Processo n.º 572/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 26 de Setembro de 2025
Assuntos:
- Imposto complementar duma pessoa colectiva de utilidade administrativa resultante da venda de alguns imóveis seus
SUMÁRIO:
I - Para efeitos previstos nos artigos 2.º e 3.º do RICR (pressupostos legais de incidência objectiva do imposto complementar), e estando em causa uma pessoa colectiva de utilidade administrativa enquanto sujeito passivo do imposto em causa, e, a qualificação de um acto isolado ou ocasional como uma actividade comercial, no caso, são as vendas de imóveis, é necessário demonstrar que tais vendas foram capazes de potenciar o valor dos bens previamente existentes no património do sujeito passivo e que foram realizadas com a finalidade de obtenção de um lucro.
II - Ficou provado nos autos que a Recorrida procedeu à venda de fracções autónomas, mas não se e em que termos essa venda foi antecedida de qualquer actividade intencionalmente desenvolvida com a finalidade de obtenção de lucro, o que demonstra uma incipiência absolutamente confrangedora da instrução do procedimento tributário, razão pela qual é de anular o acto recorrido tal como fez e bem o Tribunal Administrativo, confirmando-se assim a sentença recorrida.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 572/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 26 de Setembro de 2025
Recorrente : Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會)
Recorrida : Irmandade da Santa Casa da Misericórdia
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 11/04/2025, veio, em 16/04/2025, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 93 a 107, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A incidência do imposto complementar de rendimentos, bem como a exclusão da integração de determinado rendimento na matéria colectável - cfr. artigos 2.º, 4.º, 9.º, 10.º, 19.º, do RICR - corresponde ao exercício de uma competência vinculada por parte da Administração e, logo, sujeita ao princípio da legalidade.
Isto porque, por força do artigo 10.º, da Lei nº 11/96/M, diploma que regula o quadro aplicável à declaração de utilidade pública administrativa atribuída a associações ou fundações privadas que prossigam fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território, a Santa Casa da Misericórdia por ser declarada para os devidos efeitos, goza de diversas isenções fiscais e emolumentares, e outros benefícios, nomeadamente em sede de imposto do selo, contribuição predial e contribuição industrial, todavia porém, a lei não contempla nenhuma isenção fiscal em sede de imposto complementar de rendimentos, conforme expressamente refere outros impostos enunciados no artigo 10.º.
II. O RICR dispõe no artigo 9º, nº 1, que são isentos do imposto complementar de rendimentos:
"a) Os vencimentos, salários e outras remunerações abonadas pelo Estado, autarquias locais ou pessoas colectivas de utilidade pública administrativa aos seus servidores." (sublinhado nosso).
III. A Santa Casa da Misericórdia, por ter sido declarada pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, beneficia de uma isenção no que concerne aos vencimentos, salários que atribui aos seus "servidores", e nessa parte integrados em sede de imposto profissional. Apenas exclui expressamente, este tipo de rendimentos.
IV. Desta forma, acrescenta alínea f), do n.º 1, do artigo 9º, do RICR, uma isenção parcial do imposto complementar de rendimentos aos organismos, associações, colectividades, comunidades, institutos e outras pessoas colectivas nas primeiras $20.000,00 (vinte mil patacas) dos seus rendimentos colectáveis ou lucros.
V. A Lei não enuncia uma isenção pessoal e real em sentido extenso à tributação do imposto. A lei expressamente determina uma isenção parcial ''pelas primeiras MOP$20.000,00" dos seus rendimentos sujeites à incidência tributária.
VI. Por determinação do artigo 2.º do RICR, a lei considera que a base da incidência do imposto complementar de rendimentos, constitui todos os rendimentos colectáveis, isto é, o rendimento entendido em sentido lato como "rendimento acréscimo", que integra "os acréscimos em bens obtidos a outro título (que não o da contribuição para a actividade produtiva) e sem dano do património inicial" (C. Nabais, oh. cit.).
VII. Estão compreendidos na base de incidência tributária das Associações declaradas de utilidade pública administrativa, todos os rendimentos entendidos em sentido lato.
VIII. Se por um lado o artigo 154.º do Código Civil enuncia que as Associações "(...) são pessoas jurídicas de substrato pessoal que não tem por fim o lucro económico dos associados.", por outro lado, conforme dispõe o artigo 1.º do artigo 144.º do CC, "1. A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.", donde, as Associações não se encontram incapacitadas de praticar actos de natureza lucrativa, em ordem a obter recursos para a prossecução dos seus fins (M. Pinto, Teoria Geral Dto Civil, p.318), encontrando-se os rendimentos colectáveis que auferirem isentos, até ao montante das $20.000,00 (vinte mil patacas) da obrigação do imposto complementar, como determina o artigo 9º, n.º 1, alínea f), do RICR.
IX. O acto de compra e venda de sete fracções foi celebrado através de (A), na qualidade de gerente geral da sociedade comercial denominada "COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO (X), LIMITADA", intervindo esta sociedade na qualidade de procuradora e em representação da Santa Casa da Misericórdia, em sede da qual, vendeu ao segundo outorgante (B) as sete fracções autónomas.
X. Constitui lucro tributável em sede de imposto complementar de rendimentos, os rendimentos que a Santa Casa da Misericórdia beneficiou com o valor das vendas, com a transmissão das sete fracções descritas supra e inscritos na matriz n. º 74096, no período de 2021, acima do rendimento obtido de $20.000,00 (vinte mil patacas).
XI. Todo o lucro das vendas gerado acima desse valor gerou a exigibilidade da incidência do imposto.
XII. A Santa Casa da Misericórdia não refletiu aquele valor patrimonial nas declarações entregues, e o mesmo não pode ser determinado ou verificado nos lucros de vendas com base na contabilidade organizada porque esta não existe. Assim, os rendimentos tiveram de ser corrigidos pela Administração tributaria que realizou a efectiva correspondência, as diversas deduções, condizentes à matéria colectavel, sobre a qual aplicou a respectiva taxa e colecta.
XIII. Comissão integrando os critérios do "Manual de Fixação do Rendimento de Imposto Complementar de Grupo B", esteve bem, ao fixar o rendimento assente no valor do lucro da venda fracções autónomas, e atendeu à incidência do imposto e determinação da matéria colectavel, no acordo estrito do "Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos", por decorrer da lei a isenção ao imposto complementar "Os organismos, associações, colectividades, comunidades, institutos e outras pessoas morais pelas primeiras $20 000,00 dos seus rendimentos colectáveis ou lucros, além das isenções expressas em lei" (sublinhado nosso) - cfr. artigo 9.º do RICR. Todo o lucro das vendas acima desse valor gera a exigibilidade deste imposto.
XIV. A Comissão de Revisão do Imposto Complementar de rendimentos verificou a delimitação negativa de incidência, e por sua vez excluiu da incidência dos rendimentos os que não constituem matéria colectável de Imposto Complementar de Rendimentos.
XV. A Comissão esteve bem ao negar provimento à reclamação da requerente, mantendo para o exercício de 2021 o rendimento colectável de $2.242.160,00 patacas.
XVI. A Santa Casa da Misericórdia investida da qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, encontra-se abrangida, pela isenção parcial prevista no artigo 9.º, nº 1, alínea f), constituindo os primeiros MOP$20.000,00 dos seus rendimentos colectáveis isentos do imposto complementar, e os restantes sujeitos à incidência do imposto conforme decidiu a CRICR.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a decisão ora impugnada com as legais consequências.
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A Recorrida, Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 127 a 131, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O recurso a que ora se responde foi interposto pela CRICR, entidade recorrida e aqui recorrente, tendo por objecto a douta sentença do Tribunal a quo, proferida em 11 de Abril de 2025.
II. Nesses autos decidiu-se pela procedência do recurso apresentado pela recorrente, ora recorrida.
III. A ora recorrida subscreve na íntegra a factualidade apurada na douta sentença recorrida.
IV. A SCMM é uma pessoa colectiva da utilidade pública administrativa de natureza associativa e no âmbito dos seus estatutos explora a denominada "Creche Lara Reis".
V. A Irmandade é proprietária do imóvel localizado em Macau, na Rua de …, n.ºs …, inscrito na matriz predial sob o n.º …, e alienou 7 (sete) fracçõés autónomas dessa matriz.
VI. A "Creche Lara Reis", com o cadastro n.º …., apresentou a sua declaração anual de rendimentos do exercício de 2021, com um prejuízo fiscal de MOP13,499,355.00, prejuízo que foi desconsiderado numa primeira fase da fixação do rendimento que apurou um rendimento de MOP Zero.
VII. Contudo, em 10.10.2023 foi a SCMM alvo de nova fixação para o exercício de 2021, cifrado em MOP 2,242,160.00, por via presuntiva - aplicação de uma taxa de rentabilidade de 5% - relativamente à alienação dos imóveis já identificados, com obrigação de pagamento do imposto de MOP 194,660.00.
VIII. A SCMM interpôs reclamação junto da CRICR que não só manteve esse rendimento presumido, como também aplicou o agravamento à colecta de 0,8%.
IX. Este indeferimento da CRICR motivou o recurso judicial para o douto tribunal a quo onde se decidiu pela procedência do recurso, e que veio a determinar os presentes autos de recurso jurisdicional.
X. Também de direito se subscreve o teor da douta decisão recorrida.
XI. A douta sentença recorrida aderiu à tese da SCMM que pugnou pela Inexistência incidência objectiva do ICR por via dos artigos 2.º e 3.º do seu Regulamento já que a "Creche Lara Reis" não prossegue uma actividade lucrativa nem auferiu qualquer rendimento por não ser esse cadastro/estabelecimento proprietário das fracções autónomas alienadas.
XII. No mesmo sentido foi o douto parecer do Ministério Público.
XIII. Ou seja, à SCMM é vedado o acesso ao estatuto de empresário comercial, conforme se extrai da alínea a) do artigo 9.º do Código Comercial, dado o seu carácter " ... desinteressado e altruístico ... " decorrente do 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto.
XIV. Pode a SCMM exercer uma empresa comercial no limite do artigo 144.º do Código Civil em função das necessidades da prossecução dos seus fins e de acordo com os seus estatutos.
XV. A SCMM, teve uma actividade materialmente comercial de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do Código Comercial, que se esgotou num acto isolado de comércio não confundível com o exercício empresarial dado que este pressupõe um carácter habitual e sistemático.
XVI. Não tendo a administração fiscal sobre quem recai o ónus da prova, demonstrado que a alienação das fracções autónomas se traduziu no exercício de uma actividade comercial, a decisão da CRICR padece de vício de violação de lei, por via dos artigos 2.º e n.º 2 do artigo 3.º, ambos do RICR.
XVII. A autoridade tributária não se conformou com a decisão ora recorrida.
XVIII. Contrapondo uma alegada pretensão por parte da administração fiscal de "... maior equidade e justiça...", como se este não fosse o bem maior tutelado pelos Tribunais.
XIX. Ao contrário do aflorado no artigo 6.º das alegações de recurso nunca foi posta em causa a fundamentação da decisão da CRICR. Diz-se, isso sim, que essa fundamentação sustenta um acto ilegal porque padece inquinados do vício de violação de lei.
XX. Apelar a poderes vinculados e ao princípio da legalidade num mar de ilegalidades é absurdo.
XXI. Não são pertinentes os artigos 9.º e 10.º das alegações de recurso. A Contribuição Industrial não é relevante para os autos e se existiu alguma "confusão" na imputação dos rendimentos à "Creche Lara Reis" ela deve-se em exclusivo à administração fiscal, que peremptoriamente os incluiu no cadastro dessa creche.
XXII. Sem apurar se a Creche era a proprietária das fracções ou mesmo a beneficiária do rendimento obtido num acto isolado de comércio.
XXIII. Inevitavelmente impugna-se tudo o que vem alegado na parte dita "Do Direito" dos artigos 12.º a 33.º.
XXIV. Os seus argumentos padecem de vários erros desde logo por se referirem sempre a regras de isenção fiscal em ICR.
XXV. O que está em causa nos autos está a montante da aplicação das normas de isenção fiscal.
XXVI. Estamos ainda no âmbito da incidência do imposto.
XXVII. Só quando se conclui que certo facto tributário está sujeito à aplicação de um determinado imposto se determina se as isenções fiscais se aplicam.
XXVIII. O que não acontece no caso concreto onde se verifica a não incidência.
XXIX. A SCMM operou um acto isolado de comércio que embora materialmente comercial de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do Código Comercial, aí se esgotou.
XXX. O que não pode ser confundido com o exercício empresarial dado que este pressupõe um carácter habitual e sistemático que a administração fiscal não provou e que assim determina o vício de violação de lei corporizado nos artigos 2.º e n.º 2 do artigo 3.º, ambos do RICR.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 141 a 143 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
– A Recorrente IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE MACAU é uma associação, sendo reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (conforme o doc. junto a fls. 16 a 17 dos autos).
– A associação da Recorrente dedica-se à gestão da “Creche Lara Reis”, situada na Avenida da República n.ºs 58 a 60, R/C, Macau.
– A Recorrente é proprietária do imóvel localizado na Rua de Santa Filomena n.ºs 7 a 9, Macau, a que corresponde a matriz predial n.º ….
– Em 2021, foram pela Recorrente alienadas no total de 7 fracções autónomas, inscritas na matriz n.º …, cujo valor é totalizado em MOP 44,843,186.00 (conforme os docs. juntos a fls. 2 a 15 do processo administrativo).
– Em 14/2/2022, a ora Recorrente apresentou a declaração do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “B”, modelo M/1, respeitante ao exercício de 2021, onde consignou que relativamente ao referido estabelecimento n.º de cadastro …, teve prejuízo no valor de MOP 13,499,355.00 (conforme consta de fls. 27 e v do processo administrativo).
– Em 15/6/2022, a Comissão de Fixação fixou-lhe o rendimento colectável em 0 patacas (conforme o doc. junto a fls. 28 do processo administrativo).
– Posteriormente em 10/10/2023, a Administração Fiscal fixou-lhe, de novo, o rendimento colectável para o exercício de 2021 em MOP 2,242,160.00, com base no rendimento presumido da construção de imóvel por referência à matriz predial n.º …, e por conseguinte, liquidou o imposto no valor de MOP 194,660.00 (conforme consta de fls. 1 e 16 e verso do processo administrativo).
– Notificada da fixação do rendimento, a Recorrente, em 7/11/2023, deduziu a reclamação junto da Comissão de Revisão do Imposto Complementar ou Entidade recorrida (conforme o doc. junto a fls. 23 a 27 dos autos).
– Em 19/12/2023, a Entidade recorrida indeferiu a reclamação apresentada, mantendo para o exercício de 2021 o rendimento colectável de MOP 2,242,160.00, cujo teor se transcreve no seguinte:
“Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, delibera a Comissão de Revisão:
1. O rendimento colectável no presente caso foi fixado pela Comissão de Fixação de acordo com os critérios de fixação constantes do “Manual da Fixação do Imposto Complementar de Rendimentos do Grupo B”, neste manual constam dados estatísticos obtidos com referência a informações internas do Governo sobre os lucros da respectiva actividade. Por exemplo, os dados referentes à “taxa do lucro médio da actividade” determinada no manual resultante da recolha de informações factuais relevantes pela administração fiscal sobre aos lucros obtidos pelo sector relativamente à actividade económica em causa, para que possa ser fixado o rendimento colectável dos contribuintes do Grupo B de forma objectiva. Foram consideradas também, as dificuldades registadas no ambiente de negócios no ano de 2021, como as rendas, a escassez de recursos humanos que levou ao aumento dos salários, a inflação que levou à subida dos preços, entre outros, que provocaram o aumento dos custos operacionais. Deste modo, foram feitos os ajustamentos adequados à “taxa do lucro médio da actividade”, no exercício de 2021;
2. Por isso, no presente caso, para o n.° de matriz …, a fixação estabelecida pela Comissão de Fixação de acordo com o “Manual de Fixação do Rendimento de Imposto Complementar do Grupo B”, resultou na aplicação da taxa do lucro médio da actividade a que pertence a contribuinte de 5%, calculada com base no valor total das receitas da venda de bens imóveis do respectivo ano;
3. O valor da venda do bem imóvel recém-construído supramencionado, foi fixado pela administração fiscal exclusivamente de acordo com as vendas (das fracções autónomas envolvidas) efectuadas no ano em causa. Por exemplo, mesmo que diferentes fracções do mesmo bem imóvel sejam vendidas em anos diferentes, também não ocorre a dupla tributação, uma vez que a administração fiscal está ciente da situação e determina a fixação de forma independente. Ao mesmo tempo, importa saber que o “Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, o “Regulamento da Contribuição Predial Urbana” e o “Regulamento do Imposto do Selo”, visam, cada um deles, diferentes objectos de tributação (a incidência). No que respeita ao presente caso, o rendimento proveniente da venda do bem imóvel enquadra-se perfeitamente no âmbito do “Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, não se verificando, de maneira alguma, a questão da dupla tributação;
4. A fixação acima mencionada está em conformidade com o n.° 2 do artigo 19.° do “Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, podendo também determinar-se o lucro tributável dos contribuintes do grupo B por “métodos indiciários”;
5. Os contribuintes podem, evidentemente, apresentar reclamação junto desta Comissão, quando o rendimento colectável fixado é superior ao rendimento real obtido, no entanto, precisam apresentar provas em contrário para ilidir a decisão tomada;
6. Na reclamação apresentada não apresenta prova da existência de uma contabilidade devidamente organizada, nem identifica, de forma clara, os procedimentos contabilísticos relevantes. Portanto, as razões invocadas não estão suficientemente fundamentadas.
Pelo exposto, a Comissão delibera negar provimento à presente reclamação, mantendo para o exercício de 2021 o rendimento colectável de $2.242.160,00 patacas.
Ao abrigo do artigo 47.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou aplicar, ainda, o agravamento de 0.8% sobre a colecta de $194.660,00.
Nos termos do artigo 68.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação - n.° 2 do artigo 80.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo - artigo 82.° do mesmo diploma.
O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação - artigo 7.° da Lei n.° 15/96/M de 12 de Agosto.
Desta deliberação cabe ainda reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.° do mesmo Regulamento.”
(conforme o doc. junto a fls. 18 a 21 dos autos).
– Em 29/2/2024, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
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IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
CONCLUSÃO: Aos 30.07.2024.
I. Relatório
Recorrente IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE MACAU, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra
Entidade recorrida COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que, pela sua deliberação tomada em 19/12/2023, indeferindo a reclamação apresentada por aquela, manteve a matéria colectável do exercício de 2021 em MOP 2,242,160.00 com um agravamento, a título de custos, em 0.8%.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos a fls. 3 a 15v dos autos, em síntese:
– a violação das regras de incidência fiscal contemplada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RCI, e dos artigos 2.º e 3.º do RICR e do artigo 10.º da Lei n.º 11/96/M;
– a violação do artigo 86.º, n.º 3 do CPA, por não ter levado ao procedimento os dados da matriz 74096 e os do Cadastro n.º 296948;
– a violação dos artigos 4.º, n.º 2 e 19.º, n.º 2 do RICR.
Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
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A Entidade recorrida contestou, com os fundamentos a fls. 38 a 50 dos autos, pugnando-se pela improcedência do recurso e mantendo-se a deliberação recorrida.
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Apenas a Recorrente apresentou alegações facultativas, com os fundamentos de fls. 60 a 64v dos autos mantendo as conclusões inicialmente formuladas.
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O digno Magistrado do M.º P.º emitiu o douto parecer no sentido de proceder o recurso interposto a fls. 77 a 78 dos autos, cujo teor se transcreve no seguinte:
“司法上訴人澳門仁慈堂,詳細資料載於卷宗,對被訴實體財政局所得補充稅複評委員會於2023年12月19日作出的決議提出司法上訴,該決議駁回司法上訴人提出的聲明異議,並維持司法上訴人於2021年度為計算所得補充稅的可課稅收益為澳門元2,242,160元的決定。
司法上訴人提出多項上訴理由,尤其是:(1)司法上訴人屬行政公益法人,向司法上訴人徵收所得補充稅違反善意原則及行政當局與私人合作原則;(2)司法上訴人沒有營利目的亦沒有從事工商業活動,不符合《所得補充稅規章》第2條及第3款的規定;(3)司法上訴人沒有作出被訴行為認定的徵稅事實及營利。
被訴實體作出答辯,當中尤其指出徵稅事實及相關營利並非指向司法上訴人屬下的托兒所的活動,而是司法上訴人出售房屋紀錄編號…的七個不動產獨立單位的事實。
司法上訴人提交非強制性陳述,除了維持上述上訴理由,還指出僅在獲悉答辯後才知悉被訴行為確定的可課稅資料是移轉相關不動產獨立單位的事實,然而司法上訴人最終沒有在結論部分提及有關內容,即僅應視司法上訴人維持原有上訴理由。
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我們簡短地就上述問題發表如下意見。
首先,稅法制度遵循嚴格的合法性原則,在此基礎上,稅務行政當局在執行稅法規範時主要處於法律羈束的狀況行事,自由裁量權依法限制於小部分事宜1;按照本案情況,核心問題在於討論司法上訴人依據《所得補充稅規章》的規定到底有沒有義務支付被訴實體評定的所得補充稅,當中不存在行使自由裁量權的問題;遵循現行主流司法見解,既然不涉及自由裁量權的行使問題,以違反善意原則及行政當局與私人合作原則作為針對被訴行為的上訴理由不能成立。
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對於司法上訴人作為行政公益法人是否可獲豁免所得補充稅的問題,可以肯定的是,遵循嚴格的合法性原則,按照《所得補充稅規章》第9條及第11/96/M號法律第10條的規定,儘管行政公益法人獲豁免繳納營業稅,但並不基於其身份而自動獲豁免繳納所得補充稅。
以我們的淺見,按照《營業稅章程》第2條2及《所得補充稅規章》第2條及第3條3的規定,營業稅與所得補充稅無非對應商人與商行為的概念。
根據《商法典》第1條至第3條:
第一條
(商業企業主)
商業企業主為:
a)以自己名義,自行或透過第三人經營商業企業之一切自然人或法人;
b)公司。
第二條
(商業企業)
一、商業企業係指以持續及營利交易為生產目的而從事經濟活動之生產要素之組織,尤其從事以下活動:
a)生產產品或提供服務之產業活動;
b)產品流通之中介活動;
c)運送活動;
d)銀行及保險活動;
e)上指活動之輔助活動。
二、從事不能與活動主體分開之經濟活動之生產要素之組織,不視為商業企業。
第三條
(商行為)
一、商行為係指:
a)法律視乎商業企業之需要而特別規範之行為,尤其本法典所規範之行為,以及類似行為;
b)因經營商業企業而作出之行為。
二、商業企業主所作之行為,視為因經營企業而作出之行為,但該等行為及作出行為之情況顯示出有關行為並非因經營企業而作出者除外。
在對比上述條文後可見,作為商人或商業企業主(《商法典》第1條),只要具備此身份,即需要繳納營業稅;而無論是否具備商業企業主之身份,只要作出商行為,其收益即可作為所得補充稅的課徵對象。
按照權威學說理解,既然不具備營利目的,作為行政公益法人的司法上訴人在性質上不可能具備商業企業主的身份,但並不排除在其職能範圍內,可以實施商行為4,概因商行為可有主觀商行為(《商法典》第3條第2款)及客觀商行為(《商法典》第3條第1款),不具備商業企業主身份的司法上訴人仍可在其職能範圍內作出客觀商行為;由此可見,行政公益法人基於其身份及性質,獲豁免營業稅,但不獲豁免所得補充稅,便是自然。
然而,基於上述理解,結合行政卷宗資料,可見被訴行為的問題所在。
儘管被訴行為認定的事實,即司法上訴人出售七個不動產獨立單位的事實存在,但顯而易見,一方面,出售不動產的活動並未被任何法律(尤其是《商法典》)特別定性為商行為,另一方面,至少我們從行政卷宗的資料未發現司法上訴人以持續及營利交易為生產目的而從事建造及出售不動產的活動,即司法上訴人出售不動產的行為與一般市民出售不動產的行為無異,不足以視為商行為,亦即不符合《所得補充稅規章》第2條及第3條的規定,不能作為所得補充稅的課徵對象。
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基於此,我們認為無需再考慮其他上訴理由,建議裁定司法上訴理由成立,撤銷被訴行為。”
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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II. Factualidade
Resultam documentalmente provados nos autos os seguintes factos:
(...)
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III. Fundamentação
Do que se recorre aqui é do acto de fixação da matéria colectável que foi praticado, em primeira linha, pela Comissão de Fixação ao abrigo do disposto no artigo 36.º do n.º 2 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (doravante designado por “RICR”), posteriormente confirmado, na apreciação da reclamação apresentada nos termos do artigo 46.º, n.º 2 do RICR, pela Comissão de Revisão, a ora Entidade recorrida, no sentido de fixar o rendimento colectável em MOP 2,242,160.00.
Na impugnação deduzida contra o acto, a Recorrente entendeu não se ter verificado os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar estabelecidos no disposto dos artigos 2.º e 3.º do RICR, por um lado ela é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa que não prossegue qualquer actividade comercial ou industrial lucrativa, e por outro lado não auferiu qualquer proveito imobiliário para ser tributado, não podendo as vendas das fracções autónomas realizadas ser imputadas ao estabelecimento da creche que não é proprietário daquelas.
O entendimento supra mereceu apoio por parte do Ministério Público no douto parecer, considerando que o imposto não deve, sob pena da violação do disposto dos artigos 2.º e 3.º do RICR, incidir sobre os rendimentos provenientes da venda procedida das fracções autónomas localizadas no bem imóvel de matriz n.º 74096, a qual não consubstancia o exercício da actividade comercial.
Desde já avançamos que concordamos com a douta posição do Ministério Público, a qual parece corresponder à melhor aplicação do direito.
Vejamos melhor.
Trata-se, no caso dos autos, do imposto complementar de rendimentos, o imposto incide subjectivamente sobre as pessoas singulares ou colectivas, “qualquer que seja a sua residência ou sede”, por força do artigo 2.º do RICR. E mais conforme disposto no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2 desse Regulamento, o rendimento tributado para efeitos de ICR corresponde ao lucro líquido anual auferido na RAEM que decorra do exercício de actividade comercial ou industrial.
Não obstante a ora Recorrente ser uma pessoa colectiva classificada como associação a que se refere no disposto do artigo 154.º e ss do CCM, ou seja a pessoa colectiva sem fim lucrativo, nem por isso fica excluída do âmbito de incidência subjectiva, já que a referida norma do artigo 2.º do RICR não cuidou de distinguir dentre as pessoas colectivas, a associação da sociedade.
E com razão, porque uma associação, mesmo que não possa assumir o estatuto de empresário comercial que lhe é vedado pela norma do artigo 9.º, alínea a) do Código Comercial de Macau, por ter fim desinteressado e altruístico (tal como sucedeu no caso da Recorrente que prossiga “fins de interesse geral da comunidade” conforme se prevê no artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, sendo por isso declarada como de utilidade pública administrativa), não deixa de ser permitido a exercer uma empresa comercial, de forma sistemática ou habitual, conforme se refere no disposto do artigo 2.º, n.º 1 do referido Código, contando que o exercício respeita, de acordo com o princípio de especialidade plasmado no artigo 144.º do Código Civil de Macau, os limites da sua capacidade jurídica que “abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins” (cfr. Coutinho Abreu, Curso de Direito Comercial, volume I, 9.ª edição, pp.127 a 128).
Neste caso, o exercício da empresa não será encarado como um fim em si mesmo da pessoa colectiva, mas como um fim-meio, ou seja, “visa a obtenção de rendimentos destinados a financiar a prossecução dos objectivos estatutáruis da pessoa colectiva em causa” (cfr. Augusto Teixeira Garcia, Apontamento do Direito Comercial, pp. 86 a 87).
Outra questão que se suscita relativamente à incidência pessoal do imposto prende-se com o facto de a Recorrente ser pessoa colectiva declarada como de utilidade pública administrativa.
Conforme decorre do disposto do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa gozam das isenções fiscais e emolumentares, incluindo: “a) Imposto do selo; b) Contribuição predial urbana; c) Contribuição industrial; …e) Custas ou taxas judiciais; f) Emolumentos de notariado e de registo”.
Porém, não se vê motivo para que o âmbito das isenções fiscais concedidas nos termos previstos na citada norma legal pudesse ser ampliado por molde a incluir o imposto complementar de rendimentos aqui em causa. Como é consabido, a criação dos benefícios fiscais, tomando mais frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, “não apenas tende a suscitar questões de segurança jurídica e de tutela da expectativa dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes”. (neste sentido, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almeida, pp. 334 a 335). Dada essa importância especial, a matéria está sujeita à reserva da lei da Assembleia Legislativa, por força do disposto do artigo 106.º da Lei Básica.
Daí, por força da legalidade tributária, não é possível invocar uma isenção fiscal sem sustentação legal na letra da lei.
*
O que releva decisivamente, portanto, é que se estão preenchidos os pressupostos legais de incidência objectiva, tal como previstos no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2 do RICR, isto é, se a ora Recorrente exerce alguma empresa comercial na RAEM, da qual resultam lucros tributáveis. É nesta precisa medida que deva ser tributado o rendimento auferido pela pessoa colectiva da associação da mesma forma que é tributada qualquer sociedade comercial, em virtude de aquela apesar de não poder ter estatuto de empresário, não deixa de desenvolver aqui uma actividade materialmente comercial ou seja uma “actividade económica destinada à produção para a troca sistemática e vantajosa”, a que se alude no artigo 2.º, n.º 1 do Código Comercial.
A este respeito, parece-nos que o tipo de rendimento que importa não deva ser qualquer proveito que decorra da prática do acto isolado, o qual por mais lucrativo que possa ser não traduz o exercício de uma empresa. A actividade comercial pela natureza é sistemática, caracterizando-se pela respectiva regularidade ou habitualidade, não sendo por isso configurável como tal qualquer acto esporádico ou isolado. (cfr. Augusto Teixeira Garcia, obra cit, p. 61).
É neste ponto assinalado, cremos, que reside o equívoco da parte Recorrida: a matéria colectável fixada no caso vertente corresponde ao valor estimado do rendimento auferido pela Recorrente através da venda das 7 fracções autónomas, inscritas na matriz n.º … do prédio que lhe pertence. Se o alienante das fracções fosse uma sociedade comercial, sendo por isso empresário comercial, nenhum problema se levantaria quanto à respectiva conexão com o exercício da actividade, uma vez que “Os actos praticados por um empresário comercial consideram-se tê-lo sido no exercício da respectiva empresa, se deles e das circunstâncias que rodearam a sua prática não resultar o contrário.”, conforme resulta a norma prevista no artigo 3.º n.º 2 do Código Comercial. Estando em causa os actos praticados por um não empresário, a existência da conexão já não se presume, tal como sublinhou o douto parecer do Ministério Público, sem outros elementos de prova a demonstrar que as referidas vendas foram realizadas no exercício da actividade comercial desta associação, estas transacções em nada se diferenciam daquelas efectuadas entre os sujeitos não comerciantes, sendo certo que o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos da actuação administrativa neste caso compete à Administração tributária.
É de concluir neste sentido que não se verificam os pressupostos legais de incidência do imposto, devendo-se julgar procedente o recurso, com a anulação do acto recorrido pela violação do disposto no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2 do RICR.
***
IV. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso interposto pela Recorrente IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE MACAU, com a consequente anulação do acto recorrido.
*
Sem custas pela Entidade Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau, melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante, Comissão de Revisão), datada de 19 de Dezembro de 2023, que decidiu indeferir a reclamação por si apresentada contra o acto de fixação do rendimento colectável em imposto complementar de rendimentos respeitante ao ano de 2021, mantendo-a em MOP 2,242,160.00 com um agravamento de 0,8%.
Por douta sentença que se encontra a fls. 79 a 84 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
Inconformada com a dita sentença, veio a Entidade Recorrida interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.
2.
A questão pleiteada é a de saber se a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ter decidido não estarem preenchidos os pressupostos legais de incidência objectiva do imposto complementar de rendimentos.
Parece-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que a resposta a essa questão deve ser negativa e que, por isso, não poderá o presente recurso jurisdicional deixar de soçobrar.
Muito brevemente, pelo seguinte.
(i)
Segundo a norma de incidência objectiva contida no artigo 2.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR) aprovado pela Lei n.º 7/78, de 9 de Setembro, «o imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território».
Sobre o que seja o rendimento global das pessoas colectivas fiscalmente relevante, decorre do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do RICR que o mesmo é «o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento».
Partindo deste enquadramento legal, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, na sustentada construção da sua decisão, abordou três questões: (α) a de saber se a Recorrente contenciosa, apesar de não ser uma sociedade comercial, está sujeita ao pagamento de imposto complementar; (β) a de saber se a Recorrente contenciosa beneficia de isenção fiscal em sede de imposto complementar; (γ) finalmente, a de saber se estão ou não, no caso, preenchidos os pressupostos da incidência objectiva do imposto.
À primeira questão enunciada, o Meritíssimo Juiz a quo deu resposta positiva, considerando que, embora seja uma associação, a Recorrida, enquanto pessoa colectiva, não deixa de estar sujeita ao imposto complementar de rendimentos.
Por sua vez, a resposta à segunda questão foi negativa, ou seja, segundo a douta sentença impugnada, a norma do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, que estabelece isenções fiscais e emolumentares a favor das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa como a Recorrida não abrange no seu âmbito normativo o imposto complementar.
Finalmente, no que tange à terceira questão, como já dissemos, o Tribunal Administrativo respondeu negativamente, decidindo não estarem preenchidos os pressupostos de incidência objectiva do imposto e ara fundamentar o assim decidido escreveu-se na douta sentença recorrida o seguinte:
«O que releva decisivamente, portanto, é que se estão preenchidos os pressupostos legais de incidência objectiva, tal como previstos no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2 RICR, isto é, se a ora Recorrente exerce alguma empresa comercial na RAEM, da qual resultam lucros tributáveis. É nesta precisa medida que deve ser tributado o rendimento auferido pela pessoa colectiva da associação da mesma forma que é tributada qualquer sociedade comercial, em virtude de aquela, apesar de não poder estatuto de empresário, não deixe de desenvolver aqui uma actividade materialmente comercial ou seja uma «actividade económica destinada à produção para a troca sistemática e vantajosa», a se alude no artigo 2.º, n.º 1 do Código Comercial.
A este respeito, parece-nos que o tipo de rendimento que importa não deva ser qualquer proveito que decorra da prática do acto isolado, o qual, por mais lucrativo que possa ser não traduz o exercício de uma empresa. A actividade comercial pela natureza é sistemática, caracterizando-se pela respectiva regularidade ou habitualidade, não sendo por isso configurável como qualquer acto esporádico ou isolado (…)».
(ii)
(ii.1)
A nosso ver e com o devido respeito, esta fundamentação, apesar de douta, não pode ser acolhida tout court. Com efeito, no nosso modo de ver as coisas, para que haja lugar a tributação de rendimentos resultantes de actividade comercial ou industrial em sede de imposto complementar de rendimentos, a norma de incidência contida no n.º 2 do artigo 3.º do RICR não exige que esses rendimentos sejam resultantes do exercício de uma empresa comercial tal como definida no artigo 2.º, n.º 1 do Código Comercial («organização de factores produtos para o exercício de uma actividade económica destinada à produção para troca sistemática e vantajosa»). Certo que da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código Comercial resulta uma ligação entre actos de comércio e o exercício de uma empresa comercial (são considerados actos de comércio os actos praticados no exercício de uma empresa comercial), no entanto, parece-nos de sublinhar, por um lado, que a norma fiscal do artigo 3.º do RICR é muito anterior à entrada em vigor do Código Comercial e por outro lado, ela deve ser interpretada à luz da sua própria teleologia, qual seja a de assegurar sem lacunas a tributação do rendimento que para pessoas singulares ou colectivas resultante de uma actividade que se possa qualificar como uma actividade comercial ou industrial e a essa luz, o carácter empresarial dessa actividade não nos parece decisivo (note-se que, de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento da Contribuição Industrial, «é sempre considerado de natureza comercial ou industrial o exercício, por conta própria, de actividade económica não sujeita a imposto profissional»).
Com isto o que queremos salientar é que, no nosso modesto entendimento, a actividade comercial ou industrial a que se refere o artigo 3.º do RICR é compatível com a prática de actos isolados ou esporádicos de comércio. Isto mesmo, aliás, tem decidido, de modo firme, a jurisprudência portuguesa, num contexto legal que, apesar das significativas diferenças em relação ao nosso, neste ponto apresenta uma similitude não desprezível uma vez que o que nesses decisões tem estado em causa é, justamente, a questão de saber se são de considerar rendimentos obtidos no exercício de actividade comercial aqueles que resultam de um acto isolado ou ocasional, como sejam, por exemplo, a venda de lotes terrenos após loteamento ou a venda de fracções autónomas após construção ou reconstrução de edifício constituído em propriedade horizontal (veja-se, nesse sentido, o ac. STA 18.06.2003, proc. 0624/03, ac. STA de 9.09.2015, proc. n.º 810/14, ac. STA 13.03.2019, proc. 0424/09.8BEALM 068/18, todos com versão integral disponível em linha).
Em todo o caso, deve entender-se, acompanhando a mencionada jurisprudência, que a qualificação de um acto isolado ou ocasional como uma actividade comercial é necessário que a venda em causa, se de venda se tratar, pressuponha a realização intencional de todo um conjunto de operações, nomeadamente, operações transformadoras tendentes a potenciar o valor dos bens previamente existentes no património do sujeito passivo realizadas com a finalidade de obtenção de um lucro.
(ii.2)
Assim, revertendo ao caso em apreço, parece-nos que a tributação dos rendimentos da Recorrida dependeria, pois, da demonstração de que a mesma procedeu ampliou ou reconstruiu um imóvel seu, que dessa ampliação ou reconstrução resultaram fracções autónomas para habitação ou comércio destinadas à venda e que essas fracções foram efectivamente vendidas. Num tal quadro factual, parece-nos que a Administração estaria legalmente habilitada a tributar os rendimentos provenientes dessas vendas face ao disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 2 do RICR.
Acontece, no entanto, que a matéria de facto provada é omissa a esse respeito. Ficou provado que a Recorrida procedeu à venda de fracções autónomas, mas não se e em que termos essa venda foi antecedida de qualquer actividade intencionalmente desenvolvida com a finalidade de obtenção de lucro. Aliás, o processo administrativo organizado na Direcção dos Serviços de Finanças que se encontra apenso a estes autos e que constitui expressão documental do procedimento tributário que culminou com a prática do acto impugnado é, ao nível da sua instrução, de uma incipiência absolutamente confrangedora, com todo o respeito o dizemos.
Demonstra-se, pois, sem necessidade de maiores considerações, a nossa asserção inicial quanto ao acerto da douta sentença recorrida e à correspectiva falta de fundamento do recurso que contra ela foi interposto.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida (cfr. artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC).
*
Síntese conclusiva:
I - Para efeitos previstos nos artigos 2.º e 3.º do RICR (pressupostos legais de incidência objectiva do imposto complementar), e estando em causa uma pessoa colectiva de utilidade administrativa enquanto sujeito passivo do imposto em causa, e, a qualificação de um acto isolado ou ocasional como uma actividade comercial, no caso, são as vendas de imóveis, é necessário demonstrar que tais vendas foram capazes de potenciar o valor dos bens previamente existentes no património do sujeito passivo e que foram realizadas com a finalidade de obtenção de um lucro.
II - Ficou provado nos autos que a Recorrida procedeu à venda de fracções autónomas, mas não se e em que termos essa venda foi antecedida de qualquer actividade intencionalmente desenvolvida com a finalidade de obtenção de lucro, o que demonstra uma incipiência absolutamente confrangedora da instrução do procedimento tributário, razão pela qual é de anular o acto recorrido tal como fez e bem o Tribunal Administrativo, confirmando-se assim a sentença recorrida.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
*
Sem custas.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 26 de Setembro de 2025.
Fong Man Chong (Relator)
Tong Hio Fong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro (Segundo Juiz-Adjunto)
Álvaro Dantas (Delegado Coordenador do Ministério Público)
1 參考Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p.287 a 289
2 第二條
(課徵對象)
一、凡經營工商業性質的任何活動的自然人或法人,概須繳納營業稅。
二、凡自資經營非受職業稅管制的經濟活動,概視為工商業性質的活動。
三、為着本章程的效力,凡須繳納營業稅的工商業性質活動,稱為營業活動。
3 第二條
(課徵對象)
所得補充稅係以自然人或法人,不論其居所或住所在何處,在本地區所取得由第三條所規定的總收益為課徵對象。
第三條
(總收益)
一、個人的總收益係指下列收益總和減除有關負擔後的所得額:
a)工商業活動的收益;
二、團體的總收益係指按照本章程的規定計算工商業活動全年經營所得的純利。
三、倘屬商業公司及以商業形式組成的民事公司時,其總收益將減除派給股東或股份持有人與課稅年度有關的利潤或股息。
四、本條一款及二款所指的總收益不包括房屋的收益。
4 參考Jorge Manuel Coutinho de Abreu,《商法教程》,第一卷,王薇譯,法律出版社,第93頁。
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