Processo nº 234/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 09 de Outubro de 2025
ASSUNTO:
- Contrato de promessa de compra e venda
- Caducidade da concessão por arrendamento de Terreno para construção
- Incumprimento
- Medida da Indemnização
_________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 234/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data:		09 de Outubro de 2025
Recorrentes:	A  
B, Limitada
Recorridos:	Os mesmos
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, 
  veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
  B, Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo que:
1) Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
2) Seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de HKD4.458.804,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
3) Seja a ré condenada a pagar juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da publicação no Boletim Oficial da RAEM de declaração de caducidade da concessão (29/01/2016) até integral pagamento.
4) Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à ré ou em virtude da alteração das circunstâncias, pedem a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de HKD2.229.402,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar de 29/01/2016 até integral pagamento.
  
  Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, 
  - Declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar ao autor:
  1. A quantia de HKD2.229.402,00 (dois milhões, duzentos e vinte e nove mil, quatrocentos e dois dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
  2. A quantia de HKD1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento.
  
  Não se conformando com a sentença ambas as partes vieram   interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
  - Do Autor:
1. In casu, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente acção do recorrente.
2. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo, uma vez que a mesma cometeu erro notório no reconhecimento dos factos, e incorreu no vício de errada interpretação e aplicação da lei.
i. Erro notório no reconhecimento dos factos
3. No caso sub judice, os factos provados relativos à habitação para troca são os pontos 65 a 69 dos factos, que foram dados como provados principalmente com fundamento nos documentos oferecidos pela C, S.A., na Lei n.º 8/2019, e nas regras da experiência do Tribunal a quo.
4. Porém, entende o recorrente que os pontos 67 e 69 dos factos provados padecem do vício de erro notório na apreciação dos factos.
5. Em primeiro lugar, do fundamento que levou o Tribunal a quo ao reconhecimento dos factos, e das fls. 2396 dos autos resulta que, na realidade, a área e a tipologia da habitação para troca, bem como os materiais usados, ainda não foram determinados.
6. No documento constante das fls. 2396 dos autos não se encontra qualquer elemento da área útil da habitação para troca escolhida pelo recorrente, e nesta conformidade, é impossível calcular o preço de venda da habitação para troca a cuja compra se candidatou o recorrente, pelo que o preço também não foi determinado. Assim sendo, não se pode concluir que o preço, a área, a tipologia e os materiais usados da habitação para troca são equivalentes aos da fracção envolvida.
7. O preço da habitação para troca também é previsto no art.º 8.º da Lei n.º 8/2019, quer dizer, o preço de venda da habitação para troca é fixado pela C, S.A. tendo por referência os preços praticados no mercado, e, nessa premissa jurídica, é impossível que o preço de venda da habitação para troca seja “bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores”.
8. Com base nisso, os pontos 67 e 69 dos factos provados padecem do vício de erro notório na apreciação dos factos, e na falta de mais prova, os respectivos quesitos da base instrutória devem ser dados como não provados.
9. Por serem não provados os aludidos quesitos da base instrutória, deixa de existir o pressuposto de aplicação do princípio da equidade ao caso dos autos.
ii. Errada aplicação do art.º 801.º do Código Civil
10. Se não for acolhido pelo MM.º Juiz o entendimento acima consignado, o recorrente ainda entende que não é justificado o motivo pelo qual o Tribunal a quo aplicou o princípio da equidade previsto no art.º 801.º do Código Civil.
11. In casu, é facto indubitável que o incumprimento da obrigação contratual é imputável à recorrida, e o Tribunal a quo também abundou no mesmo sentido.
12. Ao abrigo do disposto no art.º 436.º, n.º 2 do Código Civil, o recorrente, na qualidade de parte que já constituiu o sinal de HKD2.229.402,00, tem, naturalmente, o direito de exigir à recorrida o dobro do sinal já pago, lhe atribuído pelo referido preceito. Trata-se da consequência que a recorrida deve assumir pelo incumprimento do contrato.
13. Mas o Tribunal a quo entendeu principalmente que o incumprimento por parte da ré era involuntário e não era especialmente elevado o juízo de censura, pelo que se fosse a recorrida condenada a pagar, a título de pena, o dobro do sinal em todos os processos, a respectiva pena seria excessiva para a recorrida.
14. E, em comparação com o prejuízo realmente sofrido pelo recorrente, o montante da indemnização que a recorrida deve pagar, ou seja o dobro do sinal, apresenta-se manifestamente excessivo, Por isso, o Juiz a quo entendeu que, ao abrigo do disposto no art.º 801.º, n.º 1 do Código Civil, e a pedido da recorrida, a pena convencional deveria ser reduzida, equitativamente, pelo menos para HKD1.300.000,00.
15. O recorrente manifesta expressamente a sua discordância com o referido entendimento.
16. Antes de mais, como atrás já se referiu, o problema entre a recorrida e a RAEM em relação à concessão do terreno não tem nada a ver com o presente processo e o recorrente. Por isso, independentemente de ser reconhecida ou não a culpa da recorrida nos processos com a RAEM, o recorrente não é obrigado a ter conhecimento, e não deve sofrer prejuízo por causa dos actos da Administração.
17. Voltando ao caso concreto, tal como reconheceu o Tribunal a quo na sentença recorrida, é imputável à recorrida o incumprimento do contrato envolvido.
18. Nestas circunstâncias, naturalmente, deve a recorrida indemnizar o recorrente nos termos legais.
19. Por outro lado, o Tribunal a quo usou o excesso do montante da indemnização como fundamento para aplicar o princípio da equidade no art.º 801.º do Código Civil, mas o recorrente não está de acordo.
20. Importa ter na mente que, o recorrente pagou efectivamente à recorrida o sinal de HKD2.229.402,00 para obter a fracção envolvida (pontos 21 e 22 dos factos provados).
21. Na verdade, o valor do sinal pago no caso dos autos corresponde ao do sinal normalmente pago nos contratos-promessa de compra e venda de bens imóveis.
22. Por isso, mesmo que a recorrida tenha de pagar o dobro do sinal por incumprimento do contrato, o montante corresponde não se apresenta manifestamente excessivo.
23. Segundo o entendimento do TSI no seu Acórdão n.º 320/2020, de 18 de Junho de 2020, embora o tribunal possa reduzir a pena nos termos legais, importa notar que, nos casos em que o montante da indemnização não é diferente de qualquer outra transacção normal, a pena não deve ser reduzida de forma arbitrária, senão, o mecanismo da cláusula penal não passa de uma letra morta, e torna-se inútil.
24. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo alegou, como fundamento para aplicar o n.º 1 do art.º 801.º do Código Civil, o facto de que o recorrente receberá a habitação para troca no futuro.
25. Mas vem o recorrente reiterar, mais uma vez, que, nos termos do art.º 3.º da Lei n.º 8/2019, as habitações para troca não têm carácter compensatório, e o recorrente só obteve a habilitação para comprar habitação para troca por causa da recorrida, mas não foi autorizado a adquirir, a título gratuito, a respectiva habitação.
26. E até ao presente, ainda não foi concluída a construção da habitação para troca, e o recorrente não consegue saber quando será concluída. Após ter pago o montante de HKD$2.229.402,00 desde 2013, o recorrente já não pode adquirir a fracção envolvida, e precisa de pagar agora mais uma quantia para adquirir uma fracção de qualidade e de valor futuro desconhecidos.
27. Já passaram dez anos, e a recorrida ainda não pagou qualquer indemnização ao recorrente. Agora são diferentes as condições da concessão do empréstimo, e é incerto se o recorrente ainda tem capacidade para comprar a habitação para troca.
28. Neste contexto, como se que pode dizer que uma oportunidade de comprar habitação para troca constitui compensação ao recorrente.
29. O Tribunal a quo também mencionou que, o recorrente receberá e fruirá a fracção sucedânea no futuro, pelo que o caso dos autos é mais aproximado à mora no cumprimento, mas não ao incumprimento definitivo. No entanto, é de mencionar que, de acordo com o contrato-promessa envolvido, a recorrida deveria ter indemnizado o recorrente pelo sinal pago por ele; por outro lado, o recorrente obteve a habilitação para comprar habitação para troca fornecida pelo Governo de Macau.
30. Não se pode confundir um com o outro, porque a recorrida não é construtor da habitação para troca, nem pagou, por conta do recorrente, todo o preço da habitação para troca, e como é que isso pode justificar a redução da indemnização que a recorrida tem de pagar por causa do seu incumprimento culposo e definitivo.
31. Assim sendo, muito menos se pode provar a tese defendida pelo Tribunal a quo, ou seja a habitação para troca construída pelo Governo de Macau torna o incumprimento definitivo da recorrida em mora no cumprimento. Naturalmente, o facto de o recorrente obter habitação para troca não torna o incumprimento definitivo da recorrida em/mais parecido com mora no cumprimento, e não pode compensar o prejuízo sofrido pelo recorrente.
Pelo exposto, pede-se ao TSI que julgue procedente o recurso do recorrente, revogue a sentença do Tribunal a quo por incorrer nos vícios de erro notório na apreciação dos factos e de errada aplicação da lei, e nos termos do art.º 630.º do CPC, passe a condenar a recorrida a pagar ao recorrente:
1. A indemnização correspondente ao dobro do sinal, no valor total de HK$4.458.804,00 (HK$2.229.402,00 X 2), equivalente a MOP$4.592.568,12; e
2. Os juros de mora legais sobre o valor de liquidação final, contados à taxa anual de 9,75% desde a data da citação da recorrida até integral pagamento.
  
  - Da Ré:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD3.529.402.00.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provada praticamente toda a matéria alegada pela Recorrente susceptível de estabelecer que não conseguiu aproveitar o terreno dentro do prazo contratado e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço, por razões imputáveis aos Serviços da RAEM.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “XXX”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de, naquela época (2010-2011) nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços. 
11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA) , ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. Os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
13. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
14. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
15. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
16. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
17. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
18. Quanto ao risco, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
19. Por outro lado, o Recorrido sabia necessariamente que o contrato em discussão estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
20. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
21. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso. 
22. O Recorrido também sabia perfeitamente que a fracção transacionada ia ser construída no futuro, ou seja, que tinha adquirido um bem que não existia à data do contrato que celebrou.
23. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com ditames de boa fé, estivesse vinculada a transmitir. 
24. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe o Recorrido para a esfera de risco do contrato em causa. Foi ele que quis nela entrar.
25. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
26. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
27. Relativamente à redação do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
28. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
29. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
30. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
31. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
32. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
33. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
34. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão apontam para outra qualificação que não a do contrato-promessa.
35. Designadamente, saliente-se que os recibos de pagamento mencionam tratar-se da liquidação de um preço e, nunca, de um sinal, e que o contrato contém uma planta da fracção adquirida em anexo, típico de uma compra de imóvel em projecto.
36. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, a qual foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
37. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes “contratos-promessa” têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
38. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
39. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
40. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
41. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 31 a 34 dos autos.
42. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
43. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
44. Deste modo, salvo melhor opinião, na perspectiva da Recorrente, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se em HKD2.229.402,00 e respectivos juros de mora.
45. Subsidiariamente a Recorrente pediu que a indemnização fosse arbitrada com base na equidade, tendo a douta sentença recorrida considerado ser essa a solução jurídica adequada e arbitrado uma indemnização a esse título no valor de HKD1.300.000,00. 
46. Na eventualidade de ser proferida uma decisão com base em tal solução, afigura-se que uma decisão mais justa seria a de se arbitrar um montante correspondente a metade do valor a restituir, ou seja, HKD$1.114.701,00. (2.229.402,00/2).
47. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229, 230º, 434º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
  Contra-alegando vieram as partes apresentar as seguintes conclusões:
  - Do Autor
1. Da decisão do processo recorreu a recorrente com os argumentos seguintes: A. Incumprimento inimputável à recorrente; B. Qualificação do contrato; e C. Valor da indemnização.
2. Salvo o devido respeito, o recorrido entende que não lhe assiste razão e a decisão deve ser proferida em harmonia com os fundamentos deduzidos pelo recorrido.
A. Do incumprimento inimputável à recorrente
3. Antes de mais, na óptica da recorrente, o incumprimento contratual decorreu dos actos imprevisíveis e inevitáveis da Administração (terceiro), nomeadamente em relação às suas demoras procedimentais e exigência de apresentação do relatório de avaliação ambiental, resultando na impossibilidade de conclusão da construção do Edf. XXX dentro do prazo da concessão; a recorrente também argumentou que, estando em causa um contrato de compra e venda da coisa absolutamente futura, só ficava obrigada a exercer as diligências necessárias segundo o que foi estipulado ou resultou das circunstâncias do contrato, nos termos do art.º 870.º do Código Civil; segundo a recorrente, não ocultou ou ofereceu informações falsas ao recorrido, pois que nunca pensou na impossibilidade do cumprimento contratual. De acordo com o princípio da liberdade contratual, desde que o recorrido optou pela celebração do contrato com a recorrente, os riscos provieram da sua própria escolha.
4. Além disso, assinalou que, a obrigação de comunicação é uma responsabilidade pré-contratual, não há qualquer facto provado da decisão recorrida que revele o incumprimento da responsabilidade pré-contratual por parte da recorrente.
5. Entretanto, a respeito da culpa da recorrente, o recorrido concorda completamente com o entendimento do Tribunal a quo.
6. A par disso, no que concerne à culpa da Administração repetida pela recorrente, como o recorrido tem insistido, a causa directa da impossibilidade da venda da fracção em causa ao recorrido consiste na não conclusão do aproveitamento dentro do prazo de arrendamento, resultando na não renovação da concessão do lote “P” pela Administração. Pelo que, a impossibilidade do cumprimento contratual por parte da recorrente foi totalmente previsível e evitável.
7. E importa salientar que, a Administração não é sujeito do contrato em causa, foi impossível para o recorrido ter conhecimento dos actos dela no cumprimento do contrato.
8. Segundo o acórdão n.º 3987/07.9TBAVR.C1.S1 de 29 de Maio de 2012 do STJ de Portugal, só nos casos em que ocorra abuso do direito de terceiro, ou seja, nos casos escandalosos, o contrato produz efeitos em relação a terceiro – e só quando o contrato produz efeitos a terceiro, merece discutir o incumprimento contratual decorrente de actos de terceiro.
9. Outrossim, nos proc. n.º 372/19-RA, n.º 352/19-RA e n.º 359/19-RA, centenas de promitente-compradores do Edf. XXX apresentaram pedido de indemnização contra a RAEM, no entanto, o Tribunal Administrativo negou provimento, dado que a RAEM não teve qualquer culpa nem sucedeu abuso do direito.
10. Se os promitente-compradores não possam receber qualquer indemnização pelos actos da Administração e, ao contrário, a recorrente possa isentar-se da responsabilidade pelos mesmos, não deixa de ser injusto para o recorrido e é lesado o princípio da relatividade contratual. Pelo que, a inimputabilidade do incumprimento pretendida pela recorrente manifestamente não procede.
11. E mais, do seu entendimento no sentido de que o recorrido sabia e assumia voluntariamente os riscos no momento de celebração do contrato em causa e a obrigação de comunicação se traduz apenas numa responsabilidade pré-contratual, salvo o devido respeito, o recorrido completamente discorda.
12. Primeiro, a recorrente era promotor do empreendimento e só ela se comunicava com a Administração, portanto, só ela sabia se havia demora no cumprimento pela Administração e quando se previa concluída a construção do prédio em apreço. Contudo, na comunicação com o recorrido, a recorrente nunca divulgou os riscos.
13. Em 7 de Janeiro de 2011, a recorrente já sabia que a licença de execução só seria emitida após ter sido aprovado o relatório de avaliação ambiental que alegou nunca ter sido exigido no passado. Sabendo bem os referidos riscos, em 4 de Março de 2013, altura em que com o decurso de tempo de 2 anos ainda não foi aprovado o relatório de avaliação ambiental, cuja data de aprovação ainda era incerta, a recorrente celebrou com o recorrido o contrato em questão (vide o art.º 17.º dos factos provados).
14. Em conformidade com o critério de bonus pater famílias, face aos factos acima descritos, no momento de outorga do contrato em causa, a recorrente era capaz de prever a falha em renovação da concessão, que impossibilitaria a “entrega da fracção” ao recorrido – mas a recorrente ainda celebrou o contrato com o recorrido apesar de falta de garantia da renovação pela Administração.
15. E mais, de acordo com o art.º 13.º dos factos provados, a recorrente obteve a licença da obra em 24 de Outubro de 2013, alegou que a construção do prédio poderia ser concluída dentro de 3 anos, isto é, foi impossível concluir a construção dentro do prazo da concessão (25 de Dezembro de 2015), então, porque continuou a cobrar do recorrido o sinal no valor de HKD$743.134,00 respectivamente em 1 de Setembro de 2014 e 4 de Março de 2015? (vide o art.º 22.º dos factos provados e fls. 81 e 82 dos autos) Porque não informou a realidade ao recorrido quando recebeu essa quantia?
16. Daí que, quer antes de outorga do contrato quer no cumprimento contratual, a recorrente tinha demasiada confiança, sem qualquer fundamento de direito, em renovação ou prorrogação da concessão por arrendamento ou nova concessão pela Administração do lote “P”, não cumprindo o dever de comunicação. Evidente é que tal maneira de actuação se apresenta em desarmonia com um promotor do empreendimento experiente adoptando o critério de bonus pater famílias.
17. Além disso, o dever de comunicação deriva-se do princípio da boa fé e tem que ser cumprido quer antes de celebração quer no cumprimento do contrato (vide os art.ºs 219.º e 752.º n.º 2 do Código Civil). No caso sub judice, a recorrente não cumpriu o dever de comunicação antes de celebração e no cumprimento do contrato, nem observou as regras comportamentais segundo o critério de bonus pater famílias.
18. Com base nisso, mostra-se correcto que o Tribunal a quo reconheça a culpa da recorrente no cumprimento contratual, devendo ser mantida a decisão do Tribunal a quo.
B. Da qualificação do contrato
19. A recorrente argumentou que, na audiência, não se apurou a vontade real das partes no momento de outorga do contrato em causa, mas ponderando I) as letras do texto contratual; II) as negociações e letras (nos documentos); III) a história; IV) a respeito das finalidades, o contrato em questão deve-se considerar “contrato de reserva” ou “contrato de compra e venda de coisa futura”;
20. A recorrente acrescentou que, mesmo qualificando-o como contrato-promessa de compra e venda, o preço pago pelo recorrido deve ser considerado como antecipação do cumprimento previsto pelo art.º 434.º do Código Civil, deste modo, a indemnização pelo incumprimento a efectuar deve ser equivalente ao preço pago, mas não ao seu dobro.
21. Salvo o devido respeito, o recorrido entende que não lhe assiste razão.
22. Antes de mais, nos termos do art.º 404.º n.º 1 do Código Civil, o contrato-promessa de compra e venda caracteriza-se pelo compromisso de celebração de certo contrato em virtude do contrato-promessa (sic.), nos negócios de imóveis o mesmo visa a futura outorga de escritura pública de compra e venda em condições iguais.
23. No caso, ao contrário do entendimento da recorrente, das letras, negociações e palavras (nos documentos) e aspectos da história e finalidades (sic.), resulta suficientemente que se trata dum contrato-promessa de compra e venda.
24. Conforme os art.ºs 17.º a 22.º dos factos provados, a recorrente comprometeu-se a vender a fracção em causa ao recorrido; para adquirir essa fracção, o recorrido pagou à recorrente, em prestações, um montante total de HKD$2.229.402,00.
25. Segundo as letras do contrato em apreço, constante das fls. 71 a 76 dos autos, o título é «contrato-promessa de compra e venda do Edf. XXX». Nos termos da cláusula 1ª: “A outorgante A … comprometeu-se a vender ao outorgante B …, os outorgantes concordaram na estipulação e cumprimento do seguinte contrato-promessa de compra e venda …”; a cláusula 5ª estabelece o regime de “fazer entregue” o sinal do contrato-promessa de compra e venda, nos termos do art.º 436.º n.º 2 do Código Civil; nos termos da cláusula 15ª, o recorrido ficava obrigado a ir ao escritório da recorrente celebrar a escritura pública de compra e venda dentro de 7 dias após a recepção da notificação da última; das cláusulas 9ª e 22ª se revela que, antes de celebração da escritura pública de compra e venda, o recorrido estava sujeito às vinculações da recorrente – a transmissão da posição contratual e a obra de decoração exterior e interior dependiam da decisão do outorgante A (ou seja, a real proprietária).
26. Daí que, depois de ter assinado o contrato em causa, o recorrido ainda não adquiriu a propriedade, ficando obrigado a celebrar a escritura pública de compra e venda com a recorrente – portanto, afigura-se correcto que o Tribunal a quo o qualifique como contrato-promessa de compra e venda.
27. A recorrente também afirmou que, as cláusulas 10ª e 12ª só existiam em contrato de compra e venda de coisa futura, todavia, se o contrato em apreço realmente o fosse como a recorrente pretendeu e o recorrido se tornasse no proprietário da fracção logo desde a celebração do contrato – então, porque havia regulamentações sobre as despesas de água, electricidade e administração, cujo pagamento era imposto ao recorrido a título de obrigação do contrato-promessa de compra e venda (sic.)?
28. Outrossim, a recorrente invocou que, constava do recibo emitido por ela a palavra “depósito”, mas não “sinal”, no entanto, acredita-se que, para os declaratário normais, não se distinguem esses termos nos negócios do mercado de Macau, mesmo na compra e venda de edifício construído, habitualmente, usa-se a expressão “D (entrega do depósito)” ou “D1 (entrega do depósito grande)” como pagamento do sinal. De resto, seja qual for a palavra usada, presume-se como sinal nos termos do art.º 435.º do Código Civil.
29. A par disso, importa lembrar que, o contrato em causa foi preparado pela recorrente, que por ela própria escolheu as palavras usadas no contrato. Deste modo, não deixa de ser difícil compreender que a recorrente, por um lado, indicou que, antes de entrada em vigor da Lei de aquisição de Lao Fa, não havia norma jurídica em relação à forma de compra e venda de prédios em construção, por outro lado, preparou o «contrato-promessa de compra e venda do Edf. XXX» (mas não o «contrato de compra e venda do Edf. XXX» para submeter à outorga do recorrido e, porém, afinal, argumentou que o contrato não era contrato de compra e venda, antes sim “contrato de reserva” ou “contrato de compra e venda de coisa futura”.
30. Urge salientar que, de acordo com a fls. 64 dos autos, após a entrada em vigor da Lei de aquisição de Lao Fa, o recorrido fez o registo nos termos do art.º 10.º n.º 3 da Lei n.º 7/2013 – isto é, o registo fez-se em nome de promitente-comprador e com base no contrato-promessa de compra e venda, o que foi reconhecido pela Conservatória do Registo Predial como terceiro.
31. Pelo que, das letras, fundo e aspectos da história e finalidades (sic.), só se pode resultar que, o contrato em causa é contrato-promessa de compra e venda regulamentado pelos art.º 404.º, 435.º e 436.º do Código Civil.
32. Juridicamente, mostra-se evidentemente inaplicáveis ao presente caso as disposições sobre “contrato de compra e venda de coisa futura” ou “contrato de reserva”.
33. O “contrato de compra e venda de coisa futura” está sujeito às normas sobre o contrato de compra e venda, na jurisprudência e doutrina tem-se sustentado em comum que, depois da celebração do “contrato de compra e venda de coisa futura”, não é necessário outorgar outro contrato, dado que, o direito real já se transfere no momento da celebração do contrato de compra e venda de coisa futura, só que a transferência fica suspensa temporariamente devido à inexistência da coisa futura. Sendo a coisa futura um imóvel, requer a celebração da escritura pública nos termos do art.º 866.º do mesmo Código, sob pena da nulidade do contrato nos termos do art.º 212.º
34. Se a recorrente tivesse a intenção de outorgar com o recorrido um contrato de compra e venda de coisa futura, obviamente iria, como promotor do empreendimento experiente, escolher escritura pública em vez de preparar um contrato “nulo” para vincular o recorrido.
35. E no que diz respeito ao “contrato de reserva”, invocado pela recorrente, segundo a jurisprudência do STJ de Portugal no acórdão n.º 25718/20.3T8LSB.L1-7, o “contrato de reserva” celebra-se na fase de negociações preliminares, em que a vontade das partes e as condições ainda não estão confirmadas, normalmente antes da outorga do contrato-promessa de compra e venda.
36. Contudo, no contrato em apreço, evidentemente as partes já se comprometeram de forma expressa a realizar a transacção da fracção em causa e fixaram as regras sobre o preço, o modo de pagamento e a entrega, superando obviamente o âmbito do contrato de reserva.
37. Pelo que, para evitar a aplicação do regime do sinal, a recorrente qualificou o contrato como duas espécies demasiadamente alheias, tal pretensão manifestamente não procede. No proc. n.º 22/2024, semelhante ao presente, o TSI qualificou o mesmo tipo de contrato como contrato-promessa de compra e venda. Por isso, deve ser mantida a qualificação do contrato pelo Tribunal a quo como contrato-promessa de compra e venda.
38. A recorrente acrescentou que, mesmo qualificando-o como contrato-promessa de compra e venda, o preço pago pelo recorrido deve ser considerado como antecipação do cumprimento previsto pelo art.º 434.º do Código Civil, porém, neste aspecto, também não lhe assiste razão.
39. Em virtude do gozo da referida presunção legal por parte do recorrido, prevista pelo art.º 435.º do Código Civil, incumbe à recorrente ilidi-la nos termos do art.º 337.º do mesmo Código, ou seja, provar que o montante de HKD$2.229.402,00, pago pelo recorrido, não era sinal.
40. Conforme a resposta negativa ao quesito 1.º da decisão da matéria de facto, verifica-se que o recorrido e a recorrente absolutamente não excluíram o carácter de sinal do referido montante. Nas alegações de recurso, a recorrente não impugnou o referido facto reconhecido nos termos do art.º 599.º n.º 1 do CPC.
41. Não havendo qualquer facto provado para apoiar a alegação unilateral da recorrente, o seu recurso não procede nesta parte.
C. Valor da indemnização
42. A recorrente entendeu que, do ponto de vista acima especificado, deveria reembolsar ao recorrido o montante por este pago em harmonia com o regime do enriquecimento sem causa. Acrescentou que, o valor da indemnização fixado se apresentava excessivamente elevado e, portanto, deveria ser reduzido para HKD$1.114.701,00 segundo o princípio da equidade.
43. O recorrido não concorda com a pretensão da recorrente.
44. Nos termos do art.º 467.º n.º 1 do Código Civil, no caso, desde que se verificam a relação contratual entre a recorrente e o recorrido, decorrente do «contrato-promessa de compra e venda do Edf. XXX», bem como o incumprimento culposo da recorrente resultante na impossibilidade de celebração da escritura pública, absolutamente não devem ser aplicadas as normas sobre enriquecimento sem causa.
45. É de reiterar que, a recorrente e o recorrido nunca excluíram o carácter de sinal do montante de HKD$2.229.402,00. Pelo que, devem ser mantidas a aplicação do art.º 434.º do Código Civil, para reconhecer o carácter de sinal do montante de HKD$2.229.402,00, e a condenação da recorrente no pagamento do dobro do sinal ao recorrido ao abrigo do art.º 436.º n.º 2 do mesmo Código.
46. No tocante à pretendida aplicação do princípio da equidade, para fixar o valor a reembolsar ao recorrido apenas em HKD$1.114.701,00, o recorrido entende que não lhe assiste razão, pois que não se trata duma indemnização no valor notoriamente elevado e não deve ser aplicado o princípio da equidade pelas razões especificadas na petição de recurso do recorrido, que não se repetem aqui. Não havendo mais fundamento, a pretensão de redução do valor da indemnização também não procede.
47. Face ao exposto, o recurso da recorrente não procede nesta parte, devendo ser decidido como motivado nas alegações de recurso do recorrido.
  
  - Da Ré
  A Ré contra-alegando veio pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões. 
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  São dois os recursos interpostos nestes autos:
1. Por banda do Autor:
- Invoca o erro na decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 37º a 41º da Base Instrutória, elencados na decisão recorrida sob os nº 65 a 69;
- Errada aplicação do disposto no artº 801º do C.Civ. por se fixar a indemnização com recurso a critérios de equidade.
2.  Pela Ré:
- Impossibilidade jurídica de cumprir;
- Risco em que o Autor conscientemente incorreu;
- Qualificação jurídica do contrato e da quantia paga;
- Enriquecimento sem causa.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
  Uma vez que um dos recursos interpostos versa sobre a decisão da matéria de facto é pela apreciação deste recurso que iniciamos.
  
  Do recurso do Autor quanto à decisão sobre a matéria de facto no que concerne aos quesitos da Base Instrutória 37º a 41º.
  
  A decisão sobre a matéria de facto impugnada consiste no seguinte:
  «65. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 37.º)
  66. Em caso afirmativo, tal requerimento foi deferido. (Q 38.º)
  67. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitue o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea R) dos Factos Assentes. (Q 39.º)
  68. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Ré, a construir no mesmo terreno. (Q 40.º)
  69. O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 41.º)».
  A convicção do Tribunal “a quo” quanto à decisão desta matéria resultado documento a fls. 2390, do teor da lei nº 8/2019, das regras da experiência e da análise global da prova testemunhal.
  Nas suas alegações de recurso o Autor vem apenas contrapor que do documento junto a fls. 2396 não resulta a demonstração desta matéria.
  Os documentos de fls. 2390 e 2396 fazem parte do mesmo conjunto de documentos, sendo que o que daqueles resulta é que o pedido do Autor para ser autorizado a adquirir uma casa de substituição foi deferido.
  Ora o que resulta da matéria de facto dado como provada e impugnada é que ao Autor foi autorizado adquirir uma fracção de substituição e que o preço pago pela fracção adquirida – e que resulta de fls. 2396 – é inferior ao valor de mercado ao tempo – em 2013 - para fracções com áreas idênticas.
  Para além da referência ao indicado documento não invoca o Autor qualquer outro elemento de prova de onde resulte o erro de julgamento desta matéria, a não ser as suas pessoais considerações sobre o tema.
  A fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” mostra-se coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou.
  Sobre esta matéria veja-se Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
  «Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
  Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
  “1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
  2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
  Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
  Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
  A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
  Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
  Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
  Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
  Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
  Em sentido idêntico veja-se Acórdão deste tribunal de 09.05.2019, proferido no processo nº 240/2019, em cujo sumário se diz: 
  «I – Em matéria de impugnação de matéria de facto, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC. 
  II - para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.».
  
  Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso no que concerne à decisão da matéria de facto.
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1.       A ré é uma sociedade limitada, constituída no dia 8 de Fevereiro de 1977 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° 838 (SO), cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
2.       Por Despacho n.° 160/SATOP/90, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.° 52, de 26 de Dezembro de 1990, rectificado pelo Despacho n.° 107/SATOP/91, publicado no Boletim Oficial n.° 26, de 1 de Julho de 1991, foi concedido à ré um terreno, resgatado ao mar, com a área de 60.782 m2, constituído por lote “O” para fins habitacionais, lote “S” para fins habitacionais e lote “Pa” para fins industriais, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta.
3.       Em conformidade com o estipulado na cláusula 2ª, n.° 1, do aludido despacho de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato.
4.       Por Despacho n.° 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.° 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.° 160/SATOP/90, foi à ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb”, destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único designado por “P”, com a área global de 67.536 m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”
5.       O lote “P” supracitado, de concessão provisória, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 22380, a fls. 14 do livro B68M.
6.       Em 2004, a ré apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes um estudo prévio, pretendendo alterar a finalidade do lote “p” de indústria para comércio e habitação.
7.       O aludido estudo prévio da alteração da finalidade do lote “P” foi considerado, no dia 21 de Janeiro de 2005, passível de aprovação, constituindo condição para a revisão do contrato.
8.       Neste contexto, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM n.° 9, de 1 de Março de 2006, foram acordados a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, alterando a finalidade inicial de indústria para comércio e habitação, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 1 pódio com 5 pisos, sobre o qual assentavam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção:
–	Habitação: 599.730 m2;
–	Comércio: 100.000 m2;
–	Estacionamento: 116.400 m2;
–	Área livre: 50.600 m2.
9.       Por força da revisão atrás referida, o terreno objecto do contrato de concessão passou a ser constituído pelos lotes “O”, “P”, “S” e “V”, com a área de 105.437 m2.
10.     Foi autorizada à ré a prorrogação do prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015.
11.     Para concretizar o aproveitamento do lote “P”, a ré requereu junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a aprovação do projecto de arquitectura para a construção das fracções autónomas de propriedade horizontal do edifício, denominado “XXX”.
12.     Em 7 de Janeiro de 2011, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes aprovou o projecto de arquitectura submetido pela ré em 22 de Outubro de 2009.
13.     No dia 24 de Outubro de 2013, a ré requereu, junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a emissão de licença para as obras das fundações, a qual foi emitida no dia 2 de Janeiro de 2014.
14.     A partir de 7 de Janeiro de 2011, a ré começou a promover a venda das fracções autónomas do Edifício “XXX”.
15.     A ré já celebrou, até à presente data, 3.020 contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas do Edifício “XXX”.
16.     O autor é um dos promitentes-compradores, dos numerosos contratos-promessa de compra e venda acima referidos.
17.     No dia 4 de Março de 2013, a ré na qualidade de promitente-vendedora celebrou com o autor, como promitente-comprador, um “Contrato-promessa de compra e venda de imóvel do Edifício “XXX””
18.     Através do contrato supracitado, a ré prometeu vender ao autor a fracção autónoma C, no 20° andar “A”, para habitação, do Bloco 4 do Edifício “XXX”, em construção, situado em Macau, no Bairro da Areia Preta, s/n, Lote P (lote “P”, ora em discussão), tendo o autor aceitado a aquisição.
19.     O preço para a compra e venda da referida fracção autónoma era de HK$7.431.340,00, equivalente a MOP$7.654.281,00.
20.     Em função da cláusula 3ª do contrato, o pagamento do preço pelo autor à ré, era efectuado da seguinte forma:
*   O montante de HK$743.134,00, aquando da celebração do aludido contrato;
*   O montante de HK$371.567,00s antes do dia 7 de Setembro de 2013;
*   O montante de HK$371.567,00, antes do dia 7 de Março de 2014;
*   O montante de HK$371.567,00, antes do dia 7 de Setembro de 2014;
*   O montante de HK$371.567,00, antes do dia 7 de Março de 2015;
*   O remanescente de HK$5.201.938,00, no prazo de 7 dias, após a emissão da licença de utilização (licença de ocupação) pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
21.     O autor já pagou à ré o preço do imóvel de HK$743.134,00 no momento da celebração do contrato, ora em discussão.
22.     O autor efectuou o pagamento do preço de imóvel à Ré, respectivamente, nos dias 5 de Setembro de 2013, 3 de Março de 2013, 1 de Setembro de 2014 e 4 de Março de 2015, perfazendo um montante total de HK$1.486.268,00.
23.     Tendo o autor declarado junto da Direcção dos Serviços de Finanças a aquisição da fracção autónoma, ora em discussão, ela, após a emissão da guia de pagamento pelos mesmos serviços, pagou, no dia 25 de Março de 2013, o imposto do selo por transmissão de imóvel no montante de MOP$136.111,00.
24.     Conforme a cláusula 15ª do contrato, o autor, informada pela ré para proceder à celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, devia deslocar-se pessoalmente ao escritório da ré no prazo de 7 dias para tratamento das respectivas formalidades.
25.     Segundo a cláusula 10ª do contrato, a ré prometeu entregar a fracção à autora no prazo de 1200 dias úteis de sol, a contar da conclusão do primeiro andar habitacional do projecto de superestrutura (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva).
26.     A companhia-mãe da ré, “B Asset Holdings Limited”, apresentou datas previstas para a conclusão da construção do Edifício “XXX” nos seguintes relatórios anuais:
*   Foi prevista, no relatório anual de 2012, publicado no dia 27 de Março de 2013, a conclusão da construção do Edifício “XXX” em 2016/2017;
*   Foi prevista, no relatório anual de 2013, publicado no dia 26 de Março de 2014, a conclusão da construção do Edifício “XXX” em 2017/2018;
*   Foi prevista, no relatório anual de 2014, publicado no dia 18 de Março de 2015, a conclusão da construção do Edifício “XXX” em 2017/2018.
27.     No dia 11 de Dezembro de 2015, a ré garantiu, através de anúncio publicado num jornal de Macau, que o imóvel seria entregue aos promitentes-compradores em 2018.
28.     No dia 23 de Março de 2016, depois de declarada pelo Chefe do Executivo a caducidade da concessão do lote “P”, a companhia-mãe da ré, “B Asset Holdings Limited”, mencionou no seu relatório anual de 2015 que, no caso de ser dado provimento às impugnações pelos tribunais e conseguir a autorização dos serviços competentes do Governo de Macau, retomaria, de imediato, a execução da obra, de modo a concluí-la com a maior brevidade possível para entrega das fracções aos compradores que por elas aguardavam há longo tempo.
29.     No decorrer da execução da obra, a ré requereu, no dia 4 de Junho de 2014, junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a prorrogação do prazo de aproveitamento do lote “P”, bem como a emissão da licença de obras até 25 de Dezembro de 2015, tendo ainda prometido solenemente no requerimento que iria assumir todas as consequências depois da construção.
30.     A partir da data da declaração, pelo Chefe do Executivo, da caducidade da concessão do lote “P”, a ré deixou de desenvolver qualquer obra no respectivo terreno, no âmbito da construção do Edifício “XXX” e da fracção autónoma, ora em discussão.
31.     O recurso contencioso de suspensão de eficácia, interposto pela ré contra o despacho de caducidade da concessão do lote “P”, do Chefe do Executivo, já tinha sido indeferido pelo Tribunal de Segunda Instância, tendo o TUI negado, posteriormente, por acórdão, o provimento do respectivo recurso.
32.     Em 29/11/2018, a R. instaurou uma acção de responsabilidade civil contra a RAEM.
33.     A ré sabia perfeitamente que, conforme o estipulado na Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras) na altura vigente, a renovação da concessão do terreno só é permitida depois de convertida em definitiva. (Q 2.º)
34.     O projecto então aprovado contemplava as soluções anteriormente preconizadas nos Estudos Prévios de 10/09/2004 e 15/12/2004, das PAO’s de 23/12/2004 e de 23/12/2005, do projecto de arquitectura de 2009, e do contrato de concessão revisto. (Q 4.º)
35.     A decisão de aprovação do projecto de arquitectura sujeitou a emissão da licença de obras à condição de (a) a Ré apresentar um relatório de avaliação do impacto ambiental que poderia ser causado pela nova construção a implementar no Lote “P” e (b) de tal relatório vir ser aprovado pelo serviço administrativo competente da Região – a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (“DSPA”).(Q 5.º)
36.     Em 11/05/2011 a R. apresentou o exigido relatório de impacto ambiental (T-5205/2011). (Q 6.º)
37.     Mas a DSPA elaborou um parecer em 22/06/2011, que apenas foi notificado à R. em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011), um ano depois da entrega do relatório feito pela Ré, onde formulou numerosas exigências adicionais, designadamente no que respeita aos factores “ruído”, “qualidade da água”, “paisagem”, “vista” e “voo de pássaros”. (Q 7.º)
38.     Na apreciação deste segundo relatório, a DSPA decidiu apontar novos requisitos a cumprir pela R. comunicando-os primeiro por escrito, através de Ofício n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012 (doc. 17), e depois oralmente, em reunião ocorrida em 25/07/2012. (Q 8.º)
39.     Logo em 31/08/2012, foi apresentado o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental, que cumpria esses requisitos. (Q 9.º)
40.     A DSPA emitiu outro parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012, mas este parecer apenas foi notificado à R. quatro meses depois, em 28/12/2012 (Ofício n.º 13023/DURDEP/2012). (Q 10.º)
41.     Neste parecer, a DSPA, voltou a exigir elementos nunca anteriormente solicitados, designadamente um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, com “simulação informática” e uma avaliação sobre as “partículas em suspensão”. (Q 11.º)
42.     Foi a R. obrigada a apresentar um quarto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez em 15/03/2013 (T-3953/2013). (Q 12.º)
43.     Apenas em 03/05/2013 a DSPA emitiu o seu parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacte ambiental – cfr. Ofício n.º 1545/071/DAMA/DPAA/2013. (Q 13.º)
44.     Nesse parecer são novamente formuladas exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório, desta vez no que respeitaria ao “impacto ambiental sobre os novos aterros”. (Q 14.º)
45.     Teve a R. que elaborar um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez e apresentou em 28/06/2013. (Q 15.º)
46.     Perante a ausência de resposta célere a este novo relatório apesar do tempo urgir, a R. solicitou uma reunião à DSSOPT e à DSPA que teve lugar em 26/07/2013. (Q 16.º)
47.     Novamente, nessa reunião, a DSPA efectuou exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório e em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela R.. (Q 17.º)
48.     Finalmente, em 15/10/2013 a R. foi notificada da aprovação do projecto de obra através do Ofício n.º 11031/DURDEP/2013. (Q 18.º)
49.     O projecto de obra que acabou por ser aprovado em 15/10/2013 não contempla, relativamente aos de 29/04/2008, 06/05/2008 e 22/10/2009, alteração relativa ao afastamento entre torres que consta dos docs. 11 e 12 juntos com a contestação da Ré. (Q 19.º)
50.     Após a referida aprovação do projecto de obra, a licença para as obras de fundações foi imediatamente requerida pela R. em 24 de Outubro de 2013 (T-11874/2013). (Q 20.º)
51.     A DSSOPT só a emitiu em 2 de Janeiro de 2014. (Q 21.º)
52.     A R. iniciou de imediato os trabalhos. (Q 22.º)
53.     E logo em 15 de Janeiro de 2014, a R. também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Q 23.º)
54.     Só cerca de seis meses e meio depois foi o mesmo autorizado, em 29 de Julho de 2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014. (Q 24.º)
55.     Após a apresentação do projecto de arquitectura em 29/04/2008 e até à aprovação do projecto de obra em 15/10/2013, a Administração foi formulando, sucessivamente, exigências e sugestões que não constavam do contrato de concessão revisto. (Q 25.º)
56.     A Administração desistiu da sugestão de afastamento mínimo entre torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 26.º)
57.     A R. assumiu a impossibilidade técnica de concluir o projecto até 25/12/2015, porque a Administração formulou inúmeras exigências que não tinham sido contratadas. (Q 27.º)
58.     A ré declarou, em diferentes ocasiões, que o contrato de concessão do terreno seria renovado ou prorrogado, assim como viria entregar as fracções aos respectivos promitentes-compradores. (Q 28.º)
59.     Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO. (Q 30.º)
60.     A referida PAO apenas foi notificada à R. em 09/04/2010, pelo Ofício n.º 4427/DURDEP/2010. (Q 31.º)
61.     Do teor deste Ofício consta o seguinte:1. Para efeitos de cálculo da altura do edifício, as larguras das vias são as seguintes: (Q 32.º)	
1.1. Av. da Ponte da Amizade: 27 metros	
1.2. Rotunda da Amizade: 20 metros	
1.3. Av. do Nordeste: 32,5 metros	
1.4. Via a planear em sudoeste: 34 metros	
1.5. Espaço verde em sudeste: 34 metros	
1.6. Espaço verde em sudeste: 32 metros	
5. Extensão máxima contínua das fachadas da torre: 50 metros 
6. O afastamento mínimo entre as torres não deve ser inferior a 1/6 da altura da torre.
62.     O acatamento da sugestão de afastamento entre torres num mínimo igual a 1/6 da altura da torre mais alta implicava um aproveitamento do terreno em termos diversos do constante do projecto apresentado em 2009 e dos estudos prévios apresentados em 2004 para revisão do contrato de concessão que viria a ocorrer em 2006. Se se pretendesse manter a vista de mar das torres projectadas em 2009 e das que tivessem a localização apresentada nos estudos prévios apresentados de 2004 havia o risco de ter de reduzir a área destinada a construção. (Q 33.º)
63.     A ré não concordou com a sugestão de afastamento entre torres. (Q 35.º)
64.     As exigências da DSPA nunca antes tinham sido efectuadas em Macau e não se encontram, até hoje, regulamentadas. (Q 36.º)
65.     Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 37.º)
66.     Em caso afirmativo, tal requerimento foi deferido. (Q 38.º)
67.     Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitue o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea R) dos Factos Assentes. (Q 39.º)
68.     Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Ré, a construir no mesmo terreno. (Q 40.º)
69.     O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 41.º)
70.     O “Contrato-promessa de Compra e Venda de Imóvel e a Declaração de Transmissão - XXX, ambos ora em discussão, foram previamente preparados pela ré. (Q 42.º)
71.     O contrato e a declaração supracitados são um contratos-tipos, usados pela ré nos inúmeros casos de promessa de compra e venda dos imóveis do Edifício “XXX” e de cessão de posição contratual. (Q 43.º)
72.     No decurso da elaboração do referido contrato, o promitente-comprador e o cessionário limitaram-se a fornecer os seus dados de pessoais, sendo todas as cláusulas, inalteráveis, previamente estabelecidas pela ré. (Q 44.º)
73.     O contraente originário e o seu cessionário podiam pedir os esclarecimentos e fazer as contrapropostas que entendessem, mas apenas podiam optar por aceitar ou recusar as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela Ré. (Q 45.º)
74.     A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 46.º)
i. Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
ii. Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
iii. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento. 
  
b) Do Direito
  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «1. – Da impossibilidade superveniente da prestação.
  Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva1. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa2. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável3. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
  Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com o autor.
  Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1 
2.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
2.1.1 – Em geral. 
  Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
  Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC). 
  Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
  Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
  Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
  Vejamos.
  2.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
  Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que, não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação. 
  Em síntese:
  A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar o autor (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
  A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a facção acordada com o autor no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
  A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa. 
  A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
  Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em trelação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil4, estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não despresível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.  
  A ré, quando se comprometeu com o autor a cumprir (4/3/2013), precisava, no mínimo, de três anos para preparar a sua prestação (art. 119º da contestação) e já não dispunha desse tempo até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014) nem até ao fim do prazo da concessão (25/12/2015). Além disso, necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não despresível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, que respeitem a falhas de organização ou outras falhas.
  Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré se vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família.  A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação.
  Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonimia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
  Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
  3 – Da resolução contratual.
  No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
  Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
  4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
  4.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
  Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).  
  Tendo-se provado que o autor pagou à ré para receber dela um imóvel e que nada recebeu é forçoso concluir que o autor sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
  Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
  4.2 Do montante da indemnização
  O autor pretende ser indemnizado pelo dobro do sinal prestado.
  Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
  O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
  No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC. 
  É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
  4.2.1 Da existência de sinal
  Da qualificação do contrato.
  Como antes se referiu, o autor entende que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que deve ser qualificado como contrato de compra e venda de bem futuro.
  A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC). 
  A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes5. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual6. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC). 
  A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular7. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos. 
  A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual8. 
  Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das partes não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
  Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
  A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
  Este tribunal também já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos, conhecendo as partes, designadamente os seus ilustres mandatários, a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que, também não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação. 
  A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de mera reserva ou encomenda de um bem futuro é que o autor foi pagando prestações do preço e não apenas uma comissão de reserva. Crê-se que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de mera “reserva de lugar” para aquisição em face do facto de terem sido colocadas perante a escolha de pagar todo o preço ou apenas uma parte e perante o pagamento de várias e sucessiva “comissões de reserva”. Reserva, terá havido no pagamento dos primeiros HKD200.000,00, mas com a formalização do contrato em discussão e com os pagamentos seguintes, nenhum declaratário normal considerará que as partes se quiseram manter em situação de mera reserva.
   A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de compra e venda de um bem futuro, contrato que seria formalmente inválido, é que no contrato que celebraram não consideraram o autor como titular de um direito real, oponível erga omnes, mas consideraram-no na situação de alguém que necessitava do consentimento da ré e de lhe pagar para exercer o direito que adquiriu por via contratual. 
  Crê-se também que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de tornar o autor dono ou proprietário, mas de torná-lo mero titular de um direito a ultimar uma qualquer relação contratual com a ré, o que é, precisamente a prestação característica do contrato-promessa. 
  Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa. 
  Da convenção de sinal.
  O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico9. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. 
  Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
  Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes10. 
  Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
  Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal  toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
  Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 1º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. 
  Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
  Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
  Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram. 
  Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
  Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
  Ora, se em caso de incumprimento do autor a ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o autor ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
  As partes não estipularam que em caso de incumprimento do autor a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
  Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
  Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
  Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
  Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
  O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
  “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
  Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda. 
  Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
  Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
  Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar ao autor um montante igual ao do sinal que recebeu?
  A natureza confirmatória do sinal.
  O dever de pagar quantia igual ao sinal tem uma justificação: 
  - Ou o sinal foi estabelecido pelos contraentes como “preço do arrependimento” e o contraente paga em cumprimento do que acordou, sendo-lhe lícito desvincular-se da promessa sem que isso implique incumprimento dessa promessa (sinal penitencial); 
  - Ou o sinal não foi estabelecido como penalização pela desvinculação lícita mas visou confirmar a intenção de contratar e, nesse caso de sinal confirmatório, o valor do sinal é o valor e o limite prévia e supletivamente tabelados da indemnização por incumprimento ilícito, uma vez que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (art. 782º do CC). 
  No caso de contrato-promessa de compra e venda de prédio ou de sua fracção autónoma, como é o que vigorou entre o autor e a ré, não é admissível sinal apenas penitencial se o promitente adquirente recebeu a coisa prometida vender, porque, nesse caso, o promitente-fiel tem sempre direito ao cumprimento, ainda que mediante recurso à acção de execução específica11.
  É discutível se o sinal tem um regime unitário ou se tem um regime quando estabelecido pelas partes com funções confirmatórias e outro regime quando estabelecido apenas com funções penitenciais do arrependimento12. “O critério de qualificação do sinal como confirmatório ou penitencial é o critério da licitude ou da ilicitude da recusa de cumprimento”13.
  É a vontade das partes quem determina se o sinal é penitencial e preço de arrependimento ou se é confirmatório e valor supletivo da indemnização por incumprimento. Só interpretando a vontade negocial das partes se pode saber se quiseram estabelecer sinal penitencial ou confirmatório14. Em caso de dúvida, o sinal deve ter-se como de natureza confirmatória porque a regra é a de que as partes quando celebram um contrato se vinculam de modo irrevogável e não de modo a que se possam desvincular livremente pagando o sinal penitencial: “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”15. 
  No caso em apreço, atenta a escassez de factos que permitam saber a vontade das partes, o sinal estabelecido contratualmente tem, pois, natureza confirmatória, pelo que é a medida da indemnização devida pelo incumprimento da promessa da ré.
  Conclui-se, pois, que no caso dos presentes autos o sinal convencionado e constituído não é o preço que as partes estabeleceram no âmbito da sua autonomia privada como contrapartida do direito a desistir da celebração do contrato prometido. O sinal é aqui a medida da indemnização por incumprimento, predeterminada por norma supletiva.
  Função essencial da responsabilidade civil e predeterminação do valor da indemnização.
  A responsabilidade civil é a fonte das obrigações que gera a obrigação de indemnizar, ou seja, a obrigação de tornar indemne, sem dano, o lesado ou aquele que sofreu um dano, aquele que sofreu uma diminuição na sua esfera jurídica. A finalidade principal da obrigação de indemnizar é, pois, a eliminação de danos. Não é punir o lesante nem premiar, enriquecer ou “consolar” o lesado16. Por isso, o valor da indemnização deve ser o mais aproximado possível do valor do dano efectivamente sofrido. 
  A fixação “tabelada” ou predeterminada do montante da obrigação de indemnizar, seja por convenção das partes, seja por lei, ainda que supletiva, tem enormes vantagens em termos de certeza e segurança jurídica e de celeridade e simplificação na solução dos litígios concretos. Porém, a fixação antecipada e “tabelada” do valor da indemnização comporta um risco de deficiente previsão das partes e do legislador em relação ao dano que no futuro se possa efectivamente verificar, pois que este pode ser superior ou inferior ao previsto. Se a Justiça pede que a indemnização seja correspondente ao montante do dano efectivamente ocorrido, a segurança, a certeza e a celeridade pedem que seja fixada com predeterminação através de fórmlas simplificadas, como por recurso ao sinal e à cláusula penal.
  É no ambiente deste dilema entre justiça e certeza/segurança que se coloca a norma inserta no nº 5 do art. 436º do CC que manda aplicar ao sinal, com as necessárias adaptações, o regime do art. 801º do mesmo código, o qual dispõe no seu nº 1 que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente...”. Entre a segurança e a justiça, preferiu-se a segurança até ao ponto em que a injustiça fique intolerável por os efeitos do regime do sinal serem manifestamente excessivos enquanto reacção ao incumprimento culposo. Quando se atingir esse ponto é preciso corrigir17. Pinto Monteiro coloca a tónica no controle dos comportamentos abusivos do credor no exercício do direito à pena, que só excepcionalmente devem ser controlados para corrigir excessos por razões de equilíbrio  entre a autonomia privada dos contraentes e os fundamentos ético-jurídicos do direito18. 
  O legislador, perante a hipótese de inadequação por excesso da “fixação cega” do valor da indemnização predeterminada por lei ou convenção, quis corrigir esse valor, mas não elegeu o dano efectivo como critério de correcção19, contrariamente ao que fez para o caso de o dano fixado previamente ser consideravelmente inferior ao dano efectivamente causado pelo incumprimento, o chamado dano excedente20. Preferiu a equidade. 
  O legislador criou a norma geral e abstracta que, em benefício da certeza e da segurança, permite a fixação prévia do montante do dano indemnizável. Porém, receando que esta norma permissiva leve a maus resultados em termos de justiça, em vez de criar outra norma para ser aplicada no caso de tais maus resultados ocorrerem, “esquivou-se", seguramente com boas e atendíveis razões21, a determinar outro critério normativo geral e abstracto que suplantasse em mérito o critério da predeterminação excessiva ou por excesso, contrariamente ao que fez para o caso em que a predeterminação é deficiente ou por defeito. Designadamente, não quis o critério habitual da responsabilidade civil – o dano efectivo ou dano com nexo de causalidade com o incumprimento. Também não optou por invalidar a convernção de sinal que conduzisse a maus resultados. Não elegeu outro critério geral normativo e elegeu a equidade, remetendo para o aplicador a tarefa correctora dos casos em que a norma permissiva da predeterminação levasse a maus resultados. De um critério de total certeza passou-se para um critério de grande incerteza. A equidade correctora dos maus resultados a que pode conduzir a aplicação das normas jurídicas gerais e abstractas é o sonho do legislador e o pesadelo do aplicador. Liberta o legislador do peso dos possíveis resultados iníquos a que podem conduzir as normas gerais que criou, designadamente as respeitadoras e permissivas da nobre liberdade contratual, e lança sobre o aplicador a tarefa de reconduzir tais resultados para dentro dos “limites”, controlando e cerceando a nobre liberdade contratual e procurando “em todo o lado” e “sem amparo” fundamentos para justificar tal restrição22. A lei, aparentemente em auxílio do aplicador e do intérprete, ainda fala no valor da equidade, mas sob esta epígrafe limita-se a dizer quando a equidade pode ser critério de solução dos casos concretos (art. 3º do CC).
  A equidade.
  A equidade, “essa misteriosa companheira da justiça”, é um critério de decisão especialíssimo, diferente do critério de decisão normativo consubstanciado na norma jurídica geral e abstracta que despreza as particularidades dos casos concretos23. Parece que ainda ninguém suplantou Aristóteles na definição da equidade24. Disse ele que é a justiça do caso concreto e que funciona como uma régua maleável que, pela falta de rigidez comum às réguas normais, permite medir objectos de contornos irregulares moldando-se a eles e respeitando a sua forma. As normas jurídicas são comparáveis às réguas rígidas que medem os objectos sem atender aos respectivos contornos irregulares. A equidade (jus aequum) atende às particularidades do caso concreto e adapta-se a elas25. A norma geral e abstracta (jus strictum) despreza as particularidades do caso concreto e força-o a adaptar-se a si própria. A equidade funciona como o costureiro que adapta o fato às particularidades do corpo e, se for necessário, corta no fato para que este fique bem no corpo. A norma funciona como o cirurgião de cirurgia estética, o qual, a pedido, é claro, corta no corpo para que este fique bem no fato. Feita de particularidades, a equidade é um corrector de resultados da aplicação das normas gerais e abstractas aos casos concretos, mas um critério que só pode ser utilizado quando há permissão legal ou convencional (art. 3º do CC). Só quando as particularidades do caso são de grande dimensão é que se justifica que não seja a norma geral e abstracta a presidir à solução e se procure uma solução particular. Só quando as particularidades do caso concreto ultrapassam as suas similitides com a generalidade das situações jurídicas congéneres é que se justifica que o caso concreto não seja disciplinado pela norma geral e abstracta e seja solucionado por um critério singular. 
  A grande singularidade que a ré aponta ao caso sub judice para que se abandone o critério normativo de solução e se opte pelo critério singular de fixação do montante da indemnização é a possibilidade que o autor tem de, devido ao incumprimento da ré, adquirir de terceiro um imóvel idêntico ao que prometeu comprar no contrato-promessa incumprido e por preço também idêntico. E, de facto, é da experiência comum que são muito raros os casos em que isso acontece. 
  Assim visto o Direito “aplicável” (“o sinal em dobro”), vejamos se é “inaplicável” ao caso dos presentes autos por ser manifestamente excessivo. 
  Relembremos o texto legal.
  “A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
  Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações26, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento27. Mas trata-se de uma pena hoje quase meramente indicativa, pois que se houver dano excedente consideravelmente superior ao sinal, a indemnização por incumprimento fica no montante do dano efectivo e não no montante do sinal e se o dano for manifestamente inferior ao sinal a indemnização já não é reconduzida ao dano efectivo, mas reduzida a um limite equitativo. 
  O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador. 
  O normativo referido parece operar a dois tempos: primeiro seria necessário averiguar se a indemnização predeterminada é manifestamente excessiva e depois, em caso de excesso manifesto, utilizar a equidade como corrector do excesso. Porém, a averiguação da existência de desproporção da indemnização prefixada a cargo do lesante incumpridor em relação ao dano do lesado promitente fiel e a averiguação do exagero da pena em relação ao grau de culpa do inadimplente é uma operação que corre paredes-meias com a busca do ponto de razoabilidade da pena. Na verdade, só sabendo onde fica este ponto de razoabilidade e de proporção se pode saber se dista excessivamente do valor determinado à forfait. E só sabendo onde fica esse ponto de razoabilidade se saberá se deve cessar o respeito pela nobre liberdade contratual e fazer redução para evitar a iniquidade e o abuso do credor que contraria o seu dever de boa fé ao exigir a pena convencionada em face dos seus danos muito inferiores e em face da culpa diminuta do devedor inadimplente. É a excessiva distância da pena pré fixada em relação ao ponto de razoabilidade ressarcitória dos danos e ao ponto de razoabilidade sancionatória da culpa que justifica a intervenção equitativa correctora e que justifica a cedência da liberdade contratual em favor da Justiça e da materialidade subjacente a todo o jurídico e em favor do mínimo ético do jurídico. Será por isso que Pinto Monteiro refere que a equidade intervém quer na averiguação da manifesta excessividade da pena prefixada, quer na determinação do quantum da redução dessa mesma pena, sendo a equidade o critério e a medida da redução da pena.
  No que é pertinente ao caso em apreço, a previsão da referida norma do art. 801º do CC consiste no facto de a indemnização/pena fixada “automaticamente” pelo valor do sinal ser manifestamente excessiva em relação ao dano efectivamente causado pelo incumprimento da ré devedora e sofrido pelo autor credor e em relação à culpa da ré pelo seu incumprimento. 
  Não se trata apenas de um critério quantitativo, uma vez que a estatuição da mesma norma recorre à equidade, que é, por natureza, rebelde ao quantitativo28. Porém, “naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor de cariz objectivo, a considerar”29 e “… o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante prefixado assume importância decisiva …”30. 
  Não importa que a causa da diferença excessiva entre a pena e o dano seja superveniente ao momento da estipulação do sinal, ao incumprimento causador do dano e até superveniente em relação à própria ocorrência do dano. Ora, atento o princípio processual da actualidade da decisão31, o que importa saber é se no momento da decisão (do encerramento da discussão) a indemnização-pena predeterminada é manifestamente excessiva em relação ao dano avaliável no mesmo momento, sem prejuízo da possibilidade de atender aos danos futuros que caibam no critério do art. 558º, nº 2 do CC (“… desde que sejam previsíveis…”)32. Estando em causa a equidade, o momento adequado à verificação da existência de excesso manifesto é o mais actual que o tribunal possa considerar de acordo com as regras processuais destinadas a assegurar adequada discussão contraditória33. No caso em apreço, a causa invocada pela ré como “causadora” do excesso da pena é, em parte, superveniente ao incumprimento e ao dano: trata-se de um benefício que a RAEM, já depois do incumprimento, atribuiu ao autor permitindo-lhe obter um imóvel idêntico ao que iria adquirir por efeito do contrato prometido.
  Na situação em apreço, o principal facto alegado pela ré para demonstrar a inferioridade do dano do autor e o diminuto grau da sua culpa é a intervenção do Governo e dos Serviços Públicos da RAEM. 
  Segundo se depreende da posição da ré, não só da petição inicial, mas também da restante discussão da causa que deu lugar à ampliação da base instrutória como factos que agora cabe considerar para a decisão, a actuação da RAEM tem duas vertentes:
  - Impediu a ré de cumprir (ou dificultou-lhe o cumprimento), tendo a ré feito grande esforço a tentar cumprir, pelo que é diminuta a sua culpa pelo incumprimento e, por essa razão, deve ser também diminuta a sua pena para que seja doseada com o adequado equilíbrio entre culpa e pena;
  - Concedeu um benefício ao autor e reduziu-lhe o dano permitindo-lhe adquirir (pelo mesmo preço) um imóvel idêntico ao que a ré lhe queria transmitir. O interesse do credor (autor) de obter um imóvel ficou insatisfeito pelo incumprimento da promessa de venda feita pela ré, mas a RAEM ao criar um mecanismo para a ré obter um imóvel semelhante ao que pretendia com a promessa incumprida acabaria por satisfazer o interesse contratual do credor34.
  Dano reduzido do credor, interesse satisfeito por terceiro benemérito e culpa reduzida do devedor devem levar à redução da pena. Parece ser esta a tese da ré.
  O ónus da prova.
  O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
  No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento. 
  Vejamos o que se provou respeitante à redução da culpa do devedor e à redução do dano do credor, com relevo em sede de equidade.
  Da culpa.
  Já ficou dito que a culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por não ter agido como juridicamente devia pelo padrão do bom pai de família. 
  Deve aqui dizer-se que o autor não “acusa” a ré de não ter querido cumprir, a forma maior da culpa em matéria de responsabilidade civil contratual, mas apenas de não ter podido cumprir e de ter sido excessivamente confiante que poderia cumprir.
  Deve agora dizer-se que os factos anteriores à celebração do contrato promessa de compra e venda em que a ré prometeu vender não interferem no juízo de culpa pelo incumprimento da promessa da ré. É que se existiam factos conhecidos pela ré anteriores à constituição da obrigação de vender que dificultassem o cumprimento da promessa de vender, a ré já podia considerar tais factos na sua decisão de contratar, pelo que esses factos não podem desculpabilizá-la ou atenuar o juízo de censura que lhe deve ser dirigido por não ter conseguido cumprir. Pelo contrário: se já conhecia factos que dificultavam o cumprimento e se não os ponderou quando se comprometeu a vender, o seu incumprimento efectivo merece maior censura em termos de juízo de culpa. É certo que a actividade comercial é, em grade parte, arriscar, mas não dispensa determinado grau de prudência, especialmente quando envolve terceriros, mais especialmente ainda se forem consumidores finais. É muito mitigado e difícil nesta parte o juízo de graduação da culpa, pois terá de conjugar o exercício da actividade comercial, que se quer livre, salutar e com iniciativa, com a defesa do consumidor em face de actividades comerciais exercidas de forma mais arrojada e temerária. Assim, os eventuais atrasos e entraves administrativos que a ré alega que a RAEM lhe colocou no processo de licenciamento de obras não relevam se forem anteriores ao momento em que a ré celebrou a promessa de venda. Com efeito, quando prometeu já podia contar com tais entraves passados e se não contou não se vê como desculpar tal imponderação.
  Deve ainda dizer-se que também não relevam os factos de terceiros praticados depois da celebração da promessa de venda pela ré e que criaram na ré a expectativa de que lhe seria prorrogada ou renovada a concessão que lhe permitiria cumpria a promessa. É que estes factos não existiam quando a ré se comprometeu, pelo que, se a expectativa que nasceu depois não se confirmou, não podem reduzir eventual temeridade da ré ao contratar quando eventualmente a prudência aconselhava que não o fizesse ou que o fizesse em termos mais cautelosos e esclarecedores do promitente comprador. A ré diz que confiou que a RAEM prorrogasse ou renovasse a concessão, mas criou essa confiança depois de ter prometido vender, pelo que a eventual quebra da confiança não interfere no gau de censura por não ter cumprido o que prometeu.
  O contrato promessa em causa nos presentes autos data de 04/03/2013, pelo que a actuação da RAEM em data anterior não pode fundar uma diminuição do juízo de culpa que deve ser dirigido à ré por não ter cumprido a sua obrigação. E também não pode fundar aquele juízo a actuação da RAEM que criou expectativa à ré que poderia cumprir se aquela actuação da RAEM é posterior à celebração do contrato promessa.
  A única actuação da RAEM que pode atenuar o juízo de culpa a dirigir à ré pelo seu incumprimento é aquela actuação que ocorreu depois da celebração promessa de venda pela ré e que teve por efeito atrasar a construção onde se incluia a fracção autónoma prometida vender e contribuiu para que a ré não tivesse conseguido construir no prazo que tinha para o efeito e que terminou em 25 de Dezembro de 2015. 
  Temos então que a ré quando prometeu vender em Março de 2013 tinha até 28 de Fevereiro de 2014 para construir, prazo que em 15 de Julho de 2014 foi prorrogado até 25 de Dezembro de 2015. Temos também que a RAEM demorou cerca de dois meses para emitir a licença de obras que lhe foi requerida pela ré em 24/10/2013.
  Não se encontram, pois, factos onde ancorar um juízo de culpa diminuída em relação àquela já de grau claramente baixo que o autor atribui à ré por não ser dolosa e por reconhecer à ré vontade séria de cumprir ao ponto de ter impugnado judicialmente um acto administrativo de declaração de caducidade da concessão por arrendamento do terreno onde a ré pretendia construir a fracção autónoma prometida vender ao autor.
  Do dano.
  É complexo o que há a ponderar nesta sede para que a equidade se revele. Afigura-se até que tal complexidade vai para além daquela que é natural à utilização do critério formal de decisão consubstanciado na equidade, a qual, contrariamente à utilização de critérios materiais de decisão corporizados nas normas jurídicas gerais e abstractas, reclama a utilização de reagentes que façam o caso concreto mostrar as suas particularidades que o distanciam dos seus semelhantes.
  Do interesse contratual do autor.
  O principal dano do credor no incumprimento contratual definitivo é a privação da prestação do devedor a que o credor tinha direito. Parece evidente, uma vez que o principal interesse contratual do credor é a prestação do seu crédito e sem o cumprimento da prestação fica insatisfeito aquele interesse principal. 
  Se a prestação for oferecida por terceiro, o credor, em princípio, não a pode recusar (art. 757º do CC).
  No caso sub judice, já qualificado de incumprimento definitivo, há como que uma aparente mistura de situações contratuais que não é natural que ocorram misturadas: há um misto de incumprimento definitivo com oferta da prestação ou de cumprimento feita por terceiro. Mas, para aumentar a complexidade, trata-se de uma oferta tardia em relação ao tempo do cumprimento devido, aparentando uma situação de mora do devedor. Com efeito, o autor tem uma forte expectativa jurídica. Eventualmente tem mais que uma expectativa, tem até um direito de vir a receber uma fracção autónoma de um prédio urbano idêntica à prometida pela ré e pagando o que a ré receberia do promitente comprador originário, nos termos da Lei nº 8/2019 conjugada com o Despacho do Chefe do Executivo nº 89/201935. É uma situação claramente particular e difícil de enquadrar em termos de equidade. Neste momento, não se sabe nos factos dos autos quando o autor receberá a “fracção sucedânea”. Porém, se receber, poderá a situação actual dos autos afigurar-se mais à mora do devedor do que ao incumprimento definitivo. Com efeito, o autor terá uma fracção autónoma semelhante à que teria se a ré cumprisse a sua promessa, mas vários anos mais tarde do que a ré prometera vender em 2013. Quando receber a “fracção sucedânea”, o autor terá uma boa parte do seu interesse contratual satisfeito.
  Não poderá deixar de considerar-se em sede de equidade que a situação do autor, como são todas as situações de expectativa, é ainda de alguma incerteza, não só quanto ao momento em que obterá a fracção, mas também quanto às condições desta e, mesmo, se a receberá efectivamente, embora nesta última parte seja de ponderar uma incerteza de grau mínimo e apenas por acrescida prudência.  
  Não releva considerar a evolução do mercado, como a ré pretende, quanto à evolução do preço de compra e venda dos imóveis. Neste aspecto não se encontra particularidade no caso sub judice que possa contribuir para construir o juízo de equidade. Com efeito, sendo a fracção autónoma de prédio urbano um bem duradouro, se o autor tivesse recebido a fracção prometida, também esta estaria abrangida pela evolução do mercado como estará a que vier a receber, pelo que a situação do autor não teria uma diferença suficiente para ter relevo em sede de equidade. Ambas as fracções teriam um valor semelhante no momento em que o autor receber a que espera receber da sociedade comercial “C, S.A.” no âmbito do programa governamental criado pelo referido Despacho do Chefe do Executivo.
  Mas já releva ponderar a evolução do mercado de arrendamento, pois que é um indicador com considerável grau de precisão em relação ao dano da privação temporária da disponibilidade sobre imóveis, sendo facto notório na RAEM que tal mercado foi descendente durante o tempo em que se manifestou a pandemia COVID-19.
  Mais um aspecto deve ponderar-se em sede de equidade. O Governo da RAEM, no exercício do seu poder executido decidiu atribuir ao autor e a outras pessoas em situação semelhante um benefício claro: a oportunidade de poderem, se assim o quiserem, adquirir uma fracção autónoma ao preço de 2013 (diz-se aqui 2013 sem especial preocupação de rigor). Ora, se o Tribunal fizer reflectir cegamente esse benefício diminuíndo a indemnização devida pela ré, então será esta ré, afinal, a beneficiária única do programa governamental, o que não parece justo por ser a ré incumpridora culposa36 e por poder eventualmente desvirtuar a razão de ser que teve a medida governativa37. No limite, o benefício concedido pelo Governo da RAEM deverá nesta sede de doseamento da indemnização e da pena civil beneficiar ambas as partes na medida que for ditada pela equidade e não beneficiar apenas uma delas.
  A perda de chance.
  Pode dizer-se sem grande risco de erro manifesto que os últimos tempos do instituto da responsabilidade civil têm sido ocupados à volta de novos danos que possam ou devam integrar a obrigação de indemnizar38. Um deles é o chamado dano de perda de chance. Se se trata em rigor de um dano efectivo, de um dano eventual ou apenas de uma dispensa de prova do dano efectivo e, até, se se trata de um dano indemnizável são questões que não relevam em sede de equidade destinada a aferir se deve ser reduzida a indemnização predeterminada pelo valor do sinal. O que aqui releva ponderar é a privação que o autor teve das faculdades de usar, fruir e dispor da fracção autónoma que a ré lhe prometeu vender e não vendeu. Tal privação respeita a vários anos, o tempo que decorreu e decorrerá entre a data que a ré deveria cumprir e aquele em que o autor receberá do referido programa governamental a “fracção sucedânea”. Com efeito, não poderá deixar de ponderar-se que neste intervalo de tempo o autor poderia ter habitado a fracção prometida; poderia tê-la vendido com lucro ou prejuízo; poderia tê-la arrendado recebendo rendas de valor aqui impossível de prever com rigor mínimo e correndo o risco de o inquilino não as pagar e deteriorar o locado; poderia ter de pagar despesas ordinárias e extraordinárias de condomínio; poderia cedê-la em cortesia a amigos, familiares e outros; poderia vê-la fustigada pelos ventos, etc.
  Em sede de equidade importa ponderar que o autor ficou prejudicado na sua liberdade de iniciativa, embora não se saiba ou possa ponderar como a exerceria efectivamente nem qual seria o respectivo resultado.
  A imobilização de capital.
  Um outro aspecto que deve ser ponderado de entre aqueles que resultam das particularidades do caso concreto que devem ancorar o juízo de equidade é o facto de o autor ter despendido determinada quantia monetária para adquirir um imóvel e o facto de ainda estar privado de tal quantia.
  Vale aqui, mutatis mutandis, o que se disse quanto à privação da fracção autónoma. O que está também aqui em causa para considerar em sede de equidade é que o autor ficou prejudicado na sua liberdade de iniciativa quanto à utilização que poderia ter feito do dinheiro que imobilizou sem resultado algum.
  Do esforço monetário que o autor ainda deveria fazer para adquirir a fracção prometida.
  Também releva considerar, nesta sede de ponderação dos danos sofridos pelo autor que devem contribuir para encontrar a solução equitativa, o facto de o autor, para obter a disponibilidade da fracção de que está privado, ter ainda que, nos termos contratados, fazer considerável esforço financeiro, pois que ainda não pagou uma parte do preço. Ora, considerar o autor como privado da totalidade da fracção sem o considerar dispensado do referido esforço financeiro não contribui para descortinar a equidade do caso em apreço. Melhor será, na tentativa de construção do juízo de equidade, considerá-lo apenas privado da parte proporcional ao preço já pago e privado da possibilidade de aumentar essa proporção, pagando o preço em falta. 
  De novo a equidade.
  O manuseio da equidade para redução da pena conformadora do valor da indemnização predeterminada pelo sinal pode obrigar a lidar com a equidade em dois momentos diferentes. Isso acontece quando haja que fixar indemnização em dinheiro e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos. Nessa situação, dispõe o nº 6 do art. 560º do CC que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. 
  Embora isso não seja suficiente, é necessário averiguar o valor dos danos para saber se a pena determinada pelo sinal excede manifestamente esses danos. Averigua-se o dano por recurso à equidade e reduz-se a pena de novo por recurso à equidade. 
  Portanto, o tribunal pode ser chamado a ponderar equitativamente para fixar o valor dos danos para saber se são inferiores ao sinal e pode voltar de novo a ser chamado a ponderar equitativamente se deve ou não reduzir a indemnização determinada pelo sinal. A equidade para fixar o valor da indemnização e, de novo, a equidade para reduzir a pena. 
  No caso em apreço esta dupla intervenção da equidade impõe-se. É que não está apurado o valor exato dos danos do autor decorrentes da privação passada e futura da fracção que prometeu comprar e decorrentes da privação passada causada pela imobilização de capital.
  Da contratação e incumprimento em massa.
  Se o interesse do credor na prestação que fica insatisfeito pelo incumprimento, o grau de culpa do devedor e a sua situação patrimonial ajudam a identificar as situações em que a pena predeterminada é exagerada ou manifestamente excessiva e deve ser reduzida para não ser desproporcionada e iníqua, deve ainda ponderar-se no caso em apreço o facto particular de a ré ter celebrado vários contratos-promessa similares ao dos presentes autos e o facto de todos estarem incumpridos nas mesmas circunstâncias. O tribunal pode conhecer destes factos por serem de conhecimento oficioso oriundo de inúmeros processos pendentes, tratando-se, muito provavelmente de um facto notório na RAEM (art. 5º do CPC).
  A ré viu caducada a concessão por arrendamento de um terreno onde pretendia edificar prédios a constituir em propriedade horizontal com milhares de fracções autónomas e, por tal caducidade, não construiu nenhuma e havia prometido vender esses milhares que pretendia construir, pelo que o incumprimento da ré é um “incumprimento global” que, seguramente deve receber, por questões de equidade, tratamento diferenciado, especialmente se o grau de culpa da ré for diminuto, como se concluiu que é, em face da vontade firme de cumprir que a ré manifestou, designadamente ao bater-se contra a declaração de caducidade da concessão.
  Por vezes o todo não é igual à soma das partes e no caso dos autos a equidade deve estar especialmente atenta para que a punição da ré tenha também uma perspectiva global como tem o seu incumprimento, para que, sem deixar de ressarcir os dano de todos os promitentes fieis e sem que a punição global espelhe a dimensão também global da culpa e da danosidade do incumprimento da ré, a punição sectorial não resulte para a ré numa pena global excessivamente severa e exorbitante em termos patrimoniais globais.
  A jurisprudência recente dos tribunais superiores da RAEM.
  O Venerando TSI já ponderou por duas vezes esta questão da redução equitativa da indemnização em casos semelhantes ao dos presentes autos39. Na ponderação do dano indemnizável a enquadrar segundo a equidade o Venerando TSI foi mais sensível ao dano relativo ao interesse contratual negativo do que ao dano relativo ao interesse contratual positivo. Atendeu mais à quantia monetária que os lesados despenderam sem nada auferirem do que à privação da prestação que pretendiam obter da ré com o contrato e o pagamento do preço. Considerou-se equitativo avaliar o dano nas proximidades do resultado da aplicação de uma taxa de juro anual de 3,5% sobre a parte do preço pago pelos lesados e durante o tempo já decorrido desde o pagamento.
  Em síntese.
  Tudo ponderado, sobressai que:
  - O autor pagou HKD2.229.402,00 em 2013;
  - Não pagou HKD5.201.938 do preço que acordou pagar em 2016;
  - Esteve e estará privado da fracção autónoma por considerável período de tempo, desde o prazo acordado para entrega da fracção prometida por meados de 2016, assim como está privado da quantia que pagou desde 2013;
  - Poderá adquirir em data desconhecida uma fracção idêntica àquela que acordou com a ré e pelo preço acordado;
  - O valor do sinal é HKD2.229.402,00;
  - Não é especialmente elevado o juízo de censura que deve ser dirigido à ré pelo facto de não ter cumprido a sua obrigação de vender, contrariamente ao que era seu dever;
  Desconhece-se o valor da renda que teria a fração autónoma prometida desde o momento acordado para entrega ao autor e o momento em que este irá receber a “fracção sucedânea”;
  - Se a ré tiver de indemnizar pelo dobro do que recebeu a título de sinal relativamente a todos os contratos-promessa que celebrou ou a muitos deles, a pena será enorme, a qualquer luz.
  Pois bem, no caso dos autos que temos vindo a tentar peneirar pelo crivo da equidade para que mostre as suas particularidades a fim de saber se estas justificam a “fuga” à regra geral do “sinal em dobro” por ser manifestamente excessiva ao ponto de a segurança que oferece dever ceder por razões de justiça, temos que, depois de tudo ponderado, se afigura que condenar a ré a pagar o valor do sinal (HKD2.229.402,00) que seria a indemnização predeterminada para o caso de o autor nunca vir a obter a fracção pretendida e prometida, é , em face do grau de culpa da ré, manifestamente excessivo para indemnizar o dano sofrido pelo autor decorrente da privação temporária de capital e da fracção e o dano que previsivelmente ainda sofrerá por continuar privada da fracção autónoma que pretendeu adquirir. Com efeito, crê-se que não seria fácil ao autor obter um resultado líquido que exceda MOP1.000.000,00 da fruição da fracção ou da fruição do dinheiro que pagou desde meados do ano de 2016 até à entrega da “fracção sucedânea”. 
  Se o autor recebesse o sinal em dobro e se ainda adquirir a “fracção sucedânea”, embora com atraso, ficará excessivamente ressarcida dos danos sofridos em consequência do incumprimento. Com efeito, receberá uma indemnização predeterminada equivalente à perda total do interesse contratual e, devido à intervenção de terceiro (RAEM), apenas perderá uma parte desse interesse contratual.
  A equidade prevalece quando a indemnização/pena fixada “automaticamente” pelo valor do sinal for manifestamente excessiva em relação ao dano efectivamente causado ao credor pelo incumprimento do devedor e em relação à culpa do devedor pelo seu incumprimento. Manifestamente excessiva é a diferença que excede o dano efectivo em valor excessivamente punitivo da culpa efectiva. No caso presente entre o dano efectivo e o sinal há uma diferença de sensivelemente o dobro e a culpa da ré é diminuta. Deve ser a equidade a presidir à busca do valor da indemnização e não a regra automática supletiva. 
  Em síntese.
  O autor encontra-se privado do preço que pagou, privada da fracção que pretendeu adquirir, privado da possibilidade de poder usar, fruir e dispor do referido preço ou da fracção e vai ainda ter que esperar pela “fracção sucedânea”, se a quiser adquirir, tendo possibilidade disso. Mas não teve necessidade de desembolsar a quantia que nos termos acordados teria de pagar em 2016 HKD5.201.938.
  A ré incumpriu contra a sua vontade e sem elevado grau de culpa.
  Tudo visto e ponderado, afigura-se respeitador da equidade fixar a indemnização a cargo da ré em HKD1.300.000,00 (um milhão e trezentas mil dólares de Hong Kong).
  5 – Dos pedidos subsidiários.
  Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
  6 - Da mora na obrigação de indemnizar.
  6.1 Do início da mora.
  O autor pediu a condenação da ré em indemnização moratória. Para o caso de a ré ser condenada a pagar o sinal em dobro, pediu que a indemnização moratória se consubstanciasse no pagamento de juros de mora contados à taxa legal para as obrigações de natureza comercial (11,75%), desde a publicação do Despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno onde a ré iria construir a fracção autónoma a entregar ao autor até integral pagamento.
  A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre com a interpelação do devedor no que respeita às obrigações puras e líquidas que não provenham de facto ilícito e só ocorre com a liquidação quanto às obrigações ilíquidas cuja falta de liquidez não seja imputável ao devedor (art. 794º, nºs 1, 3 e 4 do CC). 
  A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
  A mora ocorreu, pois, com a citação, por não se ter provado interpelação anterior, relativamente à obrigação de restituir por resolução contratual. 
  Diferente é a situação em que o montante da obrigação é liquidado após juízo equitativo. Este juízo é, por natureza, actualizado à data em que é feito, devendo ponderar todas as circunstâncias relevantes e nada justificando indemnização moratória anterior, a qual já deve ser ponderada no juízo de equidade que fixa o valor da obrigação e a torna líquida. Por outro lado, a obrigação fixada segundo juízos de equidade é, por natureza ilíquida, pois que a sua liquidação depende de juízo imperativamente inexistente antes da liquidação.
  A mora quanto à obrigação de indemnizar fixada por seguindo juízos de equidade ocorre apenas aquando da fixação/liquidação.
  Embora estejamos em sede de responsabilidade contratual ou por acto ilícito contratual consubstanciado no incumprimento culposo, a mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo). 
  O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor.
  6.2 A taxa de juro moratório.
  A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
  Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito do autor nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
  A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.».
  
  No que concerne à decisão de direito tem os recursos interpostos por fundamento o seguinte:
  Por banda do Autor:
  - Errada aplicação do disposto no artº 801º do C.Civ. por se fixar a indemnização com recurso a critérios de equidade.
  Por banda da Ré:
  - Impossibilidade jurídica de cumprir;
- Risco em que o Autor conscientemente incorreu;
  - Qualificação jurídica do contrato e da quantia paga;
  - Enriquecimento sem causa.
  
  A questão suscitada nestes autos repete-se em largas centenas de processos onde sem prejuízo de algumas alterações factuais a questão de direito a decidir se mantém inalterada.
  Estamos perante o género de situação que tem vindo a ser qualificada pela Doutrina e Jurisprudência como “processos em massa40” entendendo-se como aqueles em que a situação de facto subjacente poucas alterações sofre e para os quais a solução de direito não pode deixar de ser a mesma, levando o legislador noutras jurisdições a adoptar soluções que garantam uma decisão igual do ponto de vista jurídico para todas as acções.
  Na decisão recorrida são detalhadamente analisadas todas as questões agora repetidamente invocadas.
  A decisão recorrida não só segue a mesma solução jurídica adoptada nos demais casos no Tribunal a quo, como também, aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal41.
  
  Destarte, no que concerne a todas as questões suscitadas que não sejam as relacionadas com o valor das indemnizações fixadas e respectivos juros de mora, damos aqui reproduzidos os fundamentos da Douta decisão recorrida, aos quais aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, negando-se nesta parte provimento ao recurso mantendo o que se decidiu.
  
  Quanto ao valor da indemnização fixada.
  
  Na decisão recorrida decidiu-se ordenar a restituição do valor pago pelo Autor a título de sinal no montante de HKD2.229.402,00, e dado que, pela impossibilidade de cumprimento do contrato de promessa de compra e venda desta fracção foi dado ao Autor a possibilidade de comprar uma outra fracção de idênticas características e preço, entendeu-se na decisão recorrida, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 801º do C.Civ. ser de reduzir equitativamente o valor da indemnização – que seria igual ao valor do sinal prestado – para um valor que se apurou em termos equitativos tendo por referência uma taxa anual de remuneração do capital que havia sido pago a título de sinal pelo tempo que o Autor esteve privado desse mesmo capital e de usufruir da fracção que havia prometido comprar e a que lhe foi posteriormente permitido adquirir em substituição.
  Note-se que no apuramento deste valor – fixado segundo critérios de equidade – se recorreu ao critério do valor locativo da fracção em causa desde a data do pagamento – 2016 – até à data da decisão – 2024 -.
  O Autor Recorrente entende que não haveria de se recorrer à equidade e que a indemnização haveria de ser fixada em valor igual ao do sinal pago, a Ré Recorrente argumenta no sentido deste valor ser excessivo pugnando pela sua redução.
  Ora, como é sabido e consta da decisão recorrida o Autor teria direito a receber o que prestou (o valor do sinal) em dobro sendo que desse valor metade é a restituição do que prestou e a outra a indemnização pela frustração da promessa.
  Seria assim o valor da indemnização igual a HKD2.229.402,00.
  Desconhecemos quando foi entregue ao Autor, se é que já o foi, a fracção adquirida em substituição.
  Tem vindo a ser critério deste tribunal em situações idênticas em que ao promitente comprador foi concedido o direito a adquirir uma fracção autónoma em condições semelhantes à que havia sido prometida vender usar como critério de apuramento do valor da indemnização a taxa aleatória de remuneração do capital de 3,5%, de modo a que, dada a repetição de processos, se possa estabelecer um critério com alguma objectividade que ainda com recurso à equidade, permita resolver situações idênticas de uma forma similar.
  Ora dos elementos dos autos, considerando as datas em que os valores do sinal foram pagos – facto nº 20 a 22 da sentença recorrida – e a indicada taxa de remuneração do capital o valor da indemnização a arbitrar com recurso à equidade aproxima-se mais do valor pedido pela Ré Recorrente do que do valor fixado na decisão recorrida, pese embora a diferença seja ligeira.
  Pelo que, nesta parte impõe-se conceder parcial provimento ao recurso fixando-se o valor da indemnização em HKD1.115.000,00 em substituição dos HKD1.300.000,00 fixados pelo Tribunal “a quo”. 
  Quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros quanto a esta parte da indemnização nada se impugna.
  
III. DECISÃO
  Termos em que, pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento parcial ao recurso, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
  Declaram-se resolvidos os contratos celebrados entre as partes e condena-se a Ré a pagar ao Autor:
  - A quantia de HKD2.229.402,00 (dois milhões, duzentos e vinte e nove mil e quatrocentos e dois dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento;
  - A quantia de HKD1.115.000,00 (um milhão, cento e quinze mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento.
  
  Custas em ambas as instâncias a cargo do Autor e Ré na proporção do decaimento.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 09 de Outubro de 2025
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  Tong Hio Fong
  (2º Adjunto)
  
1 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
2 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
3 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
4 Não é uniforme o juízo de culpa noutras situaçãos jurídicas, designadamente e por mero exemplo, em matéria criminal ou de violação dos deveres conjugais.
5 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
6 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos,  op. cit., loc. cit.
7 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
8 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
9 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
10 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
11 Art. 820º, nº 2 do CC.
12 Nuno Miguel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, 90.
13 Nuno Miguel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, 103.
14 “Problema de interpretação da vontade das partes é também a questão da natureza (confirmatória ou penitencial) do sinal: se a intenção dos contraentes foi a de confirmar o contrato... haverá sinal confirmatório; se, inversamente, as partes quiseram reservar ... a faculdade de retratacção ou de recesso do contrato, haverá sinal penitencial. É a liberdade contratual que molda o caráter do sinal, cabendo ao tribunal apurar se as partes quiseram um ou outro - Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94. 
15 Art. 400º do CC. Também no sentido de o sinal ser “naturalmente” e presumidamente confirmatório, Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 167 e Calvão da Silva, op. cit, pgs. 94 e 95. No mesmo sentido, Acórdãos do Venerando TSI, nº 1002/2015, de 17/03/2016, Relator: Dr. Lai Kin Hong e nº 327/2017, de 4/4/2019, Relator: Dr. Fong Man Chong.
16 Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2006, p. 64
17 “O juiz deverá corrigir a cláusula penal, reduzindo-a, “sempre que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança jurídica deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça” Nuno Miguel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, p. 237.
18 Cláusula Penal e Comportamento Abusivo do Credor, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro António Castanheira Neves, Vol. II, p. 514.
19 “Remédio”, lhe chama o Professor Manuel Trigo em Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 99.
20 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma …, loc. cit., p. 151.
21 “... seria inoportuno fixar critérios abstractos de proporção e medida ...” – Trimarchi, apud Vaz Serra, BMJ 101º, 44, citado em Gil de Oliveira e Cândo Pinho, Código Civil Anotado e Comentado, Livro II, Volume X, p. 461.
22 “Não sendo possível fixar legislativamente os limites da redução, não pode deixar de se reconhecer ao juiz uma grande liberdade de apreciação. ... O juiz deve assim apreciar todas as circunstâncias susceptíveis de influir numa decisão equitativa e, por isso, desde que a pena exceda o interesse do credor, a redução pode ser maior ou menor conforme a gravidade da culpa do devedor ou da ofensa do contrato, a situação patrimonial das partes ou os benefícios que o credor obtém com aquela ofensa... .” - Vaz serra, BMJ 101º, 44, citado em Gil de Oliveira e Cândo Pinho, Código Civil Anotado e Comentado, Livro II, Volume X, p. 464/465.
“... é lícito ao juiz “ reduzir o valor da pena “dispondo para tal de ampla liberdade de ponderação, podendo, por isso, socorrer-se de vários factores para formular o seu juízo equitativo sobre o montante, v.g., atendendo aos interesses das partes, à sua situação económica e social, ao grau de ilicitude e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” – Acórdão do STJ de 12/05/2016, proferido no processo nº 72/14.OTTOAZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. 
23 Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, p. 261.
24 Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, p. 245.
25 Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, p. 246.
26  Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
27 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
28 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução? 
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar. 
Não basta, porém, repete-se, uma mera superioridade da pena em relação ao prejuízo. Sendo ela estipulada a título indemnizatório, a sua índole de liquidação forfaitaire justifica que pequenas variações não dêem lugar à redução; sendo acordada como sanção compulsória, a eficácia da mesma pressupõe, igualmente, que só em casos de evidente e flagrante desproporção haja lugar a um controlo judicial. É necessário, no dizer de Carbonnier, que essa desproporção saute aux yeux. 
Nem poderá, a este respeito, estabelecer-se qualquer critério, capaz de quantificar a medida dessa superioridade ou o limiar a partir do qual se verifica o excesso que legitima a redução. 
Trata-se, com efeito, de uma questão que dificilmente se compadecerá com o estabelecimento de critérios ou índices de índole quantitativa. Perante a superioridade de determinada pena, o juiz só poderá concluir pelo seu carácter “manifestamente excessivo” após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto, que um julgamento por equidade requer. Assim, a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal, são, entre outros, factores que o juiz deve ponderar para tomar uma decisão. É um juízo de valor que o tribunal deve formular.
Julgamos importante acentuar, porém, de novo, um aspecto, o qual requer particular atenção: o tribunal não pode deixar de ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, para averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes. Significa isto, por conseguinte, que os mencionados factores, ou outros, terão uma importância relativamente diferente, consoante o escopo das partes, ou seja, consoante a espécie de pena acordada”. 
29 Cláusula Penal e Comportamento Abusivo do Credor, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro António Castanheira Neves, Vol. II, p. 518.
30 Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 745.
31 Art. 566º, nº 1, do CPC: “… deve a sentença tomar em consideração os factos … que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
32 Em sentido diferente, Acórdão do STJ de Portugal proferido no processo nº 2042/13.7TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.  
33 Pinto Monteiro, possivelmente sem preocupações de natureza processual, aponta para o momento em que a pena for exigida pelo credor e tiver de ser cumprida - Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 732, e Cláusula Penal e Comportamento Abusivo do Credor, BFDUC, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. II, p. 511 - “O que importa, no fundo, é que, ao ser exigida a pena, se mostre contrária à equidade o seu integral cumprimento, em razão do seu valor manifestamente excessivo”.
34 É frequente chamar à colação como integrante do juízo de equidade para redução da pena o grau do interesse do credor que ficou insatisfeito, designadamente em casos de cumprimento parcial.
35 “1. O promitente-comprador de fracção autónoma destinada a fins habitacionais em construção do anterior projecto de construção no lote «P», nos Novos Aterros da Areia Preta, na península de Macau (anterior «Pearl Horizon»), doravante designada por fracção autónoma em construção, e as pessoas cessionárias da posição no respectivo contrato-promessa de compra e venda, que satisfaçam as condições previstas na Lei n.º 8/2019 (Regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para troca no âmbito da renovação urbana), podem candidatar-se à compra de habitação para troca junto da Macau Renovação Urbana, S.A., de 17 de Junho de 2019 a 16 de Agosto de 2019, conforme o horário de expediente e a forma publicados pela mesma, e perdem a habilitação para comprar habitação para troca aqueles que, tendo decorrido o prazo, não tenham apresentado a candidatura.
...
7. A área útil da habitação para troca tem por referência a área útil da fracção autónoma em construção da qual o candidato seja promitente-comprador, sendo a diferença máxima entre essas duas áreas de 5% em relação à área útil da anterior fracção autónoma em construção.
...
9. O preço de venda de habitação para troca a comprar pelos candidatos resulta da multiplicação do preço unitário por metro quadrado, calculado com base no preço e na área útil da fracção autónoma em construção que os mesmos tenham prometido comprar, pela área útil daquela habitação para troca”.
36 Ainda que a culpa seja diminuta e presumida.
37 Razão essa que, por não interferir com o juízo de equidade e por pertencer ao plano político e não ao jurídico, não releva aqui.
38 “Há hoje, mesmo descontando os excessos e as precipitações em que às vezes se incorre,  uma multiplicidade de situações para as quais se reclama o dever de indemnizar ...” – Carneiro da Frada, prefácio a “A Perda de Chance Como Uma Nova Espécie de Dano”, Nuno Santos Rocha, 2017.
39 Nos processos nº 22/2024 e nº 220/2024 onde foi Relator o Dr. Ho Wai Neng e cujos acórdãos datam de 9 e 30 de Maio de 2024, respectivamente.
40 Veja-se artº 48º do CPTA Português
41 Vejam-se Acórdão deste Tribunal de 09.05.2024 proferido no Procº 22/2024 e de 16.01.2025 proferido no processo 292/2024.
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234/2025 CÍVEL		96