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Processo nº 307/2025
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data do Acórdão: 09 de Outubro de 2025

ASSUNTO:
- Revisão de Sentença estrangeira
- Divórcio


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 307/2025
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 09 de Outubro de 2025
Requerente: A
Requerido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citado o Requerido para querendo contestar este silenciou.
  
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Pelo Tribunal Popular da Cidade de Jin Jiang da Província de Fu Jian foi proferido em 08.04.2014 Sentença Cível (2013) Jin Min Chu Zi Di 5876 Hao a qual em acção de divórcio instaurada por A contra B foi dissolvido o casamento tudo conforme consta de fls. 41 a 48 (traduzido de fls. 24 a 25) que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«Tribunal Popular da Cidade de JIN JIANG da Província de FU JIAN
Sentença cível
(2013) JIN MIN CHU ZI DI 5876 HAO
A autora A, de sexo feminino, nascida em 28/12/1986, de etnia Hui, residente na XXX, Província de FU JIAN, titular do BIR da RPC n.º XXX.
Mandatários: XXX, advogados do Escritório JIA HUI, FU JIAN.
O réu B, de sexo masculino, nascido em 20/05/1986, de etnia Han, Residente da RAEM, já residente no XXX, Província de FU JIAN, morada em Macau: XXX, titular do BIRM permanente n.º XXX.
A pedido da autora, julgaram a portas fechadas em Tribunal Colectivo regularmente constituído o processo de divórcio litigioso em que eram autora A e réu B. A autora, doente, não compareceu. Foi o seu mandatário XXX que se apresentaram e interveio. Apresentou um parecer escrito da autora. O réu, citado por edital do tribunal, não pareceu. O caso já está julgado.
Segundo alegava a autora, ela e o réu travaram conhecimento por intermédio de conhecidos. Casaram-se de papel passado em 09/04/2008 na na Conservatória do Registo Civil da RAEM. Em 19/09/2008 tiveram uma filha, C. De noivos, não se conheciam bem um ao outro. De casados, por incompatibilidade de caracteres, as desavenças por bagatelas eram uma constante. O réu estava incorrigivelmente viciado em jogo de azar telemático, bem tendo a autora tentado dissuadi-lo. Marido e mulher vivem então separados desde Agosto de 2010 até agora. C, filha do casal, tem vivido com a autora. Separados desde há muito, o casamento não resta senão nominal. A afeição conjugal acabou-se. Pedia ao juízo: 1. Autorizar o divórcio da autora e do réu; 2. Que a autora se encargasse do sustento e da educação da filha C, a expensas próprias.
O réu não contestou.
A autora providenciou as seguintes provas:
1. Uma «escritura pública» (com anexa uma certidão de narrativa do registo de casamento) passada pela China Legal Services (Macao) Ltd., para provar que a autora e o réu registaram o casamento na Conservatória do Registo Civil da RAEM em 09/04/2008.
2. Um certificado emitido por notários e advogados de HK por mandato do Ministério da Justiça, certificado esse confirmado pela China Legal Services (H.K.) Ltd., para provar que a autora e o réu tiveram uma filha em 19/09/2008, apelidada C.
3. Um certificado passado pelo Comité dos residentes XXX da Vila de XXX, e um outro pelo Comité dos aldeões de etnia Hui da Aldeia de XXX, Vila de XXX, para provar que a autora e o réu, já casados, discutiam sempre; que o réu, cronicamente viciado em jogo de azar, desapareceu em Agosto de 2010 com dívidas de jogo exorbitantes; que a autora voltou a viver para a casa da mãe; que C, filha do casal, tinha vivido com a autora, entre outros factos.
Este Tribunal entende que, o réu não presenciou o juízo, nem apresentou reclamação e prova, é de considerar que se renuncia ao seu direito processual. Das provas 1 e 2, entregues pela autora, verifica-se as 3 carácteres de prova válida (sic.) e, portanto, merecem reconhecimento; a prova 3 é da origem legal e tem relação com o presente caso, porém, só evidencia o período de residência da autora e o réu na aldeia em apreço, a data de afastamento e o facto de convivência da filha destes com a autora, o restante teor dessa certidão carece de outra prova sólida e, assim sendo, a veracidade não é confirmável, não pode servir de fundamento para o julgamento.
Após produzidas as provas e realizada a audiência, o Tribunal dá assente os seguintes factos:
A autora e o réu conheceram-se através de apresentação de familiares em Agosto ou Setembro de 2007, contraíram casamento em 19 de Setembro de 2008 na Conservatória do Registo Civil da RAEM, deram à luz a filha C em 19 de Setembro de 2008. Após o casamento, os cônjuges irrompiam disputa frequentemente por motivos triviais. Em Agosto de 2010, o réu saiu de casa e a autora passou a voltar com a filha a casa da sua mãe e residir lá. Desde então, os cônjuges têm morado em separado até hoje e a autora intentou a acção de divórcio a este Tribunal em 28 de Junho de 2013.
Pelo que, o Tribunal entende que, a autora e o réu conheceram-se através de apresentação de outrem, não se deram aprofundadamente antes do casamento e os laços emocionais entre eles foram frágeis, resultando em disputas frequentes por motivos triviais. Desde Agosto de 2010, o réu, abandonando-se de casa, tem deixado de contactar com a autora e ora se encontra em parte incerta. Daí que a relação matrimonial deles materialmente cessa existir e os laços emocionais estão efectivamente quebrados. Por essa razão, o pedido de divórcio da autora é legalmente fundado e apoiado pelo Tribunal. A filha tem vivido com a autora por longo período, enquanto o réu se encontra em lugar desconhecido, mostra-se adequado determinar a alimentação da filha C pela autora para o bom crescimento desta. A autora está voluntariamente disposta a suportar a pensão alimentícia, o que, portanto, é de deferir. O réu, sendo citado legalmente, não compareceu sem causa legítima, deste modo, é de proceder e decidir à sua revelia nos termos da lei. Ao abrigo dos art.ºs 32.º e 36.º da Lei Matrimonial da RPC e art.ºs 62.º e 144.º da Lei de Processo Civil da RPC, o Tribunal determina:
1. Autorizar o divórcio entre a autora A e o réu B.
2. Que a filha C será alimentada e educada pela autora com a pensão por esta própria suportada, fixam-se as custas em $245, a cargo da autora.
Se não se conformar, pode a autora, dentro de 15 dias do dia de recepção da sentença, enquanto o réu, dentro de 30 dias, entregar a petição de recurso a este Tribunal, com cópias em volume correspondente ao número da contraparte, de modo a recorrer para o Tribunal Popular Intermédio da Cidade de Quanzhou da Província de Fujian.
Presidente: XXX
Juiz: XXX
Júri: XXX
(Selo)
Tribunal Popular Intermédio da Cidade de Jinjiang
8 de Abril de 2014
Relator: XXX»

b) Do Direito
  
  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular da Cidade de Jin Jiang da Província Fu Jian foi decretou o divórcio entre a Requerente e o Requerido, nada havendo que ponha em causa a autenticidade daquelas decisões e o sentido das mesmas e que se tornaram definitivas o que corresponde na legislação da China Continental ao trânsito em julgado, estando assim preenchidos os pressuposto das als. a) e b) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente resulta das certidões juntas que as decisões não vieram de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versam sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de decisão proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Popular da Cidade de Jin Jiang da Província Fu Jian nos termos acima transcritos.
  
  Custas pela Requerente nos termos do artº 19º do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, publicado através do Aviso do Chefe do Executivo nº 12/2006 de 22.03.2006.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 09 de Outubro de 2025
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Seng Ioi Man
  (1º Adjunto)
  
  Fong Man Chong
  (2º Adjunto)
  

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