打印全文
Processo nº 76/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, sociedade com sede em Macau, propôs, no Tribunal Administrativo, “acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual” contra a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$329.830.000,00, acrescida dos juros legais contados a partir do dia seguinte ao da prolação da sentença; (cfr., fls. 2 a 54 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, após adequada tramitação processual, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo decisão absolvendo a R. de todos os pedidos deduzidos; (cfr., fls. 646 a 652-v).

*

Do assim decidido recorreu a A. (“A”), (cfr., fls. 661 a 680), e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 20.02.2025, (Proc. n.° 735/2024), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 727 a 749-v).

*

Novamente inconformada, traz agora a dita A. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“1. A recorrente está inconformada com a decisão do TSI que indeferiu o seu pedido de responsabilidade civil extracontratual, pelo que interpõe o presente recurso.
2. Salvo o devido respeito pela opinião do Tribunal a quo, a recorrente não concorda com os seguintes fundamentos de direito expostos a fls. 38 a 45 dos autos e considera que a decisão recorrida padece, parcialmente, do vício de errada aplicação do direito.
3. De acordo com o conteúdo do supramencionado acórdão recorrido, os fundamentos do Tribunal Administrativo confirmados pelo TSI são, principalmente, os seguintes:
a) Uma vez que a concessionária não aproveitou o terreno dentro do prazo (o prazo autorizado terminou em 11 de Maio de 1996), a concessão caducou, sendo esta decisão irreversível. O TSI e o TUI rejeitaram o recurso contencioso da recorrente, mantendo a decisão inicial. Não logrando a recorrente fazer anular a decisão administrativa acima referida, mesmo que não existissem outros actos administrativos alegadamente ilegais (tais como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno concedido e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On), seria difícil para ela obter os lucros esperados, pelo que não pode pedir indemnização pelos lucros cessantes esperados.
b) De acordo com a antiga lei, ou seja, o artigo 166.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da Lei n.º 6/80/M, a Administração pode declarar imediatamente a caducidade da concessão no caso de impossibilidade da conclusão do aproveitamento no prazo contratual por causa imputável ao concessionário.
c) Os chamados actos ilegais da Administração não violaram nenhum direito subjectivo da recorrente, em particular o direito de aproveitar o terreno concedido, uma vez que, desde 11 de Maio de 1996, a recorrente deixou de ser o titular do direito subjectivo de utilização do terreno.
d) Se o concessionário não conseguir concluir o aproveitamento dentro do prazo previsto, mas ainda tiver a intenção de continuar a executar a concessão, deverá pedir uma prorrogação ou obter um novo prazo de aproveitamento antes do termo do respectivo prazo. O deferimento do pedido depende da comprovação de que a não conclusão dentro do prazo contratual não é imputável ao concessionário.
e) No presente processo, de acordo com os termos do contrato, a recorrente tinha a obrigação de concluir o aproveitamento no prazo de prorrogação de 24 meses, ou seja, até 11 de Maio de 1996. No entanto, o aproveitamento nem sequer se iniciou até ao termo desse prazo. Embora a recorrente tenha referido, na resposta ao ofício n.º 181/6038.2/SOLDEP/96, que o atraso do projecto se devia a dificuldades nas actividades imobiliárias, é de assinalar que só em 7 de Agosto de 2003, ou seja, sete anos após o termo do prazo, é que a recorrente pediu ao Diretor dos Serviços de Solos e Construção Urbana uma outra prorrogação de 24 meses.
f) De acordo com as disposições da antiga Lei de Terras, a partir de 11 de Maio de 1996, a recorrente perdeu o direito de aproveitamento do terreno decorrente do contrato de concessão. Os actos ilegais da Administração referidos na causa pedir não têm qualquer relação com o peticionado pela recorrente, uma vez que estes só começaram a ocorrer após a data do pedido, em 7 de Agosto de 2003, pelo que não podiam prejudicar o direito que já se tinha extinguido.
4. Ressalvado o devido respeito pela opinião do TSI, a recorrente não concorda com os fundamentos acima expostos pelos quais o TSI indeferiu o seu pedido, pelo seguinte motivo:
5. Quanto ao ponto a) dos fundamentos, o acórdão recorrido refere que, uma vez que a concessionária não aproveitou o terreno dentro do prazo (o prazo autorizado terminou em 11 de Maio de 1996), a concessão caducou, sendo esta decisão irreversível. Não logrando a recorrente fazer anular a decisão administrativa acima referida, mesmo que não existissem outros actos administrativos alegadamente ilegais (tais como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno concedido e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On), seria difícil para ela obter os lucros esperados, pelo que não pode pedir indemnização pelos lucros cessantes esperados.
6. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a caducidade da concessão do terreno em causa não implica necessariamente a perda do direito da recorrente de efectivar a responsabilidade civil extracontratual da RAEM pelos actos administrativos ilegais desta (como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On).
7. Importa referir que, de acordo com o acórdão do TSI, processo n.º 434/2015, e o acórdão do TUI, processo n.º 62/2017, a concessão do terreno em causa foi declarada caduca por motivos imputáveis à própria recorrente, ou seja, pelo incumprimento da obrigação de aproveitamento do terreno dentro do prazo previsto no contrato.
8. A sentença que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa refere apenas «a falta do cumprimento da obrigação de aproveitamento do terreno no prazo contratualmente estipulado por motivos imputáveis à própria recorrente», mas não exclui a possibilidade de existir, para além das razões imputáveis à própria recorrente, outras causas que tenham impedido a recorrente de cumprir o dever de aproveitar o terreno no prazo estipulado no contrato, tais como os actos administrativos ilegais mencionados na petição inicial (tais como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno concedido e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On).
9. Importa saber que a caducidade da concessão decorre do incumprimento das obrigações resultantes do contrato de concessão e é o resultado do incumprimento do contrato; ao passo que a responsabilidade civil extracontratual decorre de actos ilícitos culposos cometidos pelos órgãos ou funcionários administrativos das autoridades administrativas e outras pessoas colectivas públicas da RAEM no exercício das suas funções e em razão do exercício das mesmas.
10. Portanto, não se pode confundir a responsabilidade contratual com a responsabilidade extracontratual, nem excluir a possibilidade de a recorrente efectivar a responsabilidade da Administração de acordo com a lei pelo facto de ter de arcar com as consequências do incumprimento do contrato; as duas coisas são independentes, mas podem coexistir.
11. De acordo com o conteúdo da cláusula 2ª do contrato de concessão em causa, o prazo de arrendamento do terreno em questão é de 25 anos, a contar da data de assinatura da escritura pública do contrato, podendo o prazo de arrendamento ser prorrogado sucessivamente, nos termos da legislação aplicável e das condições acordadas entre as partes, até 19 de Dezembro de 2049.
12. In casu, a recorrente exigiu indemnização pela responsabilidade civil extracontratual contra a Região Administrativa Especial de Macau com fundamentos em uma série de actos administrativos negativos, nomeadamente o atraso ou a falta de resposta por parte da Administração, antes do termo do prazo de concessão do terreno (ou seja, 26 de Outubro de 2013), ao pedido de alteração da finalidade do terreno concedido, bem como a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On.
13. O acórdão recorrido alega que a recorrente não concluiu o aproveitamento do terreno em causa dentro do prazo autorizado para o aproveitamento (ou seja, antes de 11 de Maio de 1996), o que levou à caducidade da concessão e à impossibilidade de reclamar uma indemnização pelos lucros cessantes esperados. Convém realçar que, a declaração de caducidade da concessão do terreno em causa se baseia no disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º da Lei n.º 10/2013, aplicável por remissão do artigo 215.º, n.º 3, da mesma lei.
14. A Lei n.º 10/2013 entrou em vigor em 1 de Março de 2014, sendo a sua aplicação ao terreno em causa baseada nas disposições finais e transitórias previstas no seu artigo 215.º, relativas às concessões provisórias concedidas antes da sua entrada em vigor.
15. A recorrente não podia prever a existência da Lei n.º 10/2013 antes da sua entrada em vigor, muito menos que essa lei iria considerar a não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo autorizado para tal como motivo para a caducidade da concessão provisória.
16. De facto, antes da existência e entrada em vigor da Lei n.º 10/2013, a lei aplicável ao terreno em causa era a Lei n.º 6/80/M, que apenas previa a caducidade das concessões provisórias no artigo 166.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2.
17. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M, a Administração pode declarar a caducidade da concessão provisória em duas situações: primeiro, falta do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais; segundo, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º.
18. Porquanto a cláusula 13ª do contrato de concessão do terreno em causa não estipula que a concessão provisória caduque quando se verificar falta do aproveitamento do terreno, por parte da concessionária, nos prazos e termos contratuais, então, a concessão provisória só pode ser declarada caduca quando decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º da Lei n.º 6/80/M.
19. De facto, antes de a concessão em causa ter sido declarada caduca pelo Chefe do Executivo ao abrigo da Lei n.º 10/2013, a autoridade administrativa não notificou a recorrente da multa agravada nos termos do n.º 3 do artigo 105.º da Lei n.º 6/80/M. Portanto, apesar de a recorrente não ter concluído o aproveitamento do terreno antes de 11 de Maio de 1996, uma vez que a Administração não lhe aplicou qualquer multa pelo respectivo facto, a recorrente não podia prever, após 11 de Maio de 1996, que a Administração iria declarar a caducidade da concessão provisória do terreno em questão.
20. Nestas circunstâncias, embora a recorrente não tenha concluído o aproveitamento do terreno em causa antes do termo do prazo, 11 de Maio de 1996, como poderia a recorrente prever, antes da existência e entrada em vigor da Lei n.º 10/2013, que, 17 anos depois, a lei consideraria a não conclusão do aproveitamento do terreno dentro do prazo de aproveitamento como fundamento para a caducidade da concessão provisória?
21. De acordo com o artigo 11.º do Código Civil, antes da existência e entrada em vigor da Lei n.º 10/2013, a lei aplicável ao terreno em causa era a Lei n.º 6/80/M.
22. Assim, como é que o acórdão recorrido pode presumir, com base na Lei n.º 10/2013, que só entrou em vigor em 1 de Março de 2014, que a recorrente tinha conhecimento, aquando do termo do prazo em 11 de Maio de 1996, de que 19 anos depois (30 de Maio de 2015 – data do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno), a concessão do terreno seria declarada caduca pela não conclusão do aproveitamento dentro do prazo concedido para tal.
23. Além disso, mesmo que a caducidade da concessão tenha por fundamento a não conclusão do aproveitamento do terreno em questão antes de 11 de Maio de 1996, importa saber que a Lei n.º 10/2013 não confere efeito retroativo à caducidade, ou seja, a concessão provisória do terreno em causa caducou em 30 de Maio de 2015, e não em 11 de Maio de 1996.
24. Acresce que, de acordo com o contrato de concessão do terreno em questão, o prazo da concessão provisória do terreno terminava em 26 de Outubro de 2013, e o prazo de arrendamento estipulado podia ser prorrogado sucessivamente até 19 de Dezembro de 2049, de acordo com a legislação aplicável e as condições acordadas entre as partes.
25. Por conseguinte, antes da declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, a recorrente continuava a ser a concessionária do terreno, tendo o direito de exercer, na qualidade de concessionária, os direitos que lhe eram conferidos pelo contrato de concessão, mesmo que o prazo de aproveitamento do terreno tivesse terminado em 11 de Maio de 1996.
26. Ou seja, a recorrente ao apresentar pedido à autoridade administrativa antes da declaração de caducidade da concessão provisória estava a exercer legalmente os direitos conferidos pelo contrato de concessão, e a Administração estava obrigada a responder ao pedido da recorrente.
27. Por conseguinte, o acórdão recorrido não devia indeferir o pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual da recorrente com base na declaração de caducidade da concessão do terreno em 30 de Maio de 2015.
28. O acórdão recorrido, ao negar provimento aos pontos b), c) e f) dos fundamentos da recorrente, refere que, de acordo com a antiga lei, ou seja, o artigo 166.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da Lei n.º 6/80/M, a Administração pode declarar imediatamente a caducidade da concessão no caso de impossibilidade da conclusão do aproveitamento no prazo contratual por causa imputável ao concessionário, e os chamados actos ilegais da Administração não violaram nenhum direito subjectivo da recorrente, em particular o direito de aproveitar o terreno concedido, uma vez que, desde 11 de Maio de 1996, a recorrente deixou de ser o titular do direito subjectivo de utilização do terreno.
29. Tal como atrás referido, tendo em conta o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M e na cláusula 13ª do contrato de concessão do terreno em causa, uma vez que o referido contrato não estipula que a falta do aproveitamento do terreno por parte da concessionária nos prazos e termos contratuais leve à declaração de caducidade da concessão provisória, então, a concessão provisória só pode ser declarada caduca quando decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º da Lei n.º 6/80/M.
30. Na verdade, antes de a concessão em causa ter sido declarada caduca pelo Chefe do Executivo ao abrigo da Lei n.º 10/2013, a autoridade administrativa não notificou a recorrente da multa agravada nos termos do n.º 3 do artigo 105.º da Lei n.º 6/80/M. Portanto, apesar de a recorrente não ter concluído o aproveitamento do terreno antes de 11 de Maio de 1996, uma vez que a Administração não lhe aplicou qualquer multa pelo respectivo facto, a recorrente não podia prever, após 11 de Maio de 1996, que a Administração iria declarar a caducidade da concessão provisória do terreno em questão.
31. Não se pode deixar de sublinhar que a caducidade da concessão provisória do terreno em causa foi declarada pelo Chefe do Executivo em 30 de Maio de 2015, nos termos das disposições da Lei n.º 10/2013, e não nos termos da Lei n.º 6/80/M.
32. Mesmo que a caducidade da concessão tenha por fundamento a não conclusão do aproveitamento do terreno em questão antes do decurso do prazo em 11 de Maio de 1996, importa saber que a Lei n.º 10/2013 não confere efeito retroativo à caducidade, ou seja, a concessão provisória do terreno em causa caducou em 30 de Maio de 2015, e não em 11 de Maio de 1996.
33. Por conseguinte, antes da declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, a recorrente continuava a ser a concessionária do terreno, tendo o direito de exercer, na qualidade de concessionária, os direitos que lhe eram conferidos pelo contrato de concessão, podendo mesmo, após decorrido o prazo da concessão provisória, negociar com a Administração a prorrogação sucessiva do prazo de concessão provisória até 19 de Dezembro de 2049, embora o prazo de aproveitamento do terreno tenha terminado em 11 de Maio de 1996.
34. O acórdão recorrido, na parte em que negou provimento aos pontos d) e e) dos fundamentos da recorrente, refere que, se o concessionário não conseguir concluir o aproveitamento dentro do prazo previsto, mas ainda tiver a intenção de continuar a executar a concessão, deverá pedir uma prorrogação ou obter um novo prazo de aproveitamento antes do termo do respectivo prazo; e, a recorrente tinha a obrigação de concluir o aproveitamento do terreno em causa antes de 11 de Maio de 1996, todavia, o aproveitamento nem sequer se iniciou até ao fim desse prazo. Embora a recorrente tenha referido, na resposta ao ofício n.º 181/6038.2/SOLDEP/96, que o atraso do projecto se devia a dificuldades nas actividades imobiliárias, é de assinalar que só em 7 de Agosto de 2003, ou seja, sete anos após o termo do prazo, é que a recorrente pediu ao Diretor dos Serviços de Solos e Construção Urbana uma outra prorrogação de 24 meses.
35. Tal como se referiu anteriormente, de acordo com a antiga Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M), o termo do prazo de aproveitamento do terreno em causa não implica necessariamente a caducidade da concessão provisória do mesmo, apenas podendo a Administração declarar a caducidade quando tiver decorrido o prazo do pagamento da multa sem a ter sido paga. Antes de a autoridade administrativa declarar a caducidade da concessão provisória do terreno em causa, a referida concessão provisória continua válida. Além disso, o prazo da concessão provisória do terreno em causa terminou em 26 de Outubro de 2013, e podia ser prorrogado sucessivamente até 19 de Dezembro de 2049 desde que se reúnam as condições exigidas.
36. Por conseguinte, mesmo que a recorrente não tenha concluído o aproveitamento do terreno em causa antes de 11 de Maio de 1996, antes de a autoridade administrativa declarar a caducidade da concessão provisória do terreno, nada impede a recorrente de, na qualidade de concessionária, explicar à Administração os motivos da não conclusão do aproveitamento e apresentar outros pedidos, desde que os mesmos sejam formulados antes do termo do prazo da concessão provisória (ou seja, 26 de Outubro de 2013).
37. Refere-se no acórdão recorrido que, de acordo com as disposições da antiga Lei de Terras, a partir de 11 de Maio de 1996, a recorrente perdeu o direito de aproveitamento do terreno decorrente do contrato de concessão. E os actos ilegais da Administração referidos na causa pedir não têm qualquer relação com o peticionado pela recorrente, uma vez que estes só começaram a ter lugar após a data do pedido, em 7 de Agosto de 2003, pelo que não podiam prejudicar o direito que já se tinha extinguido.
38. Cumpre reiterar que a caducidade da concessão provisória do terreno em causa tem por fundamento a Lei n.º 10/2013 e não a Lei n.º 6/80/M. Embora a recorrente não tenha concluído o aproveitamento do terreno até 11 de Maio de 1996, ela continuava a ser, antes do termo do prazo da concessão provisória (ou seja, 26 de Outubro de 2013), a concessionária do terreno, uma vez que a referida concessão provisória não tinha sido declarada caduca antes do decurso do prazo da concessão provisória do terreno, pelo que a recorrente ainda podia, antes de 26 de Outubro de 2013, pedir à autoridade administrativa a alteração e prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno na qualidade de concessionária.
39. Se a Administração não declarar oportunamente a caducidade da concessão do terreno com base no decurso do prazo de aproveitamento do terreno, o direito da recorrente de aproveitar o terreno não se extingue pelo mero facto de falta de aproveitamento do terreno após o decurso do prazo de aproveitamento.
40. Por conseguinte, todos os actos ilícitos da Administração referidos na causa de pedir têm nexo de causalidade directo com o peticionado pela recorrente.
41. Pelo exposto, a decisão recorrida padece, parcialmente, do vício de errada interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto no artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Juízes do TUI doutamente suprirão, pede respeitosamente que seja concedido provimento ao presente recurso, com o reenvio do processo ao TJB para novo julgamento.
(…)”; (cfr., fls. 758 a 776 e 4 a 7-v do Apenso).

*

Oportunamente, respondeu a entidade recorrida – REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU – pugnando pela improcedência do recurso e alegando o que segue:

“(…)
II.
II.1.
Em traços gerais podemos dizer que a presente acção foi instaurada com vista à efectivação de uma alegada, mas inexistente, responsabilidade civil extracontratual da Recorrida.
Segundo a Recorrente, tal responsabilidade resultaria de actuações e omissões da Administração que teriam provocado a inviabilização do aproveitamento do terreno que lhe havia sido concedido por arrendamento, sendo que com a declaração de caducidade dessa concessão, a Recorrente teria sofrido a perda do direito de obtenção dos benefícios patrimoniais resultantes do aproveitamento do terreno concedido.
Vejamos.
II.2.
De acordo com o artigo 2.º no Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, a «Administração da Região Administrativa Especial de Macau e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício».
Esclarecendo-se no n.º 1 do artigo 7.º do referido diploma legal que, «[a] ilicitude consiste na violação do direito de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger os seus interesses».
Daqui resulta que, à luz da nossa lei, a afirmação da ilicitude depende da existência de uma violação de direitos subjectivos e de outras posições jurídicas subjectivas que justifiquem o pagamento de uma indemnização (é também neste sentido, a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância: veja-se o Ac. do TSI de 25.07.2013, proc. n.º 237/2008).
E é isso que, como vimos, a Autora alega: que a actuação da Administração teria violado o seu direito resultante da concessão por arrendamento do lote de terreno aqui em causa.
No entanto, salvo o devido respeito, a Recorrente labora em manifesto erro, como muito bem decidiram as Instâncias.
II.3.
A Recorrente não era titular do direito subjectivo que alega ter sido violado pelas concretas actuações da Administração por si alegadas, nomeadamente, a Recorrente não tinha na sua esfera jurídica o direito de aproveitar o terreno concedido por arrendamento.
II.3.1.
Como muito bem se decidiu no douto acórdão recorrido, a Administração, através de acto administrativo praticado pelo Chefe do Executivo, declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com fundamento em falta de aproveitamento deste imputável à Recorrente.
Esse acto administrativo foi objecto de recurso contencioso que foi julgado improcedente por douta decisão do Tribunal de Segunda Instância proferida no processo que aí correu termos sob o n.º 434/2015, a qual, por sua vez, foi confirmada pelo Tribunal de Última Instância por douto acórdão tirado no processo n.º 62/2017.
Significa isto, portanto, que ficou definitivamente consolidado na ordem jurídica o referido acto declarativo da caducidade da concessão e, portanto, a extinção desta, por referência ao momento – 11 de Maio de 1996 - em que se consumou o incumprimento imputável à Recorrente que se consubstanciou na falta do aproveitamento do terreno, sendo irrelevante, a este propósito, o momento em que foi declarada a referida caducidade.
Deste modo, resulta manifestamente inviável pretender o ressarcimento de quaisquer danos, sejam danos emergentes sejam lucros cessantes, com base na violação de um direito ao aproveitamento do terreno emergente de tal concessão.
II.3.2.
Além disso, como a douta decisão recorrida também assinalou, importa atentar no seguinte: os factos que a Recorrente alegou como sendo factos ilícitos da Administração tomam como referência um quadro temporal em que, independentemente da declaração de caducidade, na sua esfera jurídica, já não se encontrava o direito de aproveitar o terreno.
II.3.2.1.
Com efeito, no quadro da anterior Lei de Terras, a Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras/1980) na vigência da qual teve lugar a concessão por arrendamento aqui em causa, entre as diversas formas de disposição daquilo a que se chamavam os terrenos vagos, previa-se a concessão por arrendamento [artigo 29.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 6/80/M], a qual podia ter por objecto terrenos urbanos ou de interesse urbano [artigo 30.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 6/80/M].
Todavia, da Lei de Terras/1980 não decorria claramente qual o conteúdo do direito que para o concessionário resultava de tal concessão por arrendamento de terrenos.
Foi o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26 de Dezembro, que veio estabelecer que «o direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano abrange poderes de construção ou transformação, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas se mantêm na propriedade do concessionário ou subconcessionário até expirar o prazo do arrendamento ou subarrendamento ou enquanto este não for rescindido; expirado o prazo ou operada a rescisão aplica-se o regime de benfeitorias consignado na Lei de Terras».
Com evidente inspiração na figura do direito de superfície (artigo 1417.º do Código Civil), definiu-se, pois, o conteúdo do direito do concessionário por arrendamento de terrenos por referência a diferentes poderes, embora complementares entre si. Por um lado, o poder de construir e, por outro lado, o poder de, uma vez concluída a construção, manter no terreno as construções efectuadas, as quais, por sua vez, se manteriam na propriedade do concessionário enquanto se mantivesse a concessão.
O poder do concessionário de construir no terreno que lhe fosse concedido por arrendamento estava, naturalmente, sujeito às exigências decorrentes das normas gerais de direito administrativo que lhe são aplicáveis, nisto não se distinguindo a sua posição da de um proprietário pleno de um terreno.
O exercício do poder de construir que integra o conteúdo do direito do concessionário, nos termos que expressamente resultavam do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 51/83/M, estava vinculado ao fim e sujeito aos limites consignados no título constitutivo da concessão.
A vinculação ao fim da concessão significava que a construção a efectuar no terreno concedido só podia ser feita para a finalidade consignada no contrato de concessão.
Quanto aos limites, eles eram de uma dupla natureza: por um lado, limites quanto ao modo do aproveitamento (por exemplo, a definição do número de pisos ou das áreas brutas de construção) e, por outro lado, limites quanto ao prazo do aproveitamento.
Portanto, à luz do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 51/83/M, o poder de construir no terreno concedido, que integra o direito do concessionário resultante da concessão por arrendamento não podia ser exercido para fim diferente do constante do título constitutivo nem fora dos limites que nesse título se definem, já que se encontrava sujeito a tais fim e limites.
Tendo em vista permitir acomodar aquelas exigências a alterações que, depois de efectuada a concessão, viessem a revelar-se necessárias ou convenientes, a Lei de Terras/1980 continha na sua previsão mecanismos tendentes a possibilitar ao concessionário aproveitar o terreno em termos diversos dos constantes do título constitutivo.
Assim, no seu artigo 107.º, a Lei de Terras/1980 previa a alteração da finalidade e a modificação do aproveitamento do terreno, ali se estabelecendo que estavam sujeitas a autorização do Governador (leia-se: Chefe do Executivo), o qual apreciava discricionariamente o pedido formulado pelo concessionário tendo em consideração as circunstâncias enumeradas nas diversas alíneas do n.º 2 daquele artigo 107.º.
Quanto ao prazo do aproveitamento, a Lei de Terras/1980 não continha nenhuma disposição expressa que regulasse as situações em que, findo o prazo do aproveitamento, este estivesse por concluir.
No entanto, do n.º 1, alínea a) e do n.º 2 do respectivo artigo 166.º, decorria que as concessões provisórias caducavam quando, por razões imputáveis ao concessionário, o terreno concedido não fosse aproveitado nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º daquela Lei.
Daqui resultava para o concessionário interessado em prosseguir com o aproveitamento do terreno que não o tivesse concluído no prazo fixado, o ónus procedimental de requerer a prorrogação do prazo antes da respectiva consumação ou a concessão de um novo prazo de aproveitamento, caso o anterior se tivesse esgotado, ficando o deferimento dessa pretensão dependente da demonstração de que o incumprimento da obrigação de aproveitar o terreno se tinha ficado a dever a motivos que lhe não eram imputáveis.
Formulado o pedido de prorrogação ou de concessão de novo prazo, cabia ao Chefe do Executivo apreciar se o incumprimento daquela obrigação dentro do prazo contratualmente fixado era ou não imputável ao concessionário e decidir pela prorrogação do prazo ou pela declaração de caducidade.
Essa decisão do Chefe do Executivo, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 60/99/M, de 18 de Outubro, teria de ser antecedida de parecer da Comissão de Terras, dado que o respectivo deferimento implicava uma apreciação sobre o cumprimento, por parte do concessionário, da sua obrigação de aproveitamento do terreno e sobre a imputabilidade do respectivo incumprimento.
Indispensável, em todo o caso, era que o concessionário formulasse o referido pedido de prorrogação ou de fixação de um novo prazo de aproveitamento, porquanto estava em causa uma posição jurídica subjectiva do particular de conteúdo pretensivo que é procedimentalmente conformada, uma vez que a respectiva definição jurídica depende da emissão de um acto administrativo (veja-se, sobre isto, em geral, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, A Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, p. 119).
II.3.2.2.
Revertendo à situação em apreço, entende a Recorrida que, com a celebração do contrato de concessão por arrendamento do terreno aqui em discussão, a Recorrente passou a ser titular de um direito que abrangia o poder de construir no terreno que lhe foi concedido, nos termos e com os limites decorrentes do contrato de concessão.
Ademais, a Recorrente ficou também sujeita ao dever de efectivar esse aproveitamento no prazo de 18 meses contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho, ou seja, a partir de 27 de Outubro de 1988, depois prorrogado, em 11 de Maio de 1994, por mais 24 meses a contar desta última data.
Sucede, porém, que a Recorrente não aproveitou o terreno dentro do prazo fixado para esse efeito.
Na verdade, em 11 de Maio de 1996, data em que aquele prazo se exauriu, o aproveitamento do terreno não se mostrava sequer iniciado, de tal modo que, com esse fundamento, e com base no incumprimento do contrato de concessão por parte da Recorrente, o Chefe do Executivo declarou a caducidade dessa concessão.
Em razão de tal falta de aproveitamento do terreno e tendo em conta o regime resultante da Lei de Terras/1980, não podem existir dúvidas, crê a Recorrida, de que, a partir de 11 de Maio de 1996, o direito da Recorrente resultante da concessão do terreno aqui em causa deixou de integrar no seu conteúdo o poder de construir.
Com efeito, essa construção, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 51/83/M, só podia ser feita nos limites do título constitutivo da concessão, incluindo, como se viu, os limites temporais do aproveitamento que desse título resultam e no caso esse limite temporal foi atingido sem que tivesse havido a concretização do aproveitamento.
Salvo o devido respeito, não tem fundamento jurídico, por isso, a afirmação da Recorrente (veja-se, por exemplo as conclusões 25 e 33 das doutas alegações de recurso) de que, depois de 11 de Maio de 1996, tinha ou continuava a ter direito ao aproveitamento do terreno, nomeadamente o direito de nele construir.
Bem pelo contrário. Aquilo que, com segurança, se pode afirmar é que a Autora, a partir daquela data, deixou de ser titular do direito subjectivo de construir no lote de terreno aqui em causa.
Assim, no período temporal relevante, a Administração não lesou nem pode ter lesado qualquer direito subjectivo da Recorrente, seja o direito a construir no terreno concedido seja o direito a obter um novo prazo de aproveitamento, pela simples, mas incontornável razão, de que tais direitos não integravam a sua esfera jurídica desde 11 de Maio de 1996.
Por isso, salvo melhor opinião, crê a Recorrida ser inviável, face ao disposto nos artigos 2.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, fundar na violação de tais inexistentes direitos, a ilicitude de qualquer conduta da Administração, tendo em vista a efectivação da respectiva responsabilidade civil.
(…)”; (cfr., fls. 781 a 785-v).

*

Adequadamente processados, vieram os autos a esta Instância, e, nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Administrativo foram dados como “provados” os factos seguintes:

“- A Autora A, é uma sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXX(SO), que se dedica ao negócio de fabrico e comercialização de pavimentos, revestimentos e outros produtos cerâmicos, bem como de fomento imobiliário (conforme o doc. 1 junto da petição inicial a fls. 55 a 66 dos autos).
- A Autora foi titular de uma concessão por arrendamento de um terreno, com a área de 7,000 m2, designado por lote “D”, situado na zona de Pac-On, na ilha da Taipa, destinado à instalação de uma fábrica de pavimentos e revestimentos cerâmicos de barro vermelho (conforme o doc. 2 junto da petição inicial a fls. 67 a 70 dos autos).
- A dita concessão por arrendamento foi autorizada, com dispensa de hasta pública, pelo Despacho n.º 88/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 43, 2.º Suplemento, de 27/10/1988 (idem).
- Fixou-se, no referido contrato de concessão, a cláusula segunda – Prazo do arrendamento, com o seguinte teor:
“1. O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do presente contrato.
2. O prazo do arrendamento, fixado no número anterior, poderá, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.” (ibidem)
- E a cláusula terceira – Aproveitamento e finalidade do terreno, tem o seguinte teor:
“O terreno será aproveitado com a construção de um edifício térreo com mezanine, afectado à indústria de fabrico de pavimentos e revestimentos cerâmicos, a explorar directamente pelo segundo outorgante.” (ibid.)
- E além disso, a cláusula quinta – Prazo de aproveitamento, tem o seguinte teor:
“1. O aproveitamento do terreno deverá operar-se no prazo global de 18 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho que autoriza o presente contrato.
2. Sem prejuízo do estipulado no número anterior, o segundo outorgante deverá, relativamente à apresentação dos projectos, observar os seguintes prazos:
a) 30 (trinta) dias, contados da data da publicação do despacho mencionado no número anterior, para a elaboração e apresentação do anteprojecto de obra (projecto de arquitectura);
b) 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data da notificação da aprovação do anteprojecto de obra, para a apresentação e elaboração do projecto de obra (projecto de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais);
c) 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto da obra, para o início das obras.
3. Para efeitos do cumprimento dos prazos referidos no número anterior, os projectos só se considerarão efectivamente apresentados, quando completa e devidamente instruídos com todos os elementos.
4. Para efeitos da contagem do prazo referido no n.º 1 desta cláusula, entender-se-á que, para a apreciação de cada um dos projectos referidos no n.º 2, os Serviços competentes observarão um prazo de 60 (sessenta) dias.
5. Caso os Serviços competentes não se pronunciem no prazo fixado no número anterior, o segundo outorgante poderá dar início à obra projectada 30 (trinta) dias após comunicação por escrito à DSOPT, sujeitando, todavia, o projecto a tudo o que se encontra disposto no RGCU ou quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele RGCU, com excepção da falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensa o segundo outorgante da apresentação do respectivo projecto de obra.” (ibid.)
- Por carta enviada ao então governador de Macau em 29/11/1989, a Autora requereu a construção do maior número de pisos com finalidade industrial destinados a serem comercializados (cfr. doc. n.º 1 junto da contestação de fls. 298 a 311 dos autos).
- Em 02/02/1991 a Autora formalizou o referido pedido para a alteração da volumetria do edifício de 1 piso para 6 pisos ao então Governador, pedindo a revisão da concessão do terreno (idem).
- Por despacho do então Secretário-adjunto para os Transportes e Obras Públicas n.º 43/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial n.º 19, II Série, de 11/5/1994, foi deferido o pedido formulado pela Autora com a autorização da modificação do aproveitamento do contrato (cfr. doc. n.º 4 junto da petição inicial de fls. 73 a 75 dos autos).
- Como tal, a cláusula terceira - Aproveitamento e finalidade do terreno - do contrato passou a ter o seguinte teor:
“1. O terreno é aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 (seis) pisos, ficando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de pavimentos e revestimentos cerâmicos, a explorar directamente pelo segundo outorgante.
2. O edifício, referido no número anterior, é afectado às seguintes finalidades de utilização:
Indústria (para uso próprio): parte do rés-do-chão, com a área de 6 334 m2;
Indústria (para venda): do 1.º ao 5.º piso, com área de 34 488 m2;
Estacionamento: parte do rés-do-chão, com a área de 542 m2.” (idem).
- Além disso, por força da revisão introduzida pelo referido Despacho,
“O prazo de aproveitamento de 18 (dezoito) meses, estabelecido na cláusula quinta do contrato de concessão, a que se refere o Despacho n.º 88/SAOPH/88, publicado no 2.º suplemento ao Boletim Oficial n.º 43/88, de 27 de Outubro, é prorrogado por mais 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titula a presente revisão.”, conforme se prevê no artigo terceiro do Despacho.
- A Autora apresentou em 11/05/1994, sob o registo n.º T-2576, um projecto de arquitectura, o qual não chegou a ser aprovado pela DSSOPT que, através do ofício n.º 4855/DURDEP/2003, de 02/09/1994, a informou de que deveria dar cumprimento às exigências ali mencionadas (cfr. o doc. 5 junto da petição inicial de fls. 76 a 111 dos autos).
- Em 19/10/1994, a Autora solicitou ao director da DSSOPT a autorização do pagamento do prémio em várias prestações, devido à sua situação temporária de falta de liquidez pela recessão económica verificada em Macau (cfr. doc. n.º 6 junto da petição inicial de fls. 113 a 114 dos autos).
- Não tendo ainda verificado o início do aproveitamento do terreno, o director da DSSOPT solicitou informações à Autora através do ofício n.º 181/6038.2/SOLDEP/96 de 15/03/1996 (cfr. doc. n.º 3 junto da contestação de fls. 317 dos autos).
- Em resposta do ofício n.º 181/6038.2/SOLDEP/96, a Autora informou que o atraso do projecto deve-se às dificuldades existentes no domínio da actividade imobiliária (cfr. doc. 8 junto da petição inicial de fls. 116).
- Em 7/8/2003, por requerimento registado com a entrada n.º T-3092, a Autora requereu ao director da DSSOPT a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 24 meses, devido aos prejuízos provocados pela grave crise do mercado imobiliário (cfr. doc. n.º 9 junto da petição inicial de fls. 119 a 120v e 131 dos autos).
- Em 9/6/2008, por requerimento registado com a entrada n.º T-4084, a Autora requereu ao director da DSSOPT a alteração da finalidade do terreno, com um pedido de aprovação do estudo prévio de arquitectura da obra para construção de um edifício com 59 pisos (cfr. doc. n.º 16 junto da petição inicial de fls. 121 e 130 e verso dos autos).
- Por decisão de concordância do director da DSSOPT datada de 29/07/2008, sobre a informação n.º 343/DPU/2008 de 28/07/2008, foi considerado que o estudo prévio apresentado pela Autora não era passível de aprovação por não satisfazer as condições estabelecidas pelo Despacho n.º 43/SATOP/94 nem os requisitos estabelecidos na Planta de Alinhamento Oficial (PAO) emitida em 2006 (cfr. doc. n.º 18 junto da petição inicial de fls. 135 e verso dos autos).
- Por ofício n.º 393/6038.04/DSODEP/2011 datado de 31/05/2011, a DSSOPT solicitou à Autora para apresentar toda a informação a fim de esclarecer a situação de incumprimento quanto à finalidade e aproveitamento do terreno, sob pena de ser desencadeado o processo de declaração de caducidade ou de rescisão do contrato de concessão do terreno caso não haver resposta ou as justificações do não cumprimento do contrato não forem aceites. (cfr. doc. n.º 24 junto da petição inicial de fls. 146 a 147 dos autos).
- Por Despacho do Chefe do Executivo, de 30/3/2015, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 34/2015, publicado no Suplemento do Boletim Oficial n.º 14, II Série, de 8/4/2015, foi declarada a caducidade da concessão do terreno, com o seguinte teor:
“Considerando que a sociedade «A», com sede em Macau, na [Endereço], registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXX (SO) a folhas XXX do livro CX, é titular do direito resultante da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 7 000m2, situado na ilha da Taipa, no aterro de Pac-On, lote «D», descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º XXXX a folhas XXX do livro XXXX, destinado à construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando uma parte do rés-do-chão afectada à indústria de fabrico de pavimentos e revestimentos cerâmicos, a explorar directamente pela concessionária.
Considerando que a sobredita concessionária não cumpriu com a obrigação de realizar o aproveitamento do terreno no prazo estipulado no artigo terceiro do contrato de concessão, titulado pelo Despacho n.º 88/SAOPH/88, publicado no 2.º Suplemento do Boletim Oficial de Macau n.º 43, de 27 de Outubro de 1988, revisto pelo contrato titulado pelo Despacho n.º 43/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 19, II Série, de 11 de Maio de 1994.
Considerando que as razões justificativas expostas pela concessionária na resposta à audiência escrita não lograram alterar o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão por falta de realização do aproveitamento do terreno nas condições contratualmente definidas imputável à concessionária, estando portanto preenchidos os pressupostos previstos na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º, por força do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Considerando que o prazo de arrendamento da concessão de 25 anos terminou em 26 de Outubro de 2013 e a concessão era ainda nessa data provisória pelo que não pode a mesma ser renovada porque não preenche os requisitos essenciais referidos no n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º e do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 30 de Março de 2015, exarado sobre o seu parecer de 17 de Março de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 53/2013 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 7 000 m2, situado na ilha da Taipa, no aterro de Pac On, lote «D», descrito na CRP sob o n.º XXXX a folhas XXX do livro XXXX, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contado a partir da publicação do presente despacho, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A concessionária pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da concessionária na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 16.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
31 de Março de 2015.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário.”
(conforme o doc. 33 junto da petição inicial a fls. 165 a 166 dos autos).
- Dessa decisão recorreu a Autora para o Tribunal de Segunda Instância, que veio a julgar improcedente o recurso interposto, por Acórdão n.º 434/2015, de 25/5/2017 (cfr. doc. n.º 4 junto da contestação de fls. 318 a 428 dos autos).
- Seguidamente, por Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 62/2017, de 31/1/2019 foi negado provimento ao recurso interposto do referido Acórdão do TSI (cfr. doc. n.º 5 junto da contestação de fls. 432 a 562v dos autos).
- Em 25/1/2022, a Autora intentou a presente acção no Tribunal Administrativo”; (cfr., fls. 646-v a 649-v e 741-v a 745-v).

Do direito

3. Pela A., (“A”), vem interposto o presente recurso do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que, como se deixou referido, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo que absolveu a R. do pedido de indemnização aí deduzido.

Da análise e reflexão que sobre o “decidido” e agora alegado e concluído nos foi possível efectuar, cremos que bem andaram as Instâncias recorridas, motivos não havendo para se conceder provimento ao presente recurso da ora recorrente.

Passe-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Vejamos.

In casu, após fixar a “matéria de facto” que se devia considerar como “provada”, (e que atrás se deixou transcrita), e procedendo à apreciação do pedido pela A., ora recorrente, deduzido, assim ponderou o Tribunal Administrativo:

“A presente acção indemnizatória encontra-se estruturada com base no instituto da responsabilidade extracontratual da entidade pública (RAEM e as demais pessoas colectivas públicas) pelo facto ilícito emergente no domínio dos actos de gestão pública, conforme regulado pelo DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
Segundo o que se alegou na petição inicial, o direito de indemnização que invocou à luz do seu enquadramento jurídico, decorreu da lesão do seu direito de aproveitar o terreno concedido, em consequência do conjunto de actuações ou omissões por parte da Administração - especialmente com a demora ou a falta da resposta aos pedidos sucessivamente formulados sobre alteração da finalidade de concessão, e com a alteração do plano urbanístico global para a zona de Pac On - que tinham tornado impossível a conclusão do aproveitamento dentro do prazo para tal definido e que redundavam na declaração da caducidade da concessão assim como na perda de todos os direitos que dela emergem. Concluiu formulando, com base nesta causa de pedir exposta, o pedido de ressarcimento que abrange o montante de lucros cessantes no valor de MOP 329,830,000.00 que se esperava com a conclusão do aproveitamento do terreno nos termos previstos no contrato e a consequente comercialização do edifício nele construído (conforme se salienta nos artigos 231.º a 237.º da petição inicial).
Salvo melhor opinião, entendemos que pela matéria de facto alegada e assente com base nos elementos apurados, a Autora não tem direito à indemnização nos termos invocados na petição inicial.
Vejamos em que assenta este entendimento.
Desde logo, não parece ser possível contornar, para sustentar a pretensão indemnizatória formulada, a existência de um acto administrativo praticado mediante o Despacho do Chefe do Executivo proferido em 30/3/2015, em que foi declarada a caducidade da concessão, por falta do cumprimento da obrigação de aproveitar o terreno no prazo definido no contrato de concessão, inicialmente titulado pelo Despacho n.º 88/SAOPH/88, revisto pelo contrato titulado pelo Despacho n.º 43/SATOP/94, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), sendo que a falta da realização de aproveitamento do terreno era imputável à concessionária, segundo definido nesse acto.
De mesma forma, nem seria possível ignorar que da referida decisão do Chefe do Executivo se interpôs o recurso contencioso que foi julgado improcedente com a manutenção do acto recorrido, conforme resulta do teor dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância n.º 434/2015, de 25/5/2017, e do Tribunal de Última Instância n.º 62/2017, de 31/1/2019.
Com isto quer dizer que a definição da situação jurídica externa, introduzida pelo acto administrativo caraterizado como uma estatuição autoritária da Administração segundo a noção dada pelo artigo 110.º do CPA se torna jamais discutível na ordem jurídica (A propósito da concepção do acto administrativo, veja-se Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, e além disso, o Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 28/2022, de 29/3/2023).
Mais especificando, teremos de aceitar nesta conformidade que a extinção do contrato com declaração da caducidade da concessão se encontra fundada, de modo irreversível, na verificação do pressuposto do incumprimento culposo por parte do concessionário do dever de aproveitar o terreno no prazo fixado para o efeito – isto é, no prazo de 18 meses, inicialmente estabelecido no contrato de concessão titulado pelo Despacho n.º 88/SAOPH/88, posteriormente prorrogado por mais 24 meses, contados a partir de 11/5/1994, data de publicação no Boletim Oficial do despacho n.º 43/SATOP/94 que titulava a revisão da concessão, o que tinha terminado em 11/5/1996.
Nesta medida, uma vez que a Autora não logrou obter a anulação do referido acto praticado, a hipótese de ressarcimento do lucro cessante nunca se colocaria. A referida ressarcibilidade depende, em nosso entender, apenas da demonstração de que sem a actuação administrativa ilícita ela teria, no plano hipotético, o direito de construir com a conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de concessão, à luz da directriz plasmada no artigo 556.º do Código Civil de Macau. Contudo, como é evidente, tal demonstração não podia ser feita no caso dos autos.
Recapitulando, segundo os termos definidos no acto administrativo, ocorreu o incumprimento da obrigação do concessionário de aproveitar o terreno concedido no prazo fixado até à data de 11/5/1996, evento esse obrigou a Administração a declarar a caducidade da concessão provisória, na vigência da Lei n.º 10/2013, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º, devido a “Não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais”, norma que se aplica às concessões provisórias anteriores à entrada em vigor dessa Lei, por força do artigo 215.º, alínea 3), quando “tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário”.
Assim, face à existência desse acto administrativo que não tenha sido removido por via contenciosa da ordem jurídica, seria difícil concluir que se não houvesse toda a outra apontada actuação administrativa que se reputa ilícita e consubstanciada como causa de pedir (como sucede com a alegada demora ou a falta da resposta aos pedidos sucessivamente formulados sobre alteração da finalidade de concessão, e a permanente indecisão sobre a alteração do plano urbanístico global para a zona de Pac On), a Autora teria auferido os proveitos esperados com a conclusão do aproveitamento nos termos previstos no contrato de concessão, sendo certo que a única actuação que defina a situação jurídica do interessada enquanto concessionária foi aquela decisão tomada e que por força dessa decisão, esta, no plano hipotético, nunca teria a possibilidade de aproveitar o terreno até concluir o aproveitamento.
Certo é que ao contrário do que ocorreu no caso dos autos, tal actuação ablativa por iniciativa da Administração da Ré podia ter lugar num momento mais cedo, ou seja logo após o fim do respectivo prazo sem que seja antes requerida a prorrogação deste – com base no disposto no artigo 166.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 da Lei antiga - Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, se se concluir pela falta do aproveitamento do terreno no prazo contratual, imputável à concessionária.
Neste ponto, temos por certo que a decisão administrativa, na falta da determinação do prazo para o efeito, deve ser tomada dentro do prazo razoável por modo a assegurar a respectiva celeridade, a economia e eficiência, segundo o previsto no artigo 12.º do Código do Procedimento Administrativo. Importa, porém, que a Administração apenas errou na escolha do momento da decisão, tal erro ainda que seja ostensivo, nunca gera a responsabilidade civil nos termos configurados pela Autora, por modo a conferir-lhe o direito de indemnização pela perda dos lucros cessantes peticionados.
Até aqui chegado, a pretensão indemnizatória da Autora não merece procedência.
Diríamos ainda que numa outra perspectiva, a Administração da Ré com a sua actuação alegadamente ilícita, nem sequer lesou qualquer direito subjectivo da Autora, nomeadamente, o seu direito de aproveitar o terreno concedido, uma vez que a partir de 11/5/1996, a Autora deixou de ser titular do direito subjectivo de aproveitar o terreno nos termos previstos no contrato.
O conteúdo do direito que resultava para o concessionário de concessão por arrendamento de terrenos encontra-se definido por força do artigo 1.º do DL n.º 51/83/M, de 26 de Dezembro, nos termos do qual “O direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano abrange poderes de construção ou transformação, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas se mantêm na propriedade do concessionário ou subconcessionário até expirar o prazo do arrendamento ou subarrendamento ou enquanto este não for rescindido; expirado o prazo ou operada a rescisão aplica-se o regime de benfeitorias consignado na Lei de Terras.”. (sublinhado nosso)
Ainda por força da referida norma, o exercício do direito de constituir resultante da concessão estava vinculado ao fim e sujeito aos limites consignados no respectivo título constitutivo. Interessa para o caso dos autos o limite temporal consignado no contrato de concessão, isto é o prazo fixado para o aproveitamento do terreno concedido. Quanto a isto, não obstante da falta da disposição expressa na Lei antiga – Lei n.º 6/80/M para a situação específica de não conclusão do aproveitamento no prazo fixado, a norma do artigo 166.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 dessa Lei previu a hipótese de avançar com a declaração da caducidade da concessão, em virtude da falta da aproveitamento do terreno no prazo contratual, por razões imputáveis ao concessionário.
Daí, o concessionário que não tivesse concluído o aproveitamento no prazo fixado, e mesmo assim estava ainda interessado em prosseguir com a execução da concessão, deveria requerer a prorrogação do prazo ou a concessão de um novo prazo de aproveitamento antes da respectiva expiração, fincado o deferimento desse requerimento dependente da demonstração de que o incumprimento do prazo contratual por motivo que lhe não era imputável. Sem a emissão de um acto administrativo favorável de que depende a definição jurídica do concessionário, este nunca adquiria o direito de aproveitar o terreno para além do limite temporal inicialmente fixado no contrato.
Voltamos à situação que nos ocupa, por efeito da cláusula contratual inicialmente estabelecida e depois revista, a Autora ficou sujeita ao dever de efectivar o aproveitamento no prazo prorrogado de 24 meses até 11/5/1996, como já vimos. Sucede porém que no termo desse prazo, o aproveitamento não se mostrava sequer iniciado. E apesar da resposta ao ofício n.º 181/6038.2/SOLDEP/96, mediante a qual a Autora apenas informou que o atraso do projecto se deve às dificuldades existentes no domínio da actividade imobiliária e só em 7/8/2003, já 7 anos depois do fim daquele prazo, é que se lembrou de requerer ao director da DSSOPT a prorrogação do prazo de aproveitamento por mais 24 meses.
Não podem existir dúvidas, face ao quadro normativo da anterior Lei de Terras, de que a partir da data de 11/5/1996, a Autora deixava de ter na sua esfera jurídica o direito de aproveitamento do terreno que lhe resultava do contrato de concessão celebrado. Por sua vez, todos os factos ilícitos decorrentes da Administração da Ré que integram a causa de pedir, irrelevantes para sustentar a pretensão da Autora, porque apenas começaram a verificar-se posteriormente desde a data do requerimento de 7/8/2003, sendo portanto insusceptíveis de lesar o direito que se extinguiu antes.
Eis uma razão acrescida para que a acção seja julgada improcedente.
Nesses termos ditos, só resta decidir”; (cfr., fls. 650 a 652-v e 745-v a 749).

Conhecendo do recurso que do assim decidido interpôs a dita A., ora recorrente, e confirmando, e subscrevendo, integralmente, a decisão tanto sobre a “matéria de facto” considerada provada, assim como a “justificação jurídica” para a decisão de improcedência da acção no Tribunal Administrativo proposta, consignou o Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão agora objecto do presente recurso o que segue:

“Nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, os quais por sua vez já respondem a toda a argumentação usada nas alegações e conclusões de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida”; (cfr., fls. 749).

Aqui chegados, e em face do que se deixou exposto quanto aos “fundamentos” do decidido, (assim como pelo Ministério Público, em representação da recorrida alegado), e que merece a nossa inteira concordância, muito não se mostra necessário acrescentar para se demonstrar da falta de – qualquer – razão da A., ora recorrente, pois que, atento o que “provado” está, (e que não vem impugnado, nem se mostra de alterar), imperativa se nos apresenta a “solução” dada à pretensão deduzida, que se limita a ser a justa, correcta e necessária em face do regime legal que sobre aquela matéria e pedido incide.

Vejamos.

Pois bem, percorrendo as alegações e conclusões da ora recorrente, sem esforço se conclui que volta a mesma a tentar discutir as mesmas “questões” já submetidas à apreciação do Tribunal Administrativo e Tribunal de Segunda Instância, nada de relevante (e válido) acrescentando.

Na verdade, volta a dizer, (e vale a pena aqui recordar) que “a caducidade da concessão do terreno em causa não implica necessariamente a perda do direito da recorrente de efectivar a responsabilidade civil extracontratual da RAEM pelos actos administrativos ilegais desta (como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On)”, que “A sentença que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa refere apenas «a falta do cumprimento da obrigação de aproveitamento do terreno no prazo contratualmente estipulado por motivos imputáveis à própria recorrente», mas não exclui a possibilidade de existir, para além das razões imputáveis à própria recorrente, outras causas que tenham impedido a recorrente de cumprir o dever de aproveitar o terreno no prazo estipulado no contrato, tais como os actos administrativos ilegais mencionados na petição inicial (tais como o atraso ou a falta de resposta ao pedido de alteração da finalidade do terreno concedido e a falta de decisão sobre a alteração do plano director da zona do Pac On)”, que “não se pode confundir a responsabilidade contratual com a responsabilidade extracontratual, nem excluir a possibilidade de a recorrente efectivar a responsabilidade da Administração de acordo com a lei”, que “antes da declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, a recorrente continuava a ser a concessionária do terreno, tendo o direito de exercer, na qualidade de concessionária, os direitos que lhe eram conferidos pelo contrato de concessão, mesmo que o prazo de aproveitamento do terreno tivesse terminado em 11 de Maio de 1996”, que “Se a Administração não declarar oportunamente a caducidade da concessão do terreno com base no decurso do prazo de aproveitamento do terreno, o direito da recorrente de aproveitar o terreno não se extingue pelo mero facto de falta de aproveitamento do terreno após o decurso do prazo de aproveitamento”, concluindo que “Por conseguinte, todos os actos ilícitos da Administração referidos na causa de pedir têm nexo de causalidade directo com o peticionado pela recorrente”, e que “Pelo exposto, a decisão recorrida padece, parcialmente, do vício de errada interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto no artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M”; (cfr., concl. 6ª, 8ª, 10ª, 25ª, e 39ª a 41ª).

Ora, de uma mera leitura ao que decidido foi pelo Tribunal Administrativo e Tribunal de Segunda Instância, impõe-se pois constatar, (como se deixou referido), que todos estes “argumentos” e “questões” pela ora recorrente – agora novamente – esgrimidos já foram minuciosamente escrutinados, a todos eles dando-se a “solução jurídica” que, como igualmente deixamos adiantado, se nos apresenta como a justa, correcta e necessária.

E, assim, sendo de se confirmar o decidido, e para não se estar aqui a repisar o que já foi considerado, evidente é a decisão de “improcedência” que se impõe proferir sobre o presente recurso.

Porém, (na esperança de se conseguir aliviar o inconformismo da ora recorrente quanto à sorte da sua pretensão), tem-se como oportuna uma derradeira nota.

É a seguinte.

Pois bem, diz a ora recorrente que “não se pode confundir a responsabilidade contratual com a responsabilidade extracontratual, nem excluir a possibilidade de a recorrente efectivar a responsabilidade da Administração de acordo com a lei”, (cfr., concl. 10ª), sendo obviamente verdade, pois que, (como a própria designação explicita), aquela existe quando a “obrigação” não cumprida proveio de um contrato, e esta, (a extracontratual), que é sinónimo de responsabilidade delitual, tem fonte diversa de qualquer contrato.

Daí, aliás, ter a A. proposto a “acção” que deu origem aos presentes Autos de Recurso Jurisdicional, apelidando-a de “acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual”; (cfr., a petição inicial apresentada, especialmente, a sua introdução, a fls. 2).

Porém, o certo é que (muito) pouco feliz foi tudo o que alegou na sua petição inicial para que pudesse vir a obter qualquer mérito na pretensão que apresentou, e que era de obter uma “indemnização no valor de MOP$329.830.000,00”, (e juros).

Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.

Ora bem, como se viu, invocou a A., ora recorrente, a “responsabilidade extracontratual” da R.A.E.M., citando Decreto-Lei n.° 28/91/M de 22.04, (o mesmo ocorrendo aliás com a sentença do Tribunal Administrativo).

E, nesta conformidade – certo sendo que nos termos do art. 97° do C.P.A.C., “As acções têm por objecto, designadamente, o julgamento de questões sobre: e) Responsabilidade da Administração ou dos titulares dos seus órgãos, (…) por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, (…)”, meio processual este que é de “plena jurisdição”, estando especialmente regulado nos art°s 116° e 117° do mesmo código; (sobre o tema podendo-se ver V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 296 e segs.) – afigura-se-nos, assim, essencial, passar-se a ponderar sobre os (necessários) “requisitos legais” para essa reclamada “responsabilização” e “indemnização”.

Ora, assim posta a questão, e antes de mais, cabe observar que não se pode perder de vista que em causa está uma questão de “responsabilidade civil”, que – apenas – tem lugar “quando se deve reparar um dano sofrido”; (cfr., v.g., Mário Júlio de Almeida Costa in, “Direito das Obrigações”, 12ª ed., pág. 517 e 518, podendo-se também sobre o tema, ver, v.g., R. Alarcão in, “Direito das Obrigações”, pág. 205 e segs., A. Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 518 e segs., M. Cordeiro in, “Tratado de Direito Civil Português II, Direito das Obrigações”, Tomo III, pág. 285 e segs., e, Manuel Trigo in, “Lições de Direito das Obrigações”, F.D.U.M., pág. 237 e segs.).

Com efeito, nos termos do art. 477° do C.C.M.:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Por sua vez, adequado se nos mostra de atentar que preceitua também o art. 480° do mesmo código que:

“1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

Ora, em face do assim preceituado é opinião – no mínimo – dominante (na doutrina e jurisprudência) que a “responsabilidade civil”, de acordo com a “natureza do dever jurídico violado” se pode distinguir, (como atrás se viu), em “contratual” e “extracontratual”, (delitual ou aquiliana), certo sendo ainda que, “em função da culpa”, pode também ser classificada como responsabilidade “objectiva” e “subjectiva”, consoante a vítima necessite ou não de provar a culpa do agente.

Em relação à matéria da “responsabilidade (civil) administrativa”, (e em abreviada síntese), habitual é dividir-se a evolução do seu regime em 3 períodos (essenciais): o da “irresponsabilidade”, o “civilístico” (ou misto), e o “publicista”.

O primeiro, constituindo característica dos estados absolutistas, assentava, (essencialmente), na (famosa) premissa “the King can do no wrong”, (ou seja, “o rei não erra”), pois que se considerava que sendo o Estado expressão da Lei e do Direito, não havia como considerá-lo violador da norma jurídica.

Em decorrência da evolução das relações Estado-Sociedade, surge, após a Revolução Francesa, (Séc-XVIII), a “teoria da culpa civilística”, que aplicava à responsabilidade do Estado as mesmas regras do direito privado, isto é, era necessária a culpa do agente estatal para que se configurasse a responsabilização do ente público.

Revelando-se, igualmente, insuficiente, surgiram, posteriormente, as “teorias publicistas”, onde a responsabilidade estatal passa a ser examinada sob o prisma dos princípios (próprios) do Direito Administrativo.

Nesta conformidade, reconhecendo-se que em sociedade, é inevitável a ocorrência de danos para as pessoas e o seu património, pois que, a crescente complexidade da vida, em grande parte motivada pela evolução tecnológica, multiplicou, exponencialmente, tal probabilidade – de tal modo que, como bem identificou Ulrich Beck in, “Risk Society: Towards a New Modernity”, vivemos na actualidade numa “sociedade de risco” «Risikogesellschaft»; cfr., Guimarães Osório in, “A Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração por Violação do Direito da União Europeia”, pág. 12, F.D.U.P.), e para se colmatar uma lacuna até então existente no sentido de se “definir o tipo de responsabilidade por actos ilícitos no domínio da gestão pública, de molde a proteger os legítimos interesses e direitos dos particulares e clarificar o âmbito do dever de indemnizar por parte dos sujeitos lesantes”, tutelando-se, também, “direitos ou interesses que eventualmente venham a ser lesados por factos casuais e actos administrativos legais ou materialmente lícitos” – aprovou-se, em Macau, o referido Decreto-Lei n.° 28/91/M de 22.04; (in B.O. n.° 16/1991).

De facto, ao desempenhar as suas funções, a Administração deve fazê-lo de acordo e no estrito cumprimento da “legalidade”, da “realização do interesse público”, no respeito da “igualdade” e “proporcionalidade”, da “justiça”, “imparcialidade” e da “boa fé”; (cfr., art°s 3 e segs. do C.P.A.).

Quando tal actuação provocar “dano”, deverá então ser responsabilizada reflectindo tal possibilidade uma das exigências do (próprio) “Estado Social de Direito”.

A “responsabilidade – civil – administrativa”, consiste, assim, num “conjunto de circunstâncias” das quais emerge para a Administração Pública e para os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, a “obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados a outrem no exercício da actividade administrativa”; (cfr., v.g., Marcelo Rebelo de Sousa in, “Responsabilidade Civil Administrativa – Direito Administrativo Geral”, Tomo III, Publicações Dom Quixote, pág. 11, podendo-se também ver, v.g., M. J. Rangel de Mesquita in, “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”).

Desta forma, a “responsabilidade civil pública” será uma obrigação que incide sobre uma pessoa colectiva pública de indemnizar os “danos” que tiver provocados a um particular no exercício da sua actividade.

Porém, ao se falar em “responsabilidade civil administrativa”, importa ter em conta que o uso do termo “civil” não significa que estamos em sede de “Direito Civil”.

Esta designação indica apenas que a responsabilidade em causa não é “política”, “criminal” ou “contra-ordenacional”, pretendendo-se tão só a prevenção, ou punição, de condutas que se mostrem “antijurídicas”, ou seja, que a Administração repare os “danos” que possa ter causado na esfera jurídica de um particular.

Como no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Tribunal de Última Instância de 18.01.2006, (Proc. n.° 23/2005), se teve oportunidade de considerar, em teoria, é fácil distinguir a responsabilidade civil “contratual” da “extracontratual”.

Esta última – a “extracontratual”, e aqui em causa – assenta na violação de deveres gerais de abstenção, correspondentes aos direitos absolutos, (como, v.g., o direito à vida ou o direito à integridade física).

E como se sabe, embora predomine a “responsabilidade subjectiva”, baseada na “culpa”, sancionam-se também situações excepcionais de “responsabilidade objectiva ou pelo risco”, isto é, situações independentes de qualquer dolo ou culpa da pessoa obrigada à reparação.

Pois bem, da (mera) leitura e comparação das suas respectivas normas legais, pode-se concluir que o atrás referido Decreto-Lei n.° 28/91/M – que, mantendo-se em vigor na R.A.E.M., define o “regime da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, dos seus titulares, e agentes por actos de gestão pública”, (cfr., o seu art. 1°) – tem a sua origem no então vigente Decreto-Lei de Portugal n.° 48051 de 21.11.1967, (entretanto revogado pela Lei n.° 67/2007 de 31.12 que, por sua vez, foi também alterada pela Lei n.° 31/2008 de 17.07).

Cabendo salientar que tal Decreto-Lei n.° 28/91/M colmatou uma lacuna no direito positivo que ocorreu com a publicação do então vigente Código Civil de 1966, o qual, tão só regulou a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos praticados no exercício de actividade de “gestão privada”, (cfr., art. 494° do C.C.M.), apresenta-se de ter desde já como unânime que são pressupostos da responsabilidade civil, a “ilicitude”, a “culpa”, o “dano” e o “nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (e culposo)”, sendo a verificação destes pressupostos “cumulativa”, (ou seja, bastando que um deles se não verifique, para que não exista “responsabilidade”); (cfr., v.g., e entre outros, F. Pessoa Jorge in, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 532 e segs., e M. Trigo in, “Lições de Direito das Obrigações”, pág. 249 e segs., podendo-se também ver os Acs. deste T.U.I. de 04.05.2022, Proc. n.° 101/2020, de 13.05.2022, Proc. n.° 116/2020, de 08.06.2022, Procs. n°s 93/2020 e 115/2020, de 17.06.2022, Procs. n°s 118/2020, 120/2020 e 159/2020, de 06.07.2022, Proc. n.° 102/2020 e de 19.06.2024, Proc. n.° 13/2023).

Com efeito, e como pronunciando-se sobre o aludido diploma português já teve o S.T.A. (de Portugal) oportunidade de considerar:

“O legislador faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, da verificação dos seguintes pressupostos:
a) o facto voluntário, que se traduz numa acção ou omissão da Administração praticada no exercício das funções que lhe foram cometidas pelo legislador e por causa delas;
b) a ilicitude, traduzida na violação por esse facto, do bloco de legalidade;
c) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência;
d) o dano, lesão ou prejuízo de valor patrimonial, produzido na esfera de terceiros;
e) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada, consagrado no artigo 563.º do CC”; (cfr., Ac. de 27.11.2014, Proc. n.° 1506/13, aqui citado a título de “jurisprudência comparada”).

Na verdade, e como se mostra bastante evidente, longe da verdade não estaremos se tivermos como adequado que no domínio da “responsabilidade civil extracontratual”, a formação da obrigação de indemnizar pressupõe, igualmente, a existência de um “facto voluntário ilícito” – isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal, um direito ou interesse de outrem legalmente protegido – que o mesmo seja censurável do ponto de vista ético-jurídico, ou seja, que lhe seja “imputável a título de dolo ou culpa”, implicando um “dano” ou “prejuízo reparável”, e, ainda, que exista um “nexo de causalidade adequada” entre este “dano” e aquele “facto”; (cfr., art°s 477°, n.° 1, 480°, n° 2, 556°, 557° e 558°, n.° 1, do C.C.M. que, em face do estatuído no art. 2° do referido Decreto-Lei n.° 28/91/M, se apresenta também aplicável para o caso da “Responsabilidade da Administração e demais pessoas colectiva públicas”).

No caso dos autos, independentemente do demais, não se vislumbra qual o “dano” ou “prejuízo” da A. ora recorrente.

Deduziu a mesma um “pedido de indemnização” no valor de MOP$329.830.000,00, (e juros), alegando, tão só e apenas, que seria o montante que receberia com a venda do edifício que iria, ou poderia ter construído no terreno cujo arrendamento lhe foi concessionado por despacho publicado em B.O. de 27.10.1988, (cfr., art. 236° da p.i.), mas que, como se viu, por comprovada culpa sua na falta do seu aproveitamento, foi declarado caduco por despacho de 30.03.2015, posteriormente confirmado por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 31.01.2019, (Proc. n.° 62/2017).

Ora, como se mostra evidente, e não se deixando aqui de atentar na “matéria de facto” que, nos presentes autos foi efectivamente dada como “provada”, (e que, como se viu, não vem contestada, nem se mostra de alterar), nenhum motivo existe para se considerar verificado – ou mesmo previsível – qualquer “dano” ou “prejuízo” da A., ora recorrente.

Atente-se pois que a mesma “ocupou” o terreno em questão – com a área de 7.000m2 – desde 1988, (após lhe ter sido feita a sua concessão por arrendamento), e, tanto quanto provado está, absolutamente nada aí fez, vindo, apenas, e sucessivamente, a alegar como justificação para o seu não aproveitamento no prazo acordado, “falta de liquidez pela recessão económica”, “dificuldades existentes no domínio da actividade imobiliária”, “crise no mercado imobiliário”, passando, depois, para um pedido de “alteração de finalidade”, pretendendo passar a construir um edifício de 59 pisos – onde, inicialmente, no contrato de concessão se previa um edifício com 6 pisos – que de forma bastante expectável, não foi autorizado, nada (mais) de relevante havendo da sua parte até à referida “declaração de caducidade”.

Porém, não obstante isso, (e como se fosse o mais natural do mundo), calcula – olimpicamente – a pretendida indemnização com base no valor que receberia da venda do edifício com 6 pisos cujo projecto de construção nem sequer autorizado foi…

É caso para se dizer que até se estranha que não faça o cálculo com referência ao edifício que, pelos vistos, também queria construir, com 59 pisos…

Ora, com todo o respeito, é evidente a (completa) “falta de noção da realidade” e da “justa medida das coisas”.

Por acaso, alegou – e especialmente, provou – que tinha efectiva capacidade económica e financeira para construir o que quer que seja?

Alegou – e provou – seja o que for em termos de investimentos concretamente feitos e danos e prejuízos efectivamente sofridos?

Pois bem, da matéria de facto dada como provada nada consta, nem mesmo que no terreno tenha construído uma barraca ou simples tenda…

E, então, como pretender uma indemnização de MOP$329.830.000,00 se, por (comprovada) culpa sua, nada fez no terreno que lhe foi arrendado?

É caso para se dizer que descoberta estava a forma de se conseguir indemnizações da Administração sem nada se fazer…

Dest’arte, (e parecendo-nos mesmo que se algum “prejuízo” houve, foi certamente da própria Administração da R.A.E.M. e da sua população, que se viu privada de um lote de terreno ao qual podia ter dado outro aproveitamento), patente é a falta de qualquer razão da ora recorrente, necessária sendo a improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 20 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 11 de Julho de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei
Proc. 76/2025 Pág. 28

Proc. 76/2025 Pág. 27