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Processo nº 48/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 11 de Setembro de 2025
Recorrentes: A e B
Recorridas: C e Outros
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  C e Outros, todos, com os demais sinais dos autos,
  vieram instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
  D (1ª Ré),
  A (2º Réu) e
  B (3ª Ré)
  todos, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo os Autores que:
  - Sejam declarados ineficazes em relação a eles, autores, os actos de venda, de cessão da posição contratual de promitente-compradora e de renúncia à posição contratual de promitente-compradora relativos a bens imóveis, actos esses que a 1ª ré, como vendedora e cedente, celebrou com o 2º réu e que como promitente-compradora e renunciante praticou unilateralmente;
  - Sejam declarados ineficazes em relação a eles, autores, as vendas que, na sequência da renúncia da posição contratual de promitente-compradora por parte da 1ª ré, o respectivo promitente-vendedor (XXX, URBANIZAÇÕES, LIMITADA) celebrou com o 2º autor relativamente aos imóveis que prometera vender à 1ª ré;
  - Sejam os 2º e 3º réus condenados a cancelar a expensas suas os registos das hipotecas que constituíram sobre os referidos imóveis.
  Subsidiariamente, pedem a condenação do 2º réu e da 3ª ré a pagarem a quantia necessária à expurgação das referidas hipotecas através do cumprimento dos créditos por elas garantidos e a pagarem os gastos em emolumentos e despesas com a expurgação, quantias a liquidar em execução de sentença.
  
  Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
1) Absolver todos os réus da instância na parte respeitante ao pedido de impugnação pauliana do acto de renúncia da 1ª ré ao seu direito de aquisição das fracções autónomas designadas por “B27”, “AC/V2-102” e “AC/V2-103”;
2) Absolver o 2º réu e a 3ª ré da instância relativamente à parte em que foi pedida a sua condenação no cancelamento das hipotecas por si constituídas;
3) Não conhecer do pedido subsidiário de condenação do 2º réu e da 3º ré a indemnizar os autores;
4) Declarar ineficazes em relação aos autores os seguintes actos da 1ª ré e do 2º réu:
a. O contrato de cessão da posição contratual emergente do contrato-promessa de compra e venda celebrado, em 27/04/2018, entre os 1ª e 2º réus, sobre a fracção autónoma para habitação denominada por G7 do 7º andar G do prédio situado no XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX;
b. O contrato de cessão da posição contratual emergente do contrato-promessa de compra e venda celebrado, em 27/04/2018, entre os 1ª e 2º réus, sobre a fracção autónoma para habitação denominada por H7 do 7º andar H do prédio situado no XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX;
c. O contrato de compra e venda, outorgado por escritura pública de 14/05/2018 no Cartório do Notário Privado Carlos Duque Simões, pelo qual XXX – Urbanizações, Limitada vendeu ao 2º réu a fracção autónoma designada por B27 do 27 andar B, para habitação do prédio sito em Macau com a entrada na XXX, descrito na CRP sob o n.º XXX, e as fracções autónomas designadas por AC/V2-102 e AC/V2-103, da 2ª cave A, destinadas a lugar de estacionamento para automóvel, do prédio sito em Macau com a entrada na XXX (Estacionamento), descrito na CRP sob o n.º XXX;
d. O contrato de compra e venda, outorgado em 21/09/2018 no Cartório do Notário Privado Hugo Ribeiro Couto, pelo qual a 1ª ré vendeu ao 2º réu a fracção autónoma, para comércio, denominada por AR/C, do rés-do-chão A do prédio sito no Pátio dos Penates n.º 11, descrito na CRP sob o n.º 2475;
e. O contrato de compra e venda, outorgado em 21/09/2018 no Cartório do Notário Privado Hugo Ribeiro Couto, pelo qual a 1ª ré vendeu ao 2º réu a fracção autónoma, para comércio, denominada por A1, do 1 andar A do prédio sito no XXX, descrito na CRP sob o n.º XXX;
f. O contrato de compra e venda, outorgado em 21/09/2018 no Cartório do Notário Privado Hugo Ribeiro Couto, pelo qual a 1ª ré vendeu ao 2º réu a fracção autónoma, para comércio, denominada por A2, do 2 andar A do prédio sito no XXX, descrito na CRP sob o n.º XXX;
g. O contrato de compra e venda, outorgado em 21/09/2018 no Cartório do Notário Privado Hugo Ribeiro Couto, pelo qual a 1ª ré vendeu ao 2º réu a fracção autónoma, para comércio, denominada por A3, do 3 andar A do prédio sito no XXX, descrito na CRP sob o n.º XXX;
5) Declarar que os autores têm o direito à restituição, na medida necessária à satisfação dos seus créditos invocados nos presentes autos, das posições contratuais de promitente-compradora que a 1ª ré cedeu ao 2º réu e das fracções autónomas que foram vendias ao 2º réu pela 1ª ré e pela sociedade comercial XXX – URBANIZAÇÕES, LIMITADA identificadas no anterior nº 4);
6) Declarar que os autores têm direito de executar tais bens no património do 2.º réu e da 3.ª ré, bem como o direito de praticar os actos de conservação desses bens (imóveis e posições contratuais de promitente-comprador);
7) Condenar autores e réus nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento.
  
  Não se conformando com a sentença vieram os 2º e 3ª Réus interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
1. O presente recurso tem por objecto (i) o acórdão proferido pelo Tribunal colectivo sobre a matéria de facto, no que concerne às respostas dadas aos artigos 58.º, 61.º e 62.º, 54.º, 56.º e 57.º, 52.º, 53.º e 55.º, e 65.º da base instrutória, sobre a insuficiência de matéria, requerendo-se a ampliação da matéria de facto de forma a incluir os artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º Réu, bem como os artigos 10.º e 16.º relativos à 3.ª Ré, o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu e os artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu; e (ii) a douta sentença nos pedidos formulados pelos Autores, os quais tiveram provimento sob os pontos 4, alíneas a) a g), ponto 5 e 6 da sentença final.
2. No entendimento dos Recorrentes, os quesitos 58.º, 61.º e 62.º não deveriam ter sido julgados provados.
3. Assim, e de modo a que se julgue os quesitos 58.º, 61.º e 62.º da base instrutória não provados, os Recorrentes lançam mão da prova testemunhal consubstanciada no depoimento das testemunhas, XXX e prova documental, o documento constante a fls. 90 dos autos.
4. O tribunal a quo apoiou-se no depoimento das testemunhas XXX para aferir da relação laboral e de confiança existente entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu.
5. Sucede que, como se irá demonstrar, do depoimento destas testemunhas, os Recorrentes não conseguem retirar ou aferir da existência de uma relação especial laboral de confiança entre o 2.º Réu e a 1.ª Ré.
6. Começando pela testemunha XXX, deste depoimento resulta que, a testemunha não sabe há quanto tempo o 2.º Réu trabalhava para a 1.ª Ré, fazendo apenas uma estimativa, denota-se que não havia grande familiariedade por parte da 1.ª Ré com o 2.º Réu dizendo também que não saía para tomar chá ou refeição com o 2.º Réu.
7. O que esta testemunha afirmou relativamente às funções desempenhadas pelo 2.º Réu foi que o 2.º Réu trabalhava como intermediário na compra e venda de imóveis, ou seja, como agente imobiliário, nada sabendo dizer relativamente à actividade de investimento pertencente à 1.ª Ré ou do envolvimento do 2.º Réu nesta actividade.
8. Do depoimento desta testemunha resulta também que lidou ocasionalmente com o 2.º Réu quando tratou de assuntos relacionados com imóveis, dirigindo-se à XXX, ou seja, não tinha um conhecimento directo do 2.º Réu e da relação com a 1.ª Ré, e quando diz que o 2.º Réu “ia com ela [a 1.ª Ré] para todo o lado”, o que se retira das passagens descritas é que a testemunha viu o 2.º Réu a trabalhar na XXX como qualquer outra pessoa veria se lá se dirigisse.
9. A isto acresce que, a testemunha não trabalhou na XXX, não era uma pessoa que pudesse afirmar com ciência acerca do que o 2.º Réu fazia na XXX, ou falar sobre a relação laboral de confiança, na medida em que, não tinha conhecimento directo sobre estes factos como decorre das transcrições mencionadas até agora.
10. Tanto assim que confirmou ao tribunal nunca ter sido abordada pelo 2.º Réu, sequer lhe falou, acerca da actividade de investimento da 1.ª Ré.
11. A testemunha também discorre quanto aquilo que acha serem as capacidades económicas do 2.º Réu para adquirir os 9 imóveis, nomeadamente que uma a que adquire 9 imóveis, como se deverá comportar, vestir, ou até o seu nível educacional, ou seja, a testemunha tece considerações, não tendo ao seu dispor qualquer informação palpável quanto a este aspecto.
12. Se o 2.º Réu fosse uma pessoa que estivesse do “lado da 1.ª Ré sempre”, a par de tudo o que se passava, não faz sentido que se refira ao 2.º Réu como uma “pessoa modesta”, das duas uma, ou era uma pessoa muito importante, com um estatuto equiparável ao da 1.ª Ré, ou então seria mais um funcionário.
13. Salvo o devido respeito, esta testemunha lidou pontualmente com o 2.º Réu, e quando assim foi teve como propósito assuntos relacionados com imóveis, esta testemunha também confirma conhecer o 2.° Réu de vista, não tendo revelado do depoimento prestado um conhecimento detalhado sobre as funções do 2.º Réu, de que forma é que essas funções se traduziam em ser o “homem de confiança da 1.ª Ré”, sendo todo este depoimento pautado por uma miríade de “acho”, ou seja, meras suposições da testemunha.
14. Pelo que, salvo o devido respeito, nunca poderia o tribunal a quo ter concluído relação laboral de confiança entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu com base no depoimento desta testemunha, como fez.
15. Já das transcrições do depoimento da testemunha XXX, ex-colega, 2.º Réu ao invés de um conhecimento sobre uma especial relação de confiança, resultou antes confirmado, que o 2.° Réu era o responsável pelo departamento de imobiliário, que se dedicava a lidar com os imóveis, nomeadamente ir ver e mostrar os imóveis em questão diariamente aos clientes, que a principal tarefa passava por para além de mostrarem as propriedades aos clientes, encontrarem compradores para os imóveis colocados à venda pelos clientes, clientes particulares ou empresas comerciais, e que o papel do departamento imobiliário é diferente do departamente de contabilidade.
16. Soube também afirmar que a chefe da XXX era a 1.ª Ré, e que só existia uma figura de chefe, e confirmou que também o 2.º Réu ficou com salários a haver da XXX, como outros funcionários, e que tiveram que recorrer à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais para verem esta situação regularizada.
17. Disse também de forma clara que, o 2.º Réu era o melhor vendedor da XXX, razão pela qual o seu salário era elevado, e que as comissões eram uma parte significativa do salário, e que o cargo que o 2.º Réu desempenhava não se devia a uma qualquer relação especial de confiança, mas antes às suas qualificações, e desempenho das suas tarefas pelo 2.º Réu.
18. Por seu turno, a testemunha XXX, ex-colega do 2.º Réu, soube dizer ao tribunal, quais os vários departamentos que havia na XXX, e quando questionada acerca dos investimentos da 1.ª Ré, e se o departamento imobiliário era responsável, respondeu de forma espontânea e clara, que tal não dizia respeito ao departamento de imobiliário, do qual fazia parte, e que tudo o que dissesse respeito a montantes tinha que ver com a contabilidade, o que não equivale ao conhecimento generalizado da recepção da 1.ª Ré de fundos por parte do público.
19. Soube também confirmar que o cargo que o 2.º Réu tinha se devia às suas qualificações e desempenho, e que quanto melhor o seu desempenho, maiores seriam as comissões recebidas.
20. Esta testemunha referiu também que, quem tomou conta do projecto da Rua dos Ervanários após a 1.ª Ré se ter ausentado do território de Macau, que foi o sobrinho da 1.ª Ré.
21. Em jeito de súmula do depoimento desta testemunha não se retira qualquer relação especial de confiança entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu, antes - que o facto de o 2.º Réu ser chefe de departamento se devia à sua antiguidade e por ter melhor desempenho, que mais tarde, entenda-se após a ausência da 1.ª Ré do território da RAEM, o sobrinho da 1.ª Ré passou a representá-la, que não recebiam qualquer tipo de bónus ou comissão, em relação aos alegados investimentos da 1.ª Ré.
22. Passando agora ao depoimento das testemunhas dos Autores, nos quais nos apoiamos, de modo a demonstrar que também nenhuma destas testemunhas disse nada que conduzisse à conclusão de que o 2.º Réu era o “braço direito” da 1.ª Ré.
23. Assim, do depoimento da testemunha XXX, mulher do 12.º Autor, resulta que a chefe da XXX era a 1.ª Ré, que presumia que o 2.º Réu fosse da confiança da 1.ª Ré por o ter visto numa publicidade e na Rua dos Ervanários.
24. Contudo, esta testemunha não sabia que funções o 2.º Réu desempenhava na XXX, quando ia à XXX não procurava pelo 2.º Réu mas pela 1.ª Ré, e que nenhum dos termos e condições relativos ao dinheiro concedido à 1.ª Ré foi alguma vez discutido com o 2.º Réu.
25. Já a testemunha, XXX, filho da 7.ª autora, retira-se deste depoimento que não sabia que funções o 2.º Réu desempenhava na XXX, que nunca o tinha visto, mas que presumia que fosse de “nível gerencial” por ter visto numa publicidade.
26. Nada é dito relativamente ao lugar de destaque e importância que o 2.º Réu tinha na XXX, seja de forma indirecta ou indirecta, onde daí possam ser retiradas as devidas ilações para o que os quesitos ora em crise importa.
27. Mas destacamos que a testemunha se recordava de ter visto o 2.º Réu numa publicidade, mas já nada sabia relativamente ao facto de o sobrinho da 1.ª Ré também ter aparecido numa publicidade.
28. Por fim, a testemunha XXX, declarou que alguns autores são familiares do seu namorado, disse ao tribunal não saber quem era o 2.º Réu, o que fazia na XXX, nunca se encontrou com ele, nem relatou factos ao tribunal dos quais se pudesse concluir pela existência da relação laboral e de confiança entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu.
29. Pese embora, o tribunal não tenha valorado o depoimento destas testemunhas em relação aos quesitos ora em crise, estes depoimentos revelam uma de duas coisas.
30. A primeira, que a grande maioria não sabe sequer quem é o 2.º Réu, ou o que é o 2.º Réu faz, mas referem-se todos a uma publicidade, - contudo pasme-se, foi a única que viram -, nunca tendo visto outras notícias, nomeadamente a que o sobrinho da 1.ª Ré tomou conta dos seus negócios da 1.ª Ré após esta se ter ausentado de Macau.
31. A segunda, é que nenhuma das testemunhas diz, que o 2.º Réu era o braço direito da 1.ª Ré, explicando de forma clara e peremptória o porquê, ou seja, nenhuma das testemunhas refere que o 2.º Réu tinha falado com eles sobre assuntos que eram discutidos com a 1.ª Ré, ou seja, em relação aos investimentos, nunca foram procurar pelo 2.º Réu a XXX, ou seja, a aparência de “braço direito” da 2.ª Ré nunca se poderia ter criado na convicção das testemunhas por não o conhecerem.
32. Não nos podemos esquecer de que as testemunhas dos Autores, todas elas tinham relações de parentesco, ou próximas com os Autores, e que por essa razão tais depoimentos têm um valor probatório inquinado, contudo, destacamos que no que importa para estes quesitos nenhuma das testemunhas foi capaz de falar sobre a especial relação existente entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu, o que seria normal, se de facto fosse esse o cariz natureza entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu.
33. Já as testemunhas cujo depoimento foi valorado pelo tribunal a quo, começando pela XXX, ao longo do seu depoimento, como foi já destacado, a testemunha apenas fez suposições, nunca se atendo à dita relação especial de confiança, isto porque, o conhecimento que a testemunha tinha era de vista, e de passar pela XXX.
34. Ou seja, não se tratando duma trabalhadora da XXX, uma pessoa que tivesse uma relação próxima com o 2.º Réu, não podemos aceitar que o depoimento, porque baseado em muitas suposições e não se apoiando em factos concretos, pudesse ter sido valorado da forma como o tribunal a quo fez.
35. No que às testemunhas XXX e XXX referem-se ao 2.º Réu como o responsável pelo departamento imobiliário, por ser a pessoa mais qualificada e com melhor desempenho, que quem mandava era a 1.ª Ré, que alguém a saber desta situação de “investimento” seria o departamento de contabilidade, que também não souberam confirmar, quando questionados relativamente a questões de montantes, disseram que tal dizia respeito à contabilidade.
36. Aliás, sequer há qualquer alusão a uma relação especial de confiança entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu, confirmando, contudo, que os chefes de departamento seriam aqueles que tinham melhor desempenho, como era o caso do 2.º Réu.
37. Já no que à prova documental concerne, e na qual o tribunal a quo se apoiou, o documento a fls. 90 dos presentes autos, trata-se de uma mera notícia de jornal, em que o 2.º Réu apareceu a representar a XXX num evento de beneficiência, que em nada consolida o status de pessoa de especial confiança da 1.ª Ré.
38. Ora, duma foto que remonta ao ano 2017, a aferir que o 2.º Réu era a pessoa da maior confiança da 1.ª Ré, salvo o devido respeito, não entendemos que este elemento seja conducente à especial relação de confiança, não indo, assim, de encontro às regras de experiência comum.
39. Em suma, conjugadas a prova testemunhal e documental supra melhor descritas e dissecadas, e no que à prova testemunhal concerne, dúvidas não podem restar que o depoimento das testemunhas XXX e XXX, assim como o depoimento de XXX, conjugados com os depoimentos das testemunhas dos Autores, são insuficientes para estabelecer a relação laboral de confiança entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu, e, assim, dar por provado os quesitos, conforme o tribunal a quo fez e do qual ora se recorre.
40. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto, por estar ferido por falta de fundamentação e contradição, e por violação do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, os quesitos 58.º, 61.º e 62.º da base instrutória sejam dados como não provados.
41. Subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada ao quesito em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
42. De modo a que se julgue os quesitos 54º, 56.º e 57.º da base instrutória não provados, os Recorrentes lançam mão da prova testemunhal consubstanciada prova testemunhal através do depoimento das testemunhas, XXX, XXX, XXX, e prova documental, relativamente às fracções autónomas e aos pagamentos realizados pelo 2.º Réu à 1.ª Ré, constantes dos autos a fls. 377, 1612, 378, 1734, 1615, 1619, 380, 917, 396, 921, 397, 1890, 399, 917, 415, 448, 1692, 892, 1894, 1896 e 1898, 931, 1899, 1900, 450, 1901, 451, 456, e documentos relativos ao pagamento de imposto junto da Direcção dos Serviços das Finanças, a fls. 381, 382, 400, 401, 452, 453, 454 e 455.
43. O tribunal a quo considerou que relativamente ao quesito 56.º da base instrutória, que o acordo fraudatório, se considera provado com base em factos indiciários “como sempre ocorre em relação aos factos internos, não houve prova directa de que a 1.ª ré e o 2.º réu, ao praticarem os actos impugnados, tiveram intenção de evitar que os autores fossem reembolsados.”
44. Relativamente aos factores indiciários, entende o tribunal a quo serem a proximidade temporal entre os actos impugnados e a “fuga da 1.ª ré”, que no entender do tribunal a quo “indicia que se tratou de “preparação de fuga”, e que o conhecimento detalhado por parte do 2.° Réu da situação empresarial da 1.ª ré de recebimento de empréstimos” do público, de dificuldade de restituir as quantias emprestadas da 1.ª ré e de recebimento de empréstimos do público”, o que desde já não se concede.
45. Das transcrições do depoimento da testemunha XXX, foi referido que o sobrinho da 1.ª Ré, após esta se ter afastado dos projectos, entenda-se ter-se ausentado de Macau, que este ficou responsável por lidar com os assuntos da 1.ª Ré, tendo também dito que para além dos imóveis em questão nos presentes autos, que o 2.º Réu já tinha feitos outros investimentos imobiliários com a sua mulher, 3.ª Ré, antes de 2017 e 2018.
46. Já a testemunha XXX, primo do 2.º Réu, confirma foi um dos familiares que emprestou dinheiro ao 2.º Réu, para que este procedesse à compra de alguns imóveis à 2.ª Ré, tendo conhecimento também dos imóveis de que se estava a falar.
47. Tendo a testemunha respondido de forma clara, demonstrando que o seu conhecimento acerca dos imóveis devia-se ao facto de os ter ido ver e que a emprestou dinheiro ao 2.º Réu para efeitos de aquisição dos imóveis, sabendo dizer que o valor pelo qual as fracções em questão foram adquiridas, foi porque era um preço justo, entenda-se razoável.
48. Por seu turno, do depoimento da testemunha XXX, retira-se que não era tarefa do departamento imobiliário lidar com qualquer questão que estivesse relacionada com a actividade investimento da 1.ª Ré, sendo feita referência ao nome de pessoas do departamento de Contabilidade, mas nunca ao 2.º Réu.
49. Sendo tal facto de relevância, na medida em que, o 2.º Réu teria que ter conhecimento desta actividade, de tudo o que rodeava a 1.ª Ré, para que se pudesse ter “conluiado” com a 1.ª Ré e a ajudado a dissipar património.
50. Sucede que, como demonstrado no capítulo anterior, não se encontra demonstrada a pretensa relação de confiança laboral existente entre o 2.º Réu e a 1.ª Ré, e também, aqui não se consegue chegar ao alegado acordo fraudatório que teria existido entre o 2.º Réu.
51. Relativamente à prova documental, relacionada com estes quesitos, existe prova nos autos que conforma o pagamento do preço devido pela aquisição das fracções autónomas pelo 2.º Réu à 1.ª ré, com recurso a fundos próprios do 2.º Réu e da 3.ª ré e empréstimos contraídos junto de familiares, assim como de instituições bancárias.
52. A prova documental relativamente a estes pagamentos em relação à fracção autónoma “G7” encontra-se a fls. 377, a fis. 1734, e 1612, a fls. 378, 1734, e a fls. 1615, a fls. 378, 1734, e a fls. 1619, a fls. 380, a fls. 917; a fls. 396, e fls. 921; em relação à fracção autónoma “H7”, a fls. 397 e a fls. 1890; a fls. 399, e a fls. 917; a fls. 415 e 921; relativamente às fracções autónomas “AR/C”, “A1”, “A2” e “A3”, a fls. 448, e a fls. 1692; a fls. 1892, 1894, 1896 e 1898, a fls. 931; relativamente às fracções autónomas “B27”, “AC/V2-102” e “AC/V2-103”, a fls. 449, a fls. 1899, e a fls. 1900; a fls. 450, e a fls. 1901; a fls. 451, e a fls. 1901; e a fls. 456, e a fis. 921;
53. Para além da prova documental acima referida, também descritos os actos de declaração perante a autoridade tributária e o pagamento de imposto resultante daquelas transações, que passamos a enumerar, a saber: (i) fracção autónoma “G7”, declaração à Direcção dos Serviços das Finanças, cfr. doc. 8 da contestação do 2.º Réu, a fls. 381 dos autos, e o pagamento do imposto especial de selo, cfr. doc. 9 da contestação a fls. 382 dos autos; (ii) fracção autónoma “H7”, declaração à Direcção dos Serviços das Finanças, cfr. doc. 15 da contestação do 2.º Réu, a fls. 400 dos autos, e o pagamento do imposto especial de selo, cfr. doc. 16 a fls. 401 dos autos; (iii) fracção autónoma “B27”, foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças, conforme docs. 27 e 28 da contestação do 2.º Réu, a fls. 452 e 453 dos autos, respectivamente; (iv) fracção autónoma “AC/V1-102” foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças do imposto de selo, conforme doc. 29 da contestação do 2.º Réu, a fls. 454 dos autos; (iv) fracção autónoma “AC/V1-103” foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças do imposto de selo, conforme doc. 30 da contestação do 2.º Réu, a fls. 455 dos autos;
54. Da enunciação supra da prova documental consegue-se aferir que mesmo antes da data dos actos impugnados já haviam sido realizadas transferências ou pagamentos em respeito das fracções em crise nos presentes autos, conforme se decorre dos supra melhor mencionados.
55. No entendimento dos Recorrentes, o pagamento do preço devido pelas fracções autónomas adquiridas pelo 2.º Réu a 1.ª Ré, sustentado por prova documental é essencial para conformar que o 2.º Réu não participou de qualquer acordo fraudatório com a 1.ª Ré.
56. Salvo o devido respeito, havia prova directa, não de uma preparação de fuga, ou do conhecimento e acobertamento desta situação por parte do 2.° Réu, antes sim, houve prova directa e suficiente de que o 2.º Réu, uma pessoa que trabalhava no ramo da imediação imobiliária, tal como confirmado pelo seu primo e dois colegas de trabalho, já havia investido em imobiliário antes de 2017 e 2018, entenda-se comprar imóveis, para depois, quando estivessem reunidas condições pode vendê-las a um melhor preço.
57. A prova documental como referida, aliada ao facto da prova testemunhal não decorrer qualquer conhecimento ao facto de estes imóveis serem uma parte substancial ou a totalidade do património da 1.ª Ré, ou sequer alegado pelos Autores, e na ausência de prova directa acerca da intenção da 1.ª Ré, não se consegue vislumbrar de que forma o 2.º Réu teve qualquer participação neste alegada operação para que a 1.ª Ré dissipasse 9 imóveis do seu património.
58. O 2.º Réu pagou o preço devido por estas fracções autónomas, recorrendo, repetimos, a empréstimos de familiares assim como de instituições bancárias.
59. Este comportamento vai de encontro às regras de senso e experiência comum, que alguém queira investir e, para tanto, use parte do seu dinheiro, e outro, usando montantes emprestados pelo banco, ou como no caso do 2.º Réu, também de familiares, com que aliás, a sua família fazia negócios de investimento na área do imobiliário.
60. Salvo o devido respeito, que é muito, já contraria todas as regras de lógica e experiência comum, que alguém se onere conscientemente ao comprar imóveis, e para tanto recorra a empréstimos não só junto de familiares, como também junto de instituições bancárias, com todas as consequências que isso acarreta, e conluiado com a 1.ª Ré.
61. Qualquer pessoa que estivesse conluiado com a 1.ª Ré, como se pretende fazer crer que era o caso do 2.º Réu, - o que não se concede - não se iria endividar, e colocar em questão a sua própria solvência ao adquirir estas fracções autónomas, antes teria simulado as vendas, que seriam sempre gratuitas.
62. Pelo que, conjugada a prova documental e testemunhal, salvo o devido respeito, não se alcança que tenha havido qualquer acordo fraudatório entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu, até porque o 2.º Réu não tinha conhecimento daquela actividade de investimento, e também não foi alegado se estes 9 imóveis traduziam a totalidade do património da 1. Ré, ou grande parte, e a intenção subjacente a estas transmissões por parte da 1.ª Ré, de subtrair este património também não se podem dar por provadas, porque a prova directa, ou seja a documental, não demonstra qualquer intenção, mas afasta de forma concludente, que o 2.º Réu estivesse conluiado ou soubesse de qualquer situação que pudesse colocar em risco a 1.ª ré, e consequentemente, o 2.º Réu.
63. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto, por padecer de falta de fundamentação e contradição, e consequente violação do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, os quesitos 54.º, 56º e 57.º da base instrutória sejam dados como não provados.
64. Subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada ao quesito em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
65. Já no que diz respeito aos quesitos 52.º, 53.º e 55.º da base instrutória, estes quesitos carreiam elementos conclusivos e que não foram consubstanciados nem pela prova testemunhal nem pela prova documental produzida nestes autos.
66. É notório e conhecido, em Macau que a 1.ª Ré ausentou-se de Macau sem ter aparecido até à data, sendo referido pelo tribunal que prendem-se com o facto são inúmeras acções as que correram contra a 1.ª Ré.
67. Sucede que, não foi avaliado qual o património total da 1.ª Ré, na medida em que não foi apresentada ou requerida prova que pudesse confirmar de facto qual era a totalidade do activo e do passivo à data dos actos impugnados, ónus de prova que, recaíria nos Autores, na medida em que foram eles que alegaram que a Autora levou consigo “todo o dinheiro ao sair de Macau.”
68. Como referido no quesito 53.º da base instrutória, “todo o dinheiro”, não sabemos se é a totalidade do montante que se encontrava depositado nas contas bancárias da 1.ª Ré, ou o dinheiro que tinha no dia em que se ausentou de Macau.
69. Por outro lado, parece-nos que o facto de a 1.ª Ré nunca ter pensado em utilizar os montantes de preço para reembolsar os Autores, como quesitado no artigo 52.º da base instrutória, nunca se poderá alcançar através de prova directa porque inexistente, e, salvo o devido respeito, para além da prova indiciária, que é a ausência da 1.ª Ré, impossibilidade de contacto, e acções judiciais a correr contra aquela, incluindo a da insolvência, tal não nos permite concluir qual era o intuito da 1.ª Ré à data dos factos, ou seja, não sabemos se efetivamente a intenção da 1.ª Ré era de reembolsar, ou não os Autores.
70. Uma coisa seria, se o quesito tivesse sido formulado como “a 1.ª Ré não utilizou os montantes de preço para reembolsar os Autores”, outra diferente “que não pensou em utilizar”, e consequentemente, que levou todo o dinheiro consigo ao sair de Macau.
71. Apesar de, e como referido, entendermos que “todo o dinheiro” é conclusivo e que se deveria traduzir em algo mais específico, nos termos já expostos.
72. Salvo melhor entendimento diverso, estamos em crer que a prova indiciária ou indirecta, pese embora pareça ser convincente o suficiente, não é suficiente para que se pudesse ter dado como provados os quesitos 52.º, 53.º e 55.º da base instrutória, como o tribunal a quo fez.
73. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto, por falta de fundamentação e contradição, e consequente violação do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, os quesitos 52.º, 53.º e 55.º da base instrutória sejam dados como não provados.
74. Subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada ao quesito em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
75. Por outro lado, e na sequência do capítulo anterior, importa salientar que em sede de processo de liquidação do activo da 1.ª Ré, foram juntos ao processo que corre termos no 1.º juízo Cível do Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV1-19-002-CFI-EA, relação dos bens da 1.º Ré, que ora se pretende juntar aos autos, constantes de fls. 2 a 24 dos autos, e ofícios da Direcção dos Serviços de Finanças constantes daqueles autos a fls. 152 a 168, 174 a 188, 229 a 232, constantes de certidão que se protesta juntar aos autos (cfr. doc. 1).
76. A junção destes documentos é necessária na medida em que através da relação de bens apresentada pela Sra. Administradora da Insolvência da 1.ª Ré, se consegue alcançar a extensão do património da 1.ª Ré, que se fixa em 51 bens imóveis, uma viatura, 13 participações sociais, relação de montante depositados em contas bancárias tituladas pela 1.ª Ré fixados em MOP22,940,392.05 e HKD4,609,790.00, relação de montantes depositados em contas bancárias da XXX e montante depositado numa conta bancária duma sociedade pertencente à 1.ª Ré.
77. Para além disso, dos ofícios da Direcção dos Serviços de Finanças, também constam as avaliações dos imóveis para efeitos fiscais.
78. A apresentação destes documentos foi feita em data posterior à da prolacção desta sentença, i.e., 4 de Julho de 2024, datando a sentença de 21 de Junho de 2024.
79. Na medida em que, estes documentos servem para lançar mais luz sobre a questão da situação patrimonial da 1.ª é, e dada a sua essencialidade para a causa, nomeadamente atender ao facto de se na altura dos bens impugnados, existiam muitos outros bens imóveis em nome da 1.ª Ré, entendemos que a junção destes documentos é necessária, decorrendo a superveniência do facto de ter sido notificada em data posterior à data de prolacção desta sentença.
80. Pelo que, se requer, muito respeitosamente, que a referida junção do documento ao presente recurso seja admitida, nos termos e para os efeitos dos artigos 451.º e 616.º, ambos do Código de Processo Civil.
81. Já no que diz respeito ao quesito 65.º da base instrutória, e em consequência dos meios de prova indicados relativamente aos quesitos 54.º, 56.º, 57.º, 58.º, 61.º e 62.º, 52.º, 53.º e 55.º, caso o recurso neste caso tenha provimento, o que se espera, a resposta a estes quesitos também terá que ser alterada.
82. À cautela e sem prescindir, acerca do que foi dito nos capítulos anteriores relativamente à reapreciação de matéria de facto, cumpre abordar aquilo que afigura aos Recorrentes se tratar de uma questão de insuficiência de matéria de facto, por não terem sido incluídos artigos alegados nas contestações dos 2.º e 3.º Réus, que poderiam e deveriam ter sido levados à base instrutória.
83. Os Recorrentes entendem que a matéria vertida a artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º Réu, e os artigos 10.º e 16.º da contestação da 3.ª Ré, porque relacionados com a actividade profissional do 2.º Réu e desempenho, e à actividade de investimento que desenvolvia a título pessoal com a sua mulher, razão pela qual adquiriu as fracções autónomas em crise nos presentes autos, deveria ter sido levada à base instrutória.
84. Igual entendimento têm os Recorrentes sobre o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu, i.e., que deveria ter sido levado à base instrutória, na medida em que estão alegados factos permitem revelar a boa fé do 2.º Réu, pois a aquisição das fracções, o 2.º Réu se comportou como proprietário das mesmas.
85. Por fim, no entendimento dos Recorrentes, os artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu também deveriam ter sido levados à base instrutória pois, lá constam os factos respeitantes ao pagamento do preço devido pelos negócios celebrados entre a 1.ª e 2.º Réus, que demonstram que o 2.º Réu teve o comportamento do homem médio, ao comprar as fracções usando parte do dinheiro que dispunha e outra parte emprestada, quer por familiares, quer por instituições bancárias.
86. Caso os factos contidos nestes artigos tivessem sido levados à base instrutória, poderia ter-se comprovado de forma inequívoca a onerosidade dos negócios, que, por seu turno, está directamente correlacionada com a má fé bilateral, ou, neste, caso a ausência dela.
87. A isto acresce que, os factos constantes dos artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu, podiam, inclusive, ter sido dados por provados, tivessem sido levados à base instrutória, pois constam dos autos os elementos, que se traduzem em prova documental, que comprovam o pagamento do preço devido pela aquisição das fracções autónomas por parte do 2.º Réu à 1.ª Ré, infra melhor descritos.
88. Senão vejamos, foram feitos os seguintes pagamentos em relação às várias fracções, infra melhor descritos.
- Relativamente à fracção autónoma “G7”:
(i) o montante de HKD1,500,000.00, em 19.06.2017, a fls. 377, débito desse montante a fls. 1734, e crédito do montante fls. 1612; (ii) o montante de HKD1,500,000.00, em 23.06.2017, a fls. 378, débito desse montante a fls. 1734, e crédito desse montante a fls. 1615; (iii) montante de HKD1,000,000.00, em 29.06.2017, a fls. fls. 378, débito desse montante a fls. 1734, e crédito desse montante a fls. 1619; (iv) montante de HKD2,350,000.00 em 26.01.2018, a fls. 380, e crédito desse montante a fls. 917; (v) montante de HKD4,830,000.00, em 27.04.2018, a fls. 396, e crédito desse montante a fls. 921;
- Relativamente à fracção autónoma “H7”:
(i) o montante de HKD5,000,000.00, em 19.06.2017 a fls. 397, e crédito desse montante a fls. 1890; (ii) o montante de HKD2,350,000.00, em 26.01.2018, a fls. 399, e crédito desse montante a fls. 917; (iii) o montante de HKD4,830,000.00, em 27.04.2018, e crédito desse montante a fls. 921.
- Relativamente às fracções autónomas “AR/C”, “A1”, “A2” е “А3”:
(i) o montante de HKD9,000,000.00, em 17.05.2017, a fls. 448, e crédito desse montante a fls. 1692; (ii) os montantes de HKD4,000,000.00, HKD1,900,000.00, HKD1,600,000.00 e HKD1,500,000.00, em 21.09.2018, a fls. 1892, 1894, 1896 e 1898, e crédito desses montantes a fls.931;
- Relativamente às fracções autónomas “B27”, “AC/V2-102” e “AC/V2-103”: (i) o montante de HKD8,000,000.00, em 19.01.2018, a fls. 449, débito desse montante a fls. 1899, e crédito de igual valor, a fis. 1900; (ii) o montante de HKD1,000,000.00, em 09.02.2018, a fls. 450, e crédito desse montante a fls. 1901; (iii) o montante de HKD1,000,000.00 a fls. 451, e crédito desse montante a fls. 1901; e (iv) os montantes de HKD7,400,000.00 e HKD1,096,000.00, em de 14.05.2018, a fls. 456, e crédito desses montantes a fls. 921;
89. Para além da prova documental acima referida, também foram descritos os actos de declaração perante a autoridade tributária e o pagamento de imposto resultante daquelas transações, que passamos a enumerar, a saber: (i) fracção autónoma “G7”, declaração à Direcção dos Serviços das Finanças, cfr. doc. 8 da contestação do 2.º Réu, a fls. 381 dos autos, e o pagamento do imposto especial de selo, cfr. doc. 9 da contestação a fls. 382 dos autos; (ii) fracção autónoma “H7”, declaração à Direcção dos Serviços das Finanças, cfr. doc. 15 da contestação do 2.º Réu, a fls. 400 dos autos, e o pagamento do imposto especial de selo, cfr. doc. 16 a fls. 401 dos autos; (iii) fracção autónoma “B27”, foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças, conforme docs. 27 e 28 da contestação do 2.º Réu, a fls. 452 e 453 dos autos, respectivamente; (iv) fracção autónoma “AC/V1-102” foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças do imposto de selo, conforme doc. 29 da contestação do 2.º Réu, a fls. 454 dos autos; (iv) fracção autónoma “AC/V1-103” foi feito o pagamento à Direcção dos Serviços de Finanças do imposto de selo, conforme doc. 30 da contestação do 2.º Réu, a fls: 455 dos autos;
90. Como decorre do supra referido, os artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu, concretizam e complementam o alegado relativamente ao facto de os actos negociais serem onerosos, porque descrevem de forma detalhada, o modo, tempo, a coincidência de movimentos bancários de crédito e débito da conta do 2.º Réu para a conta da 1.ª Ré ou para a conta da XXX, ou seja, os pagamentos que foram feitos pelo 2.º Réu à 1.ª Ré, nunca perdendo de vista que a onerosidade destes actos negociais está intrinsecamente ligada à questão da inexistência de má fé por parte do Réu.
91. Estes artigos poderiam e deveriam ter ajudado, - se tivessem sido levados à base instrutória - a conformar a convicção do tribunal, não que o 2.º Réu estava a par de todos os detalhes de negócios, investimentos e empréstimos da 1.ª Ré e assim procedeu a estes actos negociais com o intuito de ajudar a 1.ª Ré a dissipar património, mas sim, que procedeu como um normal comprador e investidor do sector imobiliário, podendo tal ser comprovado pela maneira como as transações como indicadas supra se encontram suportadas por prova documental.
92. O mesmo se diga em relação aos artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º Réu conjugados com os artigos 10.º e 16.º da contestação da 3.ª Ré, que ajudam a cimentar a ideia de que, não obstante o 2.º Réu trabalhar como responsável pelo departamento de imobiliário na XXX, também se dedicava ao investimento no sector imobiliário juntamente com a sua mulher, através da aquisição de compra e venda de imóveis.
93. E, por fim, o 2.º Réu que enquanto proprietário daquelas fracções, que se comportava naquela qualidade, como se alcança através do artigo 51.º da contestação do 2.º Réu.
94. Salvo o devido respeito, que é muito, os Recorrentes entendem que a decisão proferida pelo tribunal, ao não ter incluído os artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º Réu, os artigos 10.º e 16.º da contestação da 3.ª Ré, o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu, e os artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu, deverá ser anulada, na medida em que a matéria de facto é insuficiente para que se conclua pela onerosidade dos actos praticados entre 1.ª Ré e 2.º Réu.
95. Pelo que, deverá proceder-se à repetição do julgamento, nos termos conjugados do artigo 403.º, n.º 3 e do artigo 629.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil.
96. A questão seguinte que é colocada ao Venerando Tribunal da Segunda Instância, prende-se com a junção de documentos que estão relacionados com o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu, cujo aditamento se pugnou nos pontos anteriores (docs. 2 a 17).
97. A junção é necessária na medida em que, os documentos que se pretendem juntar, traduzem-se em contratos de arrendamento e declaração dos mesmos a Direcção dos Serviços das Finanças, que podem também ajudar a comprovar que o 2.º Réu se comportou como um verdadeiro proprietário em relação aquelas fracções, e superveniente, precisamente porque decorre da inclusão do artigo 51.º da contestação do 2.º Réu.
98. Porquanto esta matéria está relacionada directamente com o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu, cujo aditamento à matéria de facto por inclusão na base instrutória se requereu no capítulo anterior, razão pela qual a sua junção deverá ser admitida, nos termos dos artigos 451.º e 616.º do Código de Processo Civil.
99. Caso não seja admitida a sua junção aos autos, sempre se dirá que a sua junção se revela necessária, na medida em que é um facto instrumental para que possa aferir da inexistência de indícios da má fé por parte do 2.º Réu.
100. Sendo dado provimento, como legitimamente se espera, ao recurso interposto pelos Recorrentes sobre a matéria de facto, a consequência jurídica imediata é de o Tribunal ser confrontado com um quadro factual que demonstra que não estamos perante o preenchimento dos requisitos cumulativos da impugnação pauliana.
101. Nos termos do 605.º do Código Civil, estão plasmados os pressupostos, cuja verificação deverá ser cumulativa, a saber: (i) Existência de um crédito; (ii) Verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito; (iii) Impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito; (iv) Nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.
102. Começando pelos actos do devedor, no entendimento do tribunal a quo, a compra feita pelo 2.º Réu à “XXX” reduz a garantia patrimonial dos autores, em relação ao património da 1.ª Ré devedora.
103. Se atentarmos à natureza do contrato-promessa, sabemos que é necessária a realização do contrato prometido em prazo estipulado pelas partes, sob pena de a parte incumpridora, neste caso, a 1.ª Ré devedora, ser obrigada ao pagamento do dobro do sinal.
104. O que não sucedeu, na medida em que, não houve qualquer facto que indicasse um possível incumprimento daqueles contratos-promessa de compra e venda, sequer tal foi alegado pelos Autores.
105. Salvo o devido respeito, o acto de renúncia ou de cessão de posição contratual num contrato-promessa de compra e venda não constitui um acto de diminuição de garantia patrimonial, na medida em que, caso a 1.ª Ré entrasse em incumprimento definitivo em relação ao contrato-promessa de compra e venda, a “XXX” teria que intentar uma acção que produzisse os efeitos da declaração negocial do faltoso.
106. Por outro lado, e no que às hipotecas constituídas concerne, mais uma vez o 2.º Réu não é parte em relação a estes actos, ou seja relativamente aos actos do devedor.
107. Na eventual impossibilidade de incumprimento por parte da 1.ª Ré dos contratos-promessa, estaríamos possivelmente perante duas situações, uma perante o promitente-vendedor, e outra com a instituição bancária perante a qual a 1.ª Ré constituiu as hipotecas.
108. E, salvo o devido respeito, os Autores, indepentemente do cumprimento ou não, não seriam afectados ou poderiam ir reclamar qualquer crédito em relação a estes actos, na medida em que seriam apenas credores, a par de outros.
109. Não se conseguiu aferir qual seria o destino dos montantes recebidos pela 1.ª ré, qual era a sua intenção ao cancelar as hipotecas, não podendo nunca afastar que poderia ser com o intuito de querer pagar aos Autores, ou a outros credores.
110. Razão pela qual, entendemos que as compras feitas pelo 2.º Réu, não poderão ser considerados como actos do devedor, em face do supra exposto.
111. Por outro lado, e intimamente relacionado com a reapreciação da matéria de facto, temos a questão do nexo temporal e da ma fé.
112. Se atentarmos à prova documental produzida dos autos, verifica-se que, em altura bem posterior a Novembro de 2018, o 2.º Réu já havia feito pagamentos à 1.ª Ré, visto nessa altura já está a negociar a venda dos imóveis.
113. Existindo um crédito, e tendo o seu devedor praticado um acto que prejudica a garantia patrimonial daquele, «exige-se, em princípio, que o crédito se mostre anterior ao acto a impugnar. A explicação parece evidente: por um lado, os credores só podem contar com os bens que existam no património do devedor à data da constituição da dívida e com os que nele entrem depois; por outro lado, resultaria perturbada a segurança do comércio jurídico, desde que se admitisse a impugnação de certos negócios com fundamento em actos posteriores de alguns dos seus outorgantes», Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 594).
114. Quando os créditos são posteriores, fala-se na hipótese que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
115. Para este efeito, parece ser consentâneo a suficência da scientia fraudis, isto é, ter o terceiro conhecimento do plano urdido pelo devedor, estando com isso o terceiro já em dolo, embora possa dizer-se que se trata de um dolo simplesmente genérico. O terceiro deve ter participado na intenção fraudulenta do devedor, ter tido conhecimento ou consciência da fraude. Vaz Serra, R.L.J., nº 3382, p. 9.
116. O que, não se concede, na medida em que os factos indiciários em que o tribunal a quo se apoiou, como já discutido em sede de reapreciação de matéria de facto, são insuficientes. Tanto assim, que os Recorrentes pugnaram pela inclusão de matéria de facto que não foi levada à base instrutória.
117. Tratando-se de um acto oneroso, como foi defendido, necessário é que tenha havido má fé bilateral, tanto da parte do devedor como do terceiro, entendendo-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto cause ao credor.
118. No que à impugnação pauliana diz respeito, invoca-se o indício omnio bona, que se traduz na “venda de todo o património ou da parte mais signficativa deste geralmente num curto período de tempo”, o que se reforça quando estejam em causa bens móveis, normalmente de valor inferior e de revenda mais difícil.
119. Sucede que, como aludido em sede de reapreciação de matéria de facto, os Autores não sabiam qual a totalidade do património da 1.ª Ré, sequer, se estes imóveis eram uma parte significativa do seu património.
120. Por outro lado, outro indício a ter em linha de conta é o indício affectio, que se traduz numa relação de confiança entre o alienante e o adquirente, relação que pode assentar em relações de amizade, parentesco, negócios anteriores ou outras.
121. Contudo, como decorreu da prova testemunhal, durante os anos de 2017 e 2018 vários foram os imóveis que a 1.ª Ré colocou no mercado através da sua agência para serem vendidos.
122. Pode-se dizer que estes indícios apontam para a formulação de um desiderato/propósito por parte do alienante mas - de per si - nada dizem sobre o conhecimento do adquirente, neste caso o 2.º Réu sobre tal propósito nem que tal propósito seja comum ao adquirente.
123. Aliás, e como já referido, vai contra todas as regras de experiência comum que um trabalhador, independentemente do seu grau de antiguidade, por ser funcionário da 1.ª Ré, que se dispusesse a jogar a roleta russa com o seu próprio património.
124. Dizemos isto, porque, uma pessoa normal, até por desempenhar funções no mercado imobiliário, se soubesse a real situação económica, -como agora sabemos-, jamais se colocaria na posição de ver revertidas todas as compras e vendas que realizou, sabendo também que, as fracções estavam hipotecadas aos bancos, empréstimos haviam sido pedidos a familiares, e que todos os meses daí teria que cumprir com a prestação devida ao banco.
125. Não é razoável, nem suficientemente indiciário do indício affectio, que uma pessoa como o 2.º Réu se colocasse numa situação destas só por causa do seu chefe lhe ter pedido, ou seja, não resulta directamente que o 2.º Réu conhecesse qual o património efectivo da 1.ª Ré nem que a 2.º Ré soubesse que a 1.ª Ré estaria a alienar património para se subtrair à acção de um credor.
126. Em jeito de súmula, entendemos que por não ser o acto de compra entre “XXX” e o 2.º Réu não poder ser considerado acto do devedor, na medida em que, se trata duma transacção que diz respeito aos sujeitos em questão, e não decorre dos actos negociais do 2.º Réu com “XXX” uma diminuição da garantia patrimonial.
127. Por outro lado, relativamente à anterioridade do crédito, não obstante os actos negociais entre a 1.ª ré e o 2.º Réu terem sido concluídos em data próxima de Novembro de 2018, retira-se dos autos que já em 2017 vários pagamentos haviam sido foitos à 1.ª Ré, demonstrando não que houve uma intenção de fraude pré-ordenada, mas que à medida que foram negociando a venda de determinadas fracções, que foram feitos pagamentos, e os actos negociais foram concluídos entre Janeiro de 2018, Abril, Maio de 2018, sendo o último em Setembro de 2018.
128. No que à má fé concerne, decorrente de ser um acto oneroso, terá que ser um acto bilateral, respeitante a devedor e terceiro interessado, 1.ª Ré e 2.º Réu.
129. Pese embora, saibamos que as presunções judiciais e os factos indiciários tenham especial enfâse nesta matéria, em virtude de ser difícil a prova por se tratar de um facto interno, psicológico, entendemos que, vai contra as regras de experiência comum que um trabalhador da 1.ª Ré, como era o caso do 2.º Réu, mesmo tendo uma posição de antiguidade e um cargo condizente, se estivesse a par tanto das dívidas da 1.ª Ré, como da sua situação patrimonial num todo, não arriscaria a sua própria solvência, ao adquirir as fracções autónomas.
130. Assim, entendemos que, podem existir indícios da má fé da 1.ª Ré, mas nunca da má fé do 2.º Réu, não se podendo aferir da má fé bilateral por parte do 2.º Réu.
131. Em face do exposto, entendemos que os requisitos como enunciados e discutidos supra, não se encontram preenchidos, e decorrente da necessidade do preenchimento cumulativo, nos termos do artigo 605.º do Código Civil, sempre não poderá proceder a impugnação pauliana contra o 2.º Réu e 3.ª Ré.
Termos em que, se requer, muito respeitosamente, que V. Exas, se dignem dar provimento ao presente recurso, devendo-se:
(i) revogar a douta sentença recorrida pelo Tribunal Colectivo quanto aos quesitos 58.º, 61.º e 62.º, 54.º, 56.º e 57.º, 52.º, 53.º, e 55.º e 65.º, os quais deverão ser passar a considerar-se como não provados;
(ii) subsidiariamente, anular o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição do mesmo;
(iii) revogar a douta sentença recorrida por ao não ter incluído os artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º Réu, os artigos 10.º e 16.º da contestação da 3.ª Ré, o artigo 51.º da contestação do 2.º Réu, e os artigos 27.º a 32.º da contestação do 2.º Réu na matéria de facto, ser anulável, devendo proceder-se à ampliação da matéria de facto, e à repetição do julgamento, nos termos conjugados do artigo 430.º, n.º 3 e do artigo 629.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil;
(iv) admitir a junção aos autos de documentos relativos à relação dos bens da 1.ª Ré, relacionados com os quesitos 52.º, 53.º e 55.º da base instrutória e a junção de certidão que se protestou juntar relativamente ao artigo 51.º da contestação do 2.º Réu cuja inclusão se pugnou no ponto (iii), ao abrigo dos artigos 451.º e 616.º, ambos do Código de Processo Civil;
(v) revogar a douta a sentença recorrida em face dos factos não provados resultantes do provimento dado ao recurso sobre a matéria de facto, na parte em que a sentença recorrida determinou que deveriam ser declarados ineficazes em relação aos autores os seguintes actos da 1.ª ré e do 2.º réu, melhor descritos no ponto 4) a alíneas a) a g); ponto 5) que declarou que os autores têm o direito à restituição, na medida necessária à satisfação dos seus créditos invocados nos presentes autos, das posições contratuais de promitente compradora que a 1.ª Ré cedeu ao 2.º Réu e das fracções autónomas que foram vendidas ao 2.º Réu pela 1.ª Ré e pela sociedade comercial XXX URBANIZAÇÕES, LIMITADA, identificadas no anterior n.º 4; e ponto 6) que declarou que os autores tinham o direito de executar tais bens no património do 2.º Réu e da 3.ª Ré, bem como o direito de praticar os actos de conservação desses bens (imóveis e posições contratuais de promitente-comprador).
  
  Contra-alegando vieram os Autores e agora Recorridos apresentar as seguintes conclusões:
1. Em 21 de Junho de 2024, o Tribunal Judicial de Base proferiu sentença julgando parcialmente procedente os pedidos formulados pelos Autores.
2. Os Recorrentes A e B não se conformando com a douta sentença, vêm intentar recurso para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que (i) os quesitos n.ºs 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 61.º, 62.º e 65.º não devem ser considerados provados; que (ii) existe insuficiência da selecção da matéria de facto; e (iii) requerendo ainda a junção de documentos supervenientes.
3. Ademais se ressalva que a douta sentença do Tribunal a quo é impassível de qualquer crítica, quer na interpretação dos factos, quer na aplicação do Direito, chegando, assim, a conclusões absolutamente correctas.
4. Do recurso sobre a matéria de facto, os Recorrentes defendem que houve errou na apreciação dos quesitos n.ºs 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 61.º, 62.º e 65.º da matéria de facto dada como provada.
5. No entanto, não pode proceder, porquanto o douto Tribunal a quo fez a conveniente e devida apreciação da matéria de facto, pela análise global das provas (documental e testemunhal).
6. Cabe aos Recorridos solicitar a atenção do Venerado Tribunal de Segunda Instância para apenas valorar a versão original das gravações, pois os Recorrentes traduziram para português as gravações transcritas mas, salvo o devido respeito, existem vários excertos cuja tradução não foi precisa e que levaram aos Recorrentes a retirarem conclusões incorrectas.
7. Quanto aos quesitos 58.º, 61.º e 62.º, que se referem à relação laboral de confiança entre a 1.ª ré e o 2.º réu, os Recorrentes alegam que as testemunhas XXX, XXX e XXX não conseguiram provar.
8. Ora, faz se notar que nem todas as testemunhas precisam de saber/provar todos os quesitos.
9. Essas testemunhas sempre disseram que não conhecem o 2.º réu mas que sabem que ele é gerente geral da XXX e que vai com a 1.ª ré a todo o lado, o que nos parece normal e credível porque nenhuma delas trabalha na XXX, nem tem qualquer relação familiar ou de amizade com os réus; não tendo elas dito nada contra o depoimento de outras testemunhas.
10. Ao invés, a testemunha XXX tem uma relação familiar com a 1.ª ré e as testemunhas XXX e XXX foram trabalhadores da 1.ª ré, sendo o seu depoimento mais preciso, claro e espontâneo.
11. Quanto a estes 3 quesitos, o Tribunal a quo baseou-se (i) no Documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo anúncio de jornal indica o 2.º réu como gerente geral do departamento de vendas da XXX, e (ii) nos depoimentos de XXX (cunhada da 1.ª ré) e XXX e XXX (ex-colegas de trabalho do 2.º réu).
12. A testemunha XXX alega que a 1.ª ré é sua cunhada e que visitou algumas vezes XXX, caracterizando a loja como lugar aberto e sem repartições.
13. A testemunha XXX ainda disse que conhece o 2.º réu e que acredita que o 2.º réu e a 1.ª ré têm uma relação forte por a 1.ª ré levar o 2.º réu a todo o lado, como um assistente especial, bem como o 2.º réu representava a empresa da 1.ª ré (XXX) em jornais e televisão.
14. Apesar de a testemunha não ter a certeza de quando o 2.º réu começou a trabalhar para a 1.ª ré, a verdade é que, do seu conhecimento, trabalhou nunca menos de 7 a 8 anos, sabendo ainda que a 1.ª ré ainda levava o 2.º réu para ver fracções que eram próprias da 1.ª ré e que não tinham haver com a XXX, ou seja, relação para além de trabalhador-empregadora.
15. Por último, a testemunha XXX conclui dizendo que o 2.º réu era o directo subordinado da 1.ª ré e todas as instruções eram dadas directamente pela 1.ª ré ao 2.º réu e que todos os trabalhadores da XXX sabiam que a 1.ª ré andava a contrair empréstimos para investimentos, tendo a certeza que o 2.º réu também sabia.
16. A testemunha XXX disse que 2.º réu já trabalha há mais tempo do que ele, que o 2.º réu é gerente-geral do departamento de venda.
17. Ora, sendo o departamento de venda o departamento mais importante duma Companhia de Fomento Predial, isso se retira que a 1.ª ré tem plena confiança no 2.º réu quando lhe confia o cargo de gerente-geral desse departamento (sendo que o 2.º réu, sem dúvida, sabe ou deve ter a obrigação de saber dos imóveis que estão à venda - os da empresa e os próprios da 1.ª ré).
18. A testemunha XXX soube dizer ao tribunal que o 2.º réu, por ser um trabalhador com bastante antiguidade e melhor desempenho, é o gerente geral do departamento das vendas, isso permite concluir que, por o 2.º réu ter essas qualidades, densificou a relação de confiança que a 1.ª ré tem com o 2.º réu.
19. E ainda, a testemunha XXX, trabalhadora com 3 anos de antiguidade, sabia dos empréstimos ao público e conseguiu explicar como se processava, pelo que, é impossível acreditar que o 2.º réu, trabalhador de 7-8 anos e desempanhando o cargo de gerente geral, não ter esse conhecimento.
20. Do depoimento das supra 3 testemunhas XXX, XXX e XXX se retira algumas conclusões: que (i) o 2.º réu trabalha para a 1.ª ré há muitos anos (cerca de 7-8 anos); que (ii) o 2.º réu é gerente geral do departamento de vendas imobiliárias; que (iii) a 1.ª ré leva o 2.º réu a todo o lado, mesmo quando se trata de assuntos que nada tem haver com XXX, ou seja, próprias da 1.ª ré; que (iv) representa a XXX em jornais e televisão; que (v) o 2.º réu sabe que a 1.ª ré angaria fundos por empréstimos e que até ajudou nesses investimentos; que (vi) o 2.º réu sabia os detalhes dos negócios, investimentos e empréstimo; que (vii) o 2.º réu é uma pessoa de grande confiança da 1.ª ré.
21. Daí que se conclui que os quesitos n.ºs 58.º, 61.º e 62.º foram correctamente considerados como provados pelo Tribunal a quo.
22. Quanto aos quesitos 54.º, 56.º e 57.º que se referem à relação negocial da 1.ª ré e 2.º réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores, cumpre num primeiro momento demonstrar o motivo porque a testemunha XXX (primo do 2.º réu) não mereceu credibilidade pelo Tribunal a quo e, num segundo momento, mostrar ao Venerado Tribunal de Segunda Instâncias as provas que levaram à decisão correcta do Tribunal a quo.
23. A testemunha XXX, durante todo o seu depoimento, tentou demonstrar, mas sem sucesso, que a maior parte dos pagamentos efectuados pelo 2.º réu à 1.ª ré para a compra dos 9 imóveis em causa, foram baseados nos empréstimos que a testemunha deu ao 2.º réu (pois, todos devem concluir, sem margem de dúvidas, que uma pessoa que ganha por volta de 2 milhões por ano, não conseguirá adquirir, mesmo recorrendo a empréstimos bancários, a 9 imóveis no prazo de 1 ano)
24. Ora a testemunha no princípio alega que emprestou por volta de 30 milhões ao 2.º réu, mas acaba por ficar baralhado se era verdadeiramente um empréstimo ou era uma cooperação de investimento.
25. E ainda, demonstrando muito intranquilo e preocupado em apresentar justificações para as respostas, começou a ficar atrapalhado nas respostas às clarificações do Mandatário dos Recorridos, nomeadamente no toca em justificar como alguém empresta por volta de 30 milhões a outra pessoa (apesar de ser familiar) sem qualquer documento ou registo escrito, alegando que foi tudo acordado por telefone ou quando se encontravam, contando ainda que essa pessoa, concretamente, o 2.º réu, apenas ganhava por volta de 2 milhões por ano!
26. E, por coinciência, apenas emprestou dinheiro ao 2.º réu (ou, nem sabemos o que verdadeiramente era, investiu com o 2.º réu) em Macau, para aquisição das fracções que ora são postas em causa e mais nenhuma!
27. Ora, de acordo com as regras de lógica e experiência comum e pela forma de exposição dos factos pela testemunha XXX, o Tribunal a quo decidiu, e bem, que o depoimento dessa testemunha não é credível.
28. Agora sim, quanto à prova dos quesitos 54.º, 56.º e 57.º, o Tribunal a quo baseou na prova testemunhal e documental, no qual se demonstra que existe uma proximidade temporal entre os actos impugnados e a “fuga” da 1.ª ré, o conhecimento por parte do 2.º réu da situação empresarial da 1.ª ré e dos empréstimos do público, bem como da dificuldade da 1.ª ré em reembolsar os empréstimos e até pagar salários.
29. Sobre essa matéria, as testemunhas XXX, XXX, XXX, XXX e XXX conseguiram expôr, claramente, que “todos os trabalhadores” sabem dos empréstimos ao público, acreditando que é impossível o 2.º réu não saber destes empréstimos que era tão público e vulgar na empresa da 1.º ré.
30. Acresce que também é certo que o 2.º réu sabia da situação financeira da 1.ª ré, porque a 1.ª ré até começou a substituir os juros por cupões de restaurantes, bem como começou a faltar ao pagamento de salários aos seus trabalhadores.
31. Pelo que, também decidiu bem o Tribunal a quo em considerar provado os quesitos 54.º, 56.º e 57.º, devendo manter inalterada tal decisão.
32. Quanto aos quesitos 52.º, 53.º e 55.º que se tratam da relação contratual entre os autores e a 1.ª ré e o destino dos montantes pertencentes à 1ª ré, cumpre referir que é de conhecimento oficioso a existência de processos de insolvência, procedimentos cautelares de arresto e execuções, sabendo o Tribunal a quo que a 1.ª ré tem inúmeros credores.
33. Tal como se referiu ao longo das contra-alegações, o 2.º réu trabalhou para a 1.ª ré há cerca de 7-8 anos e desempenhava o cargo de gerente geral e, ainda, representando a XXX em jornais e televisão. O 2.º réu era chamado de “assistente” da 1.ª ré, pelo que, com certeza, sabia que o mercado imobiliário estava a começar a inclinar-se para baixo e de que a 1.ª ré estava a começar a não conseguir cumprir as promessas / reembolsar os empréstimos e os juros aos seus credores.
34. A 1.ª ré até começou a substituir os juros por cupões de restaurantes, bem como começou a faltar ao pagamento de salários aos seus trabalhadores.
35. Como é que um gerente geral de uma empresa não sabe da situação económica da empresa?
36. Mas, mesmo assim, o 2.º réu ignorou a garantia dos credores da 1.ª ré.
37. É verdade que a 1.ª ré ainda deixou alguns imóveis e pouco dinheiro nas suas contas, no entanto, cumpre referir que todos esses imóveis estão hipotecados, pelo que, não se trata assim de tanta garantia como os Recorrentes estão a tentar demonstrar.
38. Na verdade, após essas transações, em muito pouco tempo, a 1.ª ré desapareceu e deixou todos os credores (nomeadamente os ora Recorridos) em situação de não conseguir ver o seu crédito reembolsado.
39. Assim, também quanto a estes quesitos o Tribunal a quo também decidiu bem em considerar provados.
40. Por último, quanto ao quesito 65.º, tendo em conta que o 2.º réu e a 3.ª ré são casados no regime da comunhão de adquiridos deve presumir que têm conhecimento da situação profissional e económica de ambos.
41. Assim, salvo prova em contrário, a 3.ª ré deve saber que o 2.º réu tem uma relação de confiança com a 1.ª ré, bem como que o 2.º réu sempre estava a ajudar nos investimentos derivados de empréstimos do público.
42. Tal conhecimento também deve abranger em saber que o 2.º réu apenas ganha cerca de 2 milhões por ano e que lhe é impossível adquirir 9 imóveis num tão curto prazo de tempo, pois é a 3 a também signatária nessas transmissões e respectivas hipotecas.
43. Em conclusão quanto à matéria de facto, cumpre referir que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 558.º do Código de Processo Civil, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
44. Em rigor, na impugnação que os Recorrentes fazem à matéria de facto aquilo que está verdadeiramente em causa não é o alegado erro de julgamento do Tribunal a quo na apreciação na matéria facto.
45. Na verdade, os Recorrentes vêm encapotadamente pôr em causa a livre convicção do douto Tribunal a quo por ter desconsiderado o depoimento agastado, intranquilo e preocupado em apresentar justificações da testemunha XXX, e abalar, ao invés, o depoimento pormenorizada, clara e espontânea de XXX, bem como desconsiderar o depoimento das restantes testemunhas.
46. Pelo exposto, deve improceder a impugnação dos quesitos n.ºs 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 61.º, 62.º e 65.º da matéria dada por provada, por falta de fundamento legal e fáctico, mantendo-se inalterada a resposta de provado que lhe foi dada pelo douto Tribunal a quo.
47. Quanto à junção do documento superveniente relaionados com a situação patrimonial da 1.ª ré, salvo o devido respeito, a junção deste documento é desnecessária.
48. Por um lado, releva para a presente acção de impugnação pauliana a diminuição da garantia patrimonial de créditos e não quantos bens a 1.ª ré agora é titular.
49. Por outro lado, mesmo se assim não se entenda, cabendo aos réus o ónus de provar que a 1.ª ré possui bens penhoráveis de igual ou maior valor que sejam suficientes para reembolsar o empréstimo dos autores/recorridos, esse documento que se pretende juntar apenas consegue demonstrar os bens existentes (sem contar que muitos deles, senão todos, estão hipotecados), mas não consegue demonstrar o valor das dívidas que muitos credores se reclamam.
50. Quanto à insuficiência da selecção da matéria de facto, vêm os Recorrentes pedir o acréscimo à base instrutória dos artigos 38.º, 40.º, 51.º, 27.º a 32.º da contestação do 2.º réu e os artigos 10.º e 16.º da 3.ª Ré, no entanto, não lhes assiste razão.
51. Os Artigos 38.º e 40.º da contestação do 2.º réu e artigos 10.º e 16.º da 3.ª Ré não são factos relevantes para a presente acção, porque o que está em causa na presente acção é o conhecimento ou não do 2.º réu sobre a diminuição de garantia geral da 1.ª ré pelas transmissões ora impugnadas (quesitos 50.º, 54.º, 55.º, 56.º, 61.º, 62.º e 63.º) e não saber quantos departamentos existem e qual a actividade principal do 2.º réu, se o 2.º réu tem ou não tem outros investimentos ou a origem dos fundos do 2.º réu nas aparentes aquisições.
52. O artigo 51.º da contestação do 2.º réu também é um facto irrelevante, pois o modo de tratar os imóveis após as transmissões em nada alteram se essas transmissões foram feitas de boa fé ou de má fé, ou seja, não existe um nexo de causalidade.
53. Na verdade não estamos perante uma acção possessória, onde releva o animus do 2.º réu, mas sim perante uma acção de impugnação pauliana.
54. Os artigos 27.º a 32 da contestação do 2.º réu continuam a ser irrelevantes para o presente caso, pois a origem dos fundos do 2.º réu nas aparentes aquisições e irrelevante e já se encontram englobadas nos quesitos 50.º, 62.º e 63.º.
55. Note-se que o Tribunal a quo não considerou provado que o 2.º réu não pagou à 1.ª ré o preço com ela acordado nem se tratou de negócios gratuitos dissimulados, pelo que, mesmo que o Tribunal entenda que seja importante acrescer esses factos à base instrutória, o que não se concede, e mesmo se provados, em nada altera a sentença ora recorrida - por isso desnecessário.
56. Note-se ainda que, ao longo da contestação dos 2.º réu e 3.ª ré, nunca invocaram qualquer excepção mas apenas impugnaram factos alegados pelos autores, daí que o Tribunal fez a selecção, e bem, dos quesitos da base instrutória baseando no ónus da prova de que os autores estavam responsabilizado.
57. Daí que também o Tribunal de Segunda Instância não deve acolher ao recurso quanto a esta matéria e, em consequência, manter a sentença recorrida.
58. Quanto à junção de documento relativo ao artigo 51.° da contestação do 2.º réu, o Recorrente nada diz em relação à impossibilidade do oferecimento dos mesmos com a contestação ou logo que existirem.
59. De acordo com o artigo 450.º do Código de Processo Civil, os documentos devem apresentados com o articulado em que se aleguem os factos ou até ao encerramento da discussão em primeira instância, condenando em multa.
60. Ora, os Recorrentes alegam juntar esses documentos supervenientes em consequência do pedido de repetição do julgamento com base na insuficiência da selecção da matéria de facto.
61. No entanto, com o devido respeito, os factos que os Recorrentes indicam são aqueles que os próprios alegaram nas suas contestações, pelo que, os documentos deviam ser apresentados nesse momento.
62. Os documentos datam de 2019 a 2023, o que não se entende o porquê dos Recorrentes apenas apresentarem os documentos agora.
63. Termos em que de deve mandar desentranhar os documentos.
64. Acresce que, mesmo que assim não se entenda, sempre se diria que os documentos em causa foram celebrados pelo 2.º réu após entrada do presente processo de impugnação pauliana no Tribunal a quo, pelo que, sem estar a duvidar sobre a intenção real dos Recorrentes, não se encontra qualquer relevância.
65. Sobre a questão de direito, cumpre realçar que apenas se verifica erro na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
66. Em várias partes das alegações de direito dos Recorrentes podemos verificar que este tendem a procurar detalhes/palavras que não se relevam para o caso, tal como dizendo que a testemunha XXX em tudo “acha” ou que diz que “não sabe o que XXX pensa”.
67. Ora, a nosso ver, é necessário aceitar que nem sempre é possível alcançar verdades absolutas, especialmente quando é preciso provar o que alguém “pensa”.
68. É por isso que a livre convicção da apreciação da prova pelo Juiz do Tribunal a quo deve utilizar o senso comum, presunções e as máximas de experiência na resolução do caso, o que foi no nosso caso.
69. Acresce que o Juiz do Tribunal a quo fundamentou a decisão de todos os quesitos que considerou provados ou não provados.
70. Com base nisso, a decisão do Tribunal a quo deve ser suficientemente confirmada pelo Tribunal superior porque não padece de qualquer vício, como erro na apreciação da prova e erro na interpretação e aplicação da lei, nem viola qualquer disposição legal.
71. Ao contrário, a decisão é correcta, legal, justa e bastante verificada.
72. Daí que se encontram preenchidos todos os requisitos para a procedência da impugnação pauliana: existência dos créditos e dos respectivos montantes; serem os créditos anteriores aos actos ora impugnados ou, sendo posteriores, ter sido os actos realizados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; diminuição da garantia patrimonial dos créditos; impossibilidade ou do agravamento da impossibilidade, para os ora Autores, de obter a satisfação integral dos seus créditos; existência de má fé por parte dos Réus.

  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. QUESTÃO PRÉVIA
  Vieram os Recorrentes a juntar aos autos em sede de alegações de Recurso os documentos de fls. 2068 a 2103 por entenderem estarem os mesmos relacionados com o artº 51º da contestação do 2º Réu o qual entendem deve ser aditado à Base Instrutória ou para aferir dos indícios da má-fé do 2º Réu – Conclusões 83 a 99 -.
  Sobre esta matéria dispõe o nº 1 do artº 616º do CPC que “As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
  Por sua vez o artº 451º do CPC dispõe que “1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. 2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.”
  No caso dos autos, seja da argumentação dos Recorrentes seja dos documentos é evidente que os documentos agora juntos o podiam ter sido até ao encerramento da discussão da causa para demonstrar a inexistência de má-fé do 2º Réu como agora se pretende, pois não só já esta matéria fazia parte da Base Instrutória como os documentos pertencem e estavam na posse do 2º Réu.
  Assim sendo, não é admissível a junção daqueles documentos nos termos do artº 451º nem nos termos do nº 1 do artº 616º, ambos do CPC, pois também a sua junção não se tornou necessária em função do julgamento em 1ª instância.
  Relativamente ao outro argumento que se invoca de se pretender obter provimento ao recurso no sentido de ser ampliada a matéria de facto incluindo o artº 51º da contestação do 2º Réu, e serem estes documentos prova do mesmo, também a sua junção apenas poderá ser admitida em sede de repetição do julgamento, caso venha a ser dado provimento ao recurso quanto a esta matéria.
  Assim sendo, não se admitem os documentos juntos com as alegações de recurso, sendo de ordenar a final o desentranhamento dos mesmos e devolução aos Recorrente.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

  Vem impugnada no recurso interposto a decisão sobre a matéria de facto quanto aos quesitos da Base Instrutória 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 61º, 62º e 65º.
  Tal como já era enunciado na decisão de primeira instância quanto à matéria de facto «São cinco os núcleos de facto da base instrutória:
1. - Relação laboral e de confiança entre a 1ª ré e o 2º réu (quesitos 1º, 58º e 61º a 63º);
2. - Actividade comercial da 1ª ré (quesitos 2º, 3º, 44º, 45º, 46º, 48º, 51º, 52º, 53º, 57º e 60º);
3. - Relação contratual entre os autores e a 1ª ré (empréstimos, interpelação, incumprimento - quesitos 2º, 4º a 43º, 47º a 49º e 51º);
4. - Relação negocial entre a 1ª ré e o 2º réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores (quesitos 50º, 54º a 59º, 62º e 63º).
5. - Relação entre o 2º réu e a 3ª ré (quesitos 64º a 66º).»

  Na mesma linha de raciocínio o Recurso vem interposto da resposta dada aos indicados quesitos da Base Instrutória dividindo-os em quatro alíneas:
a) Quesitos 58º, 61º e 62º (que correspondem à indicada Relação negocial entre a 1ª Ré e o 2º Réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores
b) Quesitos 54º, 56º e 57º (que igualmente correspondem à indicada Relação negocial entre a 1ª ré e o 2º réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores)
c) Quesitos 52º, 53º e 55º (que correspondem à Actividade Comercial da 1ª Ré e a indicada Relação negocial entre a 1ª ré e o 2º réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores)
d) Quesito 65º (que corresponde à Relação entre o 2ª e 3ª Réus).

  Iremos assim proceder à análise da impugnação da matéria de facto seguindo a mesma ordem de exposição.
  
  Dos quesitos da Base Instrutória 58º, 61º e 62º.
  
  Perguntava-se nestes quesitos o seguinte:
  58.º
  O 2º réu até ajudou a 1ª ré nesses investimentos? (A expressão nestes investimentos reporta-se ao que se perguntava no quesito anterior que era o seguinte: O 2º réu tinha perfeito conhecimento de que a 1ª ré estava a angariar fundos por empréstimos (nomeadamente dos autores e outras pessoas singulares) para investir no mercado imobiliário, comprando muitos bens imóveis em Macau?)
  A ambos os quesitos 57º e 58º foi dada a resposta de provado.
  61.º
  Enquanto gerente-geral do departamento de vendas da empresa titulada pela 1ª ré, o 2º réu sabia todos os detalhes dos negócios, investimentos e empréstimos da 1ª ré?
  Este quesito foi considerado provado.
  62.º
  E por ser uma pessoa de grande confiança, a 1ª ré pediu ajuda ao 2º réu, no sentido de a 1ª ré transmitir vários bens imóveis ao 2ª réu, evitando que a 1ª ré continuasse a ser proprietária registada desses bens e com o fito referido em 56?
  A resposta dada a este quesito foi de considerar provado apenas que o 2º réu era uma pessoa de grande confiança da 1ª ré.
  A fundamentação do Tribunal “a quo” quanto à resposta dada a esta matéria é a seguinte:
  «Quanto à relação entre a 1ª ré e o 2º réu fundou-se a convicção do tribunal essencialmente na análise que fez do documento junto com a petição inicial sob nº 2 e do depoimento da testemunha XXX que, sendo cunhada da 1ª ré e conhecendo o 2º réu e a questionada relação laboral e de confiança, deu conta pormenorizada, clara e espontânea das funções do 2º réu e da relação deste com a 1ª ré, chegando a descrever o 2º réu como assistente da 1ª ré. Contribuiu também o depoimento das testemunhas XXX e XXX que foram colegas de trabalho do 2º réu na empresa da 1ª ré e, com clareza e espontaneidade, deram conta ao tribunal das funções do 2º réu.».
  O documento nº 2 junto com a p.i. e que consta de fls. 90 a 93 é um anúncio de jornal onde o 2º Réu é mencionado como gerente geral do Departamento de Vendas da XXX.
  Nas suas alegações de recurso os Recorrentes transcrevem passagens dos depoimentos das testemunhas XXX, XXX e XXX e ainda dos depoimentos das testemunhas XXX, XXX e XXX, sendo certo que o depoimento destas três últimas testemunhas não foi indicado pelo Tribunal “a quo” para fundamentar a resposta dada.
  Contrariamente às conclusões retiradas pelos Recorrentes das passagens dos depoimentos transcritas das testemunhas XXX, XXX e XXX resulta precisamente a demonstração não só de que o 2º Réu tinha conhecimento dos negócios e investimentos da 1ª Ré, como também, que colaborava com esta nos mesmos e era pessoa da sua grande confiança.
  Os elementos que os Recorrentes usam para desacreditar os depoimentos destas testemunhas não são suficientes para demonstrar erro algum de julgamento do Tribunal “a quo”.
  Entenda-se que as testemunhas ao deporem relatam a percepção que tiveram dos factos através dos elementos exteriores que lhes foi permitido observar.
  Não se pode exigir que a testemunha tenha a certeza absoluta da matéria inquirida nos quesitos, nem tal seria possível na maioria das situações que ocorrem em tribunal a menos que a testemunha fosse também sujeito nessa mesma factualidade o que é raro de acontecer.
  A convicção do tribunal forma-se a permitir do relato desinteressado da testemunha da realidade que conseguiu observar, descrição essa que conjugada com os demais elementos de prova existentes e as regras da experiência permitem ao tribunal concluir pela veracidade, ou não, da realidade que lhe é dado investigar.
  Como já se referiu as passagens que se usaram para demonstrar que as testemunhas em causa desconheciam a matéria objecto destes quesitos, demonstram na sua maioria precisamente o contrário, o que é corroborado pelo documento indicado pelo Tribunal “a quo” cuja veracidade não é sequer questionado pelos Recorrentes, acrescentando-se até, que os outros depoimentos indicados pelos Recorrentes – e que não serviram de fundamento à convicção do Tribunal “a quo” – também, de forma indelével corroborariam os depoimentos daqueles outros testemunhos que fundamentaram a resposta do Tribunal.
  Como tem vindo a ser sustentado de forma unânime por este Tribunal no recurso da decisão sobre a matéria de facto não é objecto do mesmo que o tribunal de recurso faça um novo julgamento da matéria de facto, mas tão só que em face dos elementos indicados pelos Recorrentes aprecie se foi cometido erro grosseiro na apreciação da matéria ou violadas as regras da prova tarifada.
  Ora, no caso em apreço nada disso se demonstra, pelo que, no que concerne às respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória 58º, 61º e 62º apenas pode improceder o recurso.
  
  Dos quesitos da Base Instrutória 54º, 56º e 57º.
  
  Perguntava-se nestes quesitos o seguinte:
  54.º
  Ao realizar as supras referidas transmissões, a 1ª ré sabia bem que estava a subtrair ao seu património 9 (nove) bens imóveis que serviam de garantia geral da dívida que tem para com os autores?
  A este quesito foi respondido como provado.
  56.º
  A 1ª ré combinou com o 2º réu os actos supra descritos com a intenção de evitar o reembolso das quantias entregues pelos autores?
  A este quesito foi respondido que foi provado que a 1ª ré combinou com o 2º réu os actos supra descritos (as vendas, as cessões da posição contratual que o 2º réu celebrou com a 1ª ré e o cancelamento de registos de aquisição a favor da 1ª ré constantes nas als. I., L., R-1, R-2, R-3, S., V., Xa), Xc) e Xe) dos factos assentes) com a intenção de evitar o reembolso das quantias entregues pelos autores.
  57.º
  O 2º réu tinha perfeito conhecimento de que a 1ª ré estava a angariar fundos por empréstimos (nomeadamente dos autores e outras pessoas singulares) para investir no mercado imobiliário, comprando muitos bens imóveis em Macau?
  A este quesito foi respondido provado.
  A fundamentação do Tribunal “a quo” quanto à resposta dada a esta matéria é a seguinte:
  «Quanto à relação negocial entre a 1ª ré e o 2º réu e à finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos autores (quesitos 50º, 54º a 59º, 62º e 63º):
  - O tribunal não considerou provado que o 2º réu não pagou à 1ª ré o preço com ela acordado (quesito 50º) nem que se tratou de negócios gratuitos dissimulados (quesito 62º e 63º) por total ausência de prova directa ou indiciária, sendo um facto negativo de prova sempre mais difícil e havendo indícios nos autos do pagamento do preço, desde logo a existência de hipotecas sobre os imóveis objecto dos negócios impugnados para garantia de empréstimos bancários do 2º réu e diversos documentos de pagamentos do 2º réu à 1ª ré que poderiam ser para pagamento do preço.
  - O tribunal considerou provado que a 1.ª ré sabia que os negócios que celebrou com o 2º réu agravariam as dificuldades de os autores receberem os seus créditos (quesitos 54º e 55º) porquanto se lhe apresentou como uma evidência em face da “fuga” da 1ª ré deixando inúmeros credores. Acresce que a prova testemunhal que depôs sobre a questão foi unânime no sentido de a 1ª ré, antes da sua “fuga”, estar a ser pressionada pelos credores e invocava dificuldades em pagar-lhes os juros que havia acordado e o capital que havia recebido, dificuldades de recebimento pelos credores que seriam evidentemente agravadas com os negócios impugnados, pois que é mais fácil “esconder” o dinheiro que os imóveis.
  - O tribunal considerou provado o acordo fraudatório questionado no quesito 56º com base em factos indiciários, pois que, como sempre ocorre em relação aos factos internos, não houve prova directa de que a 1ª ré e o 2ª réu, ao praticarem os actos impugnados, tiveram intenção de evitar que os autores fossem reembolsados. Os referidos factos indiciários são, desde logo, a proximidade temporal entre os actos impugnados e a “fuga” da 1ª ré, o que indicia que se tratou de “preparação da fuga”. Mas também tem a mesma força indiciária o conhecimento detalhado por parte do 2º réu da situação empresarial da 1ª ré de recebimento de empréstimos do público, de dificuldade em restituir as quantias emprestadas que lhe estavam a ser solicitadas pelos credores e de recurso a solução semelhante ao “esquema Ponzi” ou “pirâmide financeira” e à renovação dos empréstimos com inclusão dos juros vencidos e novos prazos de vencimento. Idêntico valor indiciário tem a relação de proximidade e confiança que o tribunal se convenceu existir entre a 1ª ré e o 2º réu. Igual indício provém do considerável valor dos imóveis e direitos adquiridos pelo 2º réu à 1ª ré, os quais não se aparentam com um normal e prudente investimento imobiliário com recurso a empréstimos e capitais próprios. Foi, pois, na ponderação destes indícios que o tribunal se convenceu que os actos impugnados foram, por acordo, destinados a evitar que os imóveis e direitos em causa não respondessem pelas dívidas da 1ª ré no caso de os lucros e os eventuais novos empréstimos serem insuficientes.».
  Como já se havia indicado estes quesitos correspondem à indicada relação negocial entre a 1ª Ré e o 2º Réu e finalidade que ambos pretendiam com a celebração dos negócios impugnados pelos Autores.
  Pese embora as partes aglutinem estes três quesitos na mesma questão tal resultado está errado.
  No quesito 54º pergunta-se se a 1ª Ré queria subtrair do seu património 9 imóveis que poderiam servir para solver as suas dívidas perante os credores.
  No quesito 57º pergunta-se se o 2º Réu sabia que a 1ª Ré estava a contrair empréstimo para investir no imobiliário.
  Da prova de um e de outro não resulta a má-fé do 2º Réu.
  Ao selecionarmos a matéria relevante para a decisão da causa é essencial ter presente o instituto jurídico que lhe está subjacente.
  O que releva deste quesito 56º é o conluio entre os 1ª e 2º Réus no sentido de retirar os bens do património da 1ª Ré para o património do 2º Réu com o intuito de não permitir aos Autores obterem o pagamento das quantias por si entregues.
  A este respeito e no intuito de afastar a má-fé do 2º Réu, alegam os Recorrentes que os Autores deviam ter feito a prova de que os bens da 1ª Ré não eram suficientes para liquidar as dívidas, contudo não lhes assiste razão.
  Nos termos do artº 606º do C.Civ. incumbe ao credor – os aqui Autores – fazer a prova do montante das dividas, e ao terceiro interessado na manutenção do acto – os Aqui Recorrentes – fazer a prova de que o obrigado, o devedor, a aqui 1ª Ré – possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
  Os Recorrentes não fizeram essa prova.
  Quanto à má-fé, a lei distingue entre actos gratuitos e onerosos no que concerne à necessidade da demonstração daquela má-fé – que é a consciência do indicado prejuízo infligido ao credor -.
  Sendo o acto gratuito a impugnação pauliana procede mesmo que os sujeitos do acto impugnado actuem de boa-fé, sendo oneroso há que demonstrar a má-fé.
  Relacionada com esta matéria está a outra parte das alegações de recurso em que os Recorrentes invocam que na sua contestação haviam invocados factos que afastavam a conclusão de terem agido com má-fé.
  Vejamos então.
  Pretendem os Recorrentes que os factos invocados nos artigos 27º a 32º, 38º a 40º e 51º da contestação do 2º Réu e artigos 10º e 16º da contestação da 3ª Ré se tivessem sido levados à Base Instrutória e a provarem-se poderiam demonstrar que o 2º Réu estava de boa fé.
  Daqueles artigos consta:
  Do 2º Réu:
  27º
  Relativamente ao contrato de cessão da posição contratual sobre a fracção autónoma para habitação do XXX do prédio sito em Coloane, no XXX, mencionado no ponto 1. supra, o 2º Réu e a 1ª Ré começaram a negociar esta transacção em 2017, tendo para o efeito sido efectuados os seguintes pagamentos:
  • No dia 19 de Junho de 2017, a 1ª Ré recebeu do 2º Réu o montante de HKD1.500.000,00 pago por cheque (vide doc. 4) e o de HKD1.000.000,00 em numerário;
  • No dia 23 de Junho de 2017, a 1ª Ré recebeu do 2º Réu o montante de HKD1.500.000,00 pago por cheque (vide doc. 5);
  • No dia 29 de Junho de 2017, a 1ª Ré recebeu do 2º Réu o montante de HKD1.000.000,00 pago por cheque (vide doc. 5);
  • No dia 26 de Janeiro de 2018, a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o contrato-promessa de compra e venda (vide doc. 6), tendo a 1ª Ré recebido, nesse mesmo dia, o montante de HKD2.350.000,00 pago por este último por meio de ordem de caixa (vide doc. 7);
  • No dia 29 de Janeiro de 2018, o 2º Réu declarou junto da Direcção dos Serviços de Finanças a transmissão resultante da aludida transacção (vide doc. 8);
  • No dia 26 de Fevereiro de 2018, o 2º Réu pagou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o imposto do selo emergente da aludida transacção, no valor total de MOP332.181,00 (vide doc. 9);
  • No dia 27 de Abril de 2018, o 2º Réu e a 1ª Ré celebraram com a promotora de empreendimento o “Contrato de cessão da posição contratual” (vide doc. 10), tendo a 1ª Ré recebido, nesse mesmo dia, o montante de HKD4.830.000,00 pago pelo 2º Réu por meio de ordem de caixa (vide doc. 11);
  O preço desta transacção era de HKD12.180.000,00, os Autores (sic) já o pagaram na íntegra.
  28º
  No que respeita ao contrato de cessão da posição contratual sobre a fracção autónoma para habitação do XXX do prédio sito em Coloane, no XXX, mencionado no ponto 2. supra, o 2º Réu e a 1ª Ré começaram a negociar esta transacção em 2017, tendo para o efeito sido efectuados os seguintes pagamentos:
  • No dia 19 de Junho de 2017, a 1ª Ré recebeu do 2º Réu o montante de HKD5.000.000,00 pago através do cheque emitido por XXX (vide docs.12 e 14);
  • No dia 26 de Janeiro de 2018, a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o contrato-promessa de compra e venda (vide doc. 13), tendo a 1ª Ré recebido, nesse mesmo dia, o montante de HKD2.350.000,00 pago por este último por meio de ordem de caixa (vide doc. 14);
  • No dia 29 de Janeiro de 2018, o 2º Réu declarou junto da Direcção dos Serviços de Finanças a transmissão resultante da aludida transacção (vide doc. 15);
  • No dia 26 de Fevereiro de 2018, o 2º Réu pagou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o imposto do selo emergente da aludida transação, no valor total de MOP332.181,00 (vide doc. 16);
  • No dia 27 de Abril de 2018, o 2º Réu e a 1ª Ré celebraram com a promotora de empreendimento o “Contrato de cessão da posição contratual” (vide doc. 17), tendo a lª Ré recebido, nesse mesmo dia, o montante de HKD4.830.000,00 pago pelo 2º Réu por meio de ordem de caixa (vide doc. 18);
  O preço desta transacção era de HKD12.180.000,00, os Autores (sic) já o pagaram na íntegra.
  29º
  • No que tange ao contrato de compra e venda, mencionado no ponto 3. supra, da fracção autónoma R/C A do Edifício XXX, sito em Macau, no XXX, o preço desta transacção era de HKD9.000.000,00 (vide doc. 19);
  • Em relação ao contrato de compra e venda, mencionado no ponto 4, supra, da fracção autónoma A do 1º andar do Edifício XXX, sito em Macau, no XXX, o preço desta transação era de HKD3.900.000,00 (vide doc. 20);
  • Quanto ao contrato de compra e venda, mencionado no ponto 5. supra, da fracção autónoma A do 2º andar do Edificio XXX, sito em Macau, no XXX, o preço desta transacção era de HKD3.100.000,00 (vide doc. 21);
  • Relativamente ao contrato de compra e venda, mencionado no ponto 6. supra, da fracção autónoma A do 3º andar do Edificio XXX, sito em Macau, no XXX, o preço desta transacção era de HKD3.000.000,00 (vide doc. 22);
  30º
  O preço total das transações relativamente aos imóveis supracitados era de HKD19.000.000,00, o 2º Réu pagou a quantia de HKD9.000.000,00 através do cheque emitido no dia 17 de Maio de 2017, tendo ainda pago, nesse mesmo dia, o montante de HKD1.000.000,00 em numerário (vide doc. 23), o remanescente de HKD9.000.000,00 foi liquidado na íntegra no dia 21 de Setembro de 2018, data em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda, através da ordem de caixa emitida pelo Banco Industrial e Comercial (vide docs. 19 a 22, protesta-se juntar a cópia da ordem de caixa).
  31º
  Em relação ao contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma XXX andar da Torre II do Edifício XXX, sito na Taipa, na XXX, e dos lugares de estacionamento n.ºs AC/V2-102 e AC/V2-103 do Edifício XXX sito na XXX, mencionado no ponto 7. supra, o preço total das transacções relativamente a estes imóveis era de HKD18.700.000,00, incluindo o de HKD15.500.000,00 para a fracção autónoma XXX andar (vide doc. 1), o de HKD1.600.000,00 para o lugar de estacionamento n.º AC/V2-102 (vide doc 2) e o de HKD1.600.000,00 para o lugar de estacionamento n.º AC/V2-103 (vide doc. 3).
  32º
  O 2º Réu e a 1ª Ré começaram a negociar as mencionadas transacções em inícios de 2018, tendo para o efeito sido efectuados os seguintes pagamentos:
  • No dia 19 de Janeiro de 2018. a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma XXX andar da Torre II do Edifício XXX (vide doc. 1), tendo a 1ª Ré recebido, nesse mesmo dia, o montante de HKD8.000.000,00 pago por este último por meio de cheque (vide doc. 24):
  • No dia 9 de Fevereiro de 2018, a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o contrato-promessa de compra e venda do lugar de estacionamento n.º AC/V2-102 do Ediecio XXX (vide doc. 2), tendo a 1ª Ré recebido o montante de HKD1.000.000.00 pago por este último por meio de ordem de caixa (vide doc. 5); na mesma data, a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o contrato-promessa de compra e venda do lugar de estacionamento n.º AC/V2-103 do Edifício XXX (vide doc. 3), tendo a 1ª Ré recebido o montante de HKD1.000.000,00 pago por este último por meio de ordem de caixa (vide doc. 26);
  • Nos dias 9 de Fevereiro de 2018 e 22 de Junho de 2018, o 2º Réu pagou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o imposto do selo emergente da transacção da fracção autónoma XXX andar da Torre II do Edifício XXX, respectivamente no valor de MOP439.898,00 e MOP188.731,00, perfazendo o total de MOP628.629,00 (vide docs. 27 e 28);
  • No dia 7 de Março de 2018, o 2º Réu pagou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o imposto do selo emergente da transacção do lugar de estacionamento n.º AC/V2-102 do Edifício XXX, no valor total de MOP17.355,00 (vide doc. 29): na mesma data, o 2º Réu pagou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o imposto do selo emergente da transacção do lugar de estacionamento n.º AC/V2-103 do Edifício XXX, no valor total de MOP17.355,00 (vide doc 103);
  • No dia 11 de Maio de 2018, a 1ª Ré recebeu do 2º Réu o montante de HKD1.096.000,00 pago por meio de ordem de caixa (vide doc. 31), relativamente as três transaçções supracitadas;
  • No dia 14 de Maio de 2018, o 2º Réu celebrou com a promotora de empreendimento o “Contrato de compra e venda” (vide doc. 32) tendo hipotecado, nesse mesmo dia, estes três imóveis ao Banco OCBC Weng Hang-para obtenção do empréstimo de HKD7.400.000,00, montante este foi seguidamente pago à lª Ré por meio de ordem de caixa (vide doc. 31, protesta-se juntar o contrato de hipoteca);
  38º
  Como agente imobiliário, o 2º Réu tinha rendimentos anuais superiores a um milhão, e também ganhava lucros através dos seus investimentos, mediante subida e descida de preços do mercado imobiliário.
  39º
  Para a aquisição das fracções autónomas em causa, o 2º Réu chegou a contrair empréstimos junto dos seus familiares, destinados ao pagamento dos preços de imóveis.
  40º
  Ademais, a maior parte dos fundos para pagamento dos preços de imóveis constantes dos sete contratos supracitados era proveniente dos empréstimos bancários e contraídos junto dos familiares, sendo por isso reunidos fundos suficientes para o pagamento dos preços.
  51º
  Realizadas as aludidas transações, o 2º Réu considerava serem estes imóveis seus próprios patrimónios, tendo procedido à administração, como por exemplo:
  • No dia 10 de Maio de 2018, pagou à Sociedade de Administração de Propriedades XXX Limitada as despesas de condomínio inerentes à fracção autónoma XXX andar da Torre II do Edifício XXX, no montante de HKD88.647,00 (vide doc. 34);
  • No dia 11 de Junho de 2018, pagou à Sociedade de Administração de Propriedades XXX Limitada as despesas de condomínio inerentes à fracção autónoma XXX andar da Torre II do Edifício XXX, no montante de HKD7.312,00 (vide doc. 35).
  Da 3ª Ré:
  10º
  A 3ª Ré sempre realizou investimentos imobiliários, quer no Interior da China, quer em Macau.
  16º
  Pois a 3ª Ré e o 2º Réu mantiveram constantemente investimentos imobiliários com os seus próprios recursos financeiros.
  O artigo 27, reporta-se à fracção indicada no ponto 9 e 10 dos factos da sentença, o artigo 28 reporta-se à fracção indicada nos pontos 12 a 14 da sentença, os artigos 29 a 30 reportam-se às fracções indicadas nos pontos 25 a 33 da sentença, o artigo 31 e 32 reportam-se às fracções indicadas nos pontos 15 a 24 da sentença.
  Os artigos 38 a 40 da contestação do 2º Réu reportam-se aos empréstimos por si contraídos para além dos bancos a familiares e ao seu rendimento e perfil de investidor imobiliário.
  Ora no que concerne ao acordo entre 1ª e 2º Réus a conclusão do tribunal resultou de prova indiciária baseada no seguinte: “a proximidade temporal entre os actos impugnados e a “fuga” da 1ª ré, o que indicia que se tratou de “preparação da fuga”.
  Ora, caso se fizesse a prova sobre a matéria destes artigos da contestação talvez houvesse mais elementos para ponderar “essa proximidade temporal” uma vez que a preparação da fuga poderá ser algo que acontece num espaço de tempo mais curto e de forma mais inopinada do que o que resultaria de se andar a pagar o preço das fracções por um período de quase um ano até concluir o negócio.
  O facto do 2º Réu saber que a 1ª Ré recorria ao financiamento de particulares nos termos descritos não permite por si só concluir que colaborou no sentido de actuar com o intuito de defraudar os credores da 1ª Ré e aqui Autores, desacompanhado de outros factos, tais como ser o valor pago pelo 2º Réu pelas fracções inferior ao de mercado, por exemplo, o que permitiria até concluir no acordo fraudatório.
  Por sua vez se se demonstrar que o 2º e a 3ª Ré são investidores imobiliários, está aberta a possibilidade de terem aproveitado a oportunidade de incapacidade financeira da 1ª Ré para lhe adquirir as fracções para seu investimento, permitindo que aquela liquidasse as dívidas que tinha, sendo que, a 1ª Ré em vez de pagar o que devia fugiu com o dinheiro.
  A conclusão retirada na resposta dada à matéria de facto ou esta são, ambas, válidas.
  No entanto para se avaliar da validade de uma ou de outra necessário se torna que a matéria vertida nos artigos 27º a 32º, 38º a 40º da contestação do 2º Réu e 10º e 16º da contestação da 3ª Ré sejam levadas à Base Instrutória.
  O artº 51º da contestação do 2º Réu reporta-se ao pagamento das despesas de condomínio, obrigação do proprietário que em nada releva para a existência ou não de má-fé.
  Assim sendo, improcedendo o recurso no que concerne à impugnação da resposta dada pelo Tribunal “a quo” quanto aos quesitos 54º e 57º, deve contudo proceder quanto à impugnação da resposta dada ao quesito 56º da Base Instrutória o qual para que se possa recorrer a prova indiciária depende necessariamente da ampliação da matéria de facto no sentido de serem levados à Base Instrutória os artigos 27º a 32º, 38º a 40º da contestação do 2º Réu, 10º e 16º da contestação da 3ª Ré e do que daí resultar se fazer a necessária ponderação.
  
  Dos quesitos da Base Instrutória 52º, 53º e 55º.
  
  Perguntava-se nestes quesitos o seguinte:
  52.º
  A 1.ª Ré nunca pensou em utilizar os montantes id. como preço para reembolsar as dívidas contraídas pelos Autores?
  A resposta dada foi provado.
  53.º
  A 1.ª Ré levou consigo todo o dinheiro ao sair de Macau?
  A resposta dada foi provado.
  55.º
  E tinha perfeita consciência de que tais factos agravariam, de forma irremediável, as dificuldades para os autores, enquanto credores, em conseguirem o pagamento dos seus créditos, impossibilitando a satisfação dos mesmos?
  A resposta dada foi provado.
  A fundamentação do Tribunal “a quo” quanto à resposta dada a esta matéria consta já da análise dos anteriores quesitos.
  Se a 1ª Ré deixou bens em valor suficiente para liquidar os créditos dos Autores cabia aos aqui Recorrentes enquanto terceiros interessados na manutenção do acto demonstrar a existência de bens em valor suficiente para o efeito, como já explicámos.
  Na ausência da prova de bens suficientes para liquidar os créditos dos Autores e em face da prova produzida e perante a fuga da Ré não encontramos erro na resposta dada pelo Tribunal “a quo”.
  
  Aqui chegados, nos termos do nº 4 do artº 629º do CPC impõe-se julgar procedente o recurso no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto quanto à resposta dada ao quesito 56º da Base Instrutória por não ser convincente a fundamentação usada e pela insuficiência da selecção da matéria de facto havendo que aditar à Base Instrutória a matéria contida nos artigos 27º a 32º, 38º a 40º da contestação do 2º Réu e artigos 10º e 16º da contestação da 3ª Ré, procedendo-se a novo julgamento quanto a estes, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
  
IV. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, se decide:
  - Ordenar o desentranhamento dos documentos com as alegações de recurso dos Recorrentes juntos a fls. 2068 a 2103;
  - Julgar procedente o recurso no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao quesito 56º da Base Instrutória e ordenando a repetição do julgamento quanto à matéria do quesito 56.º da Base Instrutória e a ampliação da matéria de facto no sentido de abranger a factualidade invocada nos artigos 27º a 32º, 38º a 40º da contestação do 2º Réu e artigos 10º e 16º da contestação da 3ª Ré, procedendo-se a novo julgamento quanto a estes, improcedendo o recurso no que concerne à impugnação da restante decisão sobre a matéria de facto.
  
  Custas pelo incidente de desentranhamento dos documentos a cargo dos Recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s.
  
  Custa pelo Recurso a cargo de quem a final venha a ficar vencido e na proporção que vier a ser fixada.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Setembro de 2025
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Seng Ioi Man
  (1º Adjunto)
  
  Fong Man Chong
  (2º Adjunto)


48/2025 CÍVEL 1