Processo nº 67/2022
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), A., propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra os B (乙), C (丙), e D (丁), 1°, 2° e 3ª RR., todos devidamente identificados nos autos.
A final, pediu a procedência da sua acção, e, em consequência, que fosse:
“a) judicialmente reconhecido o direito de preferência da ora Autora na aquisição pelo 1º Réu de metade indivisa do prédio urbano sito na Taipa, com o nº 21 da [Rua], está descrito na conservatória do Registo Predial com o nº XXXX a fls X do Livro X XX e inscrito na matriz predial sob o artigo nº XXXXXX e em consequência;
b) ordenado o cancelamento do registo de aquisição efectuado a favor do 1º Réu pela inscrição nº XXXXXX da Conservatória do Registo Predial; e,
c) determinada a inscrição a favor da ora Autora do direito de propriedade”; (cfr., fls. 2 a 12 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença decidiu o Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base: “julgar totalmente procedente por totalmente provada a presente acção e, em consequência disso, reconheço à A. o direito de preferência na venda da metade indivisa do prédio que se identifica na matéria assente e, por tal facto, decreto a substituição do R. B, na qualidade de comprador que até ora manteve, pela A. A, com eficácia desde a data de trânsito em julgado da decisão de execução específica referida supra, ou seja, 22-6-2020 (fls.98).
Mais se decide pelo cancelamento da inscrição nº XXXXXX, constante do registo predial do imóvel referido e descrito na CRP sob o nº XXXX, com consequente registo a favor da A..
(…)”; (cfr., fls. 247 a 257).
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Em sede do recurso que do assim decidido interpôs o (1°) R. B, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 20.01.2022, (Proc. n.° 839/2021), com o qual se confirmou (totalmente) a sentença recorrida; (cfr., fls. 346 a 359-v).
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Ainda inconformado, traz o referido 1° R. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
“i) O presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal da Segunda Instância (TSI) que negou provimento ao recurso interposto pelo réu ora recorrente, o qual manteve a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base (TJB), que decretou a substituição do recorrente, pela autora e aqui recorrida, na qualidade de comprador do prédio urbano sito em Macau, na [Rua], nº 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX a fls. X do livro X XX, ao abrigo do direito de preferência da metade indivisa do prédio identificado.
ii) Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com a decisão em apreço, por entender que a mesma padece de vícios de julgamento quanto à aplicação do direito à matéria de facto.
iii) A autora e ora recorrida veio através da pressente acção peticionar o reconhecimento do direito de preferência sobre a metade indivisa adquirida pelo aqui recorrente, do prédio urbano sito em Macau na [Rua], nº 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX a fls. X do livro X XX, e que aquela seja considerada a titular inscrita do direito de propriedade, em detrimento do ora recorrente.
iv) No seu douto acórdão recorrido, o tribunal a quo entendeu que a autora e ora recorrida possui legitimidade activa e interesse processual, sob o fundamento que o direito de preferência não se extinguiu apesar de a autora ter sucedido à obrigada à preferência, E.
v) Os direitos relativos à herança, incluindo de alienação de um imóvel que integra o património hereditário devem ser exercidos em conjunto por todos os herdeiros, que no presente caso são a autora e aqui recorrida, e os restantes co-réus – art. 1929º, nº 1, do CC.
vi) Por outro lado, os direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa de compra e venda, que não sejam exclusivamente pessoais, transmitem-se aos sucessores das partes contraentes – art. 406º, nº 1, do CC. – neste caso, à ora recorrida e os restantes co-réus.
vii) Ou seja, a recorrida pretende exercer o direito de preferência na alienação de um imóvel sobre o qual exerce, em simultâneo, o direito conjunto de disposição, o que, na prática, é como se tivesse vendido um bem a um terceiro e posteriormente vir exercer a preferência sobre o mesmo bem e relativamente à mesma alienação...
viii) Tal situação implica também, por absurdo, que o titular do direito de preferência pudesse exigir dele próprio esse direito, com o dever de comunicar a si mesmo o projecto de venda e demais condições – basta notar que a ora recorrida não deixou de demandar os consortes (e seus co-herdeiros de E).
ix) A partir do momento em que a recorrida sucedeu nos direitos e obrigações da E, ainda antes do trânsito em julgado da decisão que julgou procedente a execução específica, passou a reunir a qualidade de credora e devedora relativamente ao direito de preferência, devendo ser exercido contra todos os consortes e obrigados à preferência, o que integra a própria autora e recorrida, incorrendo em direitos e obrigações incompatíveis e em violação do princípio da dualidade das partes.
x) Assim, e salvo melhor opinião, o direito de preferência invocado pela recorrida já se encontrava extinto por confusão – art. 859º do CC. –, verificando-se uma situação de ilegitimidade activa e de falta de interesse processual, que o tribunal a quo não poderia ter deixado de conhecer oficiosamente, e em consequência, absolvendo o ora recorrente da instância – art. 412º, nº 2, do CPC, ex vi art. 413º, al. e) e al. h), do CPC., o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
xi) O que efectivamente se discute nos presentes autos é saber se o direito de preferência da recorrida se encontra precludido, estando assim esta impedida de o exercer através dos presentes autos, mormente por se encontrar caducado.
xii) Conforme salienta, e bem, o Tribunal a quo, o direito legal de preferência só pode ser considerado “extinto” caso ocorra uma de duas situações: renúncia expressa ou tácita do titular do direito em causa, ou exercício intempestivo do direito (fora dos 6 meses) quando o titular sabia de todas as condições de compra e venda.
xiii) O esquema de funcionamento do direito de preferência vem regulado no art. 410º do CC, e, conforme esclarece o Prof. Almeida Costa, determina que o obrigado à preferência que pretenda transmitir a sua quota a estranhos deverá comunicar ao titular do direito de preferência o projecto negocial, com as exactas cláusulas contratuais e a identificação do terceiro, ou seja, todos os elementos que sejam significativos para a formação da vontade de exercer ou não a preferência.
xiv) Uma vez conhecido o projecto de negócio por parte do beneficiário, deve este exercer esse direito mediante declaração de vontade, dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade – art. 410º, nº 2, do CC. – considerando-se que a falta de declaração dentro do prazo legal corresponde a uma renúncia tácita do preferente.
xv) Importa, portanto, analisar – conforme apontou o tribunal a quo – se houve renúncia do direito por parte da recorrida, atendendo aos elementos constantes nos autos.
xvi) O projecto de negócio não constitui uma declaração de vontade, mas de ciência, pelo que basta que os elementos essenciais do negócio sejam levados ao conhecimento do preferente, e que a ausência de resposta a aceitar os termos do negócio no prazo de 8 dias implica a renúncia do direito de preferência.
xvii) Somente no caso de não serem levados os elementos do negócio ao conhecimento do preferente, para eventual exercício do direito de preferência, ficará este com o poder de fazer seu o negócio realizado em violação da preferência , através de acção de preferência, intentada nos termos do art. 1309º do CC, o qual dispõe que: O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição (sublinhados nossos).
xviii) Ou seja, a acção de preferência deve ser intentada dentro do prazo de 6 meses, a contar da data em que o titular do direito teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, caso não lhe tenha sido comunicado previamente o projecto de compra e venda – art. 1309º do CC.
xix) Tal como resulta da leitura da referida sentença que julgou procedente a execução específica, dela já constam todos os elementos essenciais do negócio em causa, tais como o nome do adquirente e o preço acordado e sua forma de pagamento.
xx) Na sequência dessa decisão, a ora recorrida interpôs recurso para o TSI, invocando interesse na causa, alegando nas motivações que a mesma violou o seu direito de preferência legal – doc. 5 da pi.
xxi) Portanto, não restam dúvidas que a ora recorrida teve conhecimento dos termos do negócio, pelo que, resta analisar o alcance e os efeitos da sentença do TJB no âmbito do direito de preferência da recorrida e como poderia esta exercê-lo, à luz dos mecanismos legais acima expostos.
xxii) Ou seja, das duas, uma: ou a sentença proferida pelo TJB é considerada como a transmissão da metade indivisa do imóvel, termos em que a contagem do prazo de 6 meses para intentar a acção de preferência começa na data do conhecimento da sua prolação, ou, se a sentença proferida pelo TJB apenas produz efeitos para a recorrida enquanto titular do direito de preferência após o trânsito em julgado, a mesma configura o projecto de negócio com os elementos essenciais do mesmo, começando a contar o prazo de 8 dias para a recorrida responder, sob pena de se considerar como renúncia do direito de preferência.
xxiii) Em primeiro lugar, a própria recorrida confirmou que ficou a conhecer todos os elementos essenciais a partir da prolação da sentença, considerando-se detentora do direito de exigir a substituição ou sub-rogação do adquirente, por omissão de comunicação prévia da venda, ao abrigo do art. 1309º, nº 1, do CC.
xxiv) O referido pedido teve como fundamento a qualidade de preferente legal da ora recorrida na aquisição da metade indivisa do acima referido imóvel e a falta de comunicação para o seu exercício – que se deu por provimento da acção de execução específica intentada pelo ora recorrente contra E, que correu termos no 2º Juízo cível do TJB, sob o nº CV2-11-0008-CAO.
xxv) Sucede que, conforme ficou provado nestes autos e decorre dos documentos junto aos mesmos, a aqui recorrida veio interpor recurso da sentença que julgou procedente a acima referida acção de execução específica, através do qual invocou a violação do direito de preferência legal por falta da comunicação prévia, alegando que deveria ter sido citada a fim de depositar o preço do imóvel no prazo de 8 dias, ao abrigo do art. 1309º, nº 1, do CC, e nos termos dos “princípios da economia processual, adequação formal, celeridade processual e flexibilidade processual do pedido”.
xxvi) Isso mesmo foi o que afirmou a então recorrente (aqui recorrida) quer no seu requerimento de interposição de recurso – cfr. cópia que se junta sob doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido –, quer nas motivações do mesmo, apresentadas a este Venerado TSI – vide doc. 5 da pi.
xxvii) Num acórdão que se mostra exemplar, o TUI não apontou uma alternativa para a recorrida executar o direito de preferência legal violado, mas simplesmente considerou – entendimento que agora parece ser pacífico – que a recorrida exerceu a acção de preferência legal através de meio jurídico que não se mostra legalmente adequado, visto que deveria ter sido por via judicial autónoma.
xxviii) Isto é, quando teve conhecimento da sentença pela qual se deu a transmissão da metade indivisa do imóvel em causa, no processo sob o nº CV2-11-0008-CAO, a ora recorrida estava em tempo, tinha legitimidade e fundamento legal para intentar a acção de preferência, o que fez, não mediante acção autónoma, mas por via de recurso no qual formulou pretensão com os mesmos efeitos e fundamentos nos mesmos factos jurídicos.
xxix) De resto, foi o próprio TUI que esclareceu, no seu douto acórdão, que a ora recorrida estava em tempo, tinha a legitimidade e os fundamentos para intentar a acção de preferência, o que deveria ter feito através de acção autónoma e não enxertada no recurso da sentença da acção de execução específica.
xxx) Acresce que, o prazo a que se refere a norma citada é de caducidade, e porque se trata de um direito indisponível, pode e deve o tribunal, nos termos do nº 1 do art. 333º, conhecer oficiosamente da extinção do direito real de preferência.
xxxi) Por isso, a acção de preferência prevista no art. 1039º do CC, está sujeita a caducidade, pelo que uma vez ultrapassado o prazo fica precludido o direito de intentar a acção de preferência – art. 291º do CC –, impondo-se ao tribunal conhecer o momento em que a recorrida tomou conhecimento dos elementos essenciais da transmissão – art. 325º, nº 1, do CC.
xxxii) Importa sublinhar que o prazo estabelecido no art. 1309º do CC. para intentar a presente acção de preferência não se suspendeu nem se interrompeu com o referido recurso interposto pela aqui recorrida, pelo que o mesmo deverá começar a contar desde o conhecimento do teor da sentença de execução específica, proferida pela primeira instância – art. 320º do CC.
xxxiii) Com efeito, a contagem do prazo para o exercício do direito através da acção de preferência teve início com o conhecimento pela ora recorrida do teor da referida sentença o que se ocorreu antes de Maio de 2017, tendo o direito da acção de preferência caducado pelo menos em Dezembro de 2017, muito antes de ter intentado a presente acção.
xxxiv) No caso de o tribunal a quo considerar que o prazo para intentar acção de preferência começou a contar com o trânsito em julgado da sentença no processo de execução específica, com a decisão do recurso proferida pelo TUI, deve-se reconhecer que a própria sentença deu a conhecer à recorrida o projecto do negócio, com todos os elementos essenciais, conforme esta veio a demonstrar no seu recurso.
xxxv) Nesta circunstância, a ora recorrida dispunha do prazo de 8 dias dentro do qual tinha três opções: declarar que não pretende exercer o direito de preferência; nada declarar dentro do prazo de 8 dias; declarar que pretende preferir.
xxxvi) As duas primeiras opções implicam a extinção do direito, na primeira em consequência de renúncia e na segunda, por caducidade.
xxxvii) Ora, mesmo que fosse reconhecida aptidão ao recurso interposto pela aqui recorrida, de declaração de exercício do direito de preferência, verifica-se que o mesmo não foi apresentado no prazo de 8 dias, o que resulta em caducidade.
xxxviii) Assim, seja por renúncia do direito de preferência ou por intempestividade do exercício do direito de preferência, o direito da autora e ora recorrida deve ser considerado caducado, nos termos supra expostos.
xxxix) Pelo que se conclui que o direito de preferência da autora e aqui recorrida se encontra caducado, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
xl) O tribunal a quo considerou também que não estão reunidos os pressupostos da verificação de abuso de direito, o que o recorrente com o devido respeito não concorda, pelas seguintes razões:
xli) Após o insucesso do seu recurso na acção de execução específica, a ora recorrida vem propor a presente acção exactamente com os mesmos fundamentos em termos substantivos que esgrimiu no recurso dos autos de execução específica, que se mostrou não ser a devida forma processual.
xlii) Não se pode deixar de notar que a pretensão da agora recorrida constitui uma forma de tentar “emendar a mão”, invocando que o prazo para o exercício do direito de preferência se constituiu com o trânsito em julgado da sentença recorrida, depois de o pretender exercer através do referido recurso.
xliii) Ora, ao exercer o direito de preferência por via de recurso no processo de execução especifica, a ora recorrida actuou com temeritas processual, devendo conformar-se com o seu resultado, favorável ou não. Todavia, ao não ver atendida a sua pretensão, vem agora reivindicar uma segunda chance para invocar o direito de preferência, o que resulta em si num benefício ilegítimo e constitui numa forma abusiva do direito, o que desde já se invoca – art. 326º do CC.
xliv) De facto, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, a conduta manifestada pela ora recorrida constitui um abuso de direito na modalidade de tu quoque, na medida em que a recorrente pretende beneficiar de uma violação dos mecanismos legais que regulam o exercício do direito de preferência, i.e. de exercer o direito de preferência através de procedimentos processuais que a lei manifestamente não consagra (por via de recurso em acção de execução específica da qual nem sequer era parte) e posteriormente querer aproveitar-se dos efeitos do recurso quanto ao trânsito em julgado, quando foi a própria recorrida que lhe deu causa.
xlv) Por tudo o acima exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e alterada por decisão que julgue o recorrente absolvido do pedido e da instância”; (cfr., fls. 373 a 401).
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Após resposta da A., (cfr., fls. 407 a 431), vieram os autos a esta Instância.
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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.
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Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base foram dados como provados os seguintes factos:
“O prédio urbano objecto da presente acção, sito na Taipa, com o nº 21 da [Rua], está descrito na conservatória do Registo Predial com o nº XXXX a fls X do Livro X XX e inscrito na matriz predial sob o artigo nº XXXXXX, conforme resulta das certidões de registo predial e matricial juntas sob designação de documento nº 1 e 2 e que, à semelhança dos demais documentos juntos, se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.- DOCS. 1 e 2
Por escritura de 05 de Agosto de 1986 a fls XX do livro XX do Cartório Notarial das Ilhas o sobredito prédio foi adquirido por E e F, na proporção de metade (1/2) para cada, conforme inscrição nº XXXXXX (LºXXX, fls XXX)- cfr. DOC. 1
Com o falecimento de F metade do prédio foi adquirido, por sucessão hereditária-partilha, pela Autora, conforme resulta da inscrição nº XXXXXX – DOC.1.
Com efeito,
Por decisão transitada em julgado em 13 de Dezembro de 2007 proferida no âmbito do processo de inventário que correu termos, por morte de F, no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base sob nº CV3-05-0021-CIV, foi adjudicada a metade indivisa do sobredito prédio à Autora, que passou, assim, a ser sua comproprietária, tudo conforme melhor consta do documento anexo à certidão predial junta sob designação de documento nº 1.
Por contrato de promessa de compra e venda de 02 de Maio de 2007, outorgado entre E, na qualidade de promitente vendedora, e B, aqui 1º Réu, na qualidade de promitente comprador, aquela prometeu vender, e este prometeu comprar, “o prédio urbano situado na ilha da Taipa, na [Rua] nº 21 (descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº XXXX) …(em manuscrito): o preço de venda dos imóveis situados na [Rua] nº 21 é de dois milhões e oitocentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (…)” conforme se extrai da cópia do contrato e respectiva tradução que ora se juntam como documentos nº 3 e 4 – DOCS. 3 e 4.
Sendo que,
Nessa data, a metade indivisa do imóvel que pertencia ao falecido F não estava ainda partilhada – o que apenas ocorreu em 13 de Dezembro de 2007, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha – e
A promitente vendedora prometeu vender a totalidade do imóvel e não apenas a metade indivisa que então lhe pertencia.
Depois de se ter tornado proprietária da metade indivisa do referido imóvel, a Autora sempre disse a E, sua mãe, que, caso ela pretendesse avançar com a venda da metade que lhe pertencia, a ora Autora queria comprá-la para si, por forma a ficar com a totalidade do prédio.
E - promitente vendedora e então comproprietária da aqui Autora - nunca comunicou à Autora as condições da venda, nomeadamente o exacto preço de venda da metade indivisa do prédio, a data para o seu pagamento e a data para a realização da escritura.
Volvidos quase 4 anos sobre a data da celebração do contrato promessa supra referido sem que tivesse sido celebrada a escritura de compra e venda, o 1º Réu intentou contra a promitente vendedora acção de execução específica que correu termos no 2º juízo cível do tribunal judicial de base sob o nº CV2-11-0008-CAO e que demorou quase uma década a ter um fim,
Por decisão proferida no sobredito processo, já transitada em julgado, o Tribunal “substitui-se à Ré E e emite a declaração de vontade desta no sentido de vender ao Autor, B, metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na [Rua] nº 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX a fls X do Livro X XX” conforme certidão da sentença que se junta sob designação de documento nº 5. – DOC. 5.
A ora Autora não foi parte no referido processo de execução específica.
Porém, inconformada com a aludida decisão a aqui Autora, na qualidade de comproprietária do imóvel, - nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 585º do CPC - interpôs recurso para o Venerando Tribunal de Segunda Instância que, por douto Acórdão proferido em 18 de Julho de 2019 no processo 253/2018, concedeu provimento ao mesmo, anulando todo o processado após as citações pelo Tribunal Judicial de Base realizadas no âmbito dos autos ali registados com o nº CV2-11-0008-CAO (cfr. doc. 5)
Em síntese, foi entendimento do Tribunal que:
«[…]
No caso vertente, trata-se de uma acção de execução especifica intentada pelo promitente comprador, ora Autor, contra a promitente vendedora E (Ré nos autos), sendo esta titular de metade indivisa do imóvel nº XXXX melhor identificado nos autos.
Enquanto titular de outra metade indivisa do mesmo imóvel, a recorrente não teve qualquer intervenção no contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor B e a Ré E.
[…]
No caso vertente, não obstante que a recorrente não é parte outorgante do contrato promessa, a verdade é que a procedência da acção de execução especifica depende de a recorrente, na qualidade de preferente legal, não vir exercer o seu direito de preferência na compra do prédio.
Nestes termos, para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal, no sentido de obter regulamentação definitiva da situação concreta das partes relativamente ao pedido de execução especifica da metade indivisa do imóvel nº XXXX, há de mandar citar a recorrente, na qualidade de comproprietária da outra metade indivisa do prédio, para, querendo, intervir na acção com vista a apurar se a mesma pretende exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel. […]»
Não conformada com a sobredita decisão o aqui 1º Réu recorreu para o Venerando Tribunal de Última Instância que, concedendo provimento ao recurso, em decisão proferida em 05 de Junho de 2019, no processo 138/2019, revogou o Acórdão recorrido.
Resultou expresso no aludido acórdão que:
«[…] Nos termos do estatuído no art. 1308° do C.C.M (…)
Remetendo o transcrito comando legal para os “artigos 410° a 412°”, vale a pena atentar que, em conformidade com primeiro destes, e sob a epígrafe “Conhecimento do preferente” se estatui aí que (…).
Em face do assim preceituado, desde logo resulta que o direito de preferência pode ser exercido, (digamos que, no “momento ideal”), perante a “comunicação do projecto de venda” a que se refere o n.° 1 do aludido art. 410° do C.C.M. (e art. 1220° do C.P.C.M.), cabendo ao preferente observar o que aí se prescreve.
In casu, diversa é a situação.
No caso dos autos, a “venda”, (ainda que através da decretada “execução específica”), está “consumada”, ultrapassada estando a fase da possibilidade do preferente (optar por) aceitar ou não o “projecto de venda”, podendo, apenas, “reagir” à mesma.
[…]
Com efeito, é caso para se dizer que o “direito de preferência” em questão nasce com a sentença de execução específica, antes disso, existindo, apenas, uma mera “expectativa jurídica”
E, a ser assim, sentido cremos que não faz anular-se todo o processado que culminou com a sentença que decretou a execução específica do contrato promessa de compra e venda em questão–até porque não se vislumbra viabilidade prático-processual em se “enxertar” na acção de execução específica, (proposta e já finda), uma “acção de preferência”, no âmbito da qual, após citada a ora recorrida, até pode suceder que nada venha a dizer, (com a eventual necessidade de repetição de tudo o que já se processou)–adequado se mostrando de considerar que a “reacção” que (eventualmente) pretenda adoptar, (assim como o resultado que possivelmente queria alcançar), deve antes ter lugar e ocorrer na dita “acção de preferência”, se, para tal, verificados estiveram os seus pressupostos legais.»
Entretanto E veio a falecer, conforme resulta da certidão que se junta sob designação de documento nº 6 – DOC. 6
Tendo deixado como únicos herdeiros os filhos A - aqui Autora - e D e C, aqui 2ºs Réus (Cfr. Doc. 7)”; (cfr., fls. 249 a 253 e 352 a 353-v).
Do direito
3. Como resulta do que se deixou transcrito, o presente recurso pelo (1°) R. B interposto tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base que julgou procedente a “acção de preferência” pela A., A, aí proposta.
Para melhor – cabal – compreensão da “matéria” e “questão” em apreciação, adequado se apresenta desde já de se recordar as “razões” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a confirmar o pelo Tribunal Judicial de Base decidido.
Pois bem, apreciando o (anterior) recurso do 1° R., ora também recorrente, começou o Tribunal de Segunda Instância por ponderar e reproduzir o teor da sentença do Tribunal Judicial de Base, que – na parte que agora interessa – tem o seguinte teor:
“Questão a resolver: terá a A direito de preferência na venda da metade indivisa do imóvel supra descrito?
Vejamos.
O direito de preferência dos comproprietários na alienação de quota da coisa comum encontra assento legal na norma contida no art. 1308º nº 1 do Código Civil. Aí se estabelece que “o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos consortes”1 2.
De acordo com o teor literal daquela disposição legal, podemos dizer que os pressupostos legais do direito de preferência ali previstos são os seguintes: (i) venda ou dação em cumprimento, a terceiros; (ii) da quota de qualquer dos consortes.
Regista-se sempre com agrado a operacionalização dos direitos de preferência dos comproprietários por assim se dar cumprimento a um desiderato do legislador em relação à propriedade: “São três os fins principais que justificam a concessão da preferência no caso especial da compropriedade: (i) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens; (ii) não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; (iii) impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer.”3
A forma de operacionalizar o direito de preferência supra aludido, se não se tiver concedido a preferência a quem de direito nos termos do artº410 do CC (ex vi nº2 do artº1308 do CC), é a via judicial através da acção de preferência prevista no artº1309 do CC: (nº1) - «O comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição.»
Volvendo-nos ao caso, diremos que é em tudo pertinente a citação do insuperável Ac. do TUI supra descrito na matéria assente e por definir o caminho desta decisão, caminho esse que sempre seria o nosso (sendo, de resto, incompreensível como se entendeu que a aqui A. tinha de estar presente na acção executiva específica assinalada).
Diz-se naquele A. supra citado:
«[…] Nos termos do estatuído no art. 1308° do C.C.M (…)
Remetendo o transcrito comando legal para os “artigos 410° a 412°”, vale a pena atentar que, em conformidade com o primeiro destes, e sob a epígrafe “Conhecimento do preferente” se estatui aí que (…).
Em face do assim preceituado, desde logo resulta que o direito de preferência pode ser exercido, (digamos que, no “momento ideal”), perante a “comunicação do projecto de venda” a que se refere o n.° 1 do aludido art. 410° do C.C.M. (e art. 1220° do C.P.C.M.), cabendo ao preferente observar o que aí se prescreve.
In casu, diversa é a situação.
No caso dos autos, a “venda”, (ainda que através da decretada “execução específica”), está “consumada”, ultrapassada estando a fase da possibilidade do preferente (optar por) aceitar ou não o “projecto de venda”, podendo, apenas, “reagir” à mesma.
[…]
Com efeito, é caso para se dizer que o “direito de preferência” em questão nasce com a sentença de execução específica, antes disso, existindo, apenas, uma mera “expectativa jurídica”
E, a ser assim, sentido cremos que não faz anular-se todo o processado que culminou com a sentença que decretou a execução específica do contrato promessa de compra e venda em questão–até porque não se vislumbra viabilidade prático-processual em se “enxertar” na acção de execução específica, (proposta e já finda), uma “acção de preferência”, no âmbito da qual, após citada a ora recorrida, até pode suceder que nada venha a dizer, (com a eventual necessidade de repetição de tudo o que já se processou)–adequado se mostrando de considerar que a “reacção” que (eventualmente) pretenda adoptar, (assim como o resultado que possivelmente queria alcançar), deve antes ter lugar e ocorrer na dita “acção de preferência”, se, para tal, verificados estiveram os seus pressupostos legais.»
Resulta deste extracto que a A. podia e devia reagir a referida venda através desta acção, como o fez, e por não lhe ter sido comunicado qualquer projecto de venda como supra resulta assente: «E - promitente vendedora e então comproprietária da aqui Autora - nunca comunicou à Autora as condições da venda, nomeadamente o exacto preço de venda da metade indivisa do prédio, a data para o seu pagamento e a data para a realização da escritura.»
E ao fazê-lo, fê-lo tempestivamente através desta acção (com entrada em juízo a 16.11.20, computando o prazo a que alude o artº1309 nº1 do CPC tendo como marco a venda da metade indivisa do imóvel supra descrito, venda que se consumou com a decisão transitada da execução específica (22-6-2020) que supriu a relapsa vontade da então comproprietária da A., promitente vendedora da metade indivisa objecto de preferência: «E, entretanto falecida conforme resulta da certidão que se junta sob designação de documento nº 6 – DOC. 6, tendo deixado como únicos herdeiros os filhos A - aqui Autora - e D e C, aqui 2ºs Réus (Cfr. Doc. 7).»
Igualmente se fez o depósito a que alude tal preceito conforme consta de fls. 197, ou seja, o valor correspondente ao preço e por mais não ser devido por não se vislumbrarem as demais despesas, emolumentos (…) a que o preceito 1309º nº1 do CC alude (a venda posta em crise concretizou-se por decisão judicial, não tendo ocorrido qualquer despesa com emolumentos notariais, não se apurando quais foram as despesas do registo provisório da acção de execução específica e sua conversão em definitivo, igualmente não se apurando o imposto, sequer se foram pagos pelo 1º R., por via da transmissão da propriedade da metade indivisa que aqui se prefere).
Assim sendo, observados todos os requisitos para o efeito exigidos, debalde nos perderíamos em mais retórica a propósito da motivação da presente decisão e no sentido de fazer proceder a pretensão da A. de operacionalizar o seu direito de preferência.
Impõe-se, pois, a procedência da acção, reconhecendo-se à A. o direito de preferência na venda da metade indivisa do prédio que se identifica na matéria assente e, em consequência, operacionalizando-se a substituição do R. B, na qualidade de comprador que até ora manteve, pela A. A (com eficácia desde a data de trânsito em julgado da decisão de execução específica referida supra, ou seja, 22-6-2020 (fls.98)), assim também se determinado o cancelamento da inscrição nºXXXXXX, constante do registo predial do imóvel descrito na CRP sob o nºXXXX, com consequente registo a favor desta A.
(…)”.
Seguidamente, e pronunciando-se sobre as “questões” no aludido (anterior) recurso colocadas, consignou-se também no Acórdão ora recorrido o que segue:
“Neste recurso, o Recorrente veio a suscitar, perante este TSI, as seguntes quetões:
1) – Ilegitimidade activa e falta de interesse processual;
2) – Violação do caso julgado;
3) – Caducidade do direito de preferência da Autora;
4) – Abuso de direito pela Recorrida/Autora.
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Começando pela 1ª questão levantada: Ilegitimidade activa e falta de interesse processual:
No entender do Recorrente, a Recorrida/Autora não é parte do contrato-promessa, que foi assinado entre o ora Recorrente e a mãe (promitente-vendedora) que veio a falecer, a Recorrida/Autora devia promover o incidente processual de habilitação de herdeiros no processo de execução específica (CV2-11-0008-CAO), assumindo assim a posição da Ré naquele processo.
Independentemente da exactidão ou não destes argumentos do Recorrente, importa frisar que a Recorrida/Autora deste processo, sendo comproprietária do imóvel em causa, nunca lhe tendo sido comunicado pela ex-comproprietária (falecida) o projecto de venda, traduzido na celebração do contrato-promessa pela falecida, a morte da promitente-vendedora (mãe da Recorrida/Autora) nunca faz extinção do direito de preferência da Recorrida/Autora, enquanto comproprietária nos termos do disposto no artigo 1308º do CCM. Ou seja, na venda da compropriedade a intervenção no processo da comproprietária é necessária legalmente, por isso a questão da falta de interesse processual e da ilegitimidade levantada pelo Recorrente é uma questão falsa, inútil.
Nesta óptica, manifestamente improcedem os argumentos invocados pelo Recorrente neste ponto.
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2ª. Questão: Violação do caso julgado:
Ora, na acção intentada pelo Recorrente em que foi pedida a execução específica e que foi julgado procedente o respectivo pedido (CV2-11-0008-CAO), são partes apenas o Recorrente e E (promitente-vendedora, mãe da Recorrida, que veio a falecer na pendência da acção), não há identidade dos sujeitos, não se pode falar de caso julgado em relação à Recorrida, que não interveio naquela acção.
Mesmo que se defenda um conceito lato de caso julgado, a sentença que decretou a execução específica também não vinculou a Recorrida, já que esta nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre o seu direito de preferência.
Improcedem deste modo os argumentos invocados pelo Recorrente nesta parte do recurso.
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3ª questão: Caducidade do direito de preferência da Autora:
Relativamente a esta questão, o Tribunal a quo já a analisou fundadamente, cujos argumentos merecem a nossa concordância, e destacamos aqui os seguintes aspectos:
O artigo 1309º do CCM exige que o preferente tenha conhecimento de elementos essenciais de venda, nomeadamente os respeitantes ao preço e às condições de pagamento.
Sobre o Recorrente recai o ónus de provar que a Recorrida já tenha tido conhecimento desses elementos há mais de 6 meses quando propunha a respectiva acção de preferência, mas tal ónus não foi cumprido pelo Recorrente.
Citem-se aqui, em nome de Direito Comparado tendo em conta a proximidade de sistemas jurídico-civis da RAEM e de Portugal, as seguintes decisões respeitantes à matéria em discussão:
“Proposta acção de preferência, aos réus cabe o ónus de provar que aos autores fora dado, há mais de 6 meses, conhecimento dos elementos essenciais do negócio realizado (Ac. RC, 5-6-1984: BMJ, 338.°-474).”
“I – O direito de preferência existe antes de efectuado o contrato de venda da coisa, mas é no momento em que a coisa é alienada que o direito de preferência se radica no seu titular, que ingressa efectivamente (e não apenas virtualmente) no património deste. II - Por isso, pode também afirmar-se que o direito é adquirido no momento da alienação (STJ, 17-12-1985: BMJ, 352.°-352).”
Vale o raciocínio dos arestos citado, mutatis mutandis, para o caso dos autos.
Pelo que, é de julgar improcedente o recurso nesta parte interposto pelo Recorrente.
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5ª questão: abuso de direito por parte da Recorrida:
Uma realidade inegável: a Recorrida é titular do direito de preferência sobre a metade do imóvel em causa nos termos do artigo 1308º/1 do CCM. Resta saber se, ao exercitar o seu direito legalmente consagrado, a Recorrida exorbita os limites do exercício normal do direito, matéria esta que a sua alegação e comprovação impemde sobre o Recorrente, não bastam alegações abstractas.
À luz da doutrina dominante, o abuso de direito traduz-se numa das seguintes hipóteses: supressio, surrectio, eninre contra factum proprium, excepção doli, tu quoque e o desequlíbrio (cfr. Prof. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral I, 2ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, pág. 249 a 269).
Não foi alegada e comprovada alguma das hipóteses apontadas, julga-se deste modo improcedente o recurso nesta parte interposto pelo Recorrente.
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Em suma, não vale a pena complicar a situação, simplificando o caso em discussão: a Autora é titular (e a ex-comproprietária, mãe da Autora tinha, antes de falecimento) do direito de preferência legal ao abrigo do disposto no artigo 1308º/1 do CCM, o que o Recorrente tinha e tem obrigação de saber face ao teor do registo predial, porque está em causa um imóvel devidamente registado, e como tal o direito de preferência legal só pode ser entendido “extinto” nas duas situações:
a) – Renúncia expressa ou tácita pela sua titular do direito em causa;
b) – Exercício intempestivo de direito (fora de 6 meses) quando o titular sabia todas as condições de compra e venda que um dos comproprietários pretendia dispor do bem em causa.
Ora, no caso dos autos, nenhuma das hipóteses referidas está devidamente comprovada, subsiste como tal o direito de preferência legal assistido à Autora, é o que o Tribunal recorrido fez e correctamente.
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Pelo que, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações da ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na decisão recorrida.
Síntese conclusiva:
I - O artigo 1309º do CCM exige que o preferente tenha conhecimento de elementos essenciais de venda, nomeadamente os respeitantes ao preço e às condições de pagamento. Sobre o Recorrente recai o ónus de provar que a Recorrida já tenha tido conhecimento desses elementos há mais de 6 meses quando propunha a respectiva acção de preferência.
II - O direito de preferência legal só pode ser entendido “extinto” nas duas situações:
1) – Renúncia expressa ou tácita pelo titular do direito em causa;
2) – Exercício intempestivo de direito (fora de 6 meses) quando o titular sabia todas as condições de compra e venda que um dos comproprietários pretendia dispor do bem em causa (artigo 1308º do CCM).
(…)”; (cfr., fls. 355 a 359).
Aqui chegados, ponderando no pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância decidido, assim como no que pelo 1° R., ora recorrente, alegado vem, quid iuris?
–– Pois bem, evidente se nos apresenta o acerto das decisões proferidas relativamente às “questões” da invocada “legitimidade da A.”, ora recorrida, o mesmo sucedendo com a relativa à inexistência de “violação de caso julgado”, sendo assim de se confirmar e de se dar aqui como reproduzidas na sua íntegra, nada mais se mostrando de acrescentar à fundamentação aí já exposta dada a sua total clareza.
–– Quanto à “caducidade” do pela mesma A., ora recorrida, invocado “direito de preferência”, vejamos.
Antes de mais, vale a pena aqui consignar que se mantém tudo o que em sede do Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 05.06.2020, (Proc. n.° 138/2019), se afirmou sobre a “natureza”, “pressupostos” e “fim” do “direito de preferência” que, nestes autos é reclamado com a acção no Tribunal Judicial de Base proposta, e, agora se nos apresenta como “questão” a apreciar e decidir.
E, então, (e sem mais demoras), importa atentar que na sentença do dito Tribunal Judicial de Base se considerou a presente acção de preferência “tempestiva”, considerando-se, para tal, o período de tempo decorrido entre a “data da venda” da metade indivisa do imóvel em questão – “que se consumou com a decisão (transitada) da sua execução específica, (em 22.06.2020)” – e a da “entrada em juízo da petição inicial” que, (em 16.11.2020), deu origem aos presentes autos; (cfr., pág. 20 deste aresto).
Por sua vez, pronunciando-se sobre a mesma questão pelo 1° R., ora recorrente, suscitada no seu anterior recurso, considerou o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão agora recorrido que a “solução” do Tribunal Judicial de Base merecia a sua concordância, salientando, ainda, que “O artigo 1309º do CCM exige que o preferente tenha conhecimento de elementos essenciais de venda, nomeadamente os respeitantes ao preço e às condições de pagamento”, e que, “Sobre o Recorrente recai o ónus de provar que a Recorrida já tenha tido conhecimento desses elementos há mais de 6 meses quando propunha a respectiva acção de preferência, mas tal ónus não foi cumprido pelo Recorrente”; (cfr., pág. 23 deste aresto).
E, (como se colhe do que agora vem alegado), insurgindo-se contra o assim decidido, entende o 1° R., ora recorrente, que “caduco” se deve ter tal direito, porque a data a ter em conta para o início da contagem do dito prazo de 6 meses não deve ser a do “trânsito em julgado da sentença que decretou a execução específica”, (em 22.06.2020), mas antes, (e pelo menos), a da “interposição do recurso” da aludida “sentença de execução específica” para o Tribunal de Segunda Instância – e que, depois, veio a dar lugar ao (aludido) Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 05.06.2020, (Proc. n.° 138/2019) – pois que, com o mesmo recurso para o Tribunal de Segunda Instância, inegável é que, (em tal momento), já possuía a A., ora recorrida, o necessário e cabal conhecimento de todos os “elementos essenciais da venda”.
Sem prejuízo do muito respeito por melhor entendimento – e dúvidas não havendo que o prazo agora em questão é o atrás referido de “(…) 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, (…)”; cfr., art. 1309° do C.C.M. – eis como cremos que se deve decidir o presente recurso.
Pois bem, adquirido se nos apresenta que o dito prazo de “6 meses” inicia-se após a transmissão do bem objecto do (reclamado) “direito de preferência”, e conta-se a partir da data em que o preferente tomou conhecimento dos “elementos essenciais” da alienação do bem que, como se mostra lógico, devem abranger todos os factores capazes de influir (decisivamente) na formação da vontade de preferir, (ou não), designadamente, o “preço”, as “condições do seu pagamento”, e a “pessoa do adquirente”.
E, in casu, os autos dão-nos cabal resposta sobre tal “aspecto”.
Com efeito, se a A., ora recorrida, até recorreu da sentença que decretou a “execução específica” da metade indivisa do imóvel – de cujo “direito de preferência” reclama que lhe assiste – natural (e razoável) se mostra de considerar que, pelo menos, desde tal “momento”, estava na posse do que “acordado” estava em matéria de (todos os) “elementos essenciais” do contrato-promessa sobre a compra e venda do mesmo imóvel, não se podendo desta forma de deixar de atentar na “data de interposição do dito recurso” (para o Tribunal de Segunda Instância), e, considerar-se, assim, (e na pior das hipóteses), esta, (para não se falar na data em que tomou conhecimento da aludida sentença), como a que assinala o “início do aludido prazo” para o “exercício do seu direito de preferência”.
Ora, constatando-se que o referido “recurso” foi neste Tribunal de Última Instância registado como Autos de Recurso em Matéria Civil n.° 138/2019, portanto, do “ano de 2019”, vista está a solução.
Com efeito, como se viu, a “acção de preferência” que a A., ora recorrida propôs, apenas deu entrada no Tribunal Judicial de Base em 17.11.2020, portanto, em momento em que (certamente) exaurido já estava o aludido “prazo de 6 meses”.
Nesta conformidade, necessário é decidir como segue.
Decisão
4. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, com a consequente improcedência dos pedidos pela A. deduzidos.
Custas, em todas as Instâncias pela A. recorrida, (A).
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 12 de Setembro de 2025
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
1 O direito legal de preferência é assumido como direito potestativo, com eficácia real, enquanto fundado em razões de interesse e ordem pública. É nesta natureza que colhe razão e fundamento que os direitos legais de preferência impliquem uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade e que se imponha um dever de comunicação no qual se transmita «o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato», nos termos estabelecidos no nº 1 do art. 410º do CC.
2 Antunes Varela sustentava que, «Por um lado o preferente é titular de um verdadeiro direito de crédito, quer a preferência tenha, quer não tenha, eficácia real, por outro lado, gozando de eficácia real, como sucede com os direitos legais de preempção, a preferência atribui ainda a esse sujeito a titularidade de um direito real de aquisição» - In RLJ, 105, pp. 12/3
3 Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2º edição revista e actualizada, pág. 367.
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Proc. 67/2022 Pág. 18
Proc. 67/2022 Pág. 19