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Processo nº 49/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), e a sua filha B (乙), ambas com os restantes sinais dos autos, recorreram contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS de 30.06.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência na R.A.E.M. da filha B; (cfr., fls. 2 a 38 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 21.11.2024, (Proc. n.° 613/2023), foi o recurso julgado procedente, anulando-se o acto administrativo recorrido; (cfr., fls. 153 a 168-v).

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Inconformada do assim decidido, traz a entidade administrativa então recorrida o presente recurso jurisdicional, produzindo as conclusões seguintes:

“I. O acórdão recorrido padece do vício de errada aplicação de lei substantiva. (Art. 152º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
II. O Tribunal a quo não teve suficientemente em conta as circunstâncias concretas relativas às consultas e tratamentos médicos que a recorrida teve nos três (sic) anos compreendidos entre 2019 e 2020, inviabilizando a correcta aferição da conformidade, ou desconformidade, da situação concreta com o conceito indeterminado de residência habitual em Macau exigido pelo ordenamento jurídico.
III. Durante o referido período de três anos de 2019 a 2020, a recorrida teve registos de entrada e saída de Macau, assim como 4, 2 e 1 consultas médicas por ano, respectivamente, não havendo registo de internamento hospitalar.
IV. Considerando globalmente os factos, verifica-se que as consultas médicas de acompanhamento da recorrida não eram frequentes, e fica objectivamente demonstrado que esta ainda se encontrava em condições de entrar e sair de Macau.
V. Além disso, a mãe da recorrida vive e trabalha em Macau e pode tomar conta da recorrida. Além disso, as instituições médicas em Macau, tanto públicas como privadas, podem prestar serviços médicos completos, pelo que não nos parece que a recorrida não tenha tido outra opção senão residir em Zhuhai.
VI. Nem a condição física objectiva da recorrida, nem a frequência e a necessidade do seu tratamento médico constituíram justos motivos para a sua ausência prolongada de Macau. Por conseguinte, o Tribunal a quo ao considerar justificativa a ausência da recorrida de Macau incorreu em dois erros: (1) considerou, erroneamente, que a recorrida tinha de se deslocar frequentemente a hospitais no Interior da China para ter consultas médicas de acompanhamento a partir de 2019; e (2) considerou, erroneamente, que a recorrida tinha de residir em Zhuhai.
VII. O legislador exige que o titular da autorização de residência tenha estabelecido e mantido determinados laços com Macau, ou seja, que tenha residido habitualmente em Macau, para se tornar residente permanente.
VIII. “Residência habitual” é um conceito indeterminado, pelo que quem aplica a lei deve efectuar uma avaliação exaustiva das circunstâncias factuais concretas.
IX. Um homem comum não concluiria, a partir dos aconselhamentos médicos contidos nos esporádicos registos médicos e registos de diagnóstico da recorrida, que houve motivo de força maior ou razão séria que impedisse a recorrida de vir a Macau. Acresce que, conforme objectivamente demonstrado pelos seus registos de entrada e saída, durante o período de 2018 a 2021, ela teve capacidade e efectivamente entrou e saiu de Macau.
X. Somos de opinião que a recorrida não conseguiu provar a necessidade da sua ausência de Macau, em particular a necessidade de se deslocar frequentemente aos hospitais no Interior da China para consultas de acompanhamento e quaisquer outras causas justificativas que a tenham impedido de vir residir para Macau. Por conseguinte, o seu pedido de renovação da autorização de residência não deve ser deferido por não satisfação do requisito de residência habitual em Macau previsto no artigo 43.º, n.º 2, al. 3) e n.º 3 da Lei 16/2021.
XI. Pelas razões acima expostas, afigura-se-nos que o acórdão recorrido errou ao concluir que o acto administrativo recorrido padecia do vício de errada aplicação da lei”; (cfr., fls. 181 a 184-v e 20-v a 21 do Apenso).

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Após contra-alegações a pedir a improcedência do aludido recurso, (cfr., fls. 190 a 197), e remetidos os autos a esta Instância, foram os mesmos com vista ao Exmo. Representante do Ministério Público que em douto Parecer considera que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 212).

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.

Nada obstando, passa-se a apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:

“Em 1 de Agosto de 2014, foi concedida, pela primeira vez, autorização de residência temporária à 1ª recorrente, A, por ter sido contratada por uma entidade patronal em Macau como quadro dirigente, tendo a sua autorização sido também estendida à sua descendente, B (ou seja, a 2ª recorrente).
Posteriormente, em 14 de Abril de 2015, foi concedida à recorrente a primeira renovação da autorização de residência temporária e, em 28 de Fevereiro de 2018, a segunda renovação.
Em 18 de Março de 2021, a recorrente pediu novamente a renovação da autorização de residência temporária, para si e para a sua descendente.
O IPIM elaborou em 30 de Março de 2023 a proposta n.º 0618/2013/03R, com o seguinte conteúdo (vd. fls. 86 a 97 dos autos):
“Assunto: Apreciação do pedido de residência temporária
Director do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência:
1. A identificação das interessadas e o prazo proposto para a autorização de residência temporária a conceder são os seguintes:
N.º
1
2
Nome
A
B
Relação
Requente
Descendente
Documento/ N.º
Passaporte chinês
XXXXXXXX
Passaporte chinês
XXXXXXXX
Documento válido até
30/1/2032
15/10/2027
Autorização de Residência Temporária válida até
23/3/2021
23/3/2021
Renovação da ATR proposta até
23/3/2024
N/A
Data do primeiro pedido de extensão
N/A
15/11/2013
2. Em 1 de Agosto de 2014, a requerente obteve pela primeira vez a autorização de residência temporária, válida até 23 de Março de 2015, tendo sido também concedida a extensão dessa autorização de residência temporária ao seu cônjuge, C, e à sua descendente, B. Em 14 de Abril de 2015, as suas autorizações de residência temporária foram renovadas, pela primeira vez, até 23 de Março de 2018, e, em 28 de Fevereiro de 2018, foi-lhes concedida a segunda renovação, até 23 de Março de 2021. Em 18 de Março de 2021, a requerente apresentou o presente pedido de renovação da autorização de residência temporária em seu nome e em nome da descendente acima referida.
3. Em 1 de Março de 2022, a requerente apresentou um novo Passaporte da PRC (n.º XXXXXXXX) para substituir o Passaporte chinês inicialmente apresentado (n.º XXXXXXXX) (vd. fls. 10 a 12).
4. De acordo com os documentos apresentados pela requerente, ela e o interessado C divorciaram-se em 22 de Fevereiro de 2019, altura em que a descendente acima referida já tinha completado 18 anos de idade (vd. fls. 34 a 44). Uma vez que o interessado (C) deixou de reunir os requisitos legais para obter a extensão previstos na alínea 1) do artigo 5.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o IPIM iniciou o procedimento de audiência ao interessado em 25 de Abril de 2019 nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma, mas este não respondeu no prazo fixado (vide fls. 45 a 47). Posteriormente, como o interessado C não requereu a renovação da sua autorização de residência temporária dentro de 180 dias contados do seu termo, o IPIM comunicou à Corpo de Polícia de Segurança Pública, em 5 de Agosto de 2022, através do Ofício n.º OF/02501/DJFR/2022, a caducidade da autorização de residência temporária do interessado e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente, por falta do requerimento para renovação dentro do prazo (ver fls. 552).
5. De acordo com os dados constantes dos autos, não se verificou, até à data, a prática de qualquer infracção penal por parte da requerente e da descendente, B (vide fls. 13 e 17).
6. A fim de confirmar com mais rigor a relação de parentesco entre a requerente e a descendente acima referida, a requerente apresentou os documentos comprovativos do parentesco no seu primeiro pedido.
7. De acordo com os dados constantes dos autos, em 8 de Abril de 2020, a requerente comunicou ao IPIM as seguintes alterações à relação de trabalho que tinha fundamentado a concessão da sua autorização:
Relação de trabalho que fundamentou a concessão da renovação da ART
(Vide fls. 554 a 555)
Nova relação de trabalho, notificada em 8 de Abril de 2020
(Vide fls. 50 a 80 e 85 a 115)
Nova relação de trabalho, notificada em 1 de Março de
(Vide fls. 476 a 504, 568 a 576 e 582 a 583)

Empregador
[Empresa(1)]
Empregador
[Empresa(2)]
Empregador
[Empresa(3)]
Cargo
Editora-Chefe
Cargo
Editora-Chefe da [Revista(1)]
Cargo
Editor-in Chief
Salário
base
34.080,00 Patacas (posteriormente aumentado para 37.411,00 Patacas)
Salário
base
41.360,00 Patacas
Salário base
75.000,00 Patacas
Duração do contrato
A partir de 14 de Março de 2013, contrato válido até 10 de Dezembro de 2019
Duração do contrato
A partir de 12 de Março de 2020, contrato válido até 11 de Março de 2022
Duração do contrato
A partir de 7 de Fevereiro de 2022, contrato por tempo indeterminado
Data da desligação
10 de Março de 2020
Data da desligação
6 de Fevereiro de 2022
Data da desligação
7 de Fevereiro de 2022
8. Ficou provado, através de documentos, que a requerente informou o IPIM, em 8 de Abril de 2020, que tinha cessado a relação laboral com a sua anterior empregadora “[Empresa(1)]” em 10 de Março de 2020, passando a estar empregada como “editora-chefe da [Revista(1)]” pela “[Empresa(2)]” desde 12 de Março de 2020 (cfr. fls. 50 a 58, 60, 67 e 94), com salário base de 41.360,00 patacas.
9. A fim de verificar se a requerente exerceu efectivamente as suas funções em Macau durante o período da autorização de residência temporária e se as interessadas residem habitualmente em Macau, o IPIM solicitou ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, através de ofícios de 15 de Setembro de 2020, 11 de Fevereiro de 2021, 11 de Maio de 2022 e 19 de Outubro de 2022, os registos de migração e as informações pertinentes das interessadas, como seguem (ver fls. 126 a 206 e 556 a 560):
Período
Número de dias de permanência da requerente em Macau
De 1 de Janeiro de 2015 a 31 de Dezembro de 2015
252
De 1 de Janeiro de 2016 a 31 de Dezembro de 2016
248
De 1 de Janeiro de 2017 a 31 de Dezembro de 2017
208
De 1 de Janeiro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018
238
De 1 de Janeiro de 2019 a 31 de Dezembro de 2019
199
De 1 de Janeiro de 2020 a 31 de Dezembro de 2020
71
De 1 de Janeiro de 2021 a 31 de Dezembro de 2021
135
De 1 de Janeiro de 2022 a 30 de Setembro de 2022
138
Período
Número de dias de permanência da descendente em Macau
De 1 de Janeiro de 2015 a 31 de Dezembro de 2015
160
De 1 de Janeiro de 2016 a 31 de Dezembro de 2016
264
De 1 de Janeiro de 2017 a 31 de Dezembro de 2017
239
De 1 de Janeiro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018
68
De 1 de Janeiro de 2019 a 31 de Dezembro de 2019
7
De 1 de Janeiro de 2020 a 31 de Dezembro de 2020
0
De 1 de Janeiro de 2021 a 31 de Dezembro de 2021
3
De 1 de Janeiro de 2022 a 30 de Setembro de 2022
0
10. Conforme consta dos registos de migração, a requerente apenas permaneceu em Macau durante 66 dias, de um total de 295 dias, desde a data de ingresso na nova empregadora até Dezembro do mesmo ano (ou seja, de 12 de Março a 31 de Dezembro de 2020) (ver fls. 169 e verso) e, de acordo com o novo contrato de trabalho, o certificado de emprego e a descrição das funções apresentadas pela requerente, o local de trabalho dela situava-se em Macau, na [Endereço(1)] (ver fls. 59, 95 e 96). Assim, não se pode demonstrar que, durante os 9 meses após o ingresso na nova entidade patronal, a requerente desempenhou as funções de “editora-chefe da [REVISTA(1)]” em Macau, e, nomeadamente, foi responsável pela gestão corrente dos Departamentos Editorial e de Marketing, como referido nos documentos comprovativos da relação de trabalho.
11. Além disso, o número de dias que a descendente da requerente permaneceu em Macau em cada ano diminuiu acentuadamente desde 2018, tendo ela permanecido em Macau apenas 10 dias entre 1 de Maio e 31 de Dezembro de 2018, e ainda menos dias nos anos seguintes. Desse facto não se pode concluir que a descendente residiu habitualmente em Macau durante o período de residência temporária autorizada, o que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 e n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, em vigor na altura e aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, terá como consequência a caducidade da sua autorização de residência temporária.
12. Nesta base, o IPIM iniciou procedimentos de audiência escrita da interessada em 17 de Novembro de 2020 e 2 de Março de 2021, tendo a própria requerente e o seu advogado apresentado respostas e documentos comprovativos pertinentes em 28 de Dezembro de 2020, 17 de Março de 2021 e posteriormente (ver fls. 207 a 429, 451 a 462, 475, 517 a 536), cujos conteúdos principais são os seguintes:
1) Depois de ingressar na nova empregadora, devido ao impacto da pandemia e por razões de saúde pessoal, a requerente obteve o consentimento da empregadora para trabalhar de forma flexível, por exemplo, através de uma combinação de trabalho online e telefone e e-mail. A este respeito, apresentou o “Certificado de Desempenho” emitido pela nova empregadora em 28 de Dezembro de 2020. Durante o período de emprego, a requerente sempre cumpriu o contrato de trabalho e a nova empregadora pagou-lhe atempadamente os seus salários;
2) A descendente frequentou a [Escola Secundária] desde Setembro de 2015 e concluiu o curso secundário em Junho de 2018 (ver fls. 304 e 305). Em seguida, foi estudar para o Japão (ver fls. 306 a 310), durante o período foi examinada pela primeira vez numa instituição médica japonesa em 2 de Maio de 2019, onde lhe foi diagnosticado que sofria de esquizofrenia e sintomas depressivos, tendo-lhe sido recomendado que fosse hospitalizada para tratamento. Depois de regressar à China, deslocou-se, em 15 e 22 de Julho do mesmo ano, à Clínica Especializada em Psicologia Clínica [Hospital(1)] de Shenzhen (深圳[醫院(1)]臨床心理專科門診部), para tratamento. Em 9 de Julho e 27 de Setembro de 2019 e 19 de Novembro de 2020, submeteu-se a exames psicológicos na Consulta Externa do Serviço de Psiquiatria do [Hospital(2)] (ver fls. 240 a 263 e 312). Como ela nasceu e cresceu em Zhuhai, ficou em casa em Zhuhai para se recuperar e tem estado sob tratamento desde então;
3) De acordo com o entendimento plasmado no acórdão do TSI, processo n.º 268/2021, a residência habitual é onde a pessoa costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas, seja por motivo de reciclagem ou estudo profissional, seja por motivo de o interessado ser destacado para uma companhia filial situada fora de Macau para desempenhar determinada função, seja por motivo de hospitalização em estabelecimento fora de Macau para receber tratamentos; pode ser superior a 6 meses, mas entende que deve continuar a manter a residência habitual em Macau. No caso em apreço, a requerente e a descendente trabalham, estudam e residem em Macau desde a concessão da autorização de residência temporária, e apenas se ausentaram temporariamente de Macau por motivos de estudo ou de tratamento médico;
4) A requerente e a sua descendente mantiveram residência fixa em Macau vivendo num apartamento arrendado durante o período de residência temporária autorizada. O contrato de arrendamento só foi suspenso quando o regresso a Macau foi impossibilitado pelas restrições de entrada impostas devido ao surto da pandemia da COVID-19. A requerente começou novamente a arrendar habitação em Macau desde 2021, e apresentou os contratos de arrendamento da sua residência em Macau de 1 de Junho de 2015 a 31 de Maio de 2017, de 15 de Maio de 2018 a 14 de Maio de 2020, de 1 de Abril de 2021 a 31 de Março de 2022 e de 12 de Fevereiro de 2022 a 11 de Fevereiro de 2024 (ver fls. 298 a 300, 455 a 456 e 475);
5) Actualmente, a requerente trabalha e vive em Macau, e a sua descendente ainda está a receber tratamentos no Interior da China. Segundo a requerente, a descendente regressará a Macau logo que o estado de saúde seja melhor, e a descendente também deseja viver em Macau com a sua mãe. Por conseguinte, pede-se às autoridades administrativas que considerem que a requerente e a sua descendente residem habitualmente em Macau e defiram os seus pedidos de renovação.
13. Quanto à resposta e conteúdos complementares acima expostos, procedeu-se à seguinte análise:
1) No tangente à alteração da situação jurídica da requerente
(1) Em 8 de Abril de 2020, a requerente notificou o IPIM de que tinha cessado a relação laboral com a sua anterior entidade patronal “[Empresa(1)]” em 10 de Março de 2020 e que tinha sido contratada pela “[Empresa(2)]” como “editora-chefe da [Revista(1)]” desde 12 de Março de 2020. A requerente cumpriu a sua obrigação de notificação para com o IPIM em relação à referida alteração da situação.
(2) De acordo com as informações de registo comercial, a antiga empregadora, “[Empresa(1)]”, dedica-se às actividades de publicidade, enquanto a nova empregadora, “actividades da publicidade”, dedica-se à publicação, distribuição e impressão de várias revistas e livros; relações públicas, publicidade, planeamento, promoção e gestão de actividades, e serviços de consultoria e aconselhamento; produção, concepção, planeamento, promoção e publicidade de meios de comunicação online e publicidades online; e vários tipos de investimentos empresariais (ver fls. 116 a 122). Pode constatar-se que tanto a antiga empregadora, como a nova, estavam envolvidas em actividades comerciais semelhantes, ou seja, ambas se dedicavam à actividade de publicidade e propaganda nos meios de comunicação social;
(3) De acordo com a descrição de funções, o anterior cargo de “editora-chefe” da requerente era principalmente responsável pela actividade editorial e de publicação e pela gestão corrente de duas revistas, nomeadamente a “[Revista(2)]” e a “[Revista(3)]”, bem como pelo desenvolvimento da actividade dos novos meios de comunicação social da empresa e pela expansão externa (ver fls. 33). O novo cargo de “editora-chefe da [Revista(1)]” era principalmente responsável pelo negócio editorial e de publicação, marketing e desenvolvimento externo da “[Revista(1)]”, bem como pela gestão diária dos Departamentos Editorial e de Marketing (ver fls. 96). O conteúdo e a natureza das funções do novo cargo são bastante relevantes para a sua licenciatura em Literatura, com especialização em Jornalismo, e para os anos de experiência profissional da requerente como jornalista;
(4) Uma análise comparativa das antigas e novas funções mostra que o âmbito da actividade profissional, o conteúdo e a natureza das funções da requerente eram semelhantes aos que serviram de fundamento ao deferimento do seu pedido, sendo que esta continuava a exercer a actividade de gestão – editora de revista – no sector da comunicação social. Tal como consta do organigrama da nova entidade empregadora apresentado pela requerente, esta era directamente responsável perante o presidente, e geria um total de 4 pessoas nos Departamentos Editorial e de Marketing (ver fls. 70 a 71);
(5) Tal como acima referido, os registos de migração mostram que a requerente apenas permaneceu em Macau durante 66 dias após a data de ingresso na nova empregadora, ou seja, de 12 de Março a 31 de Dezembro de 2020, e não entrou em Macau de Abril a Junho de 2020; e só permaneceu em Macau 135 dias em todo o ano de 2021; o que mostra que a permanência da requerente em Macau durante o período em que trabalhou para a nova entidade patronal foi anormal;
(6) Na sua resposta, a requerente alega que a sua permanência no período acima referido foi relativamente curta devido ao impacto da pandemia, a problemas de saúde pessoal e a problemas relacionados com o trabalho;
(7) No “Certificado de desempenho” emitido pela nova entidade patronal da requerente, com data de 28 de Dezembro de 2020, refere-se que a requerente era responsável principalmente pela publicação da [Revista(1)], publicação de revistas dos clientes, trabalho editorial para novos meios de comunicação social e trabalho de marketing. Durante a pandemia, a [Revista(1)] passou de mensal a bimestral. Dada a natureza do trabalho da revista e dos novos meios de comunicação social, não há horários de trabalho fixos e é frequentemente necessário fazer horas extraordinárias. Tendo em conta também o estado de saúde da requerente, a nova empregadora permitia que a requerente trabalhasse de forma flexível, de acordo com as suas necessidades reais, por exemplo, através de uma combinação de trabalho online, telefone e correio electrónico, para além da comunicação regular em reuniões e da comunicação presencial para garantir as necessidades do trabalho. Dado que a revista e os novos meios de comunicação social cobrem a área da Grande Baía de Guangdong, Hong Kong e Macau, a requerente também se deslocava frequentemente a Guangdong para efectuar entrevistas e trabalho de ligação e de marketing. No entender da nova entidade patronal, a requerente cumpriu o trabalho previsto no contrato com bons resultados (ver fls. 217);
(8) Do exposto, conclui-se que, uma vez que o trabalho editorial e de redacção da revista não tem um horário fixo, para além da comunicação regular em reuniões e da comunicação presencial para garantir as necessidades do trabalho, a requerente estava autorizada a comunicar e a realizar o desenvolvimento de negócios e entrevistas através de teletrabalho no Interior da China, e a nova empregadora considerava que a requerente tinha cumprido os seus deveres contratuais e obtido bons resultados;
(9) O salário base da requerente na altura era de MOP41.360,00, superior à mediana salarial de MOP35.000 do pessoal dirigente dos outros sectores no 2º trimestre de 2020 publicada pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, bem como ao salário base da requerente aquando da concessão da autorização de residência temporária;
(10) Com base na análise supra, sugere-se a aceitação da referida alteração da situação de trabalho da requerente nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
(11) Posteriormente, a requerente cessou a relação de trabalho com a “[Empresa(2)]” em 6 de Fevereiro de 2022 e passou a trabalhar para outra empregadora, a “[Empresa(3)]”, a partir de 7 de Fevereiro de 2022, como “Editor-in Chief”. A requerente notificou o IPIM desta alteração da relação de trabalho em 1 de Março de 2022 (ver fls. 477 a 504);
(12) De acordo com a descrição de funções, as principais funções da requerente enquanto “Editor-in Chief” da “[Empresa(3)]” consistem em garantir que todas as mensagens mediáticas do [Empresa(4)] comunicam eficazmente os valores da sua marca e ressoam junto dos seus públicos-alvo; liderar e dirigir a equipa editorial e de redacção e trabalhar de forma interfuncional com a equipa de design, por exemplo, através de toda a gama de actividades de marketing, relações públicas, vídeo e todas as actividades online e nos meios de comunicação social (ver fls. 502). O conteúdo e a natureza das funções são relevantes para a habilitação académica e a experiência profissional da requerente;
(13) Daí se constata que a requerente continua a exercer as actividades editoriais, que vão desde a redacção e edição de entrevistas até à participação na concepção e produção de vídeos, a fim de assegurar que as mensagens dos meios de comunicação social da entidade patronal sejam adequada e eficazmente divulgadas ao público. O âmbito, o conteúdo e a natureza da actividade são semelhantes à situação da relação de trabalho que fundamentou à concessão da sua autorização de residência. De acordo com a declaração pessoal da requerente, esta tem 19 subordinados, dos quais 17 são residentes de Macau (ver fls. 575), o que favorece a transmissão da sua profissão e experiência para o pessoal local;
(14) O salário base actual da requerente é de MOP75.000,00, superior à mediana salarial de MOP35.000 do pessoal dirigente dos outros sectores no 2º trimestre de 2022 publicada pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, e a requerente declarou e pagou o imposto profissional nos termos da lei (ver fls. 497, 572 e 582);
(15) De acordo com os documentos comprovativos do pagamento do salário apresentados pela requerente relativamente aos meses de Abril, Agosto e Setembro de 2022, os salários bases da requerente relativos a esses meses sofrerem reduções (cfr. fls. 516 e 571). A este respeito, a requerente apresentou um documento da entidade patronal em que se declara que a requerente gozou de um total de 54,5 dias de licença sem vencimento de Abril a Agosto de 2022 (vide fls. 582). Com efeito, disso não resultou qualquer alteração em termos da entidade patronal, âmbito da actividade profissional e conteúdo de funções, etc., e a situação não afectou a relação de trabalho em que se baseava a sua autorização de residência temporária. Além disso, como mostra o documento comprovativo do pagamento do salário relativo a Outubro de 2022, não houve mais nenhuma dedução no salário da requerente devido à licença sem vencimento, o que demonstra que a situação é apenas temporária (ver fls. 572);
(16) Em conclusão, após análise da situação acerca da nova relação laboral da requerente, é evidente que o domínio profissional, a posição, o conteúdo e a natureza das funções da requerente na nova relação laboral são semelhantes aos que serviram de fundamento ao indeferimento do seu pedido, ou seja, ela continua a exercer o trabalho de gestão de actividade editorial e de redacção no sector de meios de comunicação de massas, e o seu salário de base foi aumentado. Isto reflecte que a requerente mantém a situação juridicamente relevante e os pressupostos que fundamentaram a concessão da sua autorização de residência temporária. Por conseguinte, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, propõe-se que seja aceite a supra referida alteração da situação jurídica da requerente.
2) Quanto à residência habitual da interessada;
(1) De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, um indivíduo reside habitualmente em Macau quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual; os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo estabelecem claramente que a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau, e que para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
(2) Dos dados de migração constata-se que, durante o período compreendido entre 2015 e 30 de Setembro de 2022, com excepção de 2020 e 2021, a requerente passou a maior parte do tempo em Macau todos os anos, tendo o número de dias passados em Macau em cada um dos anos atingido mais de 200 dias;
(3) Como já foi referido, a requerente permaneceu relativamente pouco tempo em Macau entre 2020 e 2021 devido a problemas de saúde, ao trabalho, à prestação de cuidados ao seu familiar doente e ao impacto da pandemia. De acordo com o Atestado de Doença e a Ficha Médica Ambulatória apresentados pela requerente, esteve internada no [Hospital(4)] de Zhuhai durante 9 dias, de 12 de Janeiro a 21 de Janeiro de 2020, e frequentou consultas externas hospitalares no Interior da China em 3 de Julho, 6 de Julho, 19 de Julho, 11 de Agosto e 24 de Dezembro de 2020 (vide fls. 222-239);
(4) De acordo com o declarado pela antiga empregadora da requerente, “[Empresa(2)]”, dado que a revista e os novos meios de comunicação social cobriam a área da Grande Baía de Guangdong, Hong Kong e Macau, a requerente também se deslocava frequentemente a Guangdong para efectuar entrevistas e trabalho de ligação e de marketing, além disso, tendo em conta também o estado de saúde da requerente, permitia que a requerente trabalhasse através de uma combinação de trabalho online, telefone e correio electrónico.
(5) A descendente concluiu o ensino secundário em Macau em 2018, e depois foi estudar para o Japão, onde entrou na universidade em 2019. No entanto, foi diagnosticada com esquizofrenia e depressão por uma instituição médica japonesa, tendo-lhe sido recomendado o internamento hospitalar. Foi também salva do suicídio e transportada para um hospital japonês durante esse período. Consequentemente, fez uma pausa nos estudos de 21 de Setembro de 2019 a 31 de Março de 2020. Posteriormente, decidiu regressar ao país para receber tratamento médico. De acordo com a prova de doença e os registos médicos ambulatórios apresentados pela requerente, a descendente submeteu-se ao tratamento, em 15 e 22 de Julho de 2019, na Clínica Especializada em Psicologia Clínica [Hospital(1)] de Shenzhen (深圳[醫院(1)]臨床心理專科門診部); em 9 de Julho e 27 de Setembro de 2019 e 19 de Novembro de 2020, submeteu-se a exames psicológicos na Consulta Externa do Serviço de Psiquiatria do [Hospital(2)]; e em 23 de Dezembro de 2020 e 11 de Março de 2021, foi diagnosticada com “perturbação bipolar” e “episódio depressivo” no [Hospital(3)]. (ver fls. 240 a 263, 311 a 312 e 419 a 420);
(6) Tal como evidenciado pela prova de doença acima referida e respectivos registos médicos, a descendente da requerente procurou consultas médicas, exames e tratamentos no exterior desde o seu diagnóstico de esquizofrenia e depressão em 2019, e é razoável que a requerente, mãe dela, a tenha acompanhado;
(7) De acordo com os dados constantes dos autos, a requerente tem trabalhado e residido em Macau desde a concessão da autorização de residência temporária. Com efeito, a requerente regressou a Macau desde 2022 e permaneceu em Macau durante 138 dias até 30 de Setembro de 2022, com uma média de mais de 15 dias por mês durante o período, tendo sido continuamente empregada pela sua empregadora em Macau. De acordo com o contrato de arrendamento de habitação em Macau e com o comprovativo de morada apresentados pela requerente (ver fls. 298 a 300, 455 a 456, 475 e 591), juntamente com os seus registos de migração, verifica-se que a requerente tem residência habitual em Macau e tem Macau como centro do seu trabalho. Assim, pode concluir-se que a requerente ausentou-se temporariamente de Macau devido aos motivos justificativos acima referidos;
(8) Além disso, a requerente obteve o grau de Mestre em Ciências Sociais (Estudos de Macau) pela Universidade de XX em Julho de 2019, publicou artigo(s) sobre Macau, foi membro do segundo conselho do “The Research Centre for XX” e membro do quarto conselho da “Union for XXX of Macau”, entre outros cargos sociais (ver fls. 273 a 294 e 341 a 344). Para além de trabalhar em Macau, a requerente também frequentou cursos de mestrado e participou em actividades sociais em Macau, pelo que se pode concluir que a requerente continua a ter Macau como centro da sua vida;
(9) Quanto à descendente, os dados de migração mostram que o número de dias que permaneceu em Macau em cada ano, de 1 de Janeiro de 2015 a 23 de Março de 2021, foi de 160, 264, 239, 68, 7, 0 e 2 dias, respectivamente. Com excepção de 2016 e 2017, em que permaneceu em Macau durante mais de 200 dias, passou a maior parte do tempo fora de Macau nos restantes anos e, em 2018, apenas permaneceu em Macau durante 68 dias, e o número total de dias que permaneceu em Macau nos dois anos seguintes não foi superior a 10 dias (ver fls. 202 a 206), o que reflecte que a descendente saiu de Macau desde 2018;
(10) Dos elementos constantes dos autos pode constatar-se que a descendente começou a frequentar a [Escola Secundária XX], em Macau, desde Setembro de 2015, tendo concluído o ensino secundário em 2018 e ido para o Japão para estudar na universidade. No entanto, em 2019, a descendente foi submetida a um exame na Clínica de Saúde XX, Japão, e foi diagnosticada com “esquizofrenia” e “estado depressivo”. Em 2 de Julho do mesmo ano, foi hospitalizada por suicídio, e teve alta em 3 de Julho. No dia da sua alta, procurou tratamento na mesma clínica. Tais informações demonstram que a descendente procurou tratamento médico e foi hospitalizada no Japão por esquizofrenia, estado depressivo e suicídio em meados de 2019 (ver fls. 240-241, 389-391, 393 e 395 e 401-402);
(11) De acordo com a “Prestação de Informações Clínicas” emitida pela clínica acima referida, a clínica aconselhou a descendente, em 3 de Julho de 2019, a permanecer num hospital psiquiátrico no Japão para receber tratamento, mas tal foi recusado pela descendente, que pediu para regressar à China para receber tratamento num ambiente estável (ver fls. 241 e 402);
(12) Posteriormente, a descendente regressou ao Interior da China para receber tratamento médico. Os atestados médicos e registos médicos ambulatórios apresentados pela requerente mostram que:
- De acordo com o “Formulário de pedido de exame no [Hospital(2)]” e o “Prova de Condição”, a descendente procurou tratamento médico no hospital em 9 de Julho de 2019, 27 de Setembro de 2019 e 19 de Novembro de 2020, tendo-lhe sido diagnosticada a “perturbação do humor [emocional]” e recomendado que “tomasse medicação regularmente e fizesse acompanhamento regular; regulasse o trabalho e o descanso e evitasse o esforço físico; e, tendo em conta os desejos da paciente e da sua família, recomendasse uma pausa na escola” (ver fls. 252 a 263, 312, 412, 415 a 418).
- De acordo com os “registos médicos ambulatórios” da “Clínica Especializada em Psicologia Clínica [Hospital(1)] de Shenzhen (深圳[醫院(1)]臨床心理專科門診部)”, a descendente foi diagnosticada com “perturbação bipolar, com episódios depressivos no presente, por vezes possivelmente acompanhados de sintomas de doença mental”, “é recomendada a hospitalização para a prevenção do suicídio”; na consulta de seguimento, a 22 de Julho, foi-lhe inicialmente diagnosticada “perturbação psicótica: (1) Depressão com sintomas psicóticos? (2) esquizofrenia?”. Mais uma vez, “hospitalização é recomendada para a prevenção do suicídio” (ver fls. 244-251, 405-411).
- De acordo com a “Prova de Diagnóstico de Doença” do [Hospital(3)] (Centro de Prevenção e Controlo de Doenças Crónicas de Zhuhai), a descendente foi diagnosticada com “perturbação afectiva bipolar” e “episódio depressivo” em 23 de Dezembro de 2020 e 11 de Março de 2021, respectivamente, tendo-lhe sido recomendado tratamento em regime ambulatório (ver fls. 419 a 420).
(13) Cumpre salientar que no acórdão do Tribunal de Última Instância prolatado no processo n.º 182/2020, plasmou-se o seguinte entendimento: «a “residência habitual” não pode deixar de implicar um “local” que, com a necessária e imprescindível estabilidade, constitua o “centro – habitual – de interesses” de uma pessoa (e da sua família), não nos parecendo que possa ser um “local de passagem”, de permanência ocasional ou esporádica, sob pena de se converter em “residência temporária e/ou acidental”;
(14) Isto não se traduz numa absoluta impossibilidade de ausência, como pode suceder, por determinados períodos, como, por exemplo, em resultado de compromissos profissionais, para visita a familiares e amigos, procura de tratamento médico ou frequência em cursos no exterior, mas se deve poder concluir, após ter considerado os aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, que o núcleo estável das suas ligações vivenciais e existenciais mais relevantes situa-se no local da sua residência habitual.
(15) No entanto, no caso em apreço, os documentos comprovativos apresentados pela requerente apenas podem provar que a descendente esteve no Interior da China para tratamento médico em 9 de Julho, 15 de Julho, 22 de Julho e 27 de Setembro de 2019; 19 de Novembro e 23 de Dezembro de 2020; e 11 de Março de 2021, o que não cobre totalmente a ausência prolongada de Macau por mais de dois anos, pelo que tais provas não são suficientes para sustentar que a ausência da descendente se deveu inteiramente à procura de tratamento médico no exterior.
(16) Em segundo lugar, de acordo com os registos médicos da descendente acima referidos, os médicos tanto no Japão como no Interior da China aconselharam a descendente a ser hospitalizada para tratamento, mas não há provas de que ela tenha sido hospitalizada para tratamento. Na resposta apenas foram apresentadas informações sobre consultas em regime ambulatório, não demonstrando, por conseguinte, que a descendente tenha sido hospitalizada no exterior para receber tratamento que a impedisse de vir viver para Macau;
(17) A requerente e a descendente afirmam na resposta que a descendente foi diagnosticada com um episódio depressivo por médico em 2021 e seguiu o conselho médico para ficar num ambiente familiar para a ajudar a recuperar-se. Segundo a descendente, embora se tenha mudado para Macau com a sua mãe em 2015, nasceu e cresceu em Zhuhai e que ficar em casa em Zhuhai poderia ajudar a aliviar a sua condição; e tem recebido tratamento no Interior da China até à actualidade;
(18) Face ao exposto, a requerente não apresentou documentos comprovativos suficientes para provar que a ausência prolongada da descendente de Macau se deveu ao facto de ela estar a receber tratamento médico no Interior da China; ficou apenas provado que a descendente foi a hospitais no Interior da China durante sete dias no período de Julho de 2019 a Março de 2021 para consultas médicas por iniciativa própria e por prescrição médica, não houve qualquer tratamento prolongado em regime de internamento, nem houve consultas hospitalares regulares por prescrição médica para acompanhamento da sua situação; além disso, o médico que fez a consulta médica mais recente, isto é, em 11 de Março de 2021, recomendou tratamento em regime ambulatório;
(19) Importa salientar que, não é que a interessada não possa receber tratamento médico fora de Macau, mas, nos termos do artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo, cabe-lhe o ónus de provar a veracidade da sua declaração. Se a interessada não puder regressar a Macau por motivo de doença ou não puder receber tratamento médico em Macau, deve provar isso com atestados médicos adequados. No entanto, os documentos relativos às consultas e tratamentos médicos apresentados pela requerente não podem reflectir que a ausência prolongada da descendente de Macau se deveu integralmente ao facto de receber tratamento médico no exterior.
(20) A requerente também referiu na sua resposta que a descendente pretendia residir em Macau com a requerente durante o período de convalescença. No entanto, de acordo com os registos de migração constantes dos autos, o número de dias que a descendente permaneceu em Macau de 2020 a 30 de Setembro de 2022 foi de 0, 3 e 0, respectivamente. Além disso, conforme o declarado pela requerente em 18 de Março de 2021 relativamente à informação dos agregados familiares no Pedido de Autorização de Residência Temporária na Região Administrativa Especial de Macau, a descendente residia na [Endereço(2)], Cidade de Zhuhai (珠海巿[地址(2)]); Daí se constata que a descendente não regressou a Macau com a requerente para aqui residir;
(21) A carta da requerente de 27 de Fevereiro de 2023 afirma que a descendente “recuperou e está prestes a retomar os seus estudos, já obteve o visto de entrada e irá para o Japão para iniciar os seus estudos em 1 de Abril” (ver fls. 584). Isto sugere que a descendente continuará a estudar na universidade no Japão e que não há sinais de que regresse a Macau num futuro próximo;
(22) Em conclusão, os registos de migração constantes dos autos revelam que a descendente esteve ausente de Macau durante um longo período de tempo e não possui o “corpus” de residência habitual em Macau; além disso, tendo em conta as circunstâncias previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, é difícil concluir que a ausência da interessada de Macau é temporária. Realizada a audiência, não se verificou qualquer obstáculo razoável que tenha impedido a interessada de residir habitualmente em Macau; do seu quotidiano pessoal e social não resulta o “animus” para se tornar residente de Macau. Por conseguinte, conclui-se que a interessada deixou de residir habitualmente em Macau. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, ainda em vigor na altura, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização de residência temporária concedida à descendente pode ser declarada caduca.
(23) Embora a Lei n.º 4/2003 tenha sido revogada com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, de acordo com o artigo 102.º (Remissões) da Lei n.º 16/2021, que dispõe que “As remissões existentes em outros diplomas para as disposições da legislação ora revogada consideram-se feitas para as correspondentes disposições da presente lei ou dos diplomas complementares referidos no artigo anterior”, tal não afecta a aplicação subsidiária do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 ao caso em apreço (sic); além disso, o n.º 2, al. 3) e o n.º 3 do artigo 43.º da mesma lei estipulam expressamente que a autorização de residência na RAEM pode ser revogada quando o titular deixar de ter residência habitual na RAEM, e os respectivos fundamentos podem ser igualmente oponíveis para efeitos de recusa de renovação ou de prorrogação da autorização de residência.
14. Face ao exposto, propõe-se ao Secretário para a Economia e Finanças que, no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo, através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, e nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aceite a alteração da situação da relação de trabalho da requerente; além disso, da situação de residência da requerente em Macau e do certificado de registo criminal também não se constatam as situações previstas nas alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16 / 2021, aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 23.º do supracitado diploma legal; assim, propõe-se que o Secretário para a Economia e Finanças, no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo, através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, defira o presente pedido de renovação da requerente A e lhe conceda a autorização de residência temporária válida até 23/03/2024.
15. Por outro lado, através dos registos de migração e dos documentos constantes dos autos, verifica-se que a situação de permanência da interessada B em Macau não preenche o disposto no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. Além disso, tendo em consideração o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, não fica demonstrado que a interessada reside habitualmente na RAEM. Realizada a audiência, propõe-se ao Secretário para a Economia e Finanças que, no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, e nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefira o pedido de renovação da autorização de residência temporária da interessada B.
Submete-se à apreciação.”
Em 30 de Junho de 2023, a entidade recorrida proferiu o seguinte despacho (vd. fls. 86 dos autos):
“De acordo com as competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta e decido o seguinte:
(i) Aceitar a alteração da situação jurídica da requerente e deferir o pedido de renovação dela nos termos do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
(ii) Indeferir o pedido de renovação da descendente da requerente nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.”
Inconformadas com a decisão supra referida, as recorrentes interpuseram o presente recurso contencioso em 10 de Agosto de 2023”; (cfr., fls. 158 a 165 e 8 a 16-v do Apenso).

Do direito

3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu provimento ao anterior recurso contencioso anulando o acto administrativo aí recorrido.

Vejamos.

Esta a reflexão pelo Tribunal de Segunda Instância efectuada no seu Acórdão objecto do presente recurso:

“O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público pronunciou-se sobre o presente recurso do seguinte modo:
“As duas recorrentes pediram a anulação do despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças na proposta n.º 0618/2013/03R, cujo teor integral é o seguinte (fls. 86 dos autos): De acordo com as competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta e decido o seguinte: (i) Aceitar a alteração da situação jurídica da requerente e deferir o pedido de renovação dela nos termos do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005; (ii) Indeferir o pedido de renovação da descendente da requerente nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Nos termos do art.º 115.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, a expressão “concordo com a análise da presente proposta” no despacho significa que o mesmo absorve a proposta n.º 0618/2013/03R, cuja conclusão é a seguinte (fls. 97 dos autos): 15. Por outro lado, através dos registos de migração e dos documentos constantes dos autos, verifica-se que a situação de permanência da interessada B em Macau não preenche o disposto no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. Além disso, tendo em consideração o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, não fica demonstrado que a interessada reside habitualmente na RAEM. Realizada a audiência, propõe-se ao Secretário para a Economia e Finanças que, no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, e nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefira o pedido de renovação da autorização de residência temporária da interessada B.
*
1. A primeira recorrente não tem legitimidade
É verdade que a segunda recorrente não é a requerente da autorização de residência temporária de que é titular e que o que fundamentou a concessão da sua autorização de residência temporária foi o facto de ela ser membro do agregado familiar (filha) da primeira recorrente. À luz da jurisprudência constante do Tribunal de Última Instância e do Tribunal de Segunda Instância (ver, por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Última Instância nos processos n.ºs 50/2010 e 74/2019, e os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância nos processos n.ºs 245/2012 e 265/2015), a autorização de residência temporária da segunda recorrente depende da autorização de residência temporária da primeira recorrente.
O despacho recorrido é claro e inequívoco: em primeiro lugar, contém duas decisões - uma que defere o pedido de renovação [da autorização de residência temporária] da primeira recorrente e a outra que indefere o pedido de renovação [da autorização de residência temporária] da segunda recorrente; em segundo lugar, o pedido da segunda recorrente para a renovação [da autorização de residência temporária] foi indeferido unicamente pelo facto de ela não residir habitualmente na Região Administrativa Especial de Macau. É evidente que esta “razão” se refere apenas à própria segunda recorrente e nada tem a ver com a primeira recorrente ou, pelo menos, não é imputável à primeira recorrente.
Com base nestes dois pontos, somos da opinião de que, não é necessário entrar em pormenores para podermos chegar a duas conclusões: não há dúvida de que a primeira recorrente não tem necessidade de recorrer à tutela jurisdicional contra a decisão de lhe conceder a renovação da sua autorização de residência temporária, e não tem certamente interesse processual (em interpor recurso contencioso) (artigo 72.º do Código de Processo Civil); e uma vez que o objecto do processo é a decisão de indeferimento (pelo despacho recorrido) da renovação da autorização de residência temporária da segunda recorrente, há que sublinhar, em particular, que a primeira recorrente não tem legitimidade (para interpor o recurso contencioso) (artigo 33.º, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso), apesar de ser a mãe da segunda recorrente e a requerente da autorização de residência temporária de que a filha é titular.
No entanto, tendo em conta o princípio da economia processual, continuaremos a analisar os fundamentos recursórios invocados pela segunda recorrente.
*
2. Quanto à errada aplicação e interpretação da lei
Em apoio da sua pretensão, a segunda recorrente invocou dois fundamentos: um é aplicação e interpretação errada da lei e outra violação do princípio da boa fé. Concretamente, o primeiro fundamento consiste em que o despacho recorrido interpretou erradamente as disposições do artigo 43.º, n.º 2, al. 3) e n.º 3, da Lei n.º 16/2021. Com efeito, a segunda recorrente entende que: uma vez que os factos de ela ir estudar para o Japão e receber tratamento médico no Interior da China foram ambos de força maior, ela preenche os requisitos de “residência habitual” e que o despacho recorrido errou ao considerar que ela não residia habitualmente em Macau.
2.1 Quanto ao significado de “residência habitual”, o Tribunal de Última Instância esclarece claramente (ver o seu acórdão no processo n.º 182/2020): 2. A qualidade de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. 3. Daí que se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social.
Além disso, como também perspicazmente apontado pelo Tribunal de Última Instância (ver o aresto no processo n.º 190/2020): 3. A mera “ausência temporária” de uma pessoa a quem tenha sido concedida autorização para residir em Macau não implica a necessária conclusão que tenha deixado de “residir habitualmente” em Macau. 4. Verificando-se porém que a mesma tem “ausências prolongadas” de Macau, e perante a sua alegação de se deverem a “razões profissionais”, cabe-lhe o ónus da prova do referido motivo para efeitos de manutenção, (ou cancelamento), da concedida autorização de residência.
No que diz respeito à noção de “residência habitual” prevista no artigo 24.º da Lei Básica de Macau, existe um consenso geral entre os académicos: estudar, ser destacado no exterior para trabalho e receber tratamento médico (incluindo hospitalização) são causas legítimas para se ausentar – mesmo prolongadamente – de Macau. Uma pessoa que esteja ausente por estas razões é considerada como continuando a residir habitualmente em Macau. Na nossa opinião, este consenso académico está de acordo com a natureza humana e a ética dominante na sociedade de Macau, pelo que mereceu a aceitação do legislador de Macau e constitui a base de valor para a interpretação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999.
2.2 No caso em apreço, é inegável que a segunda recorrente permaneceu em Macau durante 68 dias em 2018 e ainda menos nos dois anos seguintes. O facto de ter ido para o Japão para estudar e para Zhuhai para tratamento médico foi uma escolha voluntária feita por ela própria e pelos seus pais, embora compreensível, não constitui motivo de força maior. No entanto, à luz do consenso acima referido (dos académicos), estamos inclinados a pensar que ela não perdeu a sua residência habitual.
Em primeiro lugar, de acordo com a Proposta n.º 0618/2013/03R, a Administração reconhece que: a segunda recorrente concluiu o ensino secundário na [Escola Secundária], em 2018, e foi para o Japão para estudos universitários no mesmo ano. Não se sabe por que razão permaneceu em Macau durante 68 dias em 2018. O senso comum sugere que o número de dias que residiu efectivamente em Macau satisfaz basicamente a exigência de “residência habitual”. Além disso, a informação do tratamento em regime ambulatório mostra que a segunda recorrente foi hospitalizada por suicídio enquanto estudava no Japão; além disso, o registo médico ambulatório da “Clínica Especializada em Psicologia Clínica [Hospital(1)] de Shenzhen (深圳[醫院(1)]臨床心理專科門診部)” alertou duas vezes para a “prevenção rigorosa de suicídio” e recomendou a hospitalização. Independentemente do facto de ter sido hospitalizada ou não, o senso comum diz-nos que ela precisava de cuidados e atenção dos pais.
Em segundo lugar, o número efectivo de dias que a primeira recorrente residiu em Macau em 2020 e 2021 foi de 71 e 135 dias, respectivamente. A Administração deu credibilidade aos atestados médicos e registos médicos em regime ambulatório apresentados por ela (ver fls. 222-239 da P.A.), documentos que mostram que esteve hospitalizada no [Hospital(4)] de Zhuhai durante 9 dias, de 12 de Janeiro a 21 de Janeiro de 2020, e que também frequentou tratamento em regime ambulatório em hospitais do Interior da China em 3 de Julho, 6 de Julho, 19 de Julho, 11 de Agosto e 24 de Dezembro de 2020.
Tendo em conta o exposto, é razoável concluir que a primeira recorrente teve dificuldade em cuidar e tomar conta da segunda recorrente sozinho nos dois anos compreendidos entre 2019 e 2020, e precisou de ajuda de outros membros da família. O pai da segunda recorrente podia cuidá-la quando esta residia em Zhuhai e aí se submetia a tratamento médico, uma vez que os pais da segunda recorrente se divorciaram em 22 de Fevereiro de 2019 (artigo 53.º da petição inicial), e ele perdeu a sua autorização de residência temporária em Macau, o que o impossibilitou de residir habitualmente em Macau para cuidar da segunda recorrente.
Além disso, como é sabido, a pandemia da COVID-19 começou a afectar Macau no início de 2020 e, para evitar a propagação do vírus e o risco de um surto na comunidade, o Governo de Macau adoptou medidas adequadas de controlo e isolamento (ver Despacho do Chefe do Executivo n.º 23/2020 e Despacho do Chefe do Executivo n.º 27/2020). A este respeito, a residência da segunda recorrente em Zhuhai para tratamento médico pode evitar a infecção com o novo coronavírus e a quarentena, o que favoreceria a sua recuperação.
Com base nos três pontos acima referidos, e com o maior respeito por qualquer opinião diversa, tomamos a liberdade de considerar que, embora seja verdade que a segunda recorrente não residiu em Macau durante um longo período de tempo entre 2018 e 2021, deve considerar-se que teve justa causa, e que não “deixou de residir habitualmente na Região Administrativa Especial de Macau”, por conseguinte, o despacho recorrido erradamente aplicou o disposto no artigo 43.º, n.º 2, al. 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021.
*
3. Relativamente à violação do princípio da boa fé
Outro fundamento invocado pela segunda recorrente foi a violação do princípio da boa fé pelo despacho recorrido. Resumindo, a lógica reside no facto de a entidade recorrida ter considerado que o facto de a primeira recorrente acompanhar a sua filha (a segunda recorrente) a receber tratamento médico no exterior era uma justa causa para a ausência da primeira recorrente de Macau, ao passo que considerou que o facto de a segunda recorrente receber tratamento médico no exterior não era um justo motivo para a sua saída de Macau – isto carece de racionalidade lógica, e o despacho recorrido destruiu a expectativa e a confiança de longa data da segunda recorrente de que poderia tornar-se residente permanente de Macau, impossibilitando assim que a mãe e a filha vivam juntas em Macau no futuro.
À luz do perspicaz entendimento plasmado pelos magistrados experientes João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho (cfr. Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2018, Livro I, Volume V, pp. 1-38), podemos deduzir o seguinte: Em síntese, a violação do “princípio da boa fé” pressupõe e materializa-se num prejuízo, culposo e imputável, dos interesses de outrem.
Note-se que o número efectivo de dias que a primeira recorrente residiu em Macau entre 1 de Janeiro de 2019 e 31 de Dezembro de 2021 foi de 199, 71 e 135, enquanto o número efectivo de dias que a segunda recorrente residiu em Macau durante o mesmo período de tempo foi de 7, zero (0) e 3 dias. A enorme diferença é absolutamente evidente à primeira vista. O artigo 89.º da petição inicial, que refere que “a entidade recorrida ajuizou diferentemente sobre os mesmos factos”, não corresponde obviamente à verdade, podendo mesmo se dizer que é flagrantemente errado.
Atrevemo-nos a considerar que a Proposta n.º 0618/2013/03R demonstra suficientemente que subestimou a gravidade da doença e das tendências suicidas da segunda recorrente e que não considerou e analisou o impacto do surto do novo coronavírus, pelo que o seu ponto (22), que refere que “não se verificou qualquer obstáculo razoável que tenha impedido a interessada de residir habitualmente em Macau” apresenta uma falta de imparcialidade; no entanto, a sua análise relativa ao número de dias que a segunda recorrente residiu efectivamente em Macau é séria e precisa, e o seu objectivo de defender o interesse público é inquestionável.
Assim sendo, e com o devido respeito por todas as opiniões em contrário, não podemos deixar de estar convencidos de que o despacho recorrido não viola o princípio da boa fé e que o fundamento alegado pela segunda recorrente neste segmento do recurso não corresponde à verdade.
***
Tendo em conta o que precede, o MP propõe a V. Exa:
- Que declare que a primeira recorrente não tem legitimidade; e,
- Conceda provimento à segunda recorrente, anulando o despacho recorrido.”
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Como afirmou o Tribunal de Última Instância no acórdão proferido no processo n.º 21/2004: “… o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público…”
O Procurador-Adjunto do MP emitiu pareceres detalhados e perspicazes sobre todas as questões envolvidas no presente recurso contencioso, que foram adoptados na íntegra por este Tribunal Colectivo. Estes pareceres proporcionam fundamentos jurídicos suficientes para a solução do presente recurso.
É evidente que o despacho recorrido apenas indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária da segunda recorrente. Nos termos do artigo 33.º, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, a primeira recorrente não tem legitimidade para interpor o presente recurso contencioso.
Por conseguinte, este Tribunal decide rejeitar o recurso contencioso interposto pela primeira recorrente.

Relativamente às questões levantadas pela segunda recorrente, o despacho recorrido refere que o número de dias que a segunda recorrente passou em Macau anualmente registou um declínio acentuado desde 2018.
No entanto, concordamos com o entendimento do Digno Procurador-Adjunto de que a segunda recorrente tinha justo motivo para não residir em Macau.
Em concreto, em 2018, a segunda recorrente permaneceu em Macau apenas 68 dias porque foi para o Japão para estudos universitários, o que era uma situação razoável e compreensível.
A partir de 2019, o estado de saúde da segunda recorrente tornou-se problemático e ela sofreu de graves doenças psicológicas e psiquiátricas, tendo mesmo cometido suicídio em Julho desse ano.
Posteriormente, regressou à China e foi hospitalizada em Zhuhai. Depois de receber alta do hospital, procurou tratamentos em regime ambulatório várias vezes em hospitais do Interior da China.
Dado que a segunda recorrente tem sérias tendências suicidas, necessita dos cuidados e da companhia da sua família. Tendo em conta que o pai da segunda recorrente reside em Zhuhai e que ela precisa de se deslocar frequentemente a hospitais no Interior da China para consultas de acompanhamento, é igualmente razoável e necessário que a segunda recorrente tenha optado por residir com o seu pai em Zhuhai e ser cuidada por ele.
Face a todo este circunstancialismo, este Tribunal Colectivo acompanha o entendimento perspicaz do Procurador-Adjunto de que a autoridade administrativa erradamente considerou que a segunda recorrente tinha deixado de residir habitualmente na RAEM, perspectiva essa que constituía uma clara violação do artigo 43.º, n.º 2, al. 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021.
Tendo em conta o supra referido vício do acto administrativo, o Tribunal Colectivo julga procedente o recurso contencioso interposto pela segunda recorrente”; (cfr., fls. 165 a 168 e 16-v a 20 do Apenso).

Aqui chegados, ponderadas as razões expostas na decisão recorrida assim como os motivos do inconformismo do ora recorrente, quid iuris?

Pois bem, (em resultado da reflexão que nos foi possível efectuar), cremos que o segmento decisório recorrido – na parte relativa à recorrente B – não merece qualquer censura, devendo ser objecto de confirmação.

Vejamos.

Com efeito, em causa está – tão só – saber se a dita recorrente, agora recorrida, (B, filha de A), manteve a sua (necessária) “residência permanente em Macau” para efeitos da sua pretendida renovação da autorização de residência em Macau.

Ora, como se vê, a decisão administrativa revogada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora objecto do presente recurso, tomou em consideração os seguintes períodos de permanência da dita recorrida em Macau (assim expostos no quadro atrás incluído na “matéria de facto”):

Período
Número de dias de permanência de B em Macau
De 01.01.2015 a 31.12.2015
160
De 01.01.2016 a 31.12.2016
264
De 01.01.2017 a 31.12.2017
239
De 01.01.2018 a 31.12.2018
68
De 01.01.2019 a 31.12.2019
7
De 01.01.2020 a 31.12.2020
0
De 01.01.2021 a 31.12.2021
3
De 01.01.2022 a 30.09.2022
0

E, nesta conformidade, aderindo ao exposto na Informação Proposta n.° 0618/2013/03R – onde se considerou que a dita recorrida B não teve “motivo justificado para a sua ausência”, e, assim, concluindo pela sua “falta de residência permanente em Macau no período de 19.01.2019 a 30.09.2022” – decidiu-se pela não concessão da pela mesma pretendida renovação da sua autorização de residência.

Porém, e com todo o respeito, cremos que o assim entendido não teve em conta a (verdadeira) “situação” em questão, (e as suas, particulares, “circunstâncias”).

Com efeito, e para começar, não se pode esquecer que em 2018, a dita B concluiu o curso secundário em Macau e viajou para o Japão para continuar os seus estudos, onde, em Maio de 2019, lhe veio a ser diagnosticada um “doença do foro mental” que a fez regressar à sua terra natal – Zhuhai – para tratamento, e onde, como resulta do atrás referido “mapa” da sua permanência em Macau, se tem mantido.

E, para além de claramente comprovada estar esta “situação (clínica)” – assim como o seu acompanhamento médico em Zhuhai – importa, igualmente, não olvidar que no período compreendido entre 2019 – ou seja, pela altura do seu regresso à sua terra natal – e 2022, (e princípios de 2023), viveu-se, a nível mundial, uma situação de “Pandemia” por virtude do “COVID-19” que, sendo causa de um muito considerável número de internamentos hospitalares e óbitos, limitou, de forma séria e rigorosa, o (livre) “trânsito de pessoas”, chegando-se mesmo a situações de “quarentenas” e “confinamentos compulsivos”.

Ora, Macau, assim como o Continente Chinês, padeceram igualmente de tal “maleita”, e, para efeitos de protecção da saúde pública, pelas entidades competentes entendeu-se também adoptar idênticas medidas preventivas do contágio e transmissão da aludida Pandemia, com a imposição de “períodos de quarentena” e “restrições na entrada e saída de pessoas” pelos canais e postos fronteiriços, com evidentes consequências para a habitual “circulação de pessoas”; (cfr., v.g., e entre outros, os Despachos do Chefe do Executivo n°s 40/2020, 73/2020, 43/2021, 82/2021, 110/2021, 142/2021, 144/2021, 119/2022, podendo-se, ainda, ver “www.io.gov.mo/pt/bo/”).

E, em face da referida “situação clínica” da aludida recorrida B, assim como da referida “Pandemia” e consequente “restrições ao trânsito de pessoas”, parece-nos algo excessivo e pouco adequado considerar-se que tais “circunstâncias” não foram motivo justo e bastante para, (mesmo assim), se entender que “não se verificou qualquer obstáculo razoável que tenha impedido a interessada de residir habitualmente em Macau”.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Sem tributação, (dada a isenção da entidade administrativa recorrente).

Registe e notifique.

Macau, aos 17 de Setembro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng

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