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Processo nº 15/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), B (乙) e C (丙), AA., propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção especial de despejo contra D (丁) e E (戊), RR., pedindo, em síntese, que fosse declarado resolvido o “contrato de arrendamento” (com estes celebrado) sobre o imóvel sito em Macau, na [Rua], s/n, com o consequente despejo e condenação das RR. no pagamento de uma indemnização pelo atraso na entrega e sua deterioração no valor total de MOP$3.032.000,00; (cfr., fls. 2 a 10 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Regularmente citados, os RR. contestaram.

Alegaram, essencialmente, que tanto os AA. como as RR., eram partes “ilegítimas”, impugnando os factos pelos AA. alegados na sua petição e deduzindo pedido reconvencional no sentido da condenação destes no pagamento a seu favor de MOP$4.797.793,20 a título de repetição do indevido e indemnização; (cfr., fls. 151 a 177).

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Replicaram os AA. pugnando pela improcedência dos pedidos pelas RR. deduzidos e pela procedência dos que deduziram; (cfr., fls. 275 a 280).

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Oportunamente, proferiu-se despacho saneador, onde, julgando-se as partes “legítimas” (para efeitos “processuais”, e, considerando nada obstar), seleccionou-se a “matéria de facto assente” e a que devia integrar a “base instrutória”; (cfr., fls. 377 a 398).

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Seguidamente, e por despacho do Mmo Juiz titular do processo foi deferida a intervenção principal de F (己), (cônjuge da 1ª A.); (cfr., fls. 481 a 481-v).

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Realizado o julgamento, proferiu a Exma. Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença onde declarou “nulo o alegado contrato de arrendamento”, condenando os RR. a restituir o prédio aos AA. assim como no pagamento de uma indemnização de MOP$15.866,66 e juros, assim como na quantia de MOP$2.000,00 por mês de atraso na sua entrega; (cfr., fls. 565 a 575).

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Do assim decidido recorreram os AA., o Interveniente, e as RR.; (cfr., fls. 586 a 599 e 604 a 631).

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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 25.02.2021, (Proc. n.° 1006/2019), e entendendo-se que aos AA. não assistia “legitimidade” para arrendar o imóvel em questão nos autos, julgou-se parcialmente procedente o recurso das RR., e, revogando-se a decisão recorrida, foram todos os (outros) pedidos nos autos pelos sujeitos processuais deduzidos rejeitados; (cfr., fls. 679 a 694-v).

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Inconformados com o decidido, recorreram os AA. e o Interveniente, pedindo ambos a “revogação” do decidido no aludido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, e a consequente devolução dos autos para apreciação das restantes questões suscitadas e não apreciadas; (cfr., fls. 706 a 719).

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Por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 03.11.2021, (Proc. n.° 90/2021), revogou-se a decisão do Tribunal de Segunda Instância e decretou-se a devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para nova decisão; (cfr., fls. 749 a 786).

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Na sequência do assim deliberado em 15.09.2022, proferiu o Tribunal de Segunda Instância novo Acórdão que, na parte que agora interessa, tem o teor seguinte:

“I. Relatório
No acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, referente ao recurso ordinário interposto pelos autores, interveniente principal e rés dos presente autos, o Colectivo do TSI chegou à seguinte conclusão:
Portanto, como os autores não invocaram nem provaram que fossem legítimos para arrendar o bem imóvel ora em discussão a outrem, verdadeiramente este tribunal de recurso não deve apreciar as outras questões levantadas pelos autores e pelas rés nos recursos interpostos. Além disso, como os autores não tinham legitimidade para celebrar o contrato de arrendamento com as rés, deve-se declarar nulo o contrato de arredamento; em seguida, deve-se revogar a decisão de primeira instância e substituir o julgamento do tribunal a quo, rejeitando os pedidos apresentados pelos autores e os pedidos reconvencionais apresentados pelas rés.
Com base nisso, concedeu provimento parcial ao recurso das rés, revogou a decisão da primeira instância e rejeitou os pedidos dos autores e os pedidos reconvencionais das rés.
Não se conformando, os autores e o interveniente principal interpuseram recurso ordinário ao TUI.
O TUI proferiu o acórdão de 3 de Novembro de 2021, no qual formulou a seguinte conclusão:
Assim, e não podendo o arrendatário – as RR. – invocar a nulidade do contrato de arrendamento, (por manifesto “abuso de direito”), importa, por sua vez, atentar também que não menos certo é que esta mesma “nulidade do contrato de arrendamento por alegada ilegitimidade”, (à semelhança da nulidade da “venda de bem alheio”), não é de “conhecimento oficioso” pelo Tribunal, (pois que em causa não estão “situações limite”, com a “violação de normas de interesse e ordem pública”).
Nesta conformidade – independentemente do demais, e ainda que se adoptasse a perspectiva da “invalidade” do contrato de arrendamento por ilegitimidade do senhorio, (que, como se viu, não se mostra ser o caso), sempre se teria de concluir que o Tribunal de Segunda Instância não a deveria ter tomado em consideração por constituir um evidente “abuso de direito”, não se mostrando, também, por isso, de manter o decidido – vista se apresenta a solução para a questão.
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Aqui chegados, outra questão importa resolver.
É a seguinte:
In casu, tanto os ora recorrentes como as recorridas apresentaram recursos para o Tribunal de Segunda Instância nos quais impugnavam a decisão que recaiu sobre “matéria de facto”.
Como exemplo do que se deixou consignado, basta ver que os AA. e Interveniente reclamavam que o texto da alínea c) dos factos assentes deveria ser corrigido, e, assim, que, a condenação das RR. na restituição deveria reflectir que o “[Templo(1)]” é composto pelo “rés-do-chão, 1° andar, 2° andar e 3° andar”, sito em Macau, na [Rua], s/n,
Por sua vez, as RR. reclamavam a “ampliação oficiosa da matéria de facto” e a remessa ao tribunal a quo – Tribunal Judicial de Base – para novo julgamento dos factos com alteração das respostas dadas à matéria de facto ao abrigo do art. 629°, n.° 1, alíneas a) e b), e n.° 2 e 3 do C.P.C.M..
Quanto à matéria dos “pedidos reconvencionais”, sustentavam também as RR. que as provas constantes dos autos bastariam para impor decisão diversa da proferida pelo Tribunal e, como tal, deveriam ser julgados procedentes os motivos apresentados para o pedido de indemnização por benfeitorias.
Porém, e como se deixou consignado, o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado considerou “nulo o contrato de arrendamento”, e, nesta conformidade, revogou, na íntegra, a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, dando, assim, por improcedentes, tanto os pedidos dos AA. como os pedidos reconvencionais das RR., tudo sem qualquer pronúncia sobre a referida “impugnação da matéria de facto”.
Ora, como em relação a idêntica situação se decidiu no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 17.06.2015, (Proc. n.° 33/2015), “Se o Tribunal de Segunda Instância não tiver conhecido de certas questões, por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Última Instância se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece oficiosamente no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários, nos termos do disposto no artigo 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do estatuído no artigo 652.º do mesmo diploma legal”.
Motivos não havendo para se alterar o decidido, e estando assim esta Instância impedida – pelos art°s 639° e 649° do C.P.C.M. – de apreciar a dita impugnação que recaiu sobre a “matéria de facto”, necessária é a remessa dos presentes autos ao Tribunal de Segunda Instância para, nada mais obstando, aí se conhecer das demais questões suscitadas nos recursos apresentados, (excluída a da “nulidade do contrato de arrendamento”).
Por conseguinte, concedeu provimento ao recurso, devolvendo-se os autos a este TSI para conhecer nos termos consignados.
Na medida em que o TUI revogou o acórdão deste Tribunal e nos reenviou os autos para conhecer das questões restantes não apreciadas, que foram suscitadas pelos autores e rés nos recursos interpostos contra o Tribunal da primeira instância,
Urge-nos, em primeiro lugar, delimitar as questões a apreciar nos termos do aludido acórdão do TUI.
(…)
Na conclusão do recurso contra a decisão da primeira instância, os autores impugnaram o facto relativo à delimitação do imóvel em causa, pedindo corrigir a descrição da composição do imóvel na alínea c) dos factos assentes, substituindo o mero rés-do-chão (primeiro andar) (sic.)1, por rés-do-chão, 1° andar e 2° andar, e com base nisso alterar a decisão judicial, isto é, condenar as rés a restituir todos os pisos ocupados pelo [Templo(1)].
Por outro lado, no recurso das rés contra a decisão da primeira instância, para além de continuar a impugnar a legitimidade dos autores para arrendar o imóvel, pediram que, uma vez inadmitido o seu argumento sobre a falta da legitimidade dos autores, o Tribunal de recurso revogasse, após reapreciado o juízo dos factos, a decisão do Tribunal da primeira instância na parte que negou provimento aos seus pedidos reconvencionais e, em consequência, condenasse os autores na indemnização por benfeitorias realizadas no imóvel.
Pelo exposto, em harmonia com o acórdão do TUI, cabe conhecer das seguintes questões:
1. Impugnação dos autores sobre o facto relativo ao espaço ocupado pela coisa reivindicada;
2. Impugnação das rés sobre a decisão dos factos tomada na primeira instância, no tocante às benfeitorias efectuadas no imóvel;
3. Alteração da decisão judicial da primeira instância no caso de procedência das referidas impugnações.
Vamos apreciar:

1. Impugnação dos autores sobre o facto relativo ao espaço ocupado pela coisa reivindicada;
Os autores entenderam que, no despacho saneador, a respeito da localidade do [Templo(1)] no imóvel em causa, o Tribunal da primeira instância indicou erradamente que o Templo só ocupa o espaço do 1º andar, como se descreve na alínea c). Porém, devia integrar-se o espaço do 2º andar e o 3º andar.
Avançaram que, na alínea c) do despacho saneador, o teor no sentido de que o [Templo(1)] somente ocupa o espaço do 1º andar se mostrava oposto aos outros factos provados.
Argumentaram que, na produção de prova, o Colectivo do Tribunal da primeira instância foi pessoalmente averiguar a delimitação do [Templo(1)] integral, portanto, foi impossível não saber que o espaço ocupado pelo mesmo não é apenas um dos andares do prédio.
Deste modo, pretenderam que o Tribunal de recurso revogasse o facto dado assente na alínea c) pelo Tribunal da primeira instância, alterando o teor da ocupação somente do primeiro andar em: “O “[Templo(1)]” situa-se no prédio edificado numa parcela de terreno junto à [Rua], com a entrada denominada por “[廟宇(1)]”, composto por rés-do-chão, 1.º andar, 2.º andar e 3.º andar, sendo o Templo isolado com outros templos ao lado.”
Por conseguinte, corrigisse o 2º ponto da decisão, passando a “condenar as rés a restituir aos autores o prédio, na íntegra, onde se encontra o [Templo(1)], sito em Macau, s/n da [Rua]”.
O Tribunal da primeira instância deu assente o seguinte facto na alínea c) do despacho saneador:
- O “[Templo(1)]” situa-se no primeiro andar do prédio edificado numa parcela de terreno de 25 m2 junto à [Rua], e que se encontra identificada na Planta Cadastral, conforme certidão negativa que se juntou como documento n°1 com a contestação e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea C) dos factos assentes)
E com base nisso formulou a seguinte conclusão na fundamentação de direito:
Pelo que, as rés devem devolver a coisa arrendada aos autores.
No que diz respeito à delimitação da coisa arrendada, na petição os autores limitaram-se a requerer a restituição do imóvel, sem que a especificasse.
No entanto, vieram a demandar às rés, nas alegações de direito, restituir o imóvel delimitado pela planta cadastral da fls. 182, nunca se pronunciaram no processo sobre a ideia de o objecto de arrendamento integrar o imóvel na totalidade descrito pela planta, antes focaram-se à discussão acerca da parcela do “[Templo(1)]”, pelo que, os autores não podem alterar o seu pedido na presente fase, a coisa arrendada a restituir restringe-se ao imóvel onde se situa o [Templo(1)].
E no texto da decisão, condenou as rés a restituir aos autores o imóvel onde se encontra o [Templo(1)], sito em Macau, s/n da [Rua].
Examinadas a petição inicial dos autores e a contestação das rés, este Tribunal descobriu que o facto assente da alínea c) do despacho saneador do Tribunal da primeira instância tem origem no teor do art.º 4.º da contestação das rés.
Tal facto, nomeadamente a impugnação dos autores sobre a expressão de primeiro andar, foi dado assente pelo Tribunal da primeira instância uma vez que, na fase processual de saneamento, já o considerou qualificável como não impugnado ou como facto provado, segundo os argumentos dos articulados das partes e as provas nos autos.
A nosso ver, o juízo do Tribunal da primeira instância fundamentou-se no documento juntado à contestação pelas rés, ou seja, a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial, ora constante das fls. 178 a 182 dos presentes autos.
Contudo, o teor dessa certidão não demonstra o espaço planimétrico e tridimensional ocupado pelo [Templo(1)] dentro do imóvel descrito pela certidão.
Pelo que, parece-nos que, na fase de saneamento da primeira instância, o Tribunal não reuniu as condições para reconhecer que o espaço ocupado pelo [Templo(1)] em discussão é somente no primeiro andar, devendo, portanto, ser suprimido.
No tocante à pretensão deduzida pelos autores na conclusão do recurso, no sentido de que, de acordo com os factos provados restantes, nomeadamente os pontos 1, 18, 21, 33 e 34, e tendo em conta que foi impossível para o Tribunal da primeira instância desconhecer o espaço ocupado pelo [Templo(1)] devido à sua realização de visita pessoal ao imóvel em que se situa o mesmo na fase da produção de prova, pediram ao Tribunal de recurso alterar a alínea c) dos factos assentes em “O “[Templo(1)]” situa-se no prédio edificado numa parcela de terreno junto à [Rua], com a entrada denominada por “[廟宇(1)]”, composto por rés-do-chão, 1.º andar, 2.º andar e 3.º andar, sendo o Templo isolado com outros templos ao lado”, este Tribunal pugna pela sua improcedência.
Antes de mais, mesmo que os pontos 1, 18, 21, 33 e 34 dos factos provados, invocados pelos autores, sejam suficientes para nos levar a suprimir a expressão de “no primeiro andar” na alínea c), não nos convencem de substituir o teor da mesma pela pretensão destes.
Na verdade, o espaço ocupado pelo [Templo(1)] dentro do imóvel descrito na fls. 182 dos autos constitui facto essencial para apoiar os pedidos dos autores na petição inicial, incumbe-lhes, portanto, invocá-lo na última, ou pelo menos se permite resultá-lo com clareza do conteúdo não impugnado dos articulados.
Ou seja, ora os autores estão a pedir ao Tribunal, por meio de extrair indirectamente ilações dos outros factos provados e em virtude do conhecimento tomado pelo Tribunal na produção de prova, integrar na matéria de facto provada uns factos essenciais que nunca foram invocados por eles próprios e outras partes.
Nos acórdãos n.º 976/2010 e n.º 157/2021, respectivamente de 21 de Junho de 2012 e 15 de Abril de 2021, este Tribunal justificou de forma seguinte o que é facto essencial e como o autor cumpre o devido ónus de invocar factos essenciais:
“Nos termos do art.º 5.º do CPC:
1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
Em princípio, atento ao sistema acusatório e princípio dispositivo das partes, cabe ao autor alegar na petição inicial os factos em que se fundamentam as suas pretensões, e o tribunal só pode servir-se dos factos invocados pelas partes para fundamentar a sua decisão – vide os art.ºs 5.º n.º 1, 389.º n.º 1 alínea c) e 560.º do CPC.
Daí resulta que, o vigente regime de processo civil de Macau adopta o princípio da verdade formal, em vez de prosseguir a verdade material.
Incumbe às partes alegar factos e produzir prova destes, a possibilidade de apuramento da verdade por via processual depende de as partes terem invocado explicitamente ao tribunal ou não factos suficientes que integram a causa de pedir e produzido prova que possa convencer o tribunal de admiti-los.
As referidas ideias, na doutrina tradicional, sobre o princípio dispositivo das partes e o princípio da verdade formal em processo civil, modificaram-se na medida em que foi publicado e entrou em vigor em 1999 o vigente CPC, o papel passivo do tribunal tornou-se activo e, mantendo dominante a verdade formal, foram acrescentados uns elementos concernentes à prossecução da verdade material.
A modificação no aspecto de factos manifesta-se especialmente pelo disposto da segunda parte do art.º 5.º n.º 2 do CPC.
Essa norma lê-se como:
“2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.”
Termos em que, o legislador inclina-se expressamente à busca da verdade formal, o juiz pode atender aos factos instrumentais não alegados pelas partes, que conheceu e verificou na instrução e discussão da causa, só quando os considere úteis para proferir uma boa decisão.
O Direito não define os factos instrumentais.
Enquanto a doutrina tem definição e distinção entre os factos essenciais e os factos instrumentais.
Segundo o Dr. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego na obra «Comentário ao Código de Processo Civil», 2004, 2ª Edição, Vol. I, pág. 252:
“II - O regime vigente baseia-se numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais.
Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.
Os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
A reforma aderiu inteiramente, quanto a este ponto, à solução que já constava do Ant. 1993, cujo artigo 9.°, n.º 1, prescrevia que "o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes e nos factos instrumentais que, por indagação oficiosa, lhes sirvam de base".
Não implica, deste modo, preclusão a circunstância de a parte não ter, porventura, alegado logo nos articulados certo facto meramente instrumental - não relevante para o preenchimento e substanciação das pretensões ou da defesa - dotado de uma finalidade ou função exclusivamente probatória. Assim, v.g., se em acção de responsabilidade civil por acidente de viação o lesado alegou que o veículo causador do acidente era conduzido, dentro da malha urbana de certa localidade e numa artéria com tráfego de automóveis e peões intenso, a uma velocidade não inferior a 90 Km horários, não é a circunstância de não ter alegado que a viatura deixou rastos de travagem de 30m antes do embate que impedirá o tribunal, mesmo oficiosamente, de averiguar tal facto em julgamento (nomeadamente, quando os restantes meios probatórios aduzidos se não revelem inteiramente concludentes) e dele se socorrer para a plena averiguação do circunstancialismo que rodeou a infracção causal ao acidente.
Tem, pois, o tribunal um amplo poder inquisitório relativamente aos factos instrumentais, podendo investigá-los no decurso da audiência, quer por sugestão da parte interessada, quer mesmo por iniciativa própria, com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, o que, aliás, sucederia desde logo por força do disposto no artigo 265.°, n.º 3.
Quanto a este ponto, não deverá atribuir-se qualquer relevo substancial à alteração de redacção operada no n.º 2 deste artigo 264.° pelo Decreto-Lei n.º 180/96 (relativamente ao estatuído no Decreto-Lei n.º 329-A/95): na verdade, a possibilidade de o juiz-activa e oficiosamente - investigar os factos meramente instrumentais - que, como se referiu, lhe é lícito conhecer - já decorria inteiramente do preceituado no n. ° 3 do artigo 265.°, pelo que seria, de algum modo, redundante a repetição de tal princípio ou regra no âmbito do preceito ora em análise.”
O Dr. João de Castro Mendes também fixa de forma seguinte a definição dos factos instrumentais:
“Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes.” (vide «Direito Processual Civil», 1968, Vol. II, pág. 208)
Sintetizados os entendimentos da doutrina, acima aludidos, os factos essenciais são os que constituem e preenchem materialmente os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor, enquanto os factos instrumentais não têm relação directa com estes, só servem para demonstrar ou presumir a existência ou não dos factos essenciais.” – transcrito do acórdão n.º 976/2010 do TSI

“A respeito da possibilidade de dispensa, com mera junção de documento por parte do autor, do ónus de invocação de factos, prevista pelos art.ºs 5.º n.º 1 e 389.º n.º 1 alínea c) do CPC, nos acórdãos n.º 781/2010 e n.º 40/2010, respectivamente de 23 de Junho de 2011 e 31 de Maio de 2012, o nosso Tribunal Colectivo esclareceu que:
“põe-se agora a questão de saber se o ónus de alegação das razões de facto, a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC, pode ser substituído pela simples junção de documento.
É verdade que doutrina existe aceitando como forma válida de contestação a simples junção de documento.
No que respeitante às formas admissíveis de contestação pelo réu, o Saudoso Prof. Antunes Varela chegou a distinguir entre elas a contestação articulada, a contestação por negação e a contestação por mera junção de documento - cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 285 e s.s.
A propósito dessa última que nos interesse agora, o Mestre ensina que:
“A contestação por simples junção de documentos assenta no puro oferecimento real da prova documental, desacompanhada de qualquer alegação escrita sobre os próprios factos a que o documento se refere. Não é mencionada nos textos legais, mas cabe sem dúvida no espírito da lei, como forma válida de contestação.
A mera junção de documento comprovativo de um pagamento, de uma renúncia, de uma revogação ou de outro acto jurídico, pode bem constituir um meio concludente de contrariar um facto articulado pelo autor, não mero expressivo do que a alegação do facto em contestação articulada. Um sistema processual como o português, mais empenhado na descoberta da verdade dos factos do que na observância dos puros ritos de forma, não pode recusar in limine tal forma de contestação.
Se numa acção de condenação, o réu se limita a requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, remissão, novação ou compensação da dívida cuja cobrança lhe é exigida, não será lícito ao juiz ignorar a contrariedade dos factos articulados pelo autor, de que ele deve conhecer ex officio, nem será lícito duvidar do animus compensandi (art. 848º do Cód. Civil) do réu, no caso de o documento se referir a uma dívida compensatória.” – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 287 e 288.
Todavia, não encontramos quer texto legal quer doutrina em paralelo no sentido de defender a simples junção do documento é forma válida para o autor expor razões de facto como causa de pedir.
Compreende-se a admissibilidade da simples junção de documentos como forma válida da contestação e não também forma válida para expor razões de facto que constituem causa de pedir, uma vez que ao autor cabe a tarefa de mencionar os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, por isso esses factos hão de ser articulados ponto a ponto de modo a que o tribunal possa inteirar-se da causa de pedir, ao passo que a função duma contestação-defesa se limita a repelir a pretensão do autor, negando de frente os factos já articulados pelo autor ou sem afastar a realidade desses factos, contradizendo o efeito jurídico que o autor pretende extrair dele, ou seja, repelir a pretensão do autor dentro de um contexto já traçado por factos concretamente articulados na petição.
Cremos que é por causa disso que o autor não pode substituir a exposição das razões de facto pela mera junção de documentos.”
Do supracitado extracto do acórdão resulta que, quer o Direito quer a doutrina não reconhecem a junção de documentos como forma válida para dispensar o autor do devido ónus legal de alegação de factos, ao contrário, a doutrina apoia a admissibilidade da simples junção de documentos pelo réu como forma válida para replicar a pretensão do autor.
Sem dúvida, tal entendimento deve ser mantido e aplicado ao presente caso.
Em relação à mesma questão, o Tribunal de recurso de Lisboa de Portugal também indicou que “Os factos que as partes pretendem invocar devem ser expostos nos respectivos articulados, não valendo como articulação de toda a factualidade referenciada por um documento a cómoda circunstância de o dar por reproduzido; dá-lo por reproduzido apenas pode servir para comprovação dos factos que hão-de estar, precisamente, articulados.” – vide Ac. RL, de 21.4.1981: Col. Jur., 1981, 2.º-194, citado aqui como direito comparado.” – transcrito do acórdão n.º 157/2021 do TSI

Não se vislumbra razão para alterar o entendimento habitual dessa questão, devendo, portanto, ser mantido.
Segundo os acórdãos supracitados, desde que o autor não se pode eximir, por meio de junção de documento, da devida responsabilidade legal de alegar factos, por mesma razão ou por razão mais sólida nem pode depender ou esperar que o conhecimento tomado pelo tribunal no futuro na produção de prova possa funcionar em substituição dos factos não alegados.
Deste modo, afigura-se inviável alterar o teor da alínea c) dos factos assentes naquele pretendido pelos autores.
Visto que o Tribunal da primeira instância decidiu “condenar as rés a restituir aos autores o imóvel onde se encontra o [Templo(1)], sito em Macau, s/n da [Rua]”, mesmo suprimindo a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes, mostra-se desnecessário modificar a parte citada do texto do acórdão da primeira instância.
Pelo que, o recurso dos autores procede parcialmente, enquanto o pedido de alteração do texto não procede.

2. Impugnação das rés sobre os factos
(…)
III. Decisão
Pelo exposto, acordaram, em conferência, os Juízes da secção civil e administrativa do Tribunal de Segunda Instância em julgar parcialmente procedente o recurso dos autores sobre os factos, suprimindo a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes, e julgar improcedente o recurso das rés, mantendo o teor integral do texto da decisão da primeira instância.
Custas pelos autores, interveniente e rés, 10% pelos primeiros e 90% pelas últimas.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 797 a 807 e 4 a 12-v do Apenso).

*

Do assim decidido trazem agora as (1ª e 2ª) RR., (D e E), o presente recurso pedindo a revogação da decisão do Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 830 a 843).

*

Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.

*

Adequadamente processados, e nada parecendo obstar, cumpre conhecer.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base forma considerados como “provados” os seguintes factos:

“- As Rés, em 3 de Fevereiro de 2005, pagaram aos Autores a quantia de MOP$120.000,00 a título de rendas pelo imóvel id. em B). (alínea A) dos factos assentes)
- As Rés ocuparam o imóvel onde se encontra o templo denominado por “[Templo(1)]”, sito em Macau, s/n da [Rua] (alínea B) dos factos assentes)
- O “[Templo(1)]” situa-se no primeiro andar do prédio edificado numa parcela de terreno de 25 m2 junto à [Rua], e que se encontra identificada na Planta Cadastral, conforme certidão negativa que se juntou como documento nº1 com a contestação e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea C)
dos factos assentes) [com sub. nosso]
- O imóvel em causa nos presentes autos encontra-se omisso na matriz. (alínea D) dos factos assentes)
- E também não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau. (alínea E) dos factos assentes)
- A Associação de [Associação] é uma associação sem lucrativos que se dedica a: “Cláusula 3.ª – Objectivo: Esta associação é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é dedicado a [Deus da medicina], Deus da Medicina e também outras divindades tais como o Buda Adormecido, o Buda Vivo Chai Kong, Cheong Tin Si, Kwan Kong, Man Cheong, Dez Imperadores Im Lo e Sessenta Tai Soi, a fim de promover a cultura tradicional dos templos chineses e reforçar a solidadriedade de todas as etnias, bem como participar activamente nos assuntos sociais e servir a comunidade. Os Deuses são proeminentes, o brilho dos Deuses não é fácil de expressar e a diligência da adoração é especialmente adequada para compartilhar. Os membros desta Associação são como irmãos e irmãs e não vão ficar apenas num canto. Por causa de recebimento de profundas bênçãos por longo tempo, todos concordaram em construir um templo para retribuir a graça dos Deuses.” (alínea F) dos factos assentes)

Base instrutória:
- O templo denominado por “[Templo(1)]” (adiante designado abreviadamente por “prédio”), sito em Macau, S/N da [Rua], foi fundado no 21º ano (isto é, no ano de 1895) do reinado de “Kuong Soi (光緒)”, por, entre outros, G (庚) aliás G1 (庚一), trisavô do 2º Autor e 3º Autor. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O prédio tem sido arrendado, pelo menos, desde anos 50, para as diferentes pessoas que tratam dos assuntos do templo. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Em 1973, o F, cônjuge da 1ª Autora, foi encarregado para tratar dos assuntos do templo. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- F, no ano de 1973 declarou arrendar a H, pai das Rés, e este aceitou, o referido imóvel. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Foi concedido à 1ª Autora, A poderes para tratar dos assuntos relativos ao arrendamento do templo pelos I e F, em 1993. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Na sequência do referido em 5º, a 1ª Autora, em 26 de Dezembro de 1999, declarou arrendar o supra referido imóvel a H, pai das Rés, e este aceitou-o, tudo conforme doc. 5 junto com a p.i. cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- … acordando-se o prazo de gozo desde 6 de Dezembro de 2000 (9 de Setembro de calendário lunar chinês) até 12 de Outubro de 2005 (10 de Setembro de calendário lunar chinês). (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Na sequência do falecimento do pai das RR., em 3 de Fevereiro de 2005, os Autores e as Rés, acordaram a celebração de novo acordo tendo por objecto o referido prédio, estipulando um prazo de dez ano, desde 11 de Outubro de 2005 (9 de Setembro de calendário lunar chinês do ano de “Kei Iao (己酉)” até à expiração em 21 de Outubro de 2015 (9 de Setembro de calendário lunar chinês do ano de “Ut Mei (乙未)”. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- … fixando-se a renda anual de MOP$12.000,00. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Em 13 de Agosto de 2014, isto é, 380 dias antes da expiração do prazo, os Autores comunicaram com as Rés por via da carta registada com aviso de recepção, que ia cessar o arrendamento no tempo da expiração do prazo (em 21 de Outubro de 2015). (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Em 23 de Abril de 2015, informou-se, através da carta enviada pela advogada, às Rés que o contrato ia cessar aquando da expiração do prazo. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Simultaneamente, em 24 de Abril de 2015, F comunicou novamente com as Rés mediante a publicação dos jornais que o contrato cessaria aquando da expiração do contrato. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- A 1ª Autora, seguidamente, dirigiu-se pessoalmente às Rés para discutir a desocupação, e expressou às Rés que o arrendamento do contrato já cessou, deviam realizar a desocupação imediatamente. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Na sequência do referido em 11º as Rés não deram nenhuma resposta. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- O senhor G (aliás “G1”), trisavô do 2º Autor e 3º Autor, contribuiu para a construção “[Templo(1)]”. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- O Sr. G (aliás “G1”) e outros acumularam dinheiro para construir o [Templo(1)], para que todos os residentes pudessem rogar e adorar a [Deus da medicina] (Deus da medicina) para pedir boa saúde de todos. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Visto que a construção do “[Templo(1)]” foi contribuído principalmente pelo Sr. G (aliás “G1”), o “Ieong Sin Tent (養善亭)” sito no 3º andar do templo servia para colocar as placas dos ancestrais (“San Wai (神位)” no sentido de adorar os antepassados com o apelido X. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Colocou-se uma tábua escrita de “Soi Fat Tong (睡佛堂)” no 2° andar do templo. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Os diferentes Budas e Deuses têm diferentes significados e assuntos que rogam, por exemplo, rogam a Man Cheong Tai Kuan (文昌帝君) para estudar bem e fazer exames com sucesso; rogam a Song Chi Kun Iam (送子觀音) para ter descendentes do sexo masculino. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- No 3° andar do templo são colocadas figuras de Deuses e Budas e uma secretária para ler a sina escrita num pauzinho e com intuito lucrativo. (respostas aos quesitos 33º e 34º da base instrutória)
- E as placas dos pais das Rés. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Desde o ano referido em 1º têm sido os AA. e antecessores quem gere o grupo dos Templos “[Templo(2)]” ([廟宇(2)]), incluindo o templo referido em B) e 1º, pagando o foro respectivo. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- Em 1952, aos K, L, M e H1 também conhecido como H, foi transferido o direito de concessão de exploração, pelo J, que por sua vez obteve o direito de N, então representante da “Associação de [Associação]”, do [Templo(1)] com todo o seu recheio, tudo conforme 8 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- O preço da referida transmissão foi de HK$3.000,00. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- À data referida no artº 39º, a actual Associação de [Associação] ainda se não encontrava constituída. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Pelas Rés foram instalados sistemas de ar condicionado. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Foram removidas as chaminés existentes e instaladas novas para os queimadores de incenso. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- Instalados novos portões. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Instalados altares. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Rebocadas e revestidas as paredes existentes. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
- Construídas as lages de suportes nas paredes e condutas de drenagem. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- Instaladas novas estátuas, estruturas de madeira decorativas. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- O valor pago pelas RR. com o referido em 54°, 56°, 58°, 59°, 62° a 64° ascendeu a MOP$1.237.800. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)”; (cfr., fls. 566 a 569).

Do direito

3. Relatado que cremos ter ficado tudo o que nos presentes autos foi processado, e transcrita que igualmente ficou a “matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base dada como provada, é momento de se apreciar o presente recurso pelas RR. a esta Instância trazido.

Como se colhe do até aqui se deixou exposto, tem o dito recurso como objecto o decidido no (novo) Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.09.2022, (que atrás de deixou transcrito na parte que para a presente lide recursória interessa).

Vejamos.

Nas suas “conclusões”, dizem as RR., ora recorrentes, o que segue:

“(1) O “[Templo(1)]” em causa situa-se numa parte do prédio edificado numa parcela de terreno junto à [Rua], s/n, o mesmo e os outros Templos contíguos, como Templos de [Templo(3)], [Templo(2)] e [Templo(4)], são classificados como monumento (n.º XXX), sendo património cultural de Macau.
(2) O monumento no lote corresponde exactamente ao âmbito delimitado na fls. 182 dos autos.
(3) Entretanto, os recorridos demandam a execução imediata da decisão do TSI, exigindo às recorrentes a restituição do “[Templo(1)]” na íntegra e a remoção da placa dos ancestrais do Casal H e figuras do Buda Adormecido, Buda Vivo Chai Kong, Cheong Tin Si.
(4) O presente recurso tem como objecto o âmbito de arrendamento do “[Templo(1)]”, os recorridos pretendem a restituição do mesmo na totalidade, sem que seja apurado se o “[Templo(1)]” se situa no primeiro andar do imóvel edificado numa parcela de terreno junto à [Rua], s/n, a execução da decisão do TSI na fase de recurso vai causar necessariamente danos irreparáveis aos Templos classificados como monumento e possíveis prejuízos aos patrimónios culturais nos Templos e estrutura do edifício.
(5) Se as recorrentes removam os objectos do Templo conforme exigido pelos recorridos, vão cometer crime penal por violação do art.º 93.º da Lei n.º 11/2013 e serão punidos com pena de prisão ou multa, portanto, a execução da decisão do TSI como os recorridos solicitam vai provocar, sem dúvida, danos irreversíveis às recorrentes.
(6) Com base nisso, as recorrentes entendem que o presente recurso deve gozar do efeito suspensivo, na medida em que a execução imediata da decisão vai causar danos de difícil reparação para as recorrentes e o “[Templo(1)]”.
(7) O presente processo emerge da acção de despejo, intentada pelos recorridos contra as recorrentes perante o TJB, em harmonia com o acórdão de 3 de Novembro de 2021 do TUI, que revogou a decisão de 25 de Fevereiro de 2021 do TSI e determinou o reenvio do processo ao TSI para novo conhecimento dos recursos interpostos pelos recorridos e as recorridas contra o Tribunal da primeira instância, restavam umas questões a resolver.
(8) Incumbia ao TSI conhecer das seguintes questões:
1. Impugnação dos autores sobre o facto relativo ao espaço ocupado pela coisa reivindicada;
2. Impugnação das rés sobre a decisão dos factos tomada na primeira instância, no tocante às benfeitorias efectuadas no imóvel;
3. Alteração da decisão judicial da primeira instância no caso de procedência das referidas impugnações.
(9) A seguir, o TSI suprimiu a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes do despacho saneador da primeira instância, manteve o teor integral do texto da decisão da primeira instância e julgou improcedentes os outros fundamentos do recurso das recorrentes.
(10) Por não se conformarem com a nova decisão do TSI, nomeadamente a de suprimir a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes do despacho saneador da primeira instância, as recorrentes vêm interpor o presente recurso.
(11) O documento 1, juntado pelos recorridos à sua petição inicial, ou seja, a planta cadastral n.º XXX emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, de facto, não se refere ao local onde se encontra o “[Templo(1)]” em causa.
(12) A certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial, entregue pelas recorrentes e constante das fls. 178 a 182, refere-se ao terreno junto à [Rua], s/n, o qual, segundo a fls. 178 dos autos, com a área total de 784m2, é composto por uma parcela não registada e uma com a descrição predial n.º XXX.
(13) O “[Templo(1)]” situa-se precisamente numa parte do referido lote.
(14) O Tribunal da primeira instância procedeu à selecção da matéria de facto nos termos do art.º 430.º do CPC, visto que os recorridos não deduziram impugnação ou excepção sobre a descrição acerca do “[Templo(1)]” no ponto 4 da contestação das recorrentes e os seus documentos entregues,
(15) Nos termos do art.º 410.º do CPC - consideram-se reconhecidos os factos que não forem impugnados, o Tribunal da primeira instância integrou na alínea c) do despacho saneador a alegação do ponto 4 da contestação dos recorridos (sic.).
(16) Como o Tribunal da primeira instância indicou na fls. 15 do acórdão de 7 de Janeiro de 2019, “No que diz respeito à delimitação da coisa arrendada, na petição os autores limitaram-se a requerer a restituição do imóvel, sem que a especificasse. No entanto, vieram a demandar às rés, nas alegações de direito, restituir o imóvel delimitado pela planta cadastral da fls. 182, nunca se pronunciaram no processo sobre a ideia de o objecto de arrendamento integrar o imóvel na totalidade descrito pela planta, antes focaram-se à discussão acerca da parcela do “[Templo(1)]”, pelo que, os autores não podem alterar o seu pedido na presente fase, a coisa arrendada a restituir restringe-se ao imóvel onde se situa o [Templo(1)].”
(17) De facto, os recorridos nunca especificaram a delimitação do “[Templo(1)]” nos seus articulados, só demandaram às recorrentes, nas alegações de direito na primeira instância, restituir o imóvel demarcado pela planta cadastral da fls. 182.
(18) Na fase da produção de prova na primeira instância, o Tribunal e as partes foram pessoalmente realizar a visita ao imóvel em que se situa o “[Templo(1)]”, deviam saber com certeza que, o imóvel delimitado na fls. 182 não só abrange o local do Templo em discussão, mas também os Templos contíguos, sendo apenas uma parte pertencente ao “[Templo(1)]”.
(19) O Tribunal da primeira instância também deu provado que, o Templo é dedicado a diversas divindades, tais como o Buda Adormecido, Deus da Medicina [Deus da medicina], Man Cheong e Song Chi Kun Iam, etc., que se encontram em lugares e andares diferentes do Templo. (vide os art.ºs 17.º, 21.º e 24.º dos factos provados)
(20) Da visita permite-se saber com clareza onde se encontram as figuras dos Deuses e Budas no Templo e que, obviamente, os recorridos induziram dolosamente o Tribunal em erro de que o “[Templo(1)]” era exactamente todo o Templo, no entanto, conhece-se da visita que o “[Templo(1)]” é apenas uma divisão do Templo. (sic.)
(21) Importa salientar que, no início, os recorridos já delimitaram incorrectamente o lote onde se situa o “[Templo(1)]”, após realizada a visita, deviam saber que o “[Templo(1)]” não era o imóvel integral delimitado pela planta cadastral da fls. 182!
(22) Contudo, indicaram de forma errada e repetida o âmbito do “[Templo(1)]”, mostra-se evidentemente obscuro o seu conhecimento sobre a delimitação do “[Templo(1)]”, de que entendem ter direito de arrendamento.
(23) O TSI entendeu que o juízo do Tribunal da primeira instância se fundamentou na certidão do registo predial entregue pelas recorrentes, da qual não se demonstra o espaço planimétrico e tridimensional ocupado pelo “[Templo(1)]”, portanto, na fase de saneamento da primeira instância, o Tribunal não reuniu as condições para reconhecer que o espaço ocupado pelo [Templo(1)] em discussão era somente no primeiro andar, devendo, portanto, ser suprimido.
(24) Salvo o devido respeito, as recorrentes não concordam com o entendimento do TSI.
(25) Meramente com base na certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial, constante das fls. 178 a 182 dos autos, na qual não se encontra demonstrado o espaço planimétrico e tridimensional ocupado pelo “[Templo(1)]”, o TSI sustentou que, na fase de saneamento, o Tribunal não reuniu as condições para reconhecer que o espaço ocupado pelo [Templo(1)] em discussão era somente no primeiro andar, devendo, portanto, ser suprimido.
(26) Mesmo não sendo reconhecível na fase de saneamento, pelo menos depois de realizar a visita, conhece-se que o “[Templo(1)]” não passa duma divisão, entre as outras, do todo o Templo, que abrangem templos ou divisões com denominações diferentes, dedicados a divindades diversas.
(27) Na verdade, os recorridos nunca especificaram a delimitação do “[Templo(1)]”, até apresentaram erradamente a planta cadastral na fase de pronúncia, revelando-se obviamente a carência do conhecimento sobre a delimitação do “[Templo(1)]”, de que entendem ter direito de arrendamento.
(28) Os recorridos intentaram a acção sem ter especificado a delimitação do “[Templo(1)]”, que constitui facto essencial que não deve ser concluído por qualquer meio indirecto, antes sim deve ser alegado na petição inicial da forma mais simples e imediata, no entanto, não fizeram assim.
(29) Como o TSI disse, no tocante ao espaço ocupado pelo “[Templo(1)]”, “incumbe-lhes, portanto, invocá-lo na última (petição inicial), ou pelo menos se permite resultá-lo com clareza do conteúdo não impugnado dos articulados.”
(30) Obviamente, os recorridos não indicaram expressamente a delimitação do “[Templo(1)]”, nem impugnaram a alegação das recorrentes sobre esta no ponto 4 da contestação!
(31) Outrossim, após realizada a visita, os recorridos sabiam que o imóvel demarcado pela planta cadastral da fls. 182 compreendiam vários templos para além daquilo com a entrada denominada por “[廟宇(1)]” ([Templo(1)]), e na visita partiram do rés-do-chão para o 3º andar, passeando-se pelas divisões diferentes.
(32) Após a visita, os recorridos não pediram alterar ou indicaram expressamente a delimitação do “[Templo(1)]” em qualquer fase processual subsequente.
(33) Foi conforme os autos e por meio de realização da visita, sendo a forma mais directa da produção de prova, que o Tribunal da primeira instância reconheceu que o “[Templo(1)]” se situa no primeiro andar do prédio edificado numa parcela do terreno junto à [Rua], s/n.
(34) O TSI não podia, meramente com fundamento na impossibilidade de verificação pela certidão da demarcação do “[Templo(1)]”, suprimir a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos dados assentes pelo Tribunal da primeira instância.
(35) Nem podia negar meramente com base na certidão do registo predial a produção de prova efectuada pelo último.
(36) Só quando se verifiquem as situações do art.º 629.º n.º 1 alíneas a) a c) do CPC, o TSI tem poder de apreciar de novo a matéria de facto, porém, in casu, obviamente não ocorre qualquer das situações das alíneas a) a c)!
(37) Não se verificando o disposto do art.º 629.º n.º 1 do CPC, o TSI não pode alterar a expressão na alínea c) dos factos dados provados pelo Tribunal da primeira instância.
(38) Nos termos do art.º 639.º do CPC, por violação da lei processual, deve ser revogada a decisão do TSI que suprimiu a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes do despacho saneador da primeira instância.
(38) Nos termos do art.º 639.º do CPC, por violação da lei processual, deve ser revogada a decisão do TSI que suprimiu a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes do despacho de saneamento da primeira instância. (sic.) (repetição no texto chinês originário)”; (cfr., fls. 837 a 843 e 13 a 15 do Apenso).

Quid iuris?

Antes de mais – e consignando-se desde já que por despacho de fls. 874 a 875, este Tribunal já se pronunciou sobre o pelas RR., ora recorrentes, pretendido “efeito suspensivo” do presente recurso, notando-se também que com o mesmo não se impugna o segmento decisório do Acórdão recorrido com o qual se negou provimento ao recurso das ditas RR. – vale a pena recordar o que processado foi.

Pois bem, os presentes autos tiveram início com a acção pelos AA. – A, B e C – proposta no Tribunal Judicial de Base, onde, em síntese, pediam que fosse declarado resolvido o “contrato de arrendamento” com as RR. – D e E – celebrado sobre o “imóvel sito em Macau, na [Rua], s/n”, com o consequente despejo e condenação destas no pagamento de uma indemnização no valor total de MOP$3.032.000,00 pelo atraso na sua entrega e deterioração.

Realizado o julgamento, proferiu a Exma. Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença onde declarou nulo o alegado contrato de arrendamento, condenando os RR. a restituir o “prédio” aos AA. assim como no pagamento de uma indemnização (atrás explicitada) pela deteriorização do imóvel e atraso na sua entrega.

Do assim decidido recorreram os AA. e as RR., e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 25.02.2021, (Proc. n.° 1006/2019), entendeu-se que aos AA. não assistia “legitimidade”, e, julgando-se parcialmente procedente o recurso das RR., revogou-se a decisão recorrida do Tribunal Judicial de Base com a rejeição de todos os (outros) pedidos nos autos pelos sujeitos processuais deduzidos.

Em sede do recurso que do assim decidido apresentaram os AA., e por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 03.11.2021, (Proc. n.° 90/2021), revogou-se a decisão recorrida, decretando-se a devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para (nova) decisão sobre as “restantes questões” colocadas nos recursos dos AA. e RR..

No seguimento do assim deliberado, e com o Acórdão agora recorrido, (e atrás transcrito na parte que agora interessa), decidiu o Tribunal de Segunda Instância “julgar parcialmente procedente o recurso dos autores sobre os factos, suprimindo a expressão de “no primeiro andar” na alínea c) dos factos assentes, e julgar improcedente o recurso das rés, mantendo o teor integral do texto da decisão da primeira instância”; (com sub. nosso).

Aqui chegados, e após a análise e reflexão que nos foi possível efectuar, eis a solução que se nos apresenta adequada para a presente lide recursória.

Pois bem – visto estando que as RR., ora recorrentes, não recorreram da decisão do Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o seu recurso – sem esforço se mostra de concluir que a única “questão” a apreciar e decidir, diz respeito ao segmento decisório que em sede de apreciação do recurso dos AA., alterou a decisão da “matéria de facto assente” na “alínea C)”, sendo-nos agora peticionado que nos pronunciemos sobre a – verdadeira – “área do imóvel” em discussão nos autos, ou melhor, se a mesma compreende “todo o prédio”, (com os seus três andares), ou como afirmam e pretendem as RR., que a mesma “tão só incluiu o 1° andar” do dito prédio.

Ora, e identificada que se nos apresenta estar a “questão” a apreciar, cremos que se deve começar por dizer que inteiramente adequado não nos parece o que as RR., ora recorrentes, afirmam na concl. 16ª, onde se lê que: “Como o Tribunal da primeira instância indicou na fls. 15 do acórdão de 7 de Janeiro de 2019, "No que diz respeito à delimitação da coisa arrendada, na petição os autores limitaram-se a requerer a restituição do imóvel, sem que a especificasse. No entanto, vieram a demandar às rés, nas alegações de direito, restituir o imóvel delimitado pela planta cadastral da fls. 182, nunca se pronunciaram no processo sobre a ideia de o objecto de arrendamento integrar o imóvel na totalidade descrito pela planta, antes focaram-se à discussão acerca da parcela do "[Templo(1)]", pelo que, os autores não podem alterar o seu pedido na presente fase, a coisa arrendada a restituir restringe-se ao imóvel onde se situa o [Templo(1)]."”.

Com efeito, se corresponde à verdade que o Tribunal Judicial de Base tenha feito a “consideração” supra identificada com as “aspas”, assim já não sucede quanto à aí também apontada “omissão dos AA.”.

Vejamos.

Como se viu, os AA., designaram o “objecto” do alegado “contrato de arrendamento” com as RR. celebrado como o “«[Templo(1)]», adiante abreviadamente, designado por o «prédio», sito em Macau, S/N da [Rua]”; (cfr., art. 1 da p.i., a fls. 3).

E, em nossa modesta opinião, se (aí) não delimitaram a “área” do aludido “prédio sito em Macau, S/N, da [Rua]”, é porque se estavam a referir ao “imóvel no seu todo”, (ou a “todo o imóvel”, ou “a todo o prédio” que se situava na dita via), o que, como nos parece lógico e natural, incluiu, os andares que o compõem.

Porém, admitindo que assim não se entenda – o que desde já se diz que não nos parece adequado – importa ponderar no teor da petição inicial que, de forma clara e fora de qualquer dúvida, confirma o que se deixou exposto, valendo a pena salientar a seguinte matéria:

“(…)
20. Visto que o “[Templo(1)]” foi construído pelo Sr. G (aliás G1) que não só se dedicava o seu dinheiro mas também o seu esforço, o “Ieong Sin Teng” (養善亭) sito no 3.° andar do templo servia para colocar as placas dos ancestrais “San Wai (神位)”) no sentido de adorar os antepassados com o apelido X, sendo o salão ancestral e/ou salão dos antepassados do apelido X. (vide Doc.12)
(…)
22. O “[Templo(1)]”, desde a construção de 1895 até ao presente momento, já há mais de centenas da história, os artigos do interior do templo também têm os seus valores históricos, porém, as Rés demoliram e abandonaram as duas tábuas (com escrita horizontal) feitas de madeira (原木橫匾): uma escrita de “Sin Fat Keng” (仙佛境) colocada no 2.° andar e a outra escrita de “Ieong Sin Teng” (養善亭) colocada no 3. andar.
23. Seguidamente, na posição que era anteriormente colocada no 2.° andar a “Sin Fat Keng” (仙佛境) foi substituída pela nova tábua escrita de “Soi Fat Tong” (睡佛堂); na posição que era anteriormente colocada no 3.° andar a “Ieong Sin Teng” (養善亭) foi substituída pela nova imitação da tábua escrita de “Sin Fat Keng” (仙佛境), para confundir a impressão dos públicos e enganar os públicos com falsidade em vez de verdade. (vide Doc.13 e Doc.14)
24. As Rés mudaram-se o incensário gravado com os carácteres chineses “Sin Fat Tin” (仙佛殿) e feito de jade, que era colocada no 3.° andar, e colocaram a figura de “Soi Fat” (isto é, “睡佛”, significa Buda Dormida) que as Rés compraram! (vide Doc.15)
(…)
26. na parede do “[Templo(1)]”, do 1.° andar (isto é, rés-do-chão) até ao 2.° andar, existia a gravação dos dois carácteres chineses “XX” (XX) (isto é, o nome de G), feita de escultura da cinza, no sentido de comemorar o mérito de G, criador do templo. Contudo, os aludidos carácteres chineses foram removidos pelas Rés, alterando-os para os caracteres chineses “Soi Fat Tong” (睡佛堂), compostos pelos tijolos pequenos, a conduta das Rés salvo desrespeitar G (庚), criador do templo, ainda destruiu a aparência do templo! (vide Doc. 16)
27. Do mesmo modo, as Rés, sem qualquer consentimento, abandonaram todas as mesas e cadeiras antigas de pau-rosa nos salões, “Seng Keng Tong (聖經堂)” do “Hip Tin Kong (協天宮)” do 3.° andar, ainda, não limpou nem organizou o salão, deixando-o abandonado. Actualmente, o “Seng Keng Tong (聖經堂)” apenas serve para pôr os artigos pequenos, fazendo com que o “Seng Keng Tong (聖經堂)” passasse a ser uma despensa, o qual é uma injúria e destruição para a protecção dos patrimónios ! (vide Doc.17)
28. O “Ieong Sin Teng (養善亭)” sito noutro lado do 3.° andar do “[Templo(1)]”, no qual servia para colocar as placas ancestrais (牌位) das várias gerações com apelido X, no sentido de que os descendentes com apelido X possam adorar os antepassados. Este é o. salão dos antepassados e/ou salão ancestral, contudo, sob a situação em que os possuidores e os Autores se opusessem veementemente, ainda puseram outras figuras de Deuses e Budas, bem como colocaram na posição uma secretária para ler a sina escrita num pauzinho, no sentido de ganhar lucros. Para além disso, tirando as placas dos antepassados com o apelido X para colocar as placas dos pais das Rés! O tal comportamento, sem dúvida, é um desrespeito para os ancestrais do apelido X, um prejuízo grave para a dignidade do salão dos antepassados do apelido X, e, uma destruição da tranquilidade do meio ambiente! (Doc.12, Doc.18 e Doc.19)
29. Ainda assim, as Rés construíram, sem permissão, uma edificação· ilegal no 3.° andar do “[Templo(1)]”, destruindo a estrutura dela, causando que o “[Templo(1)]” com a existência centenária, sofra encargo excedente, exista o risco de desmoronamento em qualquer altura. (vide Doc.20 e Doc.21)
30. Para as condutas acima referidas das Rés, os Autores, já, por várias vezes, as advertiram e exigiram que restituíssem o “[Templo(1)]” na sua originalidade, mas as Rés não responderam”; (cfr., fls. 5 a 6 e 106-v a 108).

E, perante o assim alegado, com todo o muito respeito que nos merece outro entendimento, cremos que sem esforço se mostra de concluir que o pedido pelos AA. deduzido se dirigia – como se disse – a “todo o prédio” (ou “imóvel”) que se situava na referida via, (com todos os seus andares e com toda a sua área, valendo a pena atentar-se também no “pedido” a final deduzido, onde igualmente se referem ao “prédio”).

Dest’arte, evidenciado cremos que fica assim um dos “equívocos” dos presentes autos, claro sendo desta forma que a referência ao “1° andar” contida na “alínea C) dos factos assentes” – cuja redacção integral tem o seguinte teor: “O “[Templo(1)]” situa-se no primeiro andar do prédio edificado numa parcela de terreno de 25 m2 junto à [Rua], e que se encontra identificada na Planta Cadastral, conforme certidão negativa que se juntou como documento nº1 com a contestação e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais” – não se apresenta correcta.

Havendo necessidade de se prosseguir para se conseguir chegar à solução que se nos mostra adequada, cabe então dizer que se pelos AA. afirmado foi que o “Templo” em questão nos autos era o “prédio no seu todo”, e se os RR., em contestação, alegaram que aquele se situava no “1° andar” – cfr., art. 4° de contestação onde se alegou “O [Templo(1)] situa-se no primeiro do prédio edificado numa parcela de terreno de 25 m2 junto à [Rua], e que se encontra identificada na Planta Cadastral, conforme certidão negativa que se junta como documento n.° 1 e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, assim como os demais documentos juntos com a presente contestação (DOC. 1)”, (cfr., fls. 153) – evidente nos parece que a “matéria” em questão não devia ser considerada “matéria de facto assente”, sendo antes um “facto controvertido”, a integrar a “base instrutória”, e devendo ser objecto de prova nos termos das respectivas normas sobre o seu ónus.

Porém, indevidamente considerada que foi (no despacho-saneador) como “matéria de facto assente”, acabou por dar origem ao decidido na sentença do Tribunal Judicial de Base, que como se viu, foi objecto de recurso dos AA. e das RR. para o Tribunal de Segunda Instância.

E, centrando-nos agora na “solução” dada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido, que dizer?

Ora, em nossa opinião, o mesmo, independentemente do mérito e bondade do que nele se decidiu, em nada resolve a questão de se saber qual das “versões” apresentadas corresponde à verdade, ou seja, a dos AA., que se referem ao “prédio todo”, ou a dos RR., que entendem que o que está em causa é “unicamente o 1° andar” do dito prédio.

Com efeito, o Tribunal de Segunda Instância limitou-se a apreciar se a referência ao “1° andar” incluída na “matéria da alínea C)” se devia manter, e chegou à conclusão – aliás, processualmente, correcta – que em face do estado do processo, e em sede de despacho-saneador, (com os elementos então disponíveis nos autos), não se podia dar (desde já) como “assente” a versão das aludidas RR..

E, como acompanhou o entendimento do Tribunal Judicial de Base, no sentido que “os AA. omitiram a especificação quanto à área do prédio”, chegou à solução que, parecendo-lhe a mais justa e equilibrada atrás já se deixou retratada.

Porém, tal solução não se nos mostra adequada, o mesmo sucedendo com a pelas RR. agora alegada “visita ao imóvel”, (ou melhor, “inspecção judicial”), para defenderem a manutenção da referência feita ao “1° andar”, pois que (certamente) se esquecem que esta “diligência instrutória” apenas teve lugar em fase de julgamento e produção de prova, e não, antes da prolação do despacho-saneador e quando aí se considerou desde logo que assente devia estar a dita “matéria” levada à “alínea C)”.

E, perante o que se deixou exposto, cremos que à vista está que, tratando-se de “matéria controvertida”, e importando apurar qual das “versões” apresentadas sobre a “área do imóvel” é a verdadeira, necessário é decidir no sentido de os presentes autos voltarem ao Tribunal Judicial de Base para que, nada obstando, (após eliminação da matéria quanto à dita área do imóvel da referida “alínea C) dos factos assentes”), se venha a incluir um “novo quesito” sobre a mesma, de forma a se apurar qual a “matéria” – e versão – que resulta provada e merece resposta afirmativa, voltando-se a proferir nova decisão em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam devolver os autos ao Tribunal Judicial de Base para os exactos termos consignados.

Custas pelo vencido a final.

Registe e notifique.

Macau, aos 12 de Setembro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

1 Nota do tradutor: As palavras chinesas no texto originário traduzem-se em “rés-do-chão”, no entanto, por razão desconhecida, seguem-se as palavras portuguesas “(primeiro andar)”.
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