Processo nº 252/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 09 de Outubro de 2025
Recorrente: (A)
Recorridas: (B) Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada, e
(C) Casino S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
(B) Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada (1ª Ré), e
(C) Casino S.A. (2ª Ré)
todos, também, com os demais sinais dos autos.
Pedindo o Autor que:
1. Sejam condenadas as 1.ª e 2.ª RR., a restituir, solidariamente, ao autor a totalidade das fichas vivas depositadas ou montantes equiparados, não inferior a seis milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD$6.300.000,00), equivalente a seis milhões, quatrocentas e oitenta e nove mil patacas (MOP$6.489.000,00);
2. Sejam condenadas as 1.ª e 2.ª RR., a efectuar, solidariamente, ao autor o pagamento de juros de mora, calculados sob a taxa de juro legal, com uma sobretaxa de juros comerciais, perfazendo no total de 11.75%, a contar a partir da data de citações assinadas pelas rés, até ao pagamento integral das obrigações acima referidas.
Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência:
- Condenar a 1.ª ré a efectuar ao autor o pagamento de fichas vivas ou montante equiparado, de 6.300.000,00 dólares de Hong Kong, equivalente a 6.489.000,00 patacas, acrescentados os juros de mora, calculados sob a taxa de juro legal, a contar a partir de 17 de Dezembro de 2022 até ao pagamento integral;
- Absolver a 2.ª ré, na sequência do pedido apresentado pelo autor contra a 2.ª ré.
Não se conformando com a sentença veio o Autor e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
(i) Impugnação da decisão da matéria de facto do Tribunal a quo
1. No presente recurso, entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente não tinha provado que o depósito feito pela mesma se destinasse a jogos. Ora, é indispensável ilidir isso.
2. De antemão, de acordo com os depoimentos dados pela testemunha, (D), na audiência de julgamento, os clientes podiam depositar as fichas vivas doutros casinos; e, as fichas vivas depositadas eram consideradas pela sala de VIP da 1ª Ré como dinheiro em valor equivalente (Anexo 1, reprodução escrita do conteúdo da gravação da audiência de julgamento).
3. Por outras palavras, na ocorrência do facto, a Recorrente fez o depósito das fichas vivas de XXX, no valor de HKD5.854.000,00, e da quantia de HKD446.000,00 em numerário, o que equivale à existência de um montante de HKD6.300.000,00 na conta da 1ª Ré (ponto 9 dos factos provados, resposta ao ponto 6 do factum probandum).
4. Ora, na verdade, a Recorrente podia jogar com essa quantia de HKD6.300.000,00 na sala de VIP da 1ª Ré, situada no Casino X X da 2ª Ré.
5. Como é sabido, os clientes podiam converter o dinheiro depositado na sala de VIP em fichas de casino (tanto em fichas vivas como em fichas mortas) que se destinavam essencialmente a jogos.
6. Como a Recorrente podia fazer o levantamento do valor, jogando na sala de VIP da 1ª Ré, situada no Casino X X da 2ª Ré, naturalmente, ela era cliente da 1ª Ré, situada no Casino X X, já que, caso a Recorrente efectuasse o levantamento do valor na sala de VIP da 1ª Ré, situada no Casino X X, evidentemente, a 1ª Ré fornecia-lhe fichas do Casino X X que não poderiam ser utilizadas em outra concessionária, por conseguinte, a Recorrente tinha de jogar no Casino X X quando pretendesse.
7. Não foi provado o artigo 32º do factum probandum, o que se revela que a quantia depositada pela Recorrente não era utilizada para fins que não fossem de jogo.
8. Assim sendo, por não haver outro facto contrário provado, desde o momento em que a Recorrente fez o depósito na sala de VIP da 1ª Ré, situada no Casino X X da 2ª Ré, a Recorrente tornou-se cliente do clube de VIP de (B), situado no Casino X X, e, por regras da experiência e senso comum, como é evidente, um cliente joga na sala de VIP com o dinheiro nela depositado.
9. Quando a Recorrente se tornou cliente do clube de VIP de (B), situado no Casino X X, a recepção da quantia da Recorrente pela 1ª Ré consiste numa operação típica exercida em casino por promotor de jogo a favor dos interesses da concessionária da exploração de jogos, sendo aplicável o art.º 29º da Lei n.º 6/2002 (sic).
10. Ademais, conforme a tese defendida pelo TSI no acórdão proferido no processo n.º 475/2018, a concessionária da exploração de jogos beneficia com o depósito de fichas realizado pelo cliente, independentemente da existência ou não de jogo.
11. As duas Rés também não fizeram a prova do aproveitamento, pela 1ª Ré, da quantia depositada pela Recorrente para outros fins. A parte provada do artigo 16º do factum probandum é meramente uma conclusão vaga, não tendo ligação efectiva com a quantia depositada em causa.
12. Portanto, a Recorrente não concorda com a razão da sentença recorrida: A Recorrente não provou que ela própria fosse cliente do Clube de VIP de (B), situado no Casino X X, ou não provou que a recepção da quantia da Recorrente pela 1ª Ré consistisse numa operação típica exercida em casino por promotor de jogo a favor dos interesses da concessionária da exploração de jogos, uma vez que a Recorrente já tinha feito a prova disto, sendo exposto nos factos provados do caso.
13. Aliás, o depósito no Casino X X das fichas doutra concessionária (XXX) realizado pela Recorrente revela manifestamente que ela pretendia jogar no Casino X X, caso contrário, a Recorrente podia ficar no Casino XXX, evitando o referido problema.
14. Pelo exposto, entende a Recorrente que a sentença recorrida enferma do vício de aplicação de Direito, devendo ser aplicado o art.º 29º da Lei n.º 6/2002 (sic) e, segundo os factos provados no caso (mormente os artigos 4º, 5º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º), às 2ª e 1ª Rés cabe a responsabilidade solidária.
(ii) Substituição ao Tribunal a quo na decisão
15. No caso de provimento da decisão da matéria de facto controversa em apreço, o Tribunal ad quem deve, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 630º do Código de Processo Civil, substituir o Tribunal a quo no conhecimento do caso.
16. No caso de provimento do presente recurso, deve aplicar-se o art.º 29º da Lei n.º 6/2002 (sic), segundo os factos provados no caso, às 2ª e 1ª Rés cabe a responsabilidade solidária.
17. Devido à condição da 1ª Ré, a Recorrente não conseguiu levantar as fichas e o dinheiro, constantes de fls. 64 dos autos, depositados na sala de VIP da 1ª Ré. (artigos 11º e 13º dos factos provados, respostas aos pontos 8 e 10 do factum probandum)
18. Nos termos do disposto nos artigos 29º e 31º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, a 2ª Ré é responsável solidariamente pelo facto de a 1ª Ré ter aceitado as fichas e o dinheiro, constantes de fls. 64 dos autos, depositados pela Autora.
19. Tendo-se em conta que às duas Rés cabe a responsabilidade solidária, nos termos do art.º 512º do Código Civil de Macau, o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado.
20. Deste modo, as duas Rés devem restituir, solidariamente, à Recorrente todas as fichas vivas ou o montante no valor equivalente, não inferior a seis milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD6.300.000,00), correspondente a seis milhões, quatrocentas e oitenta e nove mil patacas (MOP6.489.000,00), bem como pagar os juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 17 de Dezembro de 2022 até integral e efectivo pagamento.
21. Pelo exposto, o Tribunal ad quem deve, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 630º do Código de Processo Civil, substituir o Tribunal a quo no conhecimento do caso, julgando procedente o recurso interposto pela Recorrente.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes que:
1. Condenem as duas Rés a pagarem, solidariamente, à Recorrente uma quantia não inferior a seis milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD6.300.000,00), correspondente a seis milhões, quatrocentas e oitenta e nove mil patacas (MOP6.489.000,00), e os juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 17 de Dezembro de 2022 até integral e efectivo pagamento; e
2. Condenem as duas Rés a sustentarem todas as custas e honorários.
Contra-alegando veio 2ª Ré pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.
1ª Ré não apresentou contra-alegações.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. As 1.ª e 2.ª RR acordaram em colaboração na celebração de um “Contrato de Promotor de Jogo”, onde a 2.ª ré autorizava a 1.ª ré a exercer actividades de empréstimos para apostas nos seus casinos dependentes, bem como fornecer aos clientes jogadores a linha de crédito e concessão de empréstimo de fichas. (alínea A) dos Factos assentes)
2. De acordo com o Despacho do Chefe do Executivo n.º 143/2002, de 21 de Junho de 2002, publicado no Boletim Oficial n.º 26, II Série, em 26 de Junho de 2002, e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 103/2022, de 20 de Junho de 2022, publicado no Boletim Oficial n.º 25, II Série, em 23 de Junho de 2022, bem como o contrato celebrado em 26 de Junho de 2002, cujo extracto publicado no Boletim Oficial n.º 27, II Série, Suplemento, em 03 de Julho de 2002, que através da revisão do contrato, celebrado em 23 de Junho de 2022, cujo extracto publicado no Boletim Oficial n.º 25, II Série, Suplemento, em 24 de Junho de 2022, foi autorizada a 2.ª ré como concessionária de jogo para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau. (alínea B) dos Factos assentes)
3. Conforme o acordo de colaboração entre as duas rés, as mesmas acordaram em comparticipar, de acordo com uma proporção específica determinada, os lucros de jogos originados pelas actividades de apostas dos clientes da Sala VIP (B), que sustentavam, conjuntamente, os valores de ganho e perda das mesas de jogos, dentro das salas VIP. (resposta ao quesito 1.º do factum probandum)
4. Com a concordância da 2.ª ré, a 1.ª ré estabeleceu e explorava as salas de jogos VIP denominada (B) nos casinos dependentes da 2.ª ré, incluindo o Casino X, e através destas salas de jogos exercendo actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino. (resposta ao quesito 2.º do factum probandum)
5. Com a autorização e concordância da 2.ª ré, a 1.ª ré dispunha tesourarias independentes, dentro da área das suas salas de jogos operadas, e nas aludidas tesourarias a 1.ª ré fornecia aos seus clientes o serviço de trocas de fichas e depósitos de fichas ou numerários, etc.. (resposta ao quesito 3.º do factum probandum)
6. Todas as mesas de jogos, croupiers, fichas e as respectivas instalações, constantes na sala VIP (B) da 1.ª ré, operada no Casino X, todas eram fornecidas pela 2.ª ré, pelo que constavam o logotipo da sociedade da 2.ª ré. (resposta ao quesito 4.º do factum probandum)
7. Os trabalhadores das supras tesourarias independentes e parte do pessoal de servir dos aludidos recintos, pertenciam trabalhadores recrutados pela 1.ª ré, assim, sendo dirigidos pela mesma, a fim de prestar serviços aos clientes da 1.ª ré. (resposta ao quesito 5.º do factum probandum)
8. O autor possui uma conta sob o n.º 678, do grupo 28759, na Sala VIP (B), operada pela 1.ª ré. (resposta ao quesito 6.º do factum probandum)
9. Em 28 de Junho de 2018, o autor depositou na supra conta da Sala VIP (B) do Casino X, nomeadamente, fichas vivas do Casino XXX no valor de 5.854.000,00 dólares de Hong Kong e numerários no valor de 446.000,00 dólares de Hong Kong, perfazendo no total de 6.300.000,00 dólares de Hong Kong. (resposta ao quesito 6.º do factum probandum)
10. Após o findo dos trâmites de depósito acima referido, o trabalhador da tesouraria da Sala VIP (B) salientou ao autor que o mesmo podia levantar, em qualquer momento, as fichas e os numerários depositados, acima referidos. (resposta ao quesito 7.º do factum probandum)
11. Em 27 de Novembro de 2021, o responsável da 1.ª ré, (E) foi detido, e no mesmo dia a Sala VIP (B) deixou do seu funcionamento, que até ao presente não tinha sido reaberta, nesta situação causando ao autor que até ao presente não conseguisse levantar as fichas e os numerários (lavrados as fls. 64 dos autos) constantes da conta da Sala VIP (B). (resposta ao quesito 8.º do factum probandum)
12. O autor não devia na 1.ª ré qualquer dívida, nem pediu à 1.ª ré qualquer empréstimo para jogo. (resposta ao quesito 9.º do factum probandum)
13. Até ao presente, a 1.ª ré não restituiu ao autor as fichas e os numerários depositados, acima referidos. (resposta ao quesito 10.º do factum probandum)
14. Durante o período de colaboração entre as duas rés, a 1.ª ré tinha angariado clientes jogadores e trazia lucros de jogos à 2.ª ré, enquanto a 2.ª ré era beneficiado pelas actividades das salas VIP da 1.ª ré. (resposta ao quesito 11.º do factum probandum)
15. Conforme a maneira acostumada da Sala VIP (B) da 1.ª ré, caso os clientes da Sala VIP (B) abrissem as contas, seriam assinados os respectivos documentos, e depois de ter depositados numerários ou fichas, sejam emitidos os respectivos recibos. (resposta ao quesito 14.º do factum probandum)
16. Cada vez que os clientes chegavam a tesouraria da Sala VIP (B) para o efeito depósito ou levantamento da conta, os trabalhadores da aludida sala emitiam sempre aos clientes os correspondentes recibos. (resposta ao quesito 15.º do factum probandum)
17. O então Administrador Executivo do Grupo (B), (E), detinha, directamente ou indirectamente, fora de Macau, com diversos tipos de actividades e diferentes projectos, donde incluem, a construção de um hotel e casino em Manila (Projecto Westside City); um hotel em Hoian de Vietnam; a exploração de um casino em Preah Sihanouk de Camboja; a participação do casino na Rússia (Summit Ascent e TIGRE DE CRISTAL); as construções de “Resort”, nomeadamente, em Wakayama e Okinawa de Japão; a colaboração com Paradise Co. Ltd. na Coreia Sul; aquisição de uma importação e exportação de charutos em Cuba. (resposta ao quesito 16.º do factum probandum)
18. A 2.ª ré só aceitava as fichas por si emitidas para o efeito de jogos e trocas. (resposta ao quesito 20.º do factum probandum)
19. A 2.ª ré dispunha sector de auditoria de jogo, responsabilizando as operações de mesas e maquinarias de jogo, as correspondentes transacções de tesourarias e divulgação do mercado, a auditoria independente dos documentos e dados sistemáticos, o aludido sector é uma equipa de auditoria de jogo independente do departamento de operação de jogo, a realização do respectivo trabalho de auditoria do jogo, consiste na prevenção dos actos ilícitos, designadamente, fraudes e desvio de dinheiro, praticados dentro da área do casino pelos clientes, trabalhadores ou parceiros, incluindo, os promotores de jogo e os seus colaboradores. (resposta ao quesito 22.º do factum probandum)
20. Excepto este sector, o sistema de gestão da 2.ª ré, caiba a administração e supervisão pela Comissão de Orientação do Critério de Jogo, o presidente desta comissão é assumido pelo director-principal de operações da 2.ª ré, supervisionando todas as camadas políticas das operações do jogo, incluindo, procedimento de operações, gestão de risco e trabalho técnico, a fim de garantir uma execução efectiva com transparência na política e no procedimento de jogo. (resposta ao quesito 23.º do factum probandum)
21. O departamento de supervisão da 2.ª ré possui mais do que 250 trabalhadores, e são supervisores profissionais formados, prestando o trabalho de supervisão nos casinos, durante 24 horas, ininterruptas, bem como protegendo os trabalhadores, clientes e parceiros de negócios. (resposta ao quesito 24.º do factum probandum)
22. Este departamento de supervisão tem uma via de comunicação directa e independente com a camada de gestão, a fim de prevenir os actos de simulação, burla, fraude, furto e conluio. (resposta ao quesito 25.º do factum probandum)
23. Este departamento de supervisão operava independentemente, supervisionado todas as mesas e máquinas de jogo, tesourarias, zonas de contagem, balcões de serviços, salas de investigação de segurança (salas de entrevista) e outras zonas designadas, a fim de garantir o cumprimento das exigências estipuladas no “Procedimento básico de supervisão interna” e respectivas normas de operações. (resposta ao quesito 26.º do factum probandum)
24. Este departamento de supervisão mantém-se também com uma colaboração íntima entre Polícia Judiciária (PJ), Polícia de Segurança Pública (PSP), Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), Ministério Público (MP) e Tribunais da RAEM nas investigações e sanções decorridas, durante as actividades ilícitas apuradas
25. dentro das instalações da 2.ª ré, e também realizava reunião periódica com o Departamento de Investigação de Crimes relacionado com o Jogo e Económicos, da PJ, a fim de garantir uma comunicação eficaz e comparticipação dos novos meios de burla de jogo, cujo intuito em reduzir a ocorrência deste tipo de caso. (resposta ao quesito 26.º do factum probandum)
26. Dentro do prazo do contrato, a 2.ª ré efectuava, periodicamente, a investigação de contexto a todos os membros do grupo, incluindo, nomeadamente, crime, trabalho, habilitação profissional, lista de proibição da DICJ, lista de sanção mundial, registo de jogo acentuado, e este procedimento de investigação de contexto abrange também aos parceiros do negócio (designadamente, promotores de jogo e os seus colaboradores), a fim de garantir que eles reúnem confiança e reputação comerciais. (resposta ao quesito 27.º do factum probandum)
27. Nas transacções do dia quotidiano, a 2.ª ré supervisiona para o efeito de garantia de todos os valores elevados e as transacções suspeitosas que sejam cumpridos aos actos normativos relacionados com o combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, caso houver os respecitvos indícios, logo se proceda a adequada investigação, e reportar, tempestivamente, ao departamento de supervisão, a fim de realizar uma apreciação profunda, quanto às medidas de execuções aplicadas pelo departamento de operações contra os valores elevados, incluem: basear no sistema de registos de transacções, supervisionando as actividades de jogos; solicitar aos clientes de transacções cambiais que indiquem, expressamente, o objectivo da transacção; basear no sistema de gravação de vigilância, supervisionando os montantes de transacções cambiais das respectivas actividades de jogos; bem como recolher as necessárias informações dos clientes, constantes dos relatórios concluídos sobre as operações de valor elevado respeitantes ao jogo, apresentados à DICJ. (resposta ao quesito 28.º do factum probandum)
28. Sempre que apareça qualquer actividade suspeitosa, seja elaborado um relatório preliminar de transacção suspeitosa, e dentro de 24 horas, ser entregue ao departamento de supervisão, cada relatório seja acompanhado pelo respectivo trabalhador responsável do departamento de supervisão, se verificasse com fundamento suficiente para que seja prosseguido a apreciação, assim, é necessário concluir o relatório de transacção suspeitosa e ser entregue ao Gabinete de Informação Financeira da RAEM. (resposta ao quesito 28.º do factum probandum)
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«É necessário o Tribunal em analisar os factos considerados como provados e a lei aplicável de ora caso, a fim de resolver o litígio entre as partes.
Os pontos 9, 11 e 13 dos Factos provados, demonstram que, em 28 de Junho de 2018, o autor depositou na supra conta da Sala VIP (B) do Casino X, nomeadamente, fichas vivas do Casino XXX no valor de 5.854.000,00 dólares de Hong Kong e numerários no valor de 446.000,00 dólares de Hong Kong, perfazendo no total de 6.300.000,00 dólares de Hong Kong, só que até ao presente, o autor ainda não tinha reavido as respectivas fichas e os numerários.
Analisado os factos provados in casu e o recibo lavrado a fls. 64 dos autos, são suficientes para concluir que o autor e a 1.ª ré constavam uma relação de depósito irregular, indicado no artigo 1131.º do Código Civil (CC).
A fls. 72 dos autos demonstra que foi citado a 1.ª ré, desde 17 de Novembro de 2022, assim, nos termos do artigo 1075.º, n.º 1, por remissão do artigo 1132.º do CC, a dívida da 1.ª ré só se vence 30 dias após a sua citação.
Assim, deve dar conforme a p.i. do autor, onde requer-se que condene a 1.ª ré a restituição do montante depositado, isto é, os 6.300.000,00 dólares de Hong Kong, equivalente a 6.489.000,00 patacas (a taxa de câmbio em causa nunca tinha sido duvidada in casu), bem como o pagamento de juros de mora, calculados sob a taxa de juro anual legal, a contar a partir de 17 de Dezembro de 2022 até ao pagamento integral (dado que o depósito não se visa obrigação comercial, pelo que não seja acrescentada a sobretaxa de juros comerciais).
*
Segundo o entendimento do autor, a 2.ª ré tem que responsabilizar os prejuízos sofridos pelo autor, causados pela 1.ª ré, neste caso.
Nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.”
Quanto à aplicação desta norma, tendo já o Douto Tribunal de Última Instância, analisado fundamentalmente nos autos n.º 45/2019, bem como os diferentes processos ulteriores de casos análogos. De acordo com o ponto de vista do Douto Tribunal de Última Instância, o articulado acima referido estipula que as concessionárias de jogo são também responsáveis com os promotores de jogo, pela actividade desenvolvida nos casinos pelos esses últimos, impõem àquelas uma responsabilidade (solidária) “perante terceiros”.
No aludido acórdão do Tribunal Colectivo, tendo o Douto Tribunal de Última Instância realçado também: “E, dest’arte, apresenta-se-nos de considerar pois que a melhor interpretação vai no sentido de que o art. 29° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002 se destina a impor a “responsabilidade solidária da concessionária perante «terceiros» pela actividade pelos (seus) promotores de jogo desenvolvida”, cabendo porém assinalar (e realçar) que a mesma, independentemente da prática de qualquer “infracção administrativa”, detém, mesmo assim, uma “natureza jurídico-administrativa”, e com um âmbito de aplicação limitado à “actividade típica pelos promotores de jogo desenvolvida em benefício da concessionária”, (justificada se apresentando assim a sua solidariedade com os prejuízos que eventualmente possam ser causados a terceiros por essa mesma actividade).”
No acórdão dos autos n.º 563/2021, proferido pelo Tribunal Colectivo, em 04 de Novembro de 2021, tendo o Douto Tribunal de Segunda Instância, indicado:
“Este Tribunal tem entendido que a responsabilidade solidária da concessionária de jogo de fortuna e azar só se existe quando o depósito em causa tem conexão com a promoção da actividade de jogo e azar.
No caso em apreço, segundo a factualidade apurada, o que está subjacente é um contrato de depósito realizado pela Autora na Sala de VIP explorada pela 1ª Ré (promotor de jogo) que funcionava junta da 2ª Ré, com o fim de obter juros à taxa anual no mínimo de 18%.
Ora, não se nos afiguramos que tal depósito tenha conexão com a promoção da actividade de jogo e azar, visto que um depósito para jogo não tem juros segundo a experiência comum.
A nosso ver, tal depósito consiste num "investimento" próprio da Autora com vista a obter lucros (juros), não visando portanto para jogo de fortuna e azar.
Ora, não tendo o depósito conexão com a actividade da exploração de jogo de fortuna e azar, não é exigível a concessionária de jogo responder solidariamente nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.” (sobre a questão em causa, vide também os acórdãos n.ºs 90/2024 e 927/2023, proferidos pelo Tribunal Colectivo, do Douto Tribunal de Segunda Instância, em 30 de Maio de 2024 e 20 de Junho de 2024, respectivamente)
É conhecido publicamente, na altura em que a 1.ª ré ainda se funcionava, a mesma exercia actividade de promotor de jogo nas diferentes concessionárias de jogo e que dispunha as suas salas VIP. Além disso, a conta aberta na 1.ª ré, poderia aplicar com diferentes operações nas diversas salas VIP dependentes do grupo. Daí vejamos, mesmo que o autor depositasse as fichas vivas do Casino XXX e os numerários, ambos de dólares de Hong Kong, na conta de Sala VIP (B) do Casino X, em causa, mas, estes montantes por fim também não sejam, evidentemente, utilizados na operação de actividades do correspondente promotor da concessionária de jogo do Casino X. Salvo a melhor interpretação, o presente Tribunal entende que para a 2.ª ré que assuma solidariamente, caiba o autor o ónus da prova, a fim de provar que o seu montante de depósito recebido pela 1.ª ré, pertencia actividade típica desenvolvida pelos promotores de jogo no casino para o benefício das concessionárias de jogo, para o devido efeito, o autor deve, pelo menos, provar que o próprio pertencia cliente (ou com outra qualidade) da Sala VIP (B) do Casino X, enquanto os respectivos montantes foi depositado para este objectivo.
Portanto, in casu, as provas provadas não conseguiam demonstrar que a conta aberta pelo autor na 1.ª ré ou os montantes por si depositados na aludida sala VIP, utilizavam para o seu próprio jogo ou suas fichas, e outras actividades. Mesmo o quesito 32.º do factum probandum que, identicamente, não conseguia ser provado, mas, o autor não foi possível apresentar provas contra o aludido facto, nos termos do artigo 335.º, n.º 1 do CC, assim, é impossível considerar que o recebimento do depósito em causa pertencia actividade típica desenvolvida pelos promotores de jogo no casino para o benefício da concessionária de jogos.
Baseando nisso, in casu, não consta qualquer fundamento de facto para a sustentação de a 2.ª ré, que na qualidade de concessionária de jogo, seja obrigatoriamente assumir a responsabilidade solidária com a 1.ª ré, conjuntamente.».
Considerando que não está demonstrada em termos factuais a conexão entre os depósitos realizados e o jogo, tal como tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 09 de Outubro de 2025
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong (Segundo Juiz-Adjunto)
252/2025 CÍVEL 19