja pela 5ª Ré, sendo que ainda que este último seja mais elevado é cerca de metade do valor de mercado, é manifesta a intenção de conluiu entre os Réus, no sentido de ao onerarem o imóvel em causa com um contrato de arrendamento cuja renda é de valor manifestamente inferior ao de mercado, afectarem o valor de venda do imóvel, agravando para o credor a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito nos termos da alínea b) do artº 605º do C.Civ..
Destarte, não só está demonstrada a má-fé dos Réus nos termos do nº 2 do artº 607º como os requisitos do artº 605º, ambos do C.Civ..
Assim sendo, bem se andou na decisão recorrida ao julgar procedente a impugnação pauliana.
Destarte, em face do exposto, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 11 de Setembro de 2025
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Cfr. Acórdão n.º 368/2006 de 19 de Maio de 2011 do Tribunal de Segunda Instância.
2 Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, Vol II, 7.ª edição, págs. 452; Almeida Costa “Direito das Obrigações”, 9.ª edição, págs. 806; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, págs. 629; Menezes Leitão, “Garantia das Obrigações”, págs. 92; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. II, págs. 313; João Cura Mariano “Impugnação Pauliana”, Vol. II, págs. 205.
3 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, “Código Civil de Macau Anotado e Comentado Jurisprudência”, Livro II, Volume VIII, págs. 423 a 424, publicado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária.
4 Citando, numa perspetiva comparada, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Português no Recurso n.º 98A1006, de 10 de Agosto de 1998.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
211/2025 CÍVEL 1