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Processo nº 225/2025
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 26 de Setembro de 2025
Recorrente: A, Limitada
Recorrida: Direcção dos Serviços de Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, Limitada, com os demais sinais dos autos,
  veio deduzir oposição à execução fiscal movida pela Repartição das Execuções Fiscais, da Direcção dos Serviços de Finanças, que instaurou os processos de execução fiscal nº R/2022-02-900060, R/2022-02-900074, R/2023-02-900015, e R/2023-02-900018 para cobrança do Imposto Complementar de rendimentos do exercício de 2017 no valor de MOP646.548,00, Imposto Complementar de Rendimentos do exercício de 2018 no valor de MOP348.288,00, indemnização no valor de MOP1.488,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2017, e indemnização no valor de MOP1.394,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2018.
  
  Foi proferida sentença a julgar improcedente os fundamentos de oposição à execução fiscal invocados pela executada.
  
  Não se conformando com a decisão proferida veio a Executada e agora Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
  Objecto do recurso
1) O Tribunal a quo deu como provados os factos seguintes que se mostram relevantes para a decisão do caso:
1. Em 8 de Março de 2022, por ter obtidos os dados que os rendimentos concretos da executada relativos aos exercícios de 2017 e 2018 eram mais elevados de que os rendimentos por si declarados para os referidos exercícios, a autoridade fiscal procedeu novamente à fixação dos rendimentos colectáveis dos referidos exercícios (vd. fls. 22 do processo administrativo anexo n.º TA-23-3128-CFL e fls. 24 do processo administrativo anexo n.º TA-23-3129-CFL)
……
4. Em 25 de Abril de 2022, o Director dos Serviços de Finanças assinou e emitiu à executada duas Notificações de “Fixação de Rendimento – Imposto Complementar de Rendimentos (modelo M/5) e cumulativamente a notificou de que o valor de imposto a ser liquidado para o exercício de 2017 era de MOP646.548,00 e para o exercício de 2018, de MOP348.288,00, e mais tarde, em 29 de Abril, foram entregues aos Correios e Telecomunicações as correspondências para distribuição (vd. fls. 45 e 48 dos autos).
5. Depois, em 24 de Maio de 2023, a Direcção dos Serviços de Finanças assinou e emitiu à executada as notificações de pagamento do imposto complementar e guias de pagamento para os exercícios de 2017 e 2018 (correspondências n.ºs RR010038986MO e RR010039624MO) mas as correspondências em 19 de Agosto foram devolvidas ao remetente (vd. fls. 49 e 50 dos autos).
6. Em 26 de Agosto de 2022, a executada tomou conhecimento da matéria sobre o pagamento de imposto, junto da Direcção dos Serviços de Finanças e seguidamente em 29 de Agosto deduziu o pedido de revisão para a reclamação da fixação do rendimento colectável.
……
10. Em 10 de Novembro de 2022, a Comissão de Revisão deliberou indeferir o pedido de reclamação e manter o rendimento colectável no valor de MOP5.987.900,00 relativo ao exercício de 2017 e o no valor de MOP3.502,400,00 relativo ao exercício de 2018, e ao mesmo tempo, fixar o agravamento da colecta, pela improcedência das reclamações da executada, no valor de MOP1.488,00 e MOP1.394,00 como indemnizações (vd. fls. 52 a 55 dos autos).
11. Em 12 de Janeiro de 2023, a executada interpôs recurso contencioso contra a deliberação tomada em 10 de Novembro de 2022 pela Comissão de Revisão que indeferiu o seu pedido de reclamação e manteve a fixação dos rendimentos colectáveis dos exercícios de 2017 e de 2018, sendo os respectivos processos n.ºs TA-23-3128-CFL e TA-23-3129-CFL
12. Em 1 de Março de 2023, a Repartição de Finanças de Macau da DSF emitiu a certidão de relaxe n.º 2023-02-900015, a fim de cobrar à executada o valor de MOP1.488,00, a título de indemnização, pela improcedência da reclamação por si deduzida da fixação do rendimento colectável do exercício de 2017 (vd. fls. 2 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900015).
13. Em 1 de Março de 2023, a Repartição de Finanças de Macau da DSF emitiu a certidão de relaxe n.º 2023-02-900018, a fim de cobrar à executada o valor de MOP1.394,00, a título de indemnização, pela improcedência da reclamação por si deduzida da fixação do rendimento colectável do exercício de 2018 (vd. fls. 2 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900018).
14. Em 17 de Março de 2023, com base nas supracitadas certidões de relaxe, a Repartição de Finanças da DSF instaurou os processos de execução fiscal n.ºs R/2023-02-900015 e R/2023-02-900018, e no mesmo dia, o chefe da Repartição de Execuções Fiscais exarou, respectivamente, nos referidos dois processos, o despacho de citação (vd. fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900015 e fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900018).
……
(vd. fls. 6 a 9 da sentença, os sublinhados e negritos são nossos)
2) Baseando-se nos supracitados factos dados como provados, o Tribunal a quo formulou as fundamentações, em particular:
- Nos autos, a instauração de quatro processos de execução fiscal contra a executada por parte da entidade exequente tem por fundamento as quatro certidões de relaxe, uma vez que a executada não pagou voluntariamente os impostos complementares dos rendimentos resultantes da liquidação adicional, relativos aos exercícios de 2017 e 2018, bem como não pagou atempadamente as duas indemnizações pela improcedência das reclamações, fixadas em 0,23% e 0,4% correspondentes aos valores dos impostos da liquidação adicional, como um agravamento da colecta (vd. art.º 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos).
- Daí pode-se verificar que, tanto os impostos devidos, como a indemnização a título de agravamento da colecta, são dívidas pecuniárias decorrentes da liquidação adicional, a instauração dos processos de execução fiscal para cobrança desses valores tem por base o acto de liquidação adicional e não o acto de fixação do rendimento colectável ou o acto de revisão.
- De facto, no processo tributário, o acto administrativo que determina finalmente os direitos e deveres dos contribuintes e tem um impacto directo no âmbito de seus bens, é o acto de liquidação de imposto por parte da Administração Fiscal, assim a força executiva da liquidação de impostos, como acto administrativo, é a base para a instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva (vd. art.ºs 136.º, 141.º e 142.º do CPA e a obra acima citada, de Jorge Lopes de Sousa, Vol. I, pág. 467).
- ..… Enquanto o “acto de liquidação adicional de rendimento colectável” é o acto único que produziu os efeitos ao exterior, sendo um acto recorrível nos autos. ……
- Independentemente de que se o acto de fixação adicional ou de revisão do rendimento colectável produz efeitos externos, o acto de liquidação adicional, como base do processo de execução fiscal, é, sem dúvida, a decisão da autoridade fiscal de fixar o valor concreto do imposto devido pelo contribuinte nos termos do art.º 54.º, n.º 1 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, que pode produzir efeitos jurídicos de acordo com as disposições do direito público e se enquadra na definição do acto administrativo previsto no art.º 110.º do Código do Procedimento Administrativo, por isso, possui a força executiva, produzindo efeitos sobre a executada, e sendo executável a certidão de relaxe emitida com base nisso.
- É verdade que a liquidação adicional é um acto administrativo que impõe deveres ou encargo aos contribuintes, a partir do momento em que o destinatário foi notificado do acto, ou do qual o destinatário foi notificado por outras formas, ou a partir do momento em que o acto foi executado, tal notificação começou a produzir os efeitos (art.ºs 68.º, al. b) e 121.º, n.º 1 do CPA). A falta de notificação válida implica a nulidade do acto de liquidação adicional contra a executada e impossibilidade do cumprimento da dívida do imposto decorrente da liquidação adicional e como resultado a inexequibilidade das certidões de relaxe (art.ºs 136.º e 142.º do CPA).
- Contudo, a notificação tem por objectivo dar conhecimento ao destinatário do conteúdo do acto em causa, se o destinatário tiver conhecimento formal do acto em causa por via diversa da notificação, o acto também produzirá efeitos sobre ele. Alem disso, se o interessado intervir no procedimento administrativo e nele revelar o perfeito conhecimento do conteúdo do acto, então presume-se o conhecimento oficial (art.º 121.º, n.ºs 1 e 2 do CPA).
- Admitiu a executada no requerimento que ela tomou conhecimento da liquidação adicional, quando tinha procurado saber junto da Direcção dos Serviços de Finanças em 26 de Agosto de 2022 e, por isso, em 29 de Agosto, deduziu a reclamação (ponto 3 do requerimento) contra a fixação do rendimento colectável (adicional). E uma vez que a executada foi notificada da liquidação adicional e optou por reclamar do acto de fixação do rendimento colectável que constitui a base de liquidação, é capaz de dar como provado que a executada oficialmente já tomou conhecimento do conteúdo da liquidação adicional, mesmo que as supracitadas duas notificações de “Imposto Complementar de Rendimento – Fixação do Rendimento” (modelo M/5) não tenham sido entregues com sucesso. (vd. fls. 11 a 15 da sentença)
3) Pelo acima exposto, o Tribunal a quo julgou improcedente a oposição à execução fiscal nos autos. Inconformada com tal decisão (doravante designada por “sentença recorrida”), a recorrente veio interpor recurso.
  Fundamentos de recurso
4) Indicou o Tribunal na sua sentença, a fls. 11 e 12 que “tanto os impostos devidos, como a indemnização a título de agravamento da colecta, são dívidas pecuniárias decorrentes da liquidação adicional, a instauração dos processos de execução fiscal para cobrança desses valores tem por base o acto de liquidação adicional e não o acto de fixação do rendimento colectável ou o acto de revisão.”
5) E mais indicou que: “De facto, no processo tributário, o acto administrativo que determina finalmente os direitos e deveres dos contribuintes e tem um impacto directo no âmbito de seus bens, é o acto de liquidação de imposto por parte da Administração Fiscal, assim, a força executiva da liquidação de impostos, como acto administrativo, é a base para a instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva.” …… “Não passe de um mal-entendido sobre o acto que fundamenta o processo de execução fiscal, o que indicou a executada ……”
6) Além disso, também indicou na sentença a quo, a fls. 13 que: o “acto de liquidação adicional de rendimento colectável” é o acto único que produziu os efeitos ao exterior, sendo um acto recorrível nos autos”.
7) Contudo, quer para o pagamento dos impostos devidos, quer para a indemnização a título de agravamento da colecta, o acto administrativo que serve de base para a execução, deve ser a deliberação da Comissão de Revisão e não o acto de liquidação adional de impostos.
8) Tal como foi indicado pelo Digno Delegado do Procurador no processo do TSI relacionado com o presente caso, n.º 455/2023, “8.3 Na deliberação de 10-11-2022 (doc.De fls. 15v do P.A.., dado aqui igualmente por reproduzido para os devidos efeitos), a Comissão de Revisão enunciou perentoriamente: “Esta Comissão deliberou indeferir o pedido de reclamação em causa e manter o rendimento colectável no valor de MOP3.502.400 relativo ao exercício de 2018”. O que evidencia indiscutivelmente que a Comissão de Revisão qualificou o “Esclarecimento Complementar” da recorrente na reclamação e negou definitivamente o pedido da nova fixação dela. Sendo assim, não se descortina qualquer dúvida de que a apontada deliberação de 10-11-2022 tem a natureza de acto administrativo para os efeitos previstos nos art.º 110.º do CPA, art.º 28.º-1 do CPAC e art.º 80.º-2 do RICR ……)”. Os meritíssimos juízes do TSI também concordaram com o respectivo entendimento e o acolheram.
9) Face ao exposto, salvo o devido respeito e melhor entendimento, a recorrente considera que o que decidiu o Tribunal a quo que o acto que fundamenta o processo de execução é o acto de liquidação adicional e baseando-se nisso julgou improcedente o recurso, violou o disposto nos art.ºs 136.º, 141.º e 142.º do CPA, devendo a sentença recorrida ser revogada.
10) Além disso, tal como salienta a recorrente que ela nunca recebeu a notificação da liquidação adicional relativa aos exercícios de 2017 e 2018 feita pela Comissão de Revisão – Notificação da Fixação do Rendimento Colectável – Imposto Complementar de Rendimentos (modelo M/5).
11) Entende a sentença que, nos termos dos art.ºs 68.º, al. b) e 121.º, n.º 1, 136.º e 142.º do Código do Procedimento Administrativo, a eficácia do acto administrativo em causa depende da notificação oficial à recorrente. (vd. fls. da sentença)
12) Contudo, o Tribunal a quo, com base no ponto 6, facto que foi considerado relevante, “em 26 de Agosto de 2022, a executada tomou conhecimento da matéria sobre o pagamento de imposto, junto da Direcção dos Serviços de Finanças, e seguidamente em 29 de Agosto deduziu o pedido de revisão para a reclamação da fixação do rendimento colectável”, deu como provado que a recorrente já tinha sabido oficialmente o conteúdo da liquidação, mesmo que as supracitadas duas notificações de Fixação do Rendimento – Imposto Complementar de Rendimentos não tenham sido entregues com sucesso.
13) Tendo a recorrente, na presente petição de oposição à execução fiscal, já citado várias jurisprudências de Macau para enfatizar a importância da notificação para recorrentes, nomeadamente o que indica o Tribunal de Segunda Instância: “Sendo necessário controlar judicialmente o procedimento, como o controle se realiza através dos trâmites e dos fundamentos do acto, as modalidades de aquisição e qualquer outro momento de formação do acto devem ser exteriorizados, exteriorização esta que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário.”, “A notificação do acto tributário assume um papel de pressuposto essencial da execução.”
14) Face aos elementos da notificação previsos no art.º 70.º do CPA, o Douto Tribunal de Última Instância também fez a distinção e interpretação seguintes: “Quando a notificação ou a publicação do acto administrativo não dê a conhecer os elementos essenciais da notificação do acto (sentido, autor e data da decisão), a contagem do prazo para interposição do recurso contencioso não se inicia, como dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. Ou seja, o acto é ineficaz relativamente ao interessado.”
15) Em outras palavras, para que o acto administrativo produza efeitos ao interessado, este deve, no mínimo, ser informado dos elementos essenciais da decisão -- Nos autos, deve-se entender que, para que os créditos tributários possam ser executados, pelo menos, deve a recorrente ser notificada dos elementos essenciais seguintes (tal como entende o Tribunal a quo que cabe à recorrente tomar conhecimento por si própria): o sentido, autor e data da decisão.
16) Tendo a recorrente indicado na petição de oposição à execução fiscal que nunca tinha recebido tal notificação de liquidação adicional e fixação do rendimento (M/5); mas sim, a recorrente só foi informada verbalmente em 26 de Agosto de 2022 pelo pessoal do balcão de que tinha que pagar os impostos da liquidação adicional e respectivos impostos sobre os juros de mora etc..
17) A recorrente só tomou conhecimento por meios verbais de que tinha que pagar os impostos da liquidação adicional e respectivos impostos sobre os juros de mora etc, mas não sabia qual a razão tinha de pagar tais valores, em particular, desconhecia qual o prazo em que devem ser pagos os impostos, e quando será considerado vencido e deverão ser pagos os juros, e qual a entidade que tomou a decisão administrativa sobre o pagamento do imposto, também desconheceu quais as formas para fazer defesa.
18) Em termos do acto administrativo, os supracitados conteúdos, sem dúvida, são “elementos essenciais da notificação” indicados na jurisprudência acima indicada, mas de facto, a recorrente não possuía tais elementos, também não se pode considerar que deles já oficialmente tenha tomado conhecimento.
19) Pelo que, a recorrente considera que o que o Tribunal a quo deu como provado que a recorrente já tinha sido notificada oficialmente dos conteúdos do acto administrativo, violou o disposto nos art.ºs 70.º e 121.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo a sentença recorrida ser revogada.

  Pela Recorrida foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida contudo, não apresentando conclusões.
  
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos Factos
  
  Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1. Em 8 de Março de 2022, por ter obtidos os dados que os rendimentos concretos da executada relativos aos exercícios de 2017 e 2018 eram mais elevados de que os rendimentos por si declarados para os referidos exercícios, a autoridade fiscal procedeu novamente à fixação dos rendimentos colectáveis dos referidos exercícios (vd. fls. 22 do processo administrativo anexo n.º TA-23-3128-CFL e fls. 24 do processo administrativo anexo n.º TA-23-3129-CFL)
2. Em 7 de Abril de 2022, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável da executada no valor de MOP5.987.900,00 relativo ao exercício de 2017 (vd. fls. 43 dos autos).
3. Mais tarde, em 21 de Abril de 2022, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável da executada no valor de MOP3.502.400,00 relativo ao exercício de 2018 (vd. fls. 44 dos autos).
4. Em 25 de Abril de 2022, o Director dos Serviços de Finanças assinou e emitiu à executada duas Notificações de “Fixação de Rendimento – Imposto Complementar de Rendimentos (modelo M/5) e cumulativamente a notificou de que o valor de imposto a ser liquidado para o exercício de 2017 era de MOP646.548,00 e para o exercício de 2018, de MOP348.288,00, e mais tarde, em 29 de Abril, foram entregues aos Correios e Telecomunicações as correspondências para distribuição (vd. fls. 45 e 48 dos autos).
5. Depois, em 24 de Maio de 2023, a Direcção dos Serviços de Finanças assinou e emitiu à executada as notificações de pagamento do imposto complementar e guias de pagamento para os exercícios de 2017 e 2018 (correspondências n.ºs RR010038986MO e RR010039624MO) mas as correspondências em 19 de Agosto foram devolvidas ao remetente (vd. fls. 49 e 50 dos autos).
6. Em 26 de Agosto de 2022, a executada, junto da Direcção dos Serviços de Finanças, tomou conhecimento da matéria sobre o pagamento de imposto, e seguidamente, em 29 de Agosto, deduziu o pedido de revisão para a reclamação da fixação do rendimento colectável.
7. Em 1 de Setembro de 2022, a Direcção dos Serviços de Finanças emitiu a certidão de relaxe n.º 2022-02-900060, a fim de cobrar à executada o valor devido de MOP646.648,00 relativo ao imposto complementar do grupo B do exercício de 2017 (vd. fls. 2 do processo de execução n.º R/2022-02-900060).
8. Em 1 de Setembro de 2022, a Direcção dos Serviços de Finanças emitiu a certidão de relaxe n.º 2022-02-900074, a fim de cobrar à executada o valor devido de MOP348.288,00 relativo ao imposto complementar do grupo B do exercício de 2018 (vd. fls. 2 do processo de execução n.º R/2022-02-900074).
9. Em 22 de Setembro de 2022, com base nas supracitadas certidões de relaxe, a Repartição de Execuções Fiscais da DSF instaurou os processos de execução fiscal n.ºs R/2022-02-900060 e R/2022-02-900074 e no mesmo dia, o chefe da Repartição de Execuções Fiscais exarou, respectivamente, nos referidos dois processos, o despacho de citação (vd. fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900060 e fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900074).
10. Em 10 de Novembro de 2022, a Comissão de Revisão deliberou indeferir o pedido de reclamação e manter o rendimento colectável no valor de MOP5.987.900,00 relativo ao exercício de 2017 e o rendimento colectável no valor de MOP3.502,400,00 relativo ao exercício de 2018, e ao mesmo tempo, fixar o agravamento da colecta, pela improcedência das reclamações da executada, no valor de MOP1.488,00 e MOP1.394,00 como indemnizações (vd. fls. 52 a 55 dos autos).
11. Em 12 de Janeiro de 2023, a executada interpôs recurso contencioso contra a deliberação tomada em 10 de Novembro de 2022 pela Comissão de Revisão que indeferiu o seu pedido de reclamação e manteve a fixação dos rendimentos colectáveis dos exercícios de 2017 e de 2018, sendo os respectivos processos n.ºs TA-23-3128-CFL e TA-23-3129-CFL:
12. Em 1 de Março de 2023, a Repartição de Finanças de Macau da DSF emitiu a certidão de relaxe n.º 2023-02-900015, a fim de cobrar à executada o valor de MOP1.488,00, a título de indemnização, pela improcedência da reclamação por si deduzida da fixação do rendimento colectável do exercício de 2017 (vd. fls. 2 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900015).
13. Em 1 de Março de 2023, a Repartição de Finanças de Macau da DSF emitiu a certidão de relaxe n.º 2023-02-900018, a fim de cobrar à executada o valor de MOP1.394,00, a título de indemnização, pela improcedência da reclamação por si deduzida da fixação do rendimento colectável do exercício de 2018 (vd. fls. 2 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900018)
14. Em 17 de Março de 2023, com base nas supracitadas certidões de relaxe, a Repartição de Finanças da DSF instaurou os processos de execução fiscal n.ºs R/2023-02-900015 e R/2023-02-900018, e no mesmo dia, o chefe da Repartição de Execuções Fiscais exarou, respectivamente, nos referidos dois processos, o despacho de citação (vd. fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900015 e fls. 3 do processo de execução fiscal n.º R/2023-02-900018).
15. Em 6 de Abril de 2023, o chefe da Repartição de Execuções Fiscais exarou despacho determinando a junção ao processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900060 dos processos de execução fiscal n.ºs R/2022-02-900074, R/2023-02-900015 e R/2023-02-900018 (vd. fls. 4 do processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900060).
16. Em 11 de Abril de 2023, a executada do processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900060 e anexos, representada pelo sócio B, recebeu a cópia da certidão de dívida e notificação legal de citação emitidas pela Repartição de Execuções Fiscais (vd. fls. 5 do processo de execução fiscal n.º R/2022-02-900060).
17. Em 20 de Abril de 2023, a executada, junto do presente Tribunal, deduziu por simples requerimento a oposição à execução fiscal (vd. fls. 2 a 10v dos autos).

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor a decisão recorrida:
  «Alega a executada que é inexequível o título executivo em que se basearam os quatro processos de execução fiscal pelos fundamentos seguintes: primeiro, o acto, como titulo executivo, não é um acto administrativo não produzindo os efeitos jurídicos; segundo, a executada não recebeu a notificação de liquidação adicional referentes aos exercício de 2017 e 2018, pelo que, tal acto não produziu efeitos sobre a executada.
  Indica a entidade exequente que os fundamentos da oposição invocados pela executada não são qualquer dos fundamentos previstos no art.º 169.º do Código das Execuções Fiscais, não podendo ser admitidos; e mais indica que já foi devidamente notificada a executada dos resultados da fixação de rendimentos colectáveis, pelo que a reclamação foi deduzida pela executada fora do prazo.
  Antes de mais é de esclarecer se a oposição à execução fiscal pode ter por fundamento a inexequibilidade do título executivo.
  Nos termos do art.º 165.º, n.º 1 do Código das Execuções Fiscais, “A oposição só pode ter os fundamentos previstos por este código. (…) Se a oposição não tiver por fundamento qualquer dos mencionados nos números dos artigos 169.º e 176.º e se não for acompanhada dos documentos de prova ou indicação de testemunhas, será logo rejeitada in limine pelo juiz, que mandará prosseguir na execução”.
  Nos termos do art.º 169.º do Código das Execuções Fiscais, “A oposição por simples requerimento só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Ilegitimidade da pessoa citada, por esta não ser o próprio devedor nem o responsável pelo pagamento da dívida exequenda, seja qual for a sua proveniência; b) Pagamento da dívida exequenda ou sua anulação devidamente comprovada; c) Prescrição da dívida exequenda; d) Duplicação de colecta por, estando paga por inteiro uma contribuição ou imposto, se exigir, da mesma ou de diferente pessoa, uma outra de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo; e) Falta ou nulidade de primeira citação para a execução, quando o executado não tenha intervindo no processo. §1.º O fundamento da alínea d) deste artigo só é admissível se o executado o não tiver anteriormente invocado em qualquer recurso, e, da mesma forma, não poderá ser invocado em recurso se anteriormente tiver sido alegado em oposição à execução. §2.º Para observância do disposto no parágrafo anterior, o secretário de Fazenda dará, por escrito, a sua informação, que será junta aos autos.
  O Código das Execuções Fiscais estipulou no seu art.º 165.º o “princípio da enumeração taxativa”, isto é, só pode a executada ter como fundamentos de oposição à execução fiscal os previstos no art.º 169. e 176.º do Código, entre os quais, o art.º 169.º é aplicável à oposição deduzida por simples requerimento, e o art.º 176.º é aplicável ao embargo, enquanto a inexequibilidade do título executivo não é qualquer um dos fundamentos enumerados.
  Contudo, esta taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela jurisdicional efetiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos, designadamente de actos tributários de liquidação de tributos, é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente (vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, de Jorge Lopes de Sousa, volume III, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 441).
  Observando o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a jurisprudência de Macau tem vindo a entender que na oposição à execução fiscal, além dos fundamentos enumerados nos art.ºs 165.º, 169.º e 176.º do Código das Execuções Fiscais, também se pode ter como referência as disposições do processo cível sobre a execução e ter por fundamento a não existência ou inexequibilidade do título executivo (art.º 697.º, al. b) do Código de Processo Civil), por isso, pode o executado alegar que o acto administrativo que serve de base para a execução não existe, é nulo ou não produz efeitos perante a lei (vd. acórdão do TSI proferido no processo n.º 527/2006).
  A razão é que, se a dívida pecuniária decorrente de acto administrativo não for paga voluntariamente no prazo prescrito, deve a Administração Pública instaurar processo de execução fiscal, a fim de exigir o cumprimento da dívida em causa (vd. art.ºs 136.º, n.º 3 e 142.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). A exequibilidade do acto administrativo determina que a dívida pecuniária dele decorrente possa ser executada coercivamente através de processos de execução fiscal e, por conseguinte, determina se o título executivo é exequível. O pressuposto para a exequibilidade do acto administrativo é que o acto produz efeitos (art.º 117.º e 136.º, n.º 1 do CPA), Se o processo de executivo for instaurado com base num acto administrativo que não produz efeitos (por isso não é exequível), pode o executado requerer a cessação da execução com base na inexequibilidade do título executivo.
  Com referência ao entendimento acima indicado, este Tribunal entende que pode a executada, por simples requerimento, deduzir a oposição à execução, com fundamento na inexequibilidade do título executivo.
*
  Para analisar e apreciar os dois fundamentos invocados pela executada, é necessário esclarecer os actos em que se baseou a instauração dos processos de execução fiscal.
  Nos autos, a instauração de quatro processos de execução fiscal contra a executada por parte da entidade exequente tem por fundamento as quatro certidões de relaxe, uma vez que a executada não pagou voluntariamente os impostos complementares dos rendimentos resultantes da liquidação adicional relativos aos exercícios de 2017 e 2018, bem como não pagou atempadamente as duas indemnizações pela improcedência das reclamações, fixadas em 0,23% e 0,4% correspondentes aos valores dos impostos resultantes da liquidação adicional, como um agravamento da colecta (vd. art.º 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos).
  Daí pode-se verificar que tanto os impostos devidos, como a indemnização a título de agravamento da colecta, são dívidas pecuniárias decorrentes da liquidação adicional, a instauração dos processos de execução fiscal para cobrança desses valores tem por base o acto de liquidação adicional e o acto de fixação do rendimento colectável ou o acto de revisão.
  De facto, no processo tributário, o acto administrativo que determina finalmente os direitos e deveres dos contribuintes e tem um impacto directo no âmbito de seus bens, é o acto de liquidação de imposto por parte da Administração Fiscal, assim, a força executiva da liquidação de impostos, como acto administrativo, é a base para a instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva (vd. art.ºs 136.º, 141.º e 142.º do CPA e a obra acima citada, de Jorge Lopes de Sousa, Vol. I, pág. 467).
  Pelo que não passe de um mal-entendido sobre o acto que fundamenta o processo de execução fiscal, o que indicou a executada no seu requerimento que, o acto em causa, como título executiva do presente processo de execução, é o acto da Comissão de Revisão que indeferiu a reclamação por si deduzida e manteve os resultados da fixação dos rendimentos colectáveis dos exercícios de 2017 e 2018 (vd. pontos 8 e 23 do requerimento).
  Já que a base para a instauração do processo de execução fiscal é o acto de liquidação adicional e não o acto de fixação do rendimento colectável ou de revisão, então, salvo melhor entendimento, este Tribunal entende que não é possível serem procedentes os dois fundamentos invocados pela executada.
*
  Em primeiro lugar, a executada invocou o despacho que indeferiu liminarmente o recurso contencioso em matéria fiscal n.º TA-23-3129-CFL (vd. fls. 11 a 14 dos autos), alegando que o acto, como base do título executivo, não é um acto administrativo, não produzindo efeitos à executada.
  Contudo, o acto visado pelo despacho de indeferimento liminar do processo n.º TA-23-3129-CFL (e pelo acórdão do TSI que revogou o referido despacho) é um acto da autoridade fiscal que fixou adicional/novamente o rendimento colectável, bem como um acto da Comissão de Revisão que decidiu sobre a reclamação, não é acto de liquidação adicional. O que quer dizer no supracitado despacho é que não pode a autoridade fiscal criar “de forma adicional a fixação de rendimento colectável” até “de forma adicional a revisão de rendimento colectável”, uma vez que tais actos carecem de normas procedimentais independentes e não produzem efeitos no exterior, enquanto o “acto de liquidação adicional de rendimento colectável” é o acto único que produziu os efeitos ao exterior, sendo um acto recorrível nos autos. Daí pode-se saber que o supracitado despacho liminar não só não pode suportar o ponto de vista da executada, mas sim pelo contrário, mostra que não procedem os fundamentos por si invocados.
  Independentemente de que se o acto de fixação adicional ou de revisão do rendimento colectável produz efeitos externos, o acto de liquidação adicional, como base do processo de execução fiscal, é, sem dúvida, a decisão da autoridade fiscal de fixar o valor concreto do imposto devido pelo contribuinte nos termos do art.º 54.º, n.º 1 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, que pode produzir efeitos jurídicos de acordo com as disposições do direito público e se enquadra na definição do acto administrativo previsto no art.º 110.º do Código do Procedimento Administrativo, por isso, possui a força executiva, produzindo efeitos sobre a executada, e sendo executável a certidão de relaxe emitida com base nisso.
  Pelo que, essa alegação da executada carece de fundamentos.
*
  Alegou a executada que ela nunca tinha recebido a notificação da liquidação adicional dos impostos complementares dos rendimentos dos exercícios de 2017 e 2018 – “Imposto Complementar de Rendimento – Fixação do Rendimento” fixada a ela pela Comissão de Revisão, razão pela qual a liquidação adicional não produz efeitos sobre ela, sendo inexequível o título executivo que foi emitido com base na liquidação adicional.
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  De acordo com os documentos de fls. 35 a 48 dos autos, em 25 de Abril de 2022, o Director dos Serviços de Finanças assinou e emitiu à executada duas notificações de “Imposto Complementar de Rendimento – Fixação do Rendimento” (modelo M/5) e em 29 de Abril, remeteu-as aos Correios e Telecomunicações as correspondências para a distribuição, quanto aos conteúdos das duas notificações, são os valores dos rendimentos colectáveis da executadas referentes aos exercícios de 2017 e 2018 (adicionais) e valores de impostos da liquidação adicional, quer dizer, o Director dos Serviços de Finanças cumulativamente e mediante o modelo M/5, notificou a executada da fixação do rendimento (adicional) e da liquidação adicional.
  Quanto à remessa da fixação de rendimentos colectáveis (adicionais), a qual não foi apreciada no presente caso. E mesmo supõe-se aqui que a executada efectivamente não recebeu as supracitadas duas notificações de “Imposto Complementar de Rendimento – Fixação do Rendimento” (modelo M/5), também não assiste razão à executada.
  É verdade que a liquidação adicional é um acto administrativo que impõe deveres ou encargo aos contribuintes, a partir do momento em que o destinatário foi notificado do acto, ou do qual o destinatário foi notificado por outras formas, ou a partir do momento em que o acto foi executado, tal notificação começou a produzir os efeitos (art.ºs 68.º, al. b) e 121.º, n.º 1 do CPA). A falta de notificação válida implica a nulidade do acto de liquidação adicional contra a executada e impossibilidade do cumprimento da dívida do imposto decorrente da liquidação adicional e como resultado a inexequibilidade das certidões de relaxe (art.ºs 136.º e 142.º do CPA).
  Contudo, a notificação tem por objectivo dar conhecimento ao destinatário do conteúdo do acto em causa, se o destinatário tiver conhecimento formal do acto em causa por via diversa da notificação, o acto também produzirá efeitos sobre ele. Alem disso, se o interessado intervir no procedimento administrativo e nele revelar o perfeito conhecimento do conteúdo do acto, então presume-se o conhecimento oficial (art.º 121.º, n.ºs 1 e 2 do CPA).
  Admitiu a executada no requerimento que tomou conhecimento da liquidação adicional, quando a tinha procurado saber junto da Direcção dos Serviços de Finanças em 26 de Agosto de 2022 e, por isso, em 29 de Agosto, deduziu a reclamação (ponto 3 do requerimento) contra a fixação do rendimento colectável (adicional). E uma vez que a executada foi notificada da liquidação adicional e optou por reclamar do acto de fixação do rendimento colectável que constitui a base de liquidação, é capaz de dar como provado que a executada oficialmente já tomou conhecimento do conteúdo da liquidação adicional, mesmo que as supracitadas duas notificações de “Imposto Complementar de Rendimento – Fixação do Rendimento” (modelo M/5) não tenham sido entregues com sucesso.
  Quanto às questões se a executada recebeu as notificações da fixação dos rendimentos colectáveis (adicional) e se a reclamação foi deduzida intempestivamente (contra a fixação adicional dos rendimentos), as quais não são questões a apreciar no presente processo de oposição à execução fiscal, razão por que, mesmo na ausência de notificação efectiva do acto de fixação dos rendimentos colectáveis (adicional), o que só causará ao acto de liquidação adicional feito “prematuramente” o padecimento do vício de violação da lei e que é anulável, sendo uma violação específica do acto de liquidação adicional, e como sabemos que a não ser que a interessada não tenha oportunidade para impugnação, caso contrário, a violação específica do acto administrativo não pode servir de fundamento de oposição à execução fiscal, mas sim só pode ser impugnada na reclamação administrativa e no recurso contencioso interposto contra o acto administrativo (art.º 165.º, n.º 2 do Código das Execuções Fiscais, acórdão do TUI proferido no processo n.º 28/2012, acórdãos do TSI proferidos nos processos n.ºs 94/2003, 130/2003 e 171/2003).
  Pelo que, também não procede o segundo fundamento invocado pela executada.».
  
  Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
  «1.
  A Lda., sociedade comercial melhor identificada nos presentes autos, deduziu oposição às execuções fiscais contra si instauradas para cobrança coerciva de quantias respeitantes a imposto complementar dos anos de 2017 e 2018 e a indemnizações fixadas na sequência da improcedência de reclamações da fixação da matéria colectável deduzidas perante a Comissão de Revisão.
  Por douta decisão proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 67 a 74 dos presentes autos foi a oposição julgada improcedente.
  Inconformada, veio a Oponente interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação daquela decisão.
  2.
  (i)
  A primeira questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se a douta sentença recorrida sofre de erro de julgamento por ter decidido que o acto administrativo que serve de base à execução é o acto de liquidação adicional do imposto e não a deliberação da Comissão de Revisão que fixou a matéria colectável.
  Assim colocada a questão, parece-nos evidente, salvo o devido respeito, que a Recorrente não tem razão.
  Com efeito, a instauração da execução fiscal pressupõe a anterior prática de um acto tributário que, unilateral e autoritariamente, imponha ao sujeito passivo uma obrigação, no caso uma obrigação de pagamento de quantia certa: esse acto é o acto de liquidação do imposto, uma vez que é através dele que se fixa o quantum concreto da prestação tributária devida pelo sujeito passivo, impondo, do mesmo passo, a obrigação do seu pagamento dessa quantia e legitimando, e, caso de incumprimento voluntário, o recurso à execução fiscal para cobrança coerciva. Embora pressuponha a prévia determinação da matéria colectável, esse acto de liquidação, único que é impositivo e, portanto, executório, não se confunde com esta, independentemente da questão, para o caso irrelevante, da impugnabilidade contenciosa autónoma do acto de fixação da matéria colectável (acto destacável).
  (ii)
  A segunda questão colocada pela Recorrente é a de saber se a douta sentença recorrida errou ao julgar que as liquidações de imposto que originaram as dívidas exequendas eram eficazes.
  Aqui, com todo o respeito pelo decidido pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo, julgamos que a razão está com o Recorrente, ao menos no que tange à execução fiscal com o n.º R/2022-02-900060 (imposto complementar do ano de 2017) e à execução fiscal n.º R/2022-02-900074 (imposto complementar do ano de 2018); já não assim, no entanto, em relação às duas outras execuções fiscais com os nºs R/2023-02-900015 e R/2023-02-900018 para cobrança coerciva das quantias relativas ao agravamento da colecta.
  Pelas breves razões que seguem.
  Como antes dissemos, duas das execuções fiscais às quais a Recorrente se opôs visam a cobrança coerciva de imposto complementar dos anos de 2017 e de 2018 e foram instauradas com base em duas certidões de relaxe emitidas no pressuposto do incumprimento da obrigação tributária dentro do prazo de que o sujeito passivo dispunha para pagar voluntariamente (de acordo com o disposto no artigo 42.º do vetusto, mas ainda aplicável, Código das Execuções Fiscais, publicado pelo Decreto n.º 38:088, «o relaxe consiste na falta de pagamento dentro dos prazos legais»).
  Contudo, como, em geral, resulta do disposto no artigo 136.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), os actos administrativos (ou tributários) que imponham obrigações, como é caso paradigmático do acto de liquidação de imposto, apenas são susceptíveis de execução coerciva desde que eficazes. Daqui que a obrigação de pagamento de quantia certa resultante de um acto de liquidação ineficaz em relação ao sujeito passivo seja inexigível, podendo esta inexigibilidade constituir fundamento válido de oposição à execução fiscal, isto apesar da aparente taxatividade dos respectivos fundamentos dadas as razões atinentes à necessidade de assegurar uma tutela judicial efectiva já sagazmente aduzidas na douta decisão recorrida [o entendimento de que a ineficácia da liquidação gera a inexigibilidade da obrigação e constitui como tal fundamento de oposição à execução fiscal na exacta medida em que não contende com a legalidade da liquidação, sendo enquadrável no fundamento residual alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário português está vulgarizado, de há muito, no direito português e parece-nos que é de seguir].
  O ponto está, portanto, em saber se os actos de liquidação adicional de imposto complementar relativo aos anos de 2017 e 2018 são ou não eficazes em relação à Recorrente.
  Na douta sentença recorrida decidiu-se que sim por apelo, no essencial, ao disposto no artigo 121.º do CPA.
  Salvo o devido respeito, que é muito, não nos parece. Pelo seguinte.
  De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 artigo 121.º do CPA, «os actos que constituam deveres ou encargos para os particulares começam a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários, ou de outra forma de conhecimento oficial pelos mesmos ou do começo da execução do acto», sendo de presumir «o conhecimento oficial sempre que o interessado intervenha no procedimento administrativo e aí revele perfeito conhecimento do conteúdo do acto».
  Esta norma, na parte em que se refere ao «conhecimento oficial» como alternativa à notificação do acto enquanto requisito da respectiva eficácia tem de ser lida em conjugação com o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea b) do CPA. Num duplo sentido: no de que o conhecimento oficial só é alternativa à notificação se lei especial a isso não obstar e no sentido de que não é qualquer conhecimento nem qualquer intervenção do interessado no procedimento que permite, considerar o acto eficaz apesar da falta de notificação (quanto a este segundo sentido e nestes termos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J.PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, reimpressão, Coimbra, 1998, p. 635).
  Ora, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei 15/96/M, de 16 de Agosto, ainda em vigor [a revogação resultante da alínea 13) do artigo 27.º da Lei n.º 24/2024 que aprovou o Código Fiscal só será efectiva a partir de 1 de Janeiro de 2026, data em que, de acordo com o respectivo artigo 29.º, n.º 1, entrará em vigor], «o regime das notificações e avisos estabelecido no Decreto-Lei n.º 16/84/M, de 24 de Março, afasta a aplicação, em matéria fiscal, do disposto nos artigos 66.º e 69.º do Código do Procedimento Administrativo» (destaque nosso). O artigo 66.º do CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, de 18 de Julho, então em vigor e revogado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro que aprovou o CPA actualmente vigente, corresponde, precisamente ao artigo 69.º deste último, pelo que, a nosso ver, se deve entender que lei especial expressamente afasta a possibilidade de, em matéria fiscal, o conhecimento oficial servir de sucedâneo à notificação do acto.
  Por outro lado, ainda que assim não fosse, isto é, mesmo que se pudesse considerar que o conhecimento oficial substituiu a notificação, no que não se concede, sempre seria de considerar que não só faltou a expressa notificação do prazo de que dispunha para proceder ao pagamento voluntário (15 dias: artigo 60.º, n.º 1 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro), indispensável para a eficaz constituição do devedor em mora (a implicar que a Recorrente não teve «perfeito conhecimento do acto» em todas as suas dimensões relevantes), como, além disso, as certidões de relaxe foram extraídas antes de decorrido o prazo para o pagamento voluntário e que as próprias execuções fiscais foram instauradas antes desse prazo (cfr. artigo 60.º, n.º 2 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos: «em caso de incumprimento, proceder-se-á à cobrança virtual, devendo o pagamento efectuar-se durante o mês seguinte ao do débito ao recebedor»), numa altura, pois, em que as obrigações exequendas relativas ao imposto complementar dos anos de 2017 e de 2018 eram, manifestamente, inexigíveis.
  Por estas razões, assim brevemente expostas, propendemos a considerar que a oposição deduzida, na parte atinente às execuções fiscais n.º R/2022-02-900060 (imposto complementar do ano de 2017) e à execução fiscal n.º R/2022-02-900074 (imposto complementar do ano de 2018) deve proceder com a consequente revogação, nessa parte, da douta sentença recorrida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.
  É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
  
  No caso dos autos estão em causa quatro processos executivos, a saber:
  - Execução fiscal com o n.º R/2022-02-900060 (imposto complementar do ano de 2017);
  - Execução fiscal n.º R/2022-02-900074 (imposto complementar do ano de 2018);
  - Execução fiscal com o nº R/2023-02-900015 (indemnização no valor de MOP1.488,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2017);
  - Execução fiscal nº R/2023-02-900018 (indemnização no valor de MOP1.394,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2018).
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta no que concerne às execuções fiscais com o n.º R/2022-02-900060 (imposto complementar do ano de 2017) e com o n.º R/2022-02-900074 (imposto complementar do ano de 2018), julgando-se extintas as duas execuções em causa.
  Contudo, no que concerne às execuções fiscais com o nº R/2023-02-900015 (indemnização no valor de MOP1.488,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2017) e com o nº R/2023-02-900018 (indemnização no valor de MOP1.394,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2018), não se verifica os mesmos fundamentos, uma vez que a oponente foi notificada para pagamento daquelas quantias como resulta de fls. 58 e 59 e é dado como provado na alínea 10 da decisão recorrida, pelo que, devem as execuções prosseguir como decidido.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência julgar extintas as execuções fiscais com o n.º R/2022-02-900060 (imposto complementar do ano de 2017) e com o n.º R/2022-02-900074 (imposto complementar do ano de 2018), mantendo a decisão recorrida de improcedência da oposição quanto às execuções fiscais com o nº R/2023-02-900015 (indemnização no valor de MOP1.488,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2017) e com o nº R/2023-02-900018 (indemnização no valor de MOP1.394,00 fixada pela improcedência da reclamação dos resultados da fixação do rendimento do exercício de 2018).
  
  Custas a cargo da Recorrente na proporção do decaimento, sendo certo que no mais a Recorrida está delas isenta.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 26 de Setembro de 2025
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(1° Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2° Juiz-Adjunto)

M°P°
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Procurador-Adjunto)


225/2025 ADM 41