Processo n.º 503/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 26 de Setembro de 2025
Assuntos:
- Autorização de que depende a abertura dum 2º escritório por parte de advogado
SUMÁRIO:
I - O artigo 11º do Regulamento de Acesso à Advocacia (de 15/12/1999) dispõe:
1. Para poderem exercer efectivamente a profissão, os advogados inscritos devem ainda:
a) Instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente, constituindo este o seu domicílio profissional;
b) Contratar um seguro de responsabilidade civil profissional, nos termos a definir em regulamento, e fazer prova do mesmo junto da A.A.M.
2. A abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional depende de autorização da A.A.M., mediante requerimento fundamentado.
3. Não é necessária a autorização referida no número anterior quando as instalações se localizem no mesmo edifício do domicílio profissional.
4. À mudança de escritório é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 4 e no n.º 5 do artigo seguinte, com as devidas adaptações.
É um artigo que impõe alguns deveres ao advogado no que toca a uma dimensão relevante do exercício da profissão, nomeadamente o dever de instalar e manter um escritório aberto ao público que constitua o seu domicílio profissional e, como tal, o seu centro de vida profissional (artigo 11.º, n.º 1, alínea a)). É um dever de garantir que esse escritório corresponde a espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, o dever de unicidade do domicílio profissional a exigir que o estabelecimento de um domicílio profissional secundário só possa ter lugar em casos justificados, dependendo de autorização da Associação (artigo 11.º, n.º 2), salvo se esse domicílio secundário se situar no mesmo edifício do domicílio profissional principal caso em que a autorização não é necessária (artigo 11.º, n.º 3).
II - A norma do n.º 2 do artigo 11.º do citado Regulamento sujeita a autorização da Associação dos Advogados de Macau a abertura de um escritório ao público que constitua domicílio profissional secundário, autorização esta que depende da apresentação por parte do advogado de “requerimento fundamentado”. Ou seja, a norma regulamentar atribui à Associação dos Advogados uma discricionariedade de apreciação, no sentido de apreciar a justificação apresentada pelo advogado para a abertura de um segundo escritório.
III - A norma regulamentar em causa de modo algum habilita a Associação dos Advogados de Macau a fazer intervir na decisão de autorização ou não autorização da abertura de um novo escritório a extravasar da apreciação das razões invocadas pelo advogado requerente e fazer intervir outras considerações, nomeadamente, as que se prendem com a observância dos deveres referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento. Dito por outra forma, a Associação dos Advogados de Macau não dispõe de qualquer meio legalmente previsto para actuar preventivamente em relação à violação daqueles deveres, apenas podendo actuar repressivamente em sede própria que é a disciplinar e apenas no quadro das penas legalmente previstas, entre as quais, aliás, não está prevista a do encerramento do escritório.
IV - Na ponderação efectuada pela Associação que conduziu à prolação do acto administrativo impugnado é patente que, por um lado, o ponto central de todo o discurso fundamentador desse acto foi constituído por considerações que, manifestamente, extravasam dos limites da norma de competência que habilita o exercício do poder discricionário (em sentido impróprio) e, por outro lado, que, só secundariamente, foi ponderada a questão da suficiência das instalações que constituem o escritório da Recorrente, ponderações estas que resultam de uma errada interpretação do alcance da previsão normativa que confere o poder discricionário em análise, o que demonstra que a Associação dos Advogados de Macau fez um uso indevido do poder discricionário, eis a razão bastante para anular o acto recorrido.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 503/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 26 de Setembro de 2025
Recorrente : Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會大會)
Recorrida : A
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會大會), devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 14/03/2025, veio, em 26/03/2025, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 283 a 298, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida a fls. 265 a 274 dos autos, de 14 de Março de 2025, que julgou procedente o recurso contencioso administrativo interposto pela Recorrente A, aqui Recorrida (a "Recorrente"), com a consequente anulação do acto administrativo recorrido, por violação do artigo 11.º, n.º 2 do Regulamento do Acesso à Advocacia.
II. O acto administrativo em causa consiste na deliberação da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau, aqui Recorrente (a "Entidade Recorrida"), tomada em 11 de Setembro de 2023, que apreciou e indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto pela Recorrente da decisão tomada pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau, de 15 de Abril de 2023, mantendo assim essa decisão, i.e., no sentido de indeferir o pedido apresentado pela Recorrente no dia 31 de Outubro de 2022, relativo à abertura ao público, no dia 14 de Novembro de 2022, de um escritório distinto do seu actual domicílio profissional, a instalar na Rua da XX n.º XX, Edifício XX, Rés-do-Chão "D", em Macau.
III. A Recorrente interpôs o presente recurso contencioso administrativo, que teve por objecto essa deliberação da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau, com os seguintes fundamentos: (1) violação do direito fundamental da liberdade de escolha da profissão; (2) incompetência absoluta; e (3) violação dos princípios da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade, pugnando quer pela nulidade quer pela anulação dessa deliberação.
IV. O douto Tribunal a quo deu provimento ao recurso com base na qualificação que considerou ser a adequada, ao abrigo do consignado no n.º 6 do artigo 74.º do CPAC, recorrendo ao vício de ilegalidade do acto recorrido, e ainda com base numa interpretação restritiva e correctiva que fez das normas contidas no n.º 1, alínea a) e no n.º 2 do artigo 11.º do RAA.
V. O Tribunal a quo julgou procedente o fundamento de violação do princípio da imparcialidade, por parte da Entidade Recorrida, e improcedentes os vícios de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade,
VI. O douto Tribunal a quo alicerça-se numa interpretação restritiva e correctiva que fez das normas contidas no n.º 1, alínea a) e no n.º 2 do artigo 11.º do RAA, afastando-se por completo dos fundamentos alegados e invocados pela Recorrente.
VII. A Entidade Recorrida não acompanha esta posição adoptada pelo Tribunal a quo, porquanto a interpretação que é feita não tem qualquer suporte na letra da lei.
VIII. A norma jurídica em causa (n.º 2 do artigo 11.º do RAA) exige efectivamente a autorização prévia da entidade reguladora, a AAM, para a abertura ao público de um novo escritório distinto do domicílio profissional de um determinado advogado inscrito, e que não venha a localizar-se no mesmo edifício desse domicílio profissional, não bastando, assim, uma mera comunicação prévia por parte desse advogado.
IX. O RAA consiste num acto normativo cuja emanação decorre da norma habilitadora consignada no artigo 19.º, n.º 3 do Estatuto do Advogado.
X. Não se trata aqui de uma mera formalidade, de uma mera notificação ou comunicação prévia por parte do Advogado.
XI. Trata-se de uma verdadeira autorização, prévia, da AAM, sem a qual não será permitido a um determinado advogado inscrito a abertura ao público de um novo escritório, distinto do respectivo domicílio profissional, e cuja localização não seja no mesmo edifício do actual domicílio profissional, e quando esse novo escritório se destine a ser aberto ao público.
XII. Não basta uma mera comunicação prévia por parte do advogado à AAM, necessário é uma autorização prévia da AAM, um deferimento do pedido de um advogado, caso contrário estar-se-ia a abrir porta a que qualquer advogado pudesse abrir um novo escritório, em qualquer parte de Macau, em qualquer sítio, bastando dar conhecimento disso à AAM.
XIII. Foi esta a vontade expressa do legislador, devidamente reflectida e expressa no texto da lei, nos n.ºs 1, alínea a) e n.ºs 2 e 3 do artigo 11.º do RAA, qual seja a de sujeitar o pedido de abertura de um novo escritório, distinto do domicílio profissional do Advogado, ao escrutínio da entidade reguladora competente, a AAM,
XIV. O pensamento do legislador encontra-se devidamente reflectido no texto da norma.
XV. A interpretação restritiva e correctiva do Tribunal a quo não está em consonância com o legalmente consentido e consagrado no artigo 8.º do Código Civil, i.e., com as regras e directrizes que o intérprete terá de respeitar e seguir na tarefa interpretativa de uma determinada disposição legal, neste caso o artigo 11.º do RAA.
XVI. É necessário ainda, para efeitos do deferimento dessa autorização, que esse novo escritório preencha as condições previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RAA, i.e., ser um espaço condigno e adequado ao exercício da advocacia.
XVII. Caso contrário permitir-se-ia a qualquer advogado abrir um novo escritório aberto ao público num espaço ou local indigno, e manifestamente desadequado ao pleno exercício da advocacia.
XVIII. A decisão da Entidade Recorrida está conforme com o disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 11.º do RAA, não havendo violação do artigo 11.º, n.º 2 do RAA.
XIX. A decisão proferida a final nuns autos de recurso contencioso, como são os presentes autos, nunca poderá incidir sobre a justiça ou bondade de uma norma jurídica, mas sim na apreciação da legalidade do acto administrativo recorrido, com a sua consequente anulação, ou não, de acordo com o disposto no artigo 20.º do CPAC.
XX. O meio processual próprio para esse efeito poderá ser a impugnação de normas, previsto nos artigos 88.º a 93.º do CPAC, caso se considere que a abertura de um segundo escritório de advocacia jamais colocará em causa o direito fundamental de acesso à profissão.
XXI. Não se pode extravasar o pedido da Recorrente, relativo à abertura ao público de um escritório distinto do seu actual domicílio profissional, nem se pode afastar do acto administrativo recorrido, que indeferiu esse pedido apresentado pela Recorrente.
XXII. Não se pode aproveitar os presentes autos de recurso contencioso para apreciar, corrigir, ou mesmo interpretar a norma contida no artigo 11.º do RAA.
XXIII. A decisão da Entidade Recorrida não impede nem limita o pleno e livre exercício da advocacia por parte da Recorrente.
XXIV. A Recorrente não ficou impedida de exercer advocacia, nem ficou impedida de gerir e administrar o seu escritório de advogados, como sempre fez, nem os advogados e funcionários que com ela trabalham ficaram de algum modo prejudicados ou impedidos de exercer, em pleno, a sua profissão.
XXV. A Entidade Recorrida nunca se imiscuiu no modo como a Recorrente gere ou administra o seu actual escritório de advogados.
XXVI. A Recorrente decidiu livremente a profissão que pretendia exercer e escolheu o seu meio de subsistência: exercer a profissão de advogado.
XXVII. O acto recorrido limitou-se a impedir a abertura de um novo local de trabalho para aí exercer actos próprios de advogado, por razões devidamente justificadas.
XXVIII. O artigo 35.º da Lei Básica não prevê a liberdade de escolha do local de trabalho, como também não prevê o direito de escolher livremente o seu modelo de organização.
XXIX. O artigo 35.º da Lei Básica não se aplica ao presente caso, e o direito da Recorrente de escolher livremente a sua profissão nunca foi violado.
XXX. Os fundamentos da decisão de indeferimento tomada pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau, de 15 de Abril de 2023, resultam expressos no relatório de fls. 43 do processo administrativo, e na Informação detalhada elaborada pelo Dr. B, de fls. 54 a 60 do processo administrativo.
XXXI. O pedido da Recorrente foi indeferido, porque o espaço para o qual foi requerida a autorização para a abertura de um novo escritório de advogados não dispõe das condições condignas e adequadas para o exercício da advocacia.
XXXII. Uma das intenções do legislador subjacentes à obrigatoriedade da autorização prévia da AAM, contida no comando normativo do n.º 2 do artigo 11.º do RAA, é preservar o bom desenvolvimento da profissão de advogado em Macau e evitar a concorrência desleal entre advogados.
XXXIII. É para evitar a ocorrência destas situações que a AAM só aprova, a título muito excepcional, o pedido de um advogado para abrir um outro escritório ao público fora do seu domicílio profissional, ou seja, só quando o advogado tiver motivos suficientes e justificados para o efeito.
XXXIV. O disposto no n.º 3 do artigo 11.º do RAA reforça ainda mais o carácter e a natureza excepcional e a especialidade da regra contida no n.º 2 do artigo 11.º do RAA, precisamente porque não há risco de concorrência regional desleal por se abrir novo escritório no mesmo edifício do respectivo domicílio profissional.
XXXV. A natureza excepcional da regra do n.º 2 do artigo 11.º do RAA também é esclarecida pela relação existente entre o advogado e o seu escritório de advocacia, pois que o escritório de advocacia é o principal local onde os advogados exercem a sua profissão.
XXXVI. Perde-se esse cordão umbilical, essa relação indissociável, entre Advogado e respectivo escritório, se esse Advogado tiver vários escritórios localizados em diferentes pontos de Macau.
XXXVII. Para determinar se o espaço destinado à abertura de um escritório de advocacia é condigno, adequado, apropriado e afecto exclusivamente a essa finalidade, é preciso saber se esse espaço permite, de facto, que os advogados cumpram de forma rigorosa, integral e independente os seus deveres de ética profissional, mormente o dever deontológico de segredo profissional, o qual é um direito e um dever fundamental do advogado que, no exercício da sua profissão, é o depositário dos segredos e informações confidenciais dos seus clientes - artigo 5.º, n.º 1 do Código Deontológico.
XXXVIII. As conclusões vertidas na Informação elaborada pelo Dr. B, a fls. 58 e 59 do processo administrativo, esclarecem que as instalações do novo espaço, composto por rés-do-chão e sobreloja, onde se localizaria o novo escritório de advogados da Recorrente, não dispõe das condições mínimas que permitem assegurar o integral cumprimento do dever deontológico de segredo profissional.
XXXIX. O espaço acima referido é manifestamente insuficiente para acolher o número de participantes nas reuniões entre clientes e advogados, e não está salvaguardada a privacidade que é necessária aquando de reuniões entre clientes e advogados.
XL. O novo escritório não cumpre os requisitos que um escritório de advocacia deve possuir, ou seja, dispor de espaço suficiente para guardar os documentos e informações confidenciais dos clientes, o que compromete gravemente o cumprimento do dever deontológico de segredo profissional.
XLI. O acto recorrido não violou o direito da Recorrente de liberdade de escolha da profissão, previsto no artigo 35.º da lei Básica, nem impôs qualquer restrição ao modelo de gestão ou administração do seu escritório de advogados ou à localização do seu local de trabalho.
XLII. A Entidade Recorrida limitou-se, a determinar e aferir se o pedido da Recorrente de abrir um segundo escritório de advocacia, distinto do seu domicílio profissional, estava em conformidade com os deveres deontológicos que os advogados devem cumprir, tendo concluído que esse espaço não dispõe das condições condignas e adequadas para o exercício da advocacia.
XLIII. O Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de interpretação e aplicação da norma jurídica in casu, a norma do artigo 11.º, n.º 2 do Regulamento do Acesso à Advocacia.
XLIV. Relativamente a o segmento decisório que julgou improcedente o recurso quanto aos demais fundamentos invocados pela Recorrente, qual sejam os alegados vícios de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, dever-se-á manter a rigorosa e acertada motivação de Direito plasmada na douta Sentença a esse respeito.
XLV. A Direcção da AAM e a Entidade Recorrida fizeram uma ponderação de todos os interesses envolvidos, mantendo-se sempre isentas do início ao fim deste processo administrativo e na tomada das decisões, tendo emitido dois pareceres quanto ao assunto, os quais foram bastante conclusivos e permitiram formar uma convicção segura dos factos.
XLVI. A Entidade Recorrida cumpriu efectivamente o princípio da imparcialidade.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão:
Deverá ser dado provimento ao presente Recurso, nos termos supra explanados e, em consonância com o acima alegado, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o recurso contencioso administrativo interposto pela Recorrente, mantendo-se na íntegra o acto recorrido.
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A, Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 300 a 310, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida a fls. 265 a 274 dos autos, em 14 de Março de 2025, que julgou procedente o recurso contencioso administrativo interposto pela ora Recorrida, A, anulando o acto administrativo recorrido, o qual consiste na deliberação da Assembleia Geral da AAM, tomada em 11 de Setembro de 2023, que indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto da decisão dá Direção da AAM, de 15 de Abril de 2023, que par sua vez, indeferira o pedido dá Recorrida de abertura de um escritório distinto do seu domicílio profissional.
II. A Recorrente, nas suas alegações, levanta uma questão preliminar de manifesta improcedência, ao sugerir que o meio processual adequado para o presente litígio seria a impugnação de normas, prevista nos artigos 88.º a 93.º do CPAC, o que revela uma profunda incompreensão da natureza do processo administrativo contencioso e do objecto do presente recurso.
III - O recurso contencioso administrativo, conforme o artigo 20.º do CPAC, tem por finalidade "a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica".
IV - Trata-se, essencialmente, de um controlo da legalidade de actos administrativos individuais e concretos, visando a sua remoção da ordem jurídica quando viciados.
V - O acto impugnado nestes autos é, inequivocamente, uma deliberação individual e concreta da Assembleia Geral da AAM, que indeferiu o pedido específico da ora Recorrida de abertura de um escritório distinto do seu domicílio profissional. Este acto, por natureza, produz efeitos apenas na esfera jurídica da Recorrida.
VI - A impugnação de normas, ao contrário, tem por objetos actos gerais e abstractos, de caráter regulamentar, cuja invalidade, uma vez declarada, produz efeitos erga omnes, ou seja, para todos.
VII - A impugnação de normas tem por objecto normas regulamentares e não actos administrativos individuais e concretos.
VIII - No presente caso, o Tribunal Administrativo foi chamado a julgara legalidade de um acto concreto.
IX - Para o fazer, e porque o acto se fundamentava no artigo 11.º do RAA, o Tribunal teve, necessariamente, de interpretar essa norma e aferir se a Interpretação e aplicação que a AAM lhe dera era conforme à lei e à Constituição (Lei Básica).
X - Esta apreciação da conformidade legal da norma, quando feita no âmbito de um recurso de acto concreto, é meramente incidental e não visa a sua anulação com eficácia geral.
XI - Trata-se de um controlo difuso da legalidade, inerente à função jurisdicional de fiscalizar a conformidade dos actos administrativos com a ordem jurídica, cujos efeitos da decisão judicial se restringem ao caso sub judice, não se estendendo à remoção da norma do ordenamento jurídico com caráter geral e abstracto.
XII - Não se pretendeu, nem se poderia pretender, com o presente recurso, que o artigo 11.º do RAA fosse "corrigido" ou "interpretado" em abstracto para valer para todos os casos futuros.
XIII - O que se buscou, e o que a Sentença logrou, foi a anulação de um acto que se considerou ilegal por uma aplicação e interpretação viciada da norma.
XIV - A interpretação da norma, foi, pois, um passo metodológico indispensável para a fiscalização da legalidade do acto administrativo concreto.
XV - Ou seja, o recurso contencioso administrativo pode incidir sobre a interpretação de normas regulamentares quando essa interpretação seja necessária para apreciação da legalidade do acto impugnado, sem que tal signifique impugnação abstracta da norma.
XVI - Em suma, a alegação da Recorrente de que o presente recurso deveria ser uma impugnação de normas é manifestamente improcedente e revela uma tentativa de desvirtuar o objeto do litígio, o qual se circunscreve, de forma clara e Inequívoca, à fiscalização da legalidade do acto administrativo concreto que indeferiu o pedido da Recorrida.
XVII - A interpretação e aplicação das normas jurídicas é uma função intrínseca e indispensável do tribunal ao julgar a legalidade de qualquer acto administrativo, pois se um acto é ilegal por erro na interpretação ou aplicação da norma, o tribunal não só pode como deve corrigir essa interpretação, ainda que os efeitos se limitem ao caso concreto.
XVIII - Como bem observa SÉRVUIO CORREIA: "A fiscalização da legalidade dos actos administrativos implica necessariamente a interpretação das normas que lhes servem de fundamento" (legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, 1987, p. 234).
XIX - O Tribunal Administrativo, ao proceder à interpretação do artigo 11.º do RAA, agiu no pleno exercício das suas competências e no estrito cumprimento da sua função jurisdicional de controlo da legalidade administrativa.
XX - A douta Sentença do Tribunal Administrativo operou uma interpretação do artigo 11.º do RAA que se afigura como a única juridicamente correcta e constitucionalmente adequada, em clara oposição à leitura literalista e restritiva propugnada pela AAM. Para demonstrar a solidez desta interpretação, recorrer-se-á aos cânones hermenêuticos consagrados.
XXI - A interpretação jurídica não se esgota no elemento gramatical. Conforme o artigo 8.º do Código Civil, que estabelece as regras de interpretação da lei, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, más reconstituir a partir dela "o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada". Este imperativo metodológico exige a conjugação de elementos:
•Gramatical: A formulação linguística da norma.
•Sistemático: A inserção da norma no contexto do diploma e do ordenamento jurídico.
•Lógico/Racional: A ratio legis (razão de ser da lei) e a coerência interna do sistema.
•Teleológico/Finalístico: O fim prosseguido pelo legislador.
•Histórico: As circunstâncias da elaboração da lei.
•Evolutivo: A adaptação da lei às novas realidades sociais.
XXII – O artigo 11.º do RAA, sob a epígrafe "Requisitos adicionais de exercício da advocacia", deve ser analisado como um todo coerente, e não como um conjunto de preceitos isolados.
XXIII – O artigo 11.º, n.º 1, alínea a), estabelece que os advogados inscritos devem "Instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente, constituindo este o seu domicílio profissional".
XXIV - É crucial notar que este preceito, que se refere à instalação do domicílio profissional principal do advogado, não prevê qualquer necessidade de autorização prévia por parte da AAM para a sua instalação ou manutenção.
XXV - A "condignidade" e "adequação" são características exigidas, mas a sua verificação ocorre a posteriori, presumindo-se a sua existência no momento da comunicação, pelo que, como bem salientou o Tribunal Administrativo, "a instalação do escritório de advocacia como domicílio profissional não está sujeita à prévia autorização, nem depende da verificação da condignidade ou da adequação do respectivo espaço como os seus pressupostos constitutivos".
XXVI - Esta ilacção é fundamental: se o centro da actividade do advogado, o seu domicílio profissional, não carece de autorização prévia baseada em critérios de espaço, seria logicamente incoerente e desproporcional que um escritório secundário ou uma extensão estivesse sujeito a um regime mais gravoso de controlo prévio. O acessório não pode ser mais oneroso que o principal.
XXVII - O artigo 11.º, n.º 2 do RAA, dispõe que "A abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional depende de autorização da AAM, mediante requerimento fundamentado", insistindo a AAM numa interpretação literal desta "autorização" como um verdadeiro poder discricionário de licenciamento, baseado, em critérios de "condignidade" e "honra" do local.
XXVIII - No entanto, esta leitura literal conduz a uma contradição insustentável com o n.º 1, alínea a) do mesmo artigo, pois se a AAM não tem poder para fiscalizar previamente a "condignidade" do domicílio profissional, como pode ter esse poder para um escritório secundário?
XXIX - A resposta reside na interpretação correctiva ou restrictiva do n.º 2 do referido artigo. O legislador, ao usar a palavra "autorização", disse mais do que pretendia dizer, pois a intenção não era criar um novo regime de licenciamento discricionário, mas sim garantir que a AAM tivesse conhecimento da abertura de tais escritórios para fins de registo e controlo a posteriori.
XXX - Porém, a contradição mais acentuada, e que desvenda a verdadeira intenção subjacente ao artigo 11.º do RAA, reside no seu n.º 3: "Não é necessária a autorização referida no número anterior quando as instalações se localizem no mesmo edifício do domicílio profissional".
XXXI - Se a alegada "condignidade e adequação do espaço" fossem os fundamentos essenciais e inabaláveis para a exigência de autorização, como sustenta a AAM nas suas alegações, seria completamente ilógico dispensar tal autorização quando o escritório se situa no mesmo edifício.
XXXII - A "dignidade" de um espaço não se altera em função de estar no mesmo ou noutro prédio, pois um escritório no mesmo edifício, por exemplo, um andar acima ou abaixo do domicílio profissional, poderia ser igualmente "indigno" ou "inadequado" sob o prisma da AAM, mas a lei expressamente dispensa qualquer autorização.
XXXIII - A própria AAM, nas suas alegações de recurso, revela o verdadeiro objetivo, da dispensa contida no n.º 3 do referido artigo, ao afirmar que se evita o "risco de concorrência regional desleal por se abrir novo escritório no mesmo edifício do respectivo domicílio profissional".
XXXIV - Esta admissão é crucial, pois demonstra que a ratio do n.º 2 do artigo 11º não é a fiscalização da "condignidade" do espaço, mas sim um controlo de índole económica e territorial, visando evitar "concorrência desleal".
XXXV - A interpretação sistemática do artigo 11.º impõe que o n.º 2 seja interpretado à luz do n.º 3, pois se a localização no mesmo edifício dispensa a autorização, não é a qualidade intrínseca do espaço que está em causa.
XXXVI - A exigência de "autorização" no n.º 2 do artigo 11º do RAA deve, pois, ser entendida como um mero dever de comunicação prévia, que permite à AAM ter conhecimento da abertura de novos escritórios para efeitos de registo e eventual fiscalização a posteriori quanto ao cumprimento dos deveres deontológicos, mas nunca como um poder discricionário de licenciamento.
XXXVII - A interpretação do artigo 11.º RAA não pode prescindir do seu enquadramento constitucional, nomeadamente o artigo 35.º da Lei Básica da RAEM, que consagra a "liberdade de escolha de profissão e de emprego", a qual não se esgota na mera possibilidade de escolher uma profissão, mas estende-se ao seu exercício e ao progresso na carreira, incluindo a escolha do local e das condições de trabalho.
XXXVIII - Ou seja, a liberdade de profissão não se esgota na liberdade de escolha, abrangendo também a liberdade de exercício, incluindo a escolha do local de exercício, sendo que os direitos fundamentais constituem limites aos poderes públicos, incluindo o poder regulamentar das associações públicas como a Associação dos Advogados de Macau.
XXXIX - Assim, o poder regulamentar da AAM, embora reconhecido no artigo 19.º, n.º 3, do Estatuto do Advogado ("cabe à Associação dos Advogados de Macau regulamentar o acesso à profissão e o estágio"), não lhe confere carta branca para impor restrições arbitrárias ao exercício da profissão após a inscrição.
XL - A interpretação da AAM, que impõe uma autorização prévia baseada em critérios subjectivos e não previstos na lei para a localização de um escritório, configura uma restrição excessiva e desproporcional à liberdade de profissão da Recorrida, donde que
XLI - O Tribunal Administrativo, ao concluir que "o legislador diz mais do que aquilo que pretendia dizer e consideramos que para alcançar o fim por ele visado, seria suficiente impor aos associados um mero dever de comunicação prévia, em termos de manter-se compatível com o âmbito autorizado pela norma habilitadora do Estatuto, em vez de sujeitá-los à autorização prévia", efectuou uma interpretação conforme à Lei Básica, que preserva o núcleo essencial da liberdade de profissão e o princípio da proporcionalidade. A restrição imposta pela AAM não se mostrava necessária para alcançar o fim legítimo de garantiras condições de exercício da profissão.
XLII - A AAM, nas suas alegações, recorre a um argumento de carácter quase caricatural ao afirmar que seria "caricato" que fosse permitido a um advogado abrir um escritório em casa, ou ao lado de um centro de massagens, entre inúmeros exemplos não condignos e não adequados ao exercício da profissão", revelando uma incompreensão do verdadeiro conceito, de "dignidade da advocacia" e da sua relação com o espaço físico.
XLIII - O conceito de "dignidade da advocacia" e de "espaço condigno" não se prende, ou não deve prender-se, com a localização geográfica ou com a natureza dos estabelecimentos vizinhos.
XLIV - A dignidade da advocacia reside, primariamente, na conduta ético-profissional do advogado. Como afirma António Arnaut, em "Iniciação à Advocacia" (9.ª ed., Coimbra Editora, 2004, p. 78), "A dignidade do advogado reside na sua conduta, na sua independência técnica e na sua competência profissional, não no local onde exerce".
XLV - O essencial é que o espaço permita ao advogado cumprir os seus deveres deontológicos, a independência e o decoro profissional. Aliás, muitos advogados em Macau, e noutras jurisdições, exercem a sua profissão em edifícios de propriedade horizontal, onde coexistem as mais diversas atividades, incluindo, sim, casas de massagens, spas, clínicas de estética, salões de cabeleireiro, ou outros serviços.
XLVI - A existência de tais estabelecimentos no mesmo edifício ou nas proximidades não afecta, por si só, a dignidade da advocacia, pelo que a alegada preocupação com a "autoridade e dignidade dos advogados" em função da "localização e ambiente" do escritório é um critério subjetivo, vago e discriminatório.
XLVII - A AAM não pode, sob a capa de zelar pela dignidade da profissão, impor barreiras urbanísticas ou morais que não encontram respaldo na lei e que violam a liberdade profissional.
XLVIII - As imagens e descrições do espaço apresentadas pela Recorrida nos autos demonstram que, com as medidas de segurança e confidencialidade que seriam implementadas, o espaço seria funcionalmente apto ao cumprimento dos deveres deontológicos.
XLIX - A contradição da AAM é evidente: enquanto defende uma interpretação estrita da "dignidade" para indeferir o pedido da Recorrida, ignora que o n.º 3 do artigo 11.º do RAA dispensa qualquer controlo de dignidade para escritórios no mesmo edifício, pelo que a localização, de per si, não pode ser o único critério para aferir a condignidade.
L - O Tribunal Administrativo, ao focar-se na interpretação da norma e na inexistência de fundamento legal para a "proibição antecipada", demonstrou uma compreensão superior do problema jurídico em causa.
LI - A este propósito é pertinente a referência ao direito comparado, nomeadamente o Estatuto da Ordem dos Advogados português (Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro), que no seu artigo 91.º, alínea h), estabelece o dever de o advogado "manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral". Este preceito, à semelhança do direito de Macau, foca-se na adequação funcional para o cumprimento dos deveres, mas não exige autorização prévia para a abertura de escritórios secundários. A praxe e a doutrina em Portugal orientam-se para um regime de mera comunicação, salvo para fins de registo ou controlo a posteriori. Este modelo permite conciliar o controlo deontológico com a liberdade profissional, sem o recurso a autorizações prévias que se revelam desnecessárias e desproporcionais.
LII - Para além disso, sempre cumpre referir que a douta Sentença do Tribunal Administrativo foi inequívoca ao concluir pela violação do princípio da imparcialidade por parte da Entidade Recorrida.
LIII - Este vício, de capital importância no direito administrativo, constitui fundamento autónomo para a anulação do acto impugnado.
LIV - O princípio da imparcialidade, consagrado no artigo 6.º do CPAC impõe à Administração o dever de "ponderar todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares". Este princípio tem uma vertente positiva, que exige uma averiguação criteriosa de todos os factos e a ponderação de todos os interesses relevantes, e uma vertente negativa, que proíbe a consideração de interesses alheios à finalidade legal.
LV - A Petição Inicial (PI) já havia alertado para esta falha grave da AAM. A Recorrida, em duas audiências prévias, expôs detalhadamente os seus argumentos e as medidas que seriam tomadas para garantir o cumprimento dos deveres deontológicos, nomeadamente o sigilo profissional, no novo espaço. Contudo, a decisão final da Direção da AAM, mantida pela Assembleia Geral, limitou-se a afirmar que as respostas da. Recorrente "não alteram a opinião desta Direcção", sem qualquer análise substantiva dos novos elementos.
LVI - Esta ausência de ponderação configura uma violação manifesta do princípio da imparcialidade. Como ensina Mário Esteves de Oliveira em "Código do Procedimento Administrativo Comentado" (2.ª ed., Almedina, 2004, p. 157), a imparcialidade exige que a Administração "pondere todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto". A mera reprodução de pareceres anteriores, sem um escrutínio sério dos contra-argumentos do interessado, traduz uma "situação de défice de ponderação" que o direito administrativo proíbe.
LVII - Para além da omissão de ponderação, a AAM baseou a sua decisão em considerações que são manifestamente irrelevantes para a finalidade legal de regulamentar o exercício da advocacia, tais como a "melhor gestão do escritório de advogados"; A "determinação geográfica de escritórios"; A "taxa de desocupação dos escritórios em Macau"; A "capacidade do escritório principal da requerente para alojar advogados, advogados estagiários e funcionários" .
LVIII - Estas considerações extravasam, claramente, a esfera de competência da AAM. A gestão de um escritório de advogados, a escolha de locais de trabalho e a optimização do espaço são decisões de caráter privado e empresarial que cabem exclusivamente ao advogado. A AAM não tem competência para Intervir na gestão interna das sociedades de advogados, nem para definir as suas estratégias de expansão geográfica. A AAM intrometeu-se, ilegitimamente, em domínios alheios à sua função, violando o princípio da imparcialidade na sua vertente negativa, que proíbe a ponderação de interesses que não são relevantes para a decisão.
LVIX - Considerando todo o exposto entende-se que muito bem andou o douto tribunal "a quo", pelo que, não enfermando o acórdão recorrido de qualquer dos vícios apontados pela entidade recorrida, ou qualquer outro, deve o recurso improceder, por ser manifestamente infundado.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- A ora Recorrente A é advogada inscrita na Associação dos Advogados de Macau com a Cédula Profissional n.º XX.
- Por carta subscrita em 31/10/2022, a Recorrente requereu à Direcção da Associação dos Advogados que seja autorizada a abertura no dia 14/11/2022, de uma extensão do escritório A – Advogados, a instalar na Rua da XX n.º XX, Edf. XX, Rés-do-Chão “D”, em Macau (conforme fls. 1 do processo administrativo).
- Em 5/11/2022, 9/11/2022 e 10/11/2022, a Recorrente, a convite da Direcção, submeteu os esclarecimentos adicionais sobre o seu pedido (conforme fls. 8 a 19 do processo administrativo).
- Foi a Recorrente notificada através do ofício n.º 489/2023 enviado pela Direcção, para se pronunciar sobre o projecto da decisão de indeferimento do seu pedido, ao abrigo do n.º 1 do artigo 94.º do CPA, e ela assim apresentou a exposição em 20/3/2023 (conforme fls. 41 a 50 do processo administrativo).
- Juntamente com o referido ofício, foi também remetido o relatório em que se baseou o projecto, com o seguinte teor.
“報告書
事由:A律師開設分所的申請
針對題述事宜,報告人認爲,除之前在第一次通知書面聽證中提出的理由(在此視為完全轉錄),有關申請還應根據以下理由而不獲批准:
1. 有關申請的標的為開設分所,根據《律師入職規章》第11條第2款之規定,除非設施位於職業住所的同一大廈內,否則有關申請“須提出充份理據”;關於上述規定的“充份理據”,我們認為 2022年10月31 日提交的申請所指出之情況並不構成充份理據,因為:a) 考慮到澳門律師業的實際情況,為維護澳門律師業的健康發展,開設分所應該只是在非常特殊及例外的情況下才被考慮,而本開設分所的申請不具有特殊性、必要性及合理性;b) 申請人之職業住所設施”A, B, E 座”之實用面積不少於190平方米,地方足夠容納申請人律所的律師、實習律師即員工,更具體地說,申請人的律所有 4 名律師、2名實習律師及8名員工需要在職業住所内辦公(當中不計算司機和不會長期在澳門的律師),根據申請人本人的敘述,A及B 單位足夠2名律師、2名實習律師及6名職員;而E 單位足夠容納剩下的2名律師及2名職員;c) 目前澳門寫字樓空置率高,在現時職業住所所位於的商業大廈也有其他寫字樓單位出租或出售,而事實上,申請人在發展其律所規模時,也應充分應考慮實際情況,包括空間的問題;2. 申請開設分所所位於的地點及環境未能體現律師應有的權威及尊嚴;3. 結合所有理由的總體考慮,有關申請也應該不獲批准。
基於此,建議就上述内容再向申請人進行書面聽證。”
(conforme fls. 43 do processo administrativo)
- Por deliberação tomada em 15/4/2023, a Direcção decidiu o seguinte:
“會議紀錄第14/2023號
[…]”
“就A大律師請求批准開設其律師事務所分所的申請,考慮到申請人對獲通知的兩次書面聽證所提交的答覆,為著適當效力在此視為完全轉錄,並沒有改變理事會所持的意見,故通過按以之前兩份意見書的內容以及相關書面聽證通知書內已指出的理由(為著適當效力在此視為完全轉錄)駁回有關申請”。
(conforme o doc. junto a fls. 51 a 53 do processo administrativo).
- Em 11/9/2023, relativamente ao recurso hierárquico impróprio interposto da referida decisão da Direcção, a Entidade Recorrida Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau tomou a seguinte deliberação:
“[...]
Ponto um: Apreciação do recurso interposto pela Dra. A, advogada.
O Sr. Presidente da Mesa deu a palavra à Requerente para expor a situação.
A Requerente detalhou elaboradamente a situação referente ao recurso apresentado, tendo inclusivamente distribuído fotografias e outros elementos para consulta pelos associados, dando por reproduzido todo o conteúdo constante do recurso e documentos anexos.
Tomaram palavra diversos associados, em particular o Dr. (...), a Dra. (…) e o Dr. (…), em concordância com a posição da Requerente, para se pronunciarem sobre o objecto da apreciação deste recurso, bem como para prestarem esclarecimentos.
Tomou a palavra a Sra. Secretária Geral da Direcção para exposição da sua opinião pessoal bem como da Direcção, nomeadamente das considerações que determinaram pertinente na análise desta questão e que mereceu a devida discussão.
Seguiram-se novas intervenções do Dr. (…) e Dr. (…), com respostas da Dra. (…) e da requerente Dra. A, que agradeceu a disponibilidade dos associados para reunir e discutir este assunto. Questionou-se, nomeadamente, a eventual necessidade de definição adicional dos critérios subjacentes ao art. 11.º n.º 2 e n.º 1 al. a) do Regulamento de Acesso à Advocacia.
Levantou-se a questão do objecto da presente deliberação da Assembleia Geral a ser votado, ao que respondeu o Sr. Presidente da Mesa de que se tratava de aceitar ou não a pretensão da requerente, daí se extraindo as respectivas consequências.
O Sr. Presidente da Mesa tomou a palavra ainda para completar e dar contextualização do assunto em causa, bem como da seriedade e relevância da questão, agradecendo aos associados as suas intervenções elucidativas na questão.
Posto a votação o ponto em causa, foi a pretensão da requerente indeferida com 109 votos contra, 62 votos a favor e 5 abstenções.
[...]”
(conforme o doc. junto a fls. 28 a 29 dos autos).
- Em 10/10/2023, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso.
* * *
IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Recorrente A, melhor identificada nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo
contra
Entidade recorrida Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau, que pela deliberação tomada em 11/9/2023, indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto do indeferimento do seu pedido relativo à abertura de uma sucursal do escritório.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos de fls. 3 a 24 dos autos, em síntese:
– a violação do direito fundamental da liberdade de escolha da profissão,
– a incompetência absoluta,
– a violação dos princípios da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade.
Concluiu, pedindo a declaração da nulidade ou anulação da deliberação recorrida.
*
A Recorrida apresentou a contestação com os fundamentos constantes a fls. 122 a 150 dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto recorrido, pedindo que o recurso seja julgado improcedente.
*
Ambas as partes apresentaram as alegações facultativas.
*
O digno Magistrado do M.º P.º emitiu douto parecer no sentido de proceder o recurso interposto, cujo teor se transcreve no seguinte:
“司法上訴人A針對被訴實體澳門律師公會大會於2023年9月11日作出的決議提出本司法上訴,該決議決定否決司法上訴人提出的必要訴願,該訴願是針對澳門律師公會理事會於2023年4月15日作出的決議,該決議否決司法上訴人請求開設律師事務所分所的申請。
司法上訴人主張被訴行為侵犯其自由選擇職業的基本權利的根本內容、沾有絕對無權限的無效瑕疵、違反無私原則、平等原則及適度原則。
被訴實體提交答辯後,司法上訴人提交非強制性陳述,除自由選擇職業的基本權利外,還提出被訴行為因違反《基本法》第25條對相關區域存在歧視而侵害居民依據《基本法》第36條所規定的訴諸法律的基本權利。
*
儘管司法上訴人在非強制性陳述增加的上訴理由明顯不符合《行政訴訟法典》第68條第3款的規定,但由於對基本權利的侵害有可能構成無效瑕疵,屬可依職權審理之事宜,即不妨礙在此一併分析。
*
對於違反上述基本權利的根本內容,根據《行政程序法典》第122條第2款d項,侵犯一基本權利之根本內容之行政行為屬無效行為;換言之,僅當侵犯利害關係人的基本權利的根本內容,才導致行政行為無效。
就如何理解基本權利的根本內容一詞,參考比較法的角度,葡萄牙最高行政法院在2010年3月10日第046262號案件指出:“A jurisprudência deste STA tem considerado que «…só haverá violação do “conteúdo essencial” ou do “núcleo duro” do direito fundamental, quando o acto administrativo restritivo praticado tenha um tal impacte que não deixe qualquer sentido útil ao direito fundamental, isto é, não há possibilidade de este, depois, de restringido, poder desempenhar a sua finalidade. E que a existência de uma restrição “arbitrária” e “desproporcionada”, é um índice relativamente seguro da ofensa do núcleo essencial». Cf. os acs. STA de 04.05.00, rec. 45905, de 26.10.2000, rec. 46.321, de 27.05.2004, rec. 1569/02 e de 16.12.2009, rec. 1069/09 e ainda o Parecer da PGR, in Pareceres, vol. III, p.450 e na doutrina, o Prof. Gomes Canotilho, Estudos Sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2004, p. 153 e segs, e o Prof. Vieira de Andrade, obra citada, p.235.”
在上述同一判決中,該法院總結指出:“Não existem direitos fundamentais absolutos. No entanto, as restrições aos direitos fundamentais não podem ofender aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixa de o ser, fica esvaziado enquanto tal. Esse mínimo intocável constitui o chamado conteúdo ou núcleo essencial de cada direito fundamental.”
因此,基本權利並非不可限制,但當行政行為對利害關係人的基本權利作出肆意及不適度的限制,且導致該項基本權利失去其實用意義,侵犯其最少範圍,使無法實現其目的時,即屬侵犯該項基本權利之根本內容。
《基本法》第35條規定,澳門居民有選擇職業和工作的自由。
關於職業自由的根本內容,Jorge Miranda提出:“… em nome do interesse colectivo nunca poderá frustrar-se o conteúdo essencial da liberdade de profissão no âmbito de uma sociedade democrática (…), impondo a alguém certa profissão contra a sua vontade ou impedindo arbitrarimente alguém de vir a exercer ou de continuar a exercer a sua profissão.” --- Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª edição, Coimbrar Editora, p. 503
據此,僅當行政行為違背利害關係人的意願強迫其從事某職業,或肆意妨礙其從事或繼續從事其職業時,方涉及侵犯職業自由的根本內容。
司法上訴人為執業律師,一直從事執業律師的職務及具備作為職業住所的律師事務所,儘管被訴行為不許可司法上訴人在涉案地點開設分所接待公眾,但毫無疑問不至於導致司法上訴人完全無法繼續從事執業律師的職務,至於司法上訴人主張被侵犯的權利,包括選擇工作地點及發展業務的自由,屬職業自由的外延,不涉及上述根本內容。
故此,被訴行為不構成《行政程序法典》第122條第2款d項的無效。
至於司法上訴人主張被訴行為涉及違反《基本法》第25條及第36條的問題,一方面,被訴行為僅提及認為涉案分所所在地點及環境未能體現律師應有的權威及尊嚴,並非對相關區域的居民作出評價,未見被訴行為因國籍、血統、種族、性別、語言、宗教、政治或思想信仰、文化程度、經濟狀況或社會條件而對相關區域的居民作出歧視,亦不見得不許可司法上訴人開設分所將完全剝奪相關區域的居民訴諸法律的權利;另一方面,司法上訴人主張的問題,實際上屬於上述居民的權利,而非司法上訴人因被訴行為遭受損害的權利。
基於此,我們傾向認為上述上訴理由不成立。
*
對於絕對無權限,倘若沒有理解錯誤,司法上訴人大概是認為被訴實體無權介入司法上訴人如何管理其事務所。
對於權限,Sérvulo Correia解釋:“…, a competência é um complexo de poderes formais atrbuídos em termos genéricos. Para concluir se o autor do acto é competente, só cumpre verificar se existe uma norma jurídica que lhe confira o poder funcional. Este poder é considerado nos termos gerais e abstractos em que a lei o estatui, e portanto desligado da situação concreta.” --- Noções de Direito Administrativo I, Editora Danubio, p.375
毫無疑問,司法上訴人向被訴實體申請批准在職業住所以外的辦公室開設分所接待公眾,按照《律師入職規章》第11條第2款,明確規定有關申請須經被訴實體許可,即被訴實體具備權限決定是否許可司法上訴人的申請及作出被訴行為。至於司法上訴人描述的情況,實際上是不認同被訴行為的實質理由說明或主張其違反法律前提,但並非無權限的問題。
基於此,我們傾向認為上述上訴理由不成立。
*
對於違反無私原則,司法上訴人概括地主張被訴行為沒有考慮所有重要的事實及利益,以及考慮了不重要的事實及利益。
誠然,司法上訴人提出被訴行為違反無私原則不無道理,但我們主張的理由與司法上訴人有所不同。
由於被訴行為是一項合議機關的決議,且屬第二級行為,基於沒有作出額外的說明理由,其內容等同於其確認的第一級行為,即律師公會理事會的決議,故被訴行為的內容主要由兩份意見書組成,第一份意見書主要針對涉案分所的內部結構,認為涉案分所不能保障客戶的隱私,危及職業保密,不能作為恰當及適宜的場所從事律師業務;第二份意見書主要斟酌司法上訴人現有的執業空間、可供選擇的場所、開設分所的申請不具特殊性、必要性及合理性、分所所在地點未能體現律師應有的應有權威及尊嚴。
針對第一份意見書的理據,根據經第42/95/M號法令重新公佈的《律師通則》,有以下規定:
第三十條
(職責)
一、本公共團體之宗旨尤其為:
a)規範職業之從事;
b)給予律師及實習律師之職業資格;
c)增進律師職業之尊嚴與威望,並熱心致力於尊重職業道德原則;
d)在特定目的範圍內及無損於公共利益之促進下,維護職業及專業人士之利益、權利及特權;
e)增強其成員之間團結;
f)促進求取法律之認識及運用。
二、本公共團體之章程可規定特別適合於從事職業活動之其他職責。
三、關於規範司法組織、從事律師業、民事訴訟及刑事訴訟法規之提案或草案,必須聽取本公共團體之意見。
第三十一條
(權限)
澳門律師公會在履行其職責及根據法律之規定時有權限:
a)制定及修改章程;
b)制定及修改《職業道德守則》;
c)制定其他職業規章;
d)組織及保持強制性職業登記;
e)組織及指導職業實習;
f)制定《紀律守則》及有關其修改之提案;
g)對上項所指提案之修改提出意見。
而《律師入職規章》第11條有以下規定:
第十一條
從事執業律師職務的附加要件
一、為實質從事執業律師職務,註冊律師亦應:
a) 在恰當、適宜及專用作有關用途的空間內開設律師事務所及保持其運作,或使用已存在的律師事務所並以之作為其職業住所;
b) 根據規章所定的規定,訂立職業民事責任保險合同及向「本公會」出示有關的證明;
二、在職業住所以外的辦公室接待公眾,須經「本公會」許可;申請時,須提出充分理據;
三、設施如位於職業住所的同一大廈內,無需申請上款所指的許可;
四、經作適當配合後的下條第四款第二段及第五款的規定適用於事務所的遷移。
從上述條文可見,從事執業律師職務時,註冊律師必須在一所律師事務所內從事律師職務,該事務所應當是恰當、適宜及專用作有關用途,並且以之作為職業住所。
然而,除非有任何閱讀方面的遺漏,儘管我們無法知曉被訴實體的實際操作模式為何,但未見有條文要求,執業律師在開設或選擇作為職業住所的律師事務所時,需要得到被訴實體的事先許可,並且被訴實體可以引用其職業住所欠缺恰當及適宜為由不批准執業律師在此從事律師職務。
需要提問的是,作為職業住所的事務所,一般是執業律師的業務核心之處,但倘若被訴實體尚且不能以欠缺恰當及適宜為由不許可執業律師在此從事職務,為何被訴實體在考慮是否許可開設分所時,又可以引用此理據作為決定不許可的理由?
再者,根據《律師入職規章》第11條第3款,如果分所位於職業住所的同一大廈內,就無需申請被訴實體的許可;那麼,難度在同一大廈內開設的分所,就必定具備恰當及適宜的要求?其內部結構就絕對不會危及客戶的隱私及存在違反職業保密的風險?
在此,我們無意判斷在適用《律師入職規章》第11條第2款時應考慮哪些因素,但在對不同意見保持充分尊重之下,按照上述分析,司法上訴人申請開設的分所是否恰當及適宜,不應是被訴實體在作出決定時應予考慮的因素,更不能以不具備恰當及適宜的要求為由作出不許可的決定。
故此,被訴行為在上述部分的內容存在違反無私原則之虞。
針對第二份意見書的理據,大概可分為三部分,其一是認為司法上訴人的申請沒有特殊性、必要性及合理性,其二是認為司法上訴人已有足夠的執業空間及在其職業住所的同一大廈內有供出租或出售的寫字樓,其三是認為分所所在地點未能體現律師應有的權威及尊嚴。
就第一及第三部分,儘管不去考慮是否可以引用申請欠缺特殊性、必要性及合理性、以及分所選址欠缺上述權威及尊嚴作為不許可的理由,但從有關內容可見,相關表述僅屬結論性描述,未能具體解釋相關要求的內涵,亦未見被訴行為提出任何事實基礎及解釋予以支持,從一般人的視野,難以理解司法上訴人提出的申請理由為何不具特殊性、必要性及合理性,其選址的地點及環境為何未能體現律師應有的權威及尊嚴,即此部分的理由說明是明顯不充分的,存在欠缺說明理由的情況。
就第二部分,我們認為該分析方向是正確的,因為司法上訴人當初申請開設分所的原因正是提出現有的執業空間不足夠。
誠然,根據《行政程序法典》第87條第1款規定,利害關係人負證明其陳述之事實之責任,但不影響行政當局依法課予的調查義務。言則,當利害關係人向行政當局提出某項申請,有責任就創設其權利的事實進行舉證,相對地,行政當局亦有調查一切作為其決定依據的重要事實,包括需要查證利害關係人提出的證據及事實是否屬實。
如今,司法上訴人依據《律師入職規章》第11條第2款提出申請,並需在申請內提出充分理據,無疑地,司法上訴人有需要提出證據證明其主張的申請理據是否充分,而被訴實體則應作出對應的查證措施。
按照卷宗資料,司法上訴人在申請中提出現有空間不足夠的理由,但司法上訴人僅提供分所的資料,未見有提供現有執業空間的資料。
然而,被訴實體並非以司法上訴人未提供足夠證據證明其主張的事實屬實為由不批准其申請,亦未有對司法上訴人現時的執業空間作出調查以判斷其申請理由是否充分,而是以推測的方式估計司法上訴人的事務所仍有足夠空間容納其律師、實習律師及職員在內辦公,即客觀而言,被訴實體未盡其調查義務,導致其說明理由欠缺客觀事實基礎予以支持,存在事實前提錯誤的瑕疵。
至於司法上訴人是否在同一大廈內開設分所有其選擇自由,《律師入職規章》第11條無設定選址的優先順序,顯然不能作為不批准申請的理由。
基於上述原因,我們傾向認為被訴行為存在上述違法瑕疵,應予撤銷。
*
對於平等原則,司法上訴人認為被訴行為違反《行政程序法典》第5條第1款的規定;該條文的內容是:“與私人產生關係時,公共行政當局應遵循平等原則,不得因被管理者之血統、性別、種族、語言、原居地、宗教、政治信仰、意識形態信仰、教育、經濟狀況或社會地位,而使之享有特權、受惠、受損害,或剝奪其任何權利或免除其任何義務。”
首先,按照被訴行為的內容,未見被訴實體是基於考慮上述任一因素而作出不許可的決定;其次,儘管司法上訴人列出多宗個案作為比對,但司法上訴人並未具體指出這些個案與其個案有何相同之處,以及被訴實體在面對這些個案與司法上訴人的個案時,在考慮哪些相同的因素方面作出肆意不同的處理。
故此,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
*
對於適度原則,司法上訴人認為可通過採取其提出的措施滿足被訴行為的要求,無需否決其申請,故此被訴行為不批准許可是違反了適度原則。
誠然,我們無從判斷採取司法上訴人提議的措施是否足以滿足被訴行為的要求,但司法上訴人主張的瑕疵似乎是不能成立。
問題在於,司法上訴人在此實質上是主張,被訴行為既不應否決其申請,亦不是可以批准其申請,而是主張被訴行為應該給予其進一步修正的機會,從以通過改善分所的內部情況滿足被訴實體的要求。
然而不要忘記,被訴行為是一項合議機關的決議。按照卷宗的會議記錄,在表決時,根本沒有司法上訴人提出的選項,即對於被訴實體而言,只有給予許可,又或確認理事會的決議而不給予許可的選項,沒有給予司法上訴人進一步修正此一選項。
既然被訴實體在決定時根本沒有司法上訴人主張的選項,作為約束行政當局行使自由裁量權作出選擇的法律原則,自然不可能以被訴實體沒有選擇一項其客觀上根本不能選擇的選項而違反適度原則為由,請求撤銷行政行為。
故此,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
*
綜上所述,建議裁定司法上訴的理由成立,裁定被訴行為因沾有上述違法瑕疵而予以撤銷。”
(vide fls. 261 a 264v dos autos).
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
***
II. Fundamentação
1. De facto
Resulta provada por documentos, a seguinte factualidade pertinente:
(...)
*
2. De direito
Pelo acto de que se recorre, a Entidade Recorrida Assembleia Geral da AAM negou provimento ao recurso hierárquico interposto, mantendo a decisão tomada pela Direcção no sentido de indeferir o pedido apresentado pela ora Recorrente para abertura de uma sucursal do escritório.
A referida decisão da Direcção fundou-se, pelo teor do relatório junto a fls. 43 do processo administrativo, na falta da condignidade e inadequação do espaço da instalação para a finalidade a que se destina, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regulamento do Acesso à Advocacia (doravante designado por RAA). Trata-se este último de um acto normativo cuja emanação decorre da norma habilitadora constante do artigo 19.º, n.º 3 do Estatuto do Advogado aprovado pelo DL n.º 31/91/M, nos termos da qual “cabe à Associação dos Advogados de Macau regulamentar o acesso à profissão e o estágio, podendo prever eventuais provas de admissão”.
Ora, a aludida norma do artigo 11.º do RAA tem a seguinte redacção:
“1. Para poderem exercer efectivamente a profissão, os advogados inscritos devem ainda:
a) Instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente, constituindo este o seu domicílio profissional;
b) Os advogados que exerçam em regime de subordinação jurídica, podem instalar e manter o seu escritório em instalações das entidades contratantes, desde que estas permitam a correcta e independente identificação do advogado, bem como a independência necessária ao exercício da profissão;
c) Contratar um seguro de responsabilidade civil profissional, nos termos a definir em regulamento, e fazer prova do mesmo junto da AAM.
2. A abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional depende de autorização da AAM, mediante requerimento fundamentado.
3. Não é necessária a autorização referida no número anterior quando as instalações se localizem no mesmo edifício do domicílio profissional.
4. À mudança de escritório é aplicável o disposto na segunda parte do nº 4 e no nº 5 do artigo 12.º, com as devidas adaptações.” (sublinhado nosso).
Não obstante de ser aparentemente a matéria de “requisitos adicionais de exercício da advocacia” que se encontra regulamentada conforme se alude na epígrafe da norma, entendemos que não são nem podem ser os verdadeiros “requisitos” que aqui estejam em causa, concebidos com o sentido de que a respectiva verificação condiciona o exercício da profissão, o que carece de apoio na norma habilitadora estatutária.
Ou dito melhor, face à referida norma do artigo 19.º, n.º 3 do Estatuto, é apenas legítimo à AAM regulamentar sobre “o acesso à profissão e o estágio”, e desse modo, densificar os requisitos legais de inscrição, necessários ao acesso à profissão, para que os advogados, uma vez inscritos, estejam em condições suficientes de exercê-la, contudo em relação aos advogados que já lograram obter inscrição, não devendo estes estar sujeitos a mais nenhum obstáculo criado pela AAM, sob pena de ver restringida a sua liberdade de profissão, protegida pelo artigo 35.º da Lei Básica, a qual nos dizeres de J. J. Gomes Canotilho Vital Moreira, não consiste apenas na liberdade de poder escolher livremente a profissão desejada, como ainda contempla as seguintes dimensões - “a) obtenção das habilitações (académicas, técnicas, etc.) necessárias ao exercício da profissão; b) ingresso na profissão; c) exercício da profissão; d) progresso na carreira profissional.” (Cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, p. 262). A liberdade de exercício, com uma das vertentes da liberdade de profissão, decompõe-se em várias vertentes, entre as quais direito de escolher o lugar, no país ou no estrangeiro, de exercício de profissão (cfr. Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada Tomo I, artigos 1.º a 79.º, pp. 475 a 476).
O que no entanto não se confunde com o direito ao exercício livre de profissão (“profissão livre”). Nesta medida, “não implicando ela (liberdade de profissão) uma garantia institucional das «profissões livres», não sendo portanto constitucionalmente ilícito, nem a atribuição de um estatuto público a certas profissões, nem, muito menos, a submissão a certas profissões a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado” (Cfr. J. J. Gomes Canotilho Vital Moreira, obra cit.).
Como sucede no caso dos autos, a AAM como entidade reguladora, está habilitada, no exercício do seu poder de se autorregular, para introduzir disciplinas ao exercício da profissão, ao abrigo da outra norma da competência prevista no Estatuto – artigo 30.º, n.º 1, alínea a). Mas evidentemente, o exercício deste poder não é inteiramente livre, conforme se afirmou em sede do direito comparado (Vital Moreira, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Almedina, p. 130). A respeito do caso em crise, entendemos que por via regulamentar, apenas se pode impor, dentro dos limites autorizados, aos associados os deveres disciplinares (já não os novos requisitos), no sentido de os obrigar a adoptarem certos comportamentos em conformidade, sob pena de incorrerem em infracção disciplinar.
Nestes termos ditos, à luz da interpretação da norma que se pugna em consonância com o âmbito previamente definido pela norma habilitadora em causa, do que se trata aqui não é rigorosamente do tipo de requisito para o exercício de advocacia, mas sim de uma limitação regulamentar imposta sobre o exercício livre da profissão pela qual se estabelece um dever do advogado inscrito de “instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente constituindo este o seu domicílio profissional” na respectiva alínea a) da norma, nos mesmos moldes em que se encontra definido na lei portuguesa - o artigo 91.º, alínea h) do Estatuto da Ordem de Avogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro (“Constituem deveres do advogado para com a Ordem dos Advogados:…h) manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral;…”).
Nesta linha, por força do disposto da norma do n.º 1, alínea a) do art.º 11 do RAA devidamente interpretada, a instalação do escritório de advocacia como domicílio profissional não está sujeita à prévia autorização, nem depende da verificação da condignidade ou da adequação do respectivo espaço como os seus pressupostos constitutivos.
Já agora no n.º 2 da norma em causa, prevê-se, de facto, que a abertura de escritório distinto do domicílio profissional “depende de autorização da AAM, mediante requerimento fundamentado”. Parece-nos, porém, que o alcance desta exigência normativa seja, na realidade, muito mais restrito do que o suposto, numa leitura conjugada do n.º 3 e do referido n.º 1, alínea a). Há duas notas a salientar.
Em primeiro lugar, relativamente à pretensão da abertura de um novo escritório, como aconteceu no caso, não é necessário, para efeito da autorização, preencher as condições previstas na alínea a) do n.º 1, ou seja, estar dotado de um espaço “condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade”. Ou seja, não constitui este o pressuposto de atribuição do direito ao particular. A não ser assim, não se compreenderá então o caso concebido no n.º 3 da norma, segundo a qual a abertura do novo escritório que esteja localizado no mesmo edifício do domicílio profissional deixa de depender da autorização, sendo certo que a razão de ser que proceda na imposição do mesmo dever em causa não desparece nesta situação.
A segunda nota vai mais longe, e consiste em que a abertura do novo escritório distinto do domicílio profissional no fundo, nem sequer carece de autorização, mesmo diante da letra da norma do n.º 2 do artigo 11.º do RAA. Desde logo, como vimos atrás, a abertura do escritório como domicílio profissional não carece da autorização prévia conforme previsto no artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RAA. Assim, a exigência da autorização para o novo escritório parece ser destituída de qualquer senso lógico.
À parte disso, a entidade reguladora competente, ao acrescentar uma condição prévia para o exercício da profissão, para além de não actuar ao abrigo da norma habilitadora que não tenha conferido o poder regulamentar sobre a matéria, estaria a intrometer-se, ilegitimamente, na liberdade da escolha de profissão protegida no artigo 35.º da Lei Básica, uma vez que a restrição imposta com aquele alcance não apenas incide sobre o “como” – “como exercer uma determinada profissão” (ou seja “realização da modalidade”), como ainda afecta a escolha, levantando-se o problema sobre o “se” – “se uma profissão é assumida, continuada ou abandonada” (ou seja “realização da substância”) (João Pacheco de Amorim, Direitos Fundamentais e Ordens Profissionais, em especial, Do Direito e Inscrição nas Ordens, pp. 296 a 300).
Assim, só resta entender que o legislador se enganou ao adoptar este como teor verbal da norma que atraiçoa o seu pensamento, já que se a sua intenção era de possibilitar uma fiscalização prévia da entidade reguladora sobre o exercício da profissão pelos advogados no escritório distinto do seu domicílio profissional, fora do edifício onde este se localize, decididamente não teria desejado a criação do condicionamento ao ponto de sacrificar a liberdade de profissão destes. É de concluir neste sentido que o legislador diz mais do que aquilo que pretendia dizer e consideramos que para alcançar o fim por ele visado, seria suficiente impor aos associados um mero dever de comunicação prévia, em termos de manter-se compatível com o âmbito autorizado pela norma habilitadora do Estatuto, em vez de sujeitá-los à autorização prévia.
Se assim for, no caso dos autos, deve ser uma interpretação restritiva ou correctiva da referida norma do n.º 2 do artigo 11.º do RAA que se propugna, de forma que restingue o texto da norma ao ponto de exigir apenas aos advogados inscritos que pretendam abrir um novo escritório, o cumprimento da comunicação prévia, sem prejuízo da respectiva responsabilidade disciplinar, fazendo assim corresponder a letra da lei ao espírito da lei (cfr. quanto à interpretação restritiva ou correctiva, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1995, p. 186).
*
Cumpre, em função deste enquadramento jurídico feito, apreciar os vícios invocados por ora Recorrente.
Começa a Recorrente por invocar a nulidade do acto recorrido por violação do seu direito fundamental, e por incompetência absoluta sancionada pelo artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do CPA, na medida em que a Entidade recorrida na interpretação que fez sobre o artigo 11.º, n.º 2 do RAA, intrometeu-se abusivamente no modo de gestão privada do seu escritório e por conseguinte na sua liberdade de escolha da profissão (conforme se alega nos artigos 16.º a 55.º da petição inicial).
Como se vê, não é bem a liberdade de profissão cuja violação aqui se invocou, mas a liberdade da empresa ou direito à iniciativa económica privada, com a nuance de direito constituir uma empresa, de organizar certos meios de produção para um determinado fim económico (cfr. Jorge Miranda, obra cit. pp. 620 a 621), tal como consagrada no nosso ordenamento jurídico actual, no artigo 114.º da Lei Básica, segundo o qual “A Região Administrativa Especial de Macau protege, de acordo com a lei, a livre operação de empresas industriais e comerciais e define, por si própria, a sua política de fomento industrial e comercial.” que apesar da ter sido separada da liberdade de profissão, a que estava tradicionalmente associada, na medida em que esta pode pressupor em alguns casos a existência daquela.
Na verdade, como referimos atrás, a interpretação da norma em causa feita pela Recorrida com o sentido que lhe atribuiu, levaria à violação da liberdade de profissão da Recorrente, e também consequentemente, a sua liberdade da empresa enquanto empresária, pelo facto de ser impedida de exercer a profissão no lugar que entenda ser adequado para tal.
Porém segundo entendemos, o erro da Entidade recorrida não reside na violação directa do direito fundamental mediante a prática do acto recorrido, mas encontra-se situado antes na respectiva interpretação da norma em crise, a qual segundo a interpretação restritiva que nós importamos nunca pode ter o alcance de impedir o exercício da advocacia no escritório distinto do domicílio profissional. Ou seja o que se exige, na norma em causa não é uma autorização prévia da entidade reguladora, mas uma comunicação prévia por parte do advogado.
Entretanto, um outro prolema pode ainda levantar-se a propósito desta forma da interpretação: o entendimento relativo à desnecessidade da autorização prévia face a esta norma pode não se compatibilizar com o alcance daquele requerimento da Recorrente dirigido à Direcção da Associação dos Advogados, destinado a obter a autorização da abertura do escritório. Consideramos por razão de coerência que aquela iniciativa da Recorrente deve ser entendida como uma comunicação prévia à entidade reguladora, não podendo ter alcance de um verdadeiro pedido de autorização, uma vez que não faz sentido pedir uma autorização que no fim de contas não é necessária. Ou por outras palavras, o que se esperava não é um verdadeiro acto autorizativo da entidade reguladora que não tem competência atribuída pela norma regulamentar (interpretada correctamente). Nesta conformidade, por parte da entidade reguladora, também não se tratou do seu indeferimento do pedido, mas de uma proibição antecipada, quando confrontada com a comunicação da Recorrente de que tencionava exercer advocacia naquele escritório por ela escolhido (A respeito da questão da natureza idêntica, já se pronunciou o Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 173/2022, de 19/5/2022).
Este acto de probição de natureza positiva não apenas é desconforme com a norma do artigo 11.º, n.º 2 do RAA invocado como seu fundamento, como ainda carece de qualquer base legal. Impõe-se, por isso, a sua anulação, para o restabelecimento da situação por ela alterada, com remoção dos efeitos que daí decorra. O vício de ilegalidade esse apesar de não ter sido qualificado tal baseou-se na alegação concreta da Recorrente, o que autoriza o Tribunal para com base na qualificação que considere adequada, dar provimento ao recurso, ao abrigo do artigo 74.º, n.º 6 do CPAC.
Pelo que se deve julgar procedente o recurso interposto nesta parte, com anulação do acto recorrido.
*
Não obstante da procedência do recurso com fundamento que antecede, vejamos os outros vícios invocados na petição inicial.
Mais alega a Recorrente que o acto recorrido violou os princípios gerais do direito administrativo, como da imparcialidade, igualdade e proporcionalidade (conforme se alega nos artigos 56.º a 101.º da petição inicial).
Pela violação do princípio da imparcialidade, alega a Recorrente que a Entidade recorrida não fez uma averiguação criteriosa de todos os factos e da ponderação de todos os interesses, baseando-se apenas em juízos sobre a melhor gestão do escritório de advogado e determinação geográfica de escritório. O que ainda corresponde à posição do digno Magistrado do Ministério Público, perfilhada no douto parecer.
Também pelo que foi dito, cremos que a razão está ao lado da Recorrente, já que a autorização a que se refere no artigo 11.º, n.º 2 da RAA, a ser entendida como verdadeiro “acto autorizativo”, nunca podia ter como seu pressuposto a verificação da condignidade e adequação do espaço para o exercício da profissão. Nestes termos, consideramos que a Entidade recorrida não apenas omitiu a ponderação de todos os interesses públicos e privados envolventes, como levou em conta os factos que não lhe cabe apreciar no exercício da competência atribuída pela dita norma.
Assim, entende-se neste caso que o acto recorrido violou o artigo 11.º, n.º 2 da RAA por erro no pressuposto de direito, devendo ser por isso anulado.
*
Alegou a Recorrente de resto que a Entidade recorrida tinha deferido a abertura das sucursais em relação aos outros requerentes que também não preencham as condições, e como tal violou o princípio da igualdade e além disso, o princípio da proporcionalidade, pela falta de necessidade de indeferimento tendo em conta o fim a que se destina o acto.
O primeiro fundamento não pode proceder, pois dos elementos juntos a fls. 159 a 180 dos autos não se depreende em que termos concretos foram concedidas as autorizações anteriores, o que não permite concluir que a Entidade reguladora, sendo auto-vinculada aos casos decididos precedentes, tivesse optado pela mudança do critério para resolução do caso idêntico da ora Recorrente, e violando assim o princípio da igualdade.
Quanto ao segundo fundamento, a Recorrente não demonstrou para o caso que nos interessa, além do indeferimento, as outras medidas idóneas e menos lesivas a adoptar pela Recorrida a partir da invocada norma de competência (com alcance almejado no acto recorrido), para alcançar o mesmo fim visado. Neste sentido, não parece existir margem para arguir a violação do princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade.
É de improceder o recurso quanto aos fundamentos invocados.
Resta decidir, anulando assim o acto recorrido pela violação da norma do artigo 11.º, n.º 2 do RAA.
***
III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso interposto pela Recorrente A, com a consequente anulação do acto recorrido.
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Sem custas pela Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
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Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau tomada em 11 de Setembro de 2023 que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão da Direcção da Associação dos Advogados de Macau que não autorizou a Recorrente a abrir ao público um novo escritório.
Por douta sentença que se encontra a fls. 265 a 274 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
Inconformada com o assim decidido, veio a Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.
2.
(i)
(i.1)
O acto administrativo que foi objecto de impugnação contenciosa fundamentou-se nas normas da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento de Acesso à Advocacia.
Segundo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento de Acesso à Advocacia, «para poderem exercer efectivamente a profissão, os advogados inscritos devem ainda: a) Instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente, constituindo este o seu domicílio profissional». Por seu lado, o n.º 2 do mesmo artigo preceitua o seguinte: «A abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional depende de autorização da A.A.M., mediante requerimento fundamentado».
Como é sabido, os regulamentos são normas jurídicas dimanadas de órgãos da Administração no exercício da função administrativa (assim, por todos, o ac. do Tribunal de Última Instância de 18.07.2007, processo n.º 28/2006).
Em função do seu grau de dependência em relação à lei, é usual a classificação dos regulamentos de acordo com as seguintes categorias: regulamentos de execução; regulamentos complementares (distinguindo-se, dentro destes, entre regulamentos complementares de desenvolvimento e regulamentos complementares integrativos) e regulamentos independentes.
Interessam-nos, na economia do presente parecer, estes últimos. Os regulamentos independentes têm como característica essencial o facto de não terem por detrás de si uma lei específica, consistindo, por isso, na regulação primária ou inicial de certas relações sociais. Dentro desta categoria, a doutrina distingue, em função da titularidade do interesse público prosseguido, entre regulamentos independentes autónomos e regulamentos independentes do Governo. Os regulamentos independentes autónomos abrangem as normas administrativas emitidas por entidades diferentes da Região no uso de poderes de produção normativa primária cujo fundamento e limite se encontra na necessidade de acautelar a prossecução das atribuições própria que por lei são conferidas a esses entes públicos. Os regulamentos independentes autónomos são, afinal, a expressão da auto-administração ou do auto-governo das pessoas colectivas de direito público que integram a chamada Administração autónoma, como é o caso, precisamente da Associação dos Advogados de Macau (cfr., JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, CFJJ, 2020, pp. 235 e 236 que seguimos de muito perto e, no mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.”edição, Coimbra, 2015, pp. 156-159).
Ora, o Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio contém, precisamente, previsões normativas que correspondem, pois, a habilitações legais, em relação ao exercício do poder regulamentar por parte da Associação dos Advogados de Macau (competência subjectiva) em relação a determinadas matérias (competência objectiva), como sejam, as constantes do n.º 3 do respectivo artigo 19.º, em relação à regulamentação do acesso à advocacia, e as das alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º em conjugação com a da alínea c) do artigo 31.º no que tange à regulamentação do exercício da profissão.
Claro está que no exercício da actividade regulamentar a Administração não se encontra numa situação de total liberdade ou desvinculação. Pelo contrário. Os regulamentos não podem derrogar ou contrariar disposição legal anterior, por força do princípio do primado da lei em sentido negativo e têm de se mostrar em conformidade com a Lei básica. É isto o que resulta, aliás, do disposto no n.º 1 («a validade das leis, dos regulamentos administrativos independentes, e dos regulamentos administrativos complementares e demais actos normativos internos da RAEM depende da sua conformidade com a Lei Básica») e no n.º 2 («as leis prevalecem sobre todos os demais actos normativos internos, ainda que estes sejam posteriores»), da Lei n.º 13/2009.
(i.2)
A norma regulamentar do artigo 11.º deve ser lida, a nosso ver, como uma norma impositiva de deveres ao advogado no que toca a uma dimensão relevante do exercício da profissão. Dela resultam, para os advogados, o dever de instalar e manter um escritório aberto ao público que constitua o seu domicílio profissional e, como tal, o seu centro de vida profissional [artigo 11.º, n.º 1, alínea a)], o dever de garantir que esse escritório corresponde a espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade [artigo 11.º, n.º 1, alínea a)], o dever de unicidade do domicílio profissional a exigir que o estabelecimento de um domicílio profissional secundário só possa ter lugar em casos justificados, dependendo de autorização da Associação (artigo 11.º, n.º 2), salvo se esse domicílio secundário se situar no mesmo edifício do domicílio profissional principal caso em que a autorização não é necessária (artigo 11.º, n.º 3)
Ora, do assinalado cariz da norma do artigo 11.º como impositiva de deveres a observar pelos advogados no exercício (lato sensu) da função, incluindo no seu n.º 2, resulta, portanto, que ela encontra respaldo habilitante na autorização legislativa expressa constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º e na alínea c) do artigo 31.º do Estatuto do Advogado, o qual, como vimos, conferiu à Associação dos Advogados de Macau poder para regulamentar o exercício da profissão e para elaborar regulamentos profissionais, em termos que acresçam ao regime directamente resultante da própria lei, nomeadamente, dos artigos 11.º a 25.º do Estatuto do Advogado.
Por outro lado, não nos parece que no referido artigo 11.º do Regulamento se encontre qualquer contradição com parâmetros de controlo de hierarquia superior susceptíveis de afectar a respectiva validade.
Com efeito, na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento estabelecem-se deveres que decorrem de exigências básicas associada ao exercício da advocacia, tendo em conta o papel fundamental da mesma no quadro da administração da justiça.
A norma do n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento que, como vimos, sujeita a autorização da Associação dos Advogados de Macau a abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional, pode suscitar algumas dificuldades na sua relação com as liberdades fundamentais garantidas pelos artigos 35.º e 114.º da Lei básica. Estamos em crer, ainda assim, que também aí não existe infracção aos limites do poder regulamentar.
Sabemos que a legitimidade de qualquer intervenção restritiva sobre liberdades fundamentais com consagração constitucional, por exigência decorrente do princípio da reserva de lei em matéria normação jurídica sobre direitos fundamentais que se extrai do artigo 40.º da Lei Básica e do artigo 6.º, alínea 1) da Lei n.º 13/2009, depende de a mesma ser feita directamente por via legislativa ou, então, da existência de autorização legislativa.
Todavia, a reserva de lei neste contexto não significa que a outras entidades «esteja constitucionalmente vedada qualquer intervenção normativa regulamentar no domínio dos direitos fundamentais. Simplesmente, nessa actividade regulamentar essas entidades não acedem directamente à Constituição como fundamento autónomo da habilitação, só podendo actuar as competências que lhe forem expressamente atribuídas por lei com suficiente densidade normativa» (assim, JORGE REIS NOVAIS, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 864-865).
No nosso caso, como já vimos, existe autorização legal à intervenção regulamentar da Associação dos Advogados de Macau em matéria de exercício da profissão de advogado.
Além disso, do ponto de vista material, não nos parece que a limitação em causa afronte o núcleo essencial da liberdade fundamental consagrada no artigo 35.º da Lei Básica («os residentes de Macau gozam de liberdade de escolha de profissão e de emprego»), o qual está salvaguardado com a garantia de que qualquer advogado inscrito naquela Associação se pode estabelecer em Macau e aqui abrir um escritório ao público, se assim o entender. Do mesmo modo, não se nos afiguram salvo melhor juízo, que a dita normação regulamentar afecte o núcleo essencial da liberdade de empresa que se extrai do artigo 114.º da Lei Básica («A Região Administrativa Especial de Macau protege, de acordo com a lei, a livre operação de empresas industriais e comerciais (…)»), porquanto, para além da garantia antes referida, a liberdade de empresa é compatível com a previsão de autorizações administrativas, tendo a vista, designadamente, a salvaguarda de outros bens ou interesses comunitários relevantes, como sucede no caso (com efeito, através do n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento, a Administração procura resolver, equilibradamente, aliás, a colisão entre, por um lado a liberdade irrestrita de abertura de escritórios ao público e, por outro, a necessidade de salvaguardar condições de livre concorrência num mercado que, desde logo do ponto de vista geográfico, mas não só, é muito pequeno).
Parece-nos, pois, poder concluir-se que as normas contidas no artigo 11.º do Regulamento de Acesso à Advocacia, à luz dos parâmetros constitucionais e legais de controlo relevantes, são válidas.
(ii)
(ii.1)
Assente esta primeira conclusão, importa agora analisar a legalidade do acto administrativo recorrido que, como vimos, aplicou essas normas.
Em nosso modesto entender, embora por razões que não coincidem totalmente com aquelas que foram aduzidas pela douta sentença recorrida, aquele acto administrativo é ilegal. Pelo seguinte.
Como vimos, a norma do n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento de Acesso à Advocacia sujeita a autorização da Associação dos Advogados de Macau a abertura de um escritório ao público que constitua domicílio profissional secundário. Essa autorização, por sua vez, depende da apresentação por parte do advogado de «requerimento fundamentado».
Significa isto que a mencionada norma regulamentar atribui à Associação dos Advogados uma discricionariedade que, no essencial, corresponde a uma discricionariedade de apreciação, precisamente a apreciação da justificação apresentada pelo advogado para a abertura de um segundo escritório. Aí se esgota, no entanto, essa discricionariedade.
Na verdade, a norma regulamentar em causa de modo algum habilita a Associação dos Advogados de Macau a fazer intervir na decisão de autorização ou não autorização da abertura de um novo escritório a extravasar da apreciação das razões invocadas pelo advogado requerente e fazer intervir outras considerações, nomeadamente, as que se prendem com a observância dos deveres referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento. Isto porque, como é bom de ver, a Associação dos Advogados de Macau não dispõe de qualquer meio legalmente previsto para actuar preventivamente em relação à violação daqueles deveres, apenas podendo actuar repressivamente em sede própria que é a disciplinar e apenas no quadro das penas legalmente previstas, entre as quais, aliás, não está prevista a do encerramento do escritório. É precisamente por isso que a abertura do escritório principal não está sujeita a fiscalização prévia por parte da Associação para aferir a sua conformidade com as exigências decorrentes da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento.
Na intervenção discricionária prevista no n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento, a Associação, repetimos, deve limitar-se a apreciar as razões apresentadas pelo advogado no seu requerimento e, depois, a, sobre elas, afirmar um juízo no sentido de as considerar justificativas ou não do pedido formulado, deferindo-o ou indeferindo-o.
Este ponto é, parece-nos, de crucial importância. Em geral, o poder discricionário é atribuído ao agente administrativo para ou em função de um fim definido externamente. Por isso se diz que «a discricionariedade visa a realização de uma finalidade, em concreto o interesse público revelado pela norma de competência» (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito administrativo, Volume I, Coimbra, 2020, p. 235). Por causa disto, no exercício da discricionariedade, o agente administrativo deve respeitar os limites que resultam imediatamente da norma de competência, de tal modo que o desrespeito pelo interesse público definido pela norma origina um vício do acto administrativo consistente no uso indevido da discricionariedade, mesmo que o fim prosseguido seja um fim de interesse público. De resto, este uso indevido da discricionariedade pode ocorrer mesmo quando não haja intenção por parte da Administração de prosseguir fins não previstos, bastando a ocorrência de um erro de facto ou uma interpretação indevida da previsão da norma. Aí ocorrerá o chamado desvio de poder em sentido objectivo: o poder discricionário é exercido fora do âmbito da norma de competência, mas não com a intenção de servir outro interesse (continuamos a seguir de muito perto a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, pp. 237-239).
(ii.2)
No caso em apreço, olhando para a fundamentação contextual do acto recorrido, única que releva na aferição da respectiva legalidade, o que dela resulta, muito claramente, aliás, é que o poder discricionário conferido pela norma do n.º 2 do artigo 11.º do Regulamento de Acesso à Advocacia foi utilizado dela Associação dos Advogados de Macau, no essencial, para prosseguir, não o interesse público prosseguido por essa norma, e que consiste na salvaguarda das condições de sã concorrência entre advogados, mas, antes, para fiscalizar preventivamente a observância, por parte da Recorrente, dos deveres previstos na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento. Ora, como antes dissemos, a lei não prevê tal fiscalização preventiva e, em qualquer caso, não prevê que a Associação possa impedir a abertura de um escritório com fundamento na inobservância dos deveres previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento ou, sequer, que possa determinar o respectivo encerramento seja a que título for, nomeadamente, disciplinar. Na ponderação efectuada pela Associação que conduziu à prolação do acto administrativo impugnado noas presentes autos é patente, por um lado, que o ponto central de todo o discurso fundamentador desse acto foi constituído por considerações que, manifestamente, extravasam dos limites da norma de competência que habilita o exercício do poder discricionário e, por outro lado, que, só secundariamente, foi ponderada a questão da suficiência das instalações que constituem o escritório da Recorrente.
Em todo o caso, ao fazer intervir no processo de avaliação discricionária, necessariamente global, como, de resto, resulta, expressis verbis, do próprio texto da fundamentação do acto recorrido (cfr. o ponto 3 do parecer/informação constante de fls. 43 do processo administrativo instrutor), e, portanto, indivisível, ponderações que resultam de uma errada interpretação do alcance da previsão normativa que confere o poder discricionário, a Associação dos Advogados de Macau fez um uso indevido do poder discricionário. Este foi, como é manifesto exercido, ao menos parcialmente, fora do âmbito da norma de competência, e, portanto, em flagrante desvio de poder objectivo, consubstanciando, por isso, uma violação de lei que justifica a anulação do acto administrativo recorrido tal como concluiu a douta sentença recorrida.
3.
Face ao exposto, o presente recurso jurisdicional deve improceder, mantendo-se, em consequência, a douta sentença recorrida.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida (cfr. artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC).
*
Síntese conclusiva:
I - O artigo 11º do Regulamento de Acesso à Advocacia (de 15/12/1999) dispõe:
1. Para poderem exercer efectivamente a profissão, os advogados inscritos devem ainda:
a) Instalar e manter um escritório de advocacia em espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, ou utilizar um escritório de advocacia já existente, constituindo este o seu domicílio profissional;
b) Contratar um seguro de responsabilidade civil profissional, nos termos a definir em regulamento, e fazer prova do mesmo junto da A.A.M.
2. A abertura ao público de escritório distinto do domicílio profissional depende de autorização da A.A.M., mediante requerimento fundamentado.
3. Não é necessária a autorização referida no número anterior quando as instalações se localizem no mesmo edifício do domicílio profissional.
4. À mudança de escritório é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 4 e no n.º 5 do artigo seguinte, com as devidas adaptações.
É um artigo que impõe alguns deveres ao advogado no que toca a uma dimensão relevante do exercício da profissão, nomeadamente o dever de instalar e manter um escritório aberto ao público que constitua o seu domicílio profissional e, como tal, o seu centro de vida profissional (artigo 11.º, n.º 1, alínea a)). É um dever de garantir que esse escritório corresponde a espaço condigno, adequado e afecto exclusivamente a essa finalidade, o dever de unicidade do domicílio profissional a exigir que o estabelecimento de um domicílio profissional secundário só possa ter lugar em casos justificados, dependendo de autorização da Associação (artigo 11.º, n.º 2), salvo se esse domicílio secundário se situar no mesmo edifício do domicílio profissional principal caso em que a autorização não é necessária (artigo 11.º, n.º 3).
II - A norma do n.º 2 do artigo 11.º do citado Regulamento sujeita a autorização da Associação dos Advogados de Macau a abertura de um escritório ao público que constitua domicílio profissional secundário, autorização esta que depende da apresentação por parte do advogado de “requerimento fundamentado”. Ou seja, a norma regulamentar atribui à Associação dos Advogados uma discricionariedade de apreciação, no sentido de apreciar a justificação apresentada pelo advogado para a abertura de um segundo escritório.
III - A norma regulamentar em causa de modo algum habilita a Associação dos Advogados de Macau a fazer intervir na decisão de autorização ou não autorização da abertura de um novo escritório a extravasar da apreciação das razões invocadas pelo advogado requerente e fazer intervir outras considerações, nomeadamente, as que se prendem com a observância dos deveres referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento. Dito por outra forma, a Associação dos Advogados de Macau não dispõe de qualquer meio legalmente previsto para actuar preventivamente em relação à violação daqueles deveres, apenas podendo actuar repressivamente em sede própria que é a disciplinar e apenas no quadro das penas legalmente previstas, entre as quais, aliás, não está prevista a do encerramento do escritório.
IV - Na ponderação efectuada pela Associação que conduziu à prolação do acto administrativo impugnado é patente que, por um lado, o ponto central de todo o discurso fundamentador desse acto foi constituído por considerações que, manifestamente, extravasam dos limites da norma de competência que habilita o exercício do poder discricionário (em sentido impróprio) e, por outro lado, que, só secundariamente, foi ponderada a questão da suficiência das instalações que constituem o escritório da Recorrente, ponderações estas que resultam de uma errada interpretação do alcance da previsão normativa que confere o poder discricionário em análise, o que demonstra que a Associação dos Advogados de Macau fez um uso indevido do poder discricionário, eis a razão bastante para anular o acto recorrido.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 26 de Setembro de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)
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