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Processo nº 57/2025(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 23.05.2025, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Jurisdicional a seguinte decisão sumária, (que se passa a transcrever na sua íntegra):

“Ponderando no teor da decisão recorrida, nas “questões” pelo ora recorrente colocadas, e considerando-se que a possibilidade pelo legislador conferida de se decidir sumariamente um recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, entende-se que o presente recurso deve ser objecto de “decisão sumária”; (cfr., art. 149°, n.° 1 do C.P.A.C. e art. 621°, n.° 2 do C.P.C.M., podendo-se também, v.g., ver C. Pinho in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 419, e as “decisões sumárias” proferidas nos autos de recursos jurisdicionais n°s 83/2021, 94/2021, 98/2021, 93/2021, 107/2021, 108/2021, 112/2021, 126/2021, 142/2021, 26/2022, 17/2022, 46/2022, 118/2022, 10/2023, 184/2020, 132/2022, 39/2023, 128/2022, 5/2023, 34/2023, 52/2023, 44/2022, 61/2023, 13/2024, 12/2024, 65/2023, 25/2024, 35/2024, 44/2024, 49/2024, 52/2024, 59/2024, 67/2024, 74/2024, 76/2024, 47/2024, 103/2024, 137/2024, 143/2024, 3/2025, 121/2024, 9/2025, 31/2025 e 33/2025).
*
Nesta conformidade, passa-se a decidir do presente recurso.
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Relatório

1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que lhe indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo pelo SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA praticado e datado de 21.01.2025, com o qual se decretou a sua dispensa de serviço; (cfr., fls. 58 a 65-v e 71 a 87 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Adequadamente processados os autos, com o douto Parecer do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, (cfr., fls. 106 e 106-v), e, tratando-se de um processo com a natureza de “urgente”, (cfr., art. 6°, n.° 1, al. d) do C.P.A.C.), sem mais demoras se passa a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu (essencialmente) como provado que:

- o ora recorrente é verificador de 1ª classe dos Serviços de Alfândega;
- em sede dos Procs. n°s CR2-23-0188-PCS e CR3-24-0002-PSM foi condenado por condutas criminalmente ilícitas respectivamente em pena de multa e em pena de 9 meses de prisão com execução suspensa por 2 anos;
- em 05.07.2024 foi disciplinarmente punido como 240 dias de suspensão;
- por despacho do Secretário para a Segurança de 21.01.2025 se decretou a sua (atrás referida) “dispensa de serviço”, (sendo este o acto administrativo cuja suspensão de eficácia o ora recorrente pretende), tendo esta decisão o teor seguinte:
“(…)
Por despacho do Secretário para a Segurança n.º 062/SS/2024, de 5 de Julho de 2024, foi aplicada ao interessado a pena de suspensão de 240 dias, pelo que a classificação de comportamento do interessado baixou para grau 4 em 10 de Julho de 2024, os Serviços de Alfândega instauraram, nos termos do n.º 1 do artigo 190.º da Lei n.º 13/2021 “Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança”, um procedimento administrativo para avaliar a viabilidade de manutenção do vínculo funcional.
Nos termos do artigo 189.º da Lei n.º 13/2021, caso haja indícios na história da carreira do pessoal de que este se encontra inapto por não estar em conformidade com a missão e os valores próprios da corporação ou serviço e a sua permanência possa causar inconveniência, inicia-se o procedimento de dispensa de serviço, presumindo-se, para efeitos do disposto no número anterior, que o trabalhador é inapto, inviabilizando a manutenção do vínculo funcional, quando baixe para o grau 4 a classificação de comportamento.
O disposto na alínea 3) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 5.º, na alínea 7) do n.º 2 do artigo 92.º, na alínea 11) do n.º 2 do artigo 153.º e na alínea 3) do artigo 155.º da Lei n.º 13/2021, proíbe rigorosamente os agentes das forças e serviços de segurança de consumirem álcool ou abusarem frequentemente de bebidas alcoólicas. Além disso, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 13/2021, o pessoal alfandegário deve estar munido de armas e equipamentos pessoais para o exercício das suas funções, nos termos do artigo 94.º da Lei n.º 12/2024 (Regime jurídico do controlo de armas e objectos relacionados), a posse de arma de fogo sob influência de álcool é um acto criminoso. Em conformidade com o teor da cópia da acta da audiência de julgamento do processo sumário penal n.º CR3-24-0002-PSM dos autos do Tribunal Judicial de Base, ao interessado foi diagnosticado com síndrome de dependência de álcool, sendo assim manifesta a sua inadequação para o exercício de funções de verificador alfandegário.
De entre as 24 avaliações realizadas desde o ingresso na carreira até à presente data, 13 obtiveram a classificação de 6 a 7 valores, 10 obtiveram a classificação de 7 a 8 valores e 1 obteve a menção superior a 8 valores, tendo-lhe sido atribuído o prémio de um dia de licença por mérito, havendo também o registo de duas penas disciplinares sem reabilitação.
Além disso, em relação às 7 missões de mergulho em que o interessado referiu que tinha participado no passado, o interessado não foi premiado pela sua participação nessas tarefas, e o seu desempenho já foi reflectido na sua avaliação.
Pelo exposto, não se vislumbra qualquer facto susceptível de ilidir a presunção prevista no n.º 2 do artigo 189.º da Lei n.º 13/2021.
Em 31 de Outubro de 2024, o Conselho Disciplinar dos Serviços de Alfândega procedeu à apreciação necessária nos termos da alínea 7) do n.º 1 do artigo 202.º da Lei n.º 13/2021, tendo concordado, por unanimidade, com a dispensa de serviço do interessado.
Nestes termos, usando da competência conferida pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 93/2024, o Secretário para a Segurança, nos termos do n.º 4 do artigo 190.º da Lei n.º 13/2021, determina a dispensa de serviço do interessado.
Notifique-se que do presente despacho cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias.
(…)”; (cfr., fls. 60-v a 61, e fls. 14 a 15 dos Autos de Recurso Contencioso n.° 141/2025 em apreciação no T.S.I., com tradução livre por nós efectuada).

Do direito

3. Ponderando sobre o que se deixou consignado, assim como o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido e agora alegado no presente recurso, apresenta-se-nos claro e fora de qualquer dúvida que Acórdão recorrido não merece a mais pequena censura, pois que o Colectivo a quo não deixou de cumprir (adequada e integralmente) o seu dever de “fundamentar a decisão” que proferiu, tendo especificado e elencado a factualidade que considerou relevante e que se lhe mostrava não controvertida e assente, expondo e justificando, igualmente, em termos adequados e correctos, os “motivos de direito” da sua decisão de indeferimento do pelo ora recorrente deduzido pedido de “suspensão de eficácia”.

Na verdade, e, em síntese, entendeu-se que verificados não estavam os pressupostos legais para se decidir pela procedência de pretendida suspensão de eficácia, correcto se nos mostrando pois estar o assim considerado.

Passa-se a expor o porque deste nosso entendimento.

Pois bem, nos termos do art. 189° da Lei n.° 13/2021, (“Estatuto dos Agentes das Forças e Serviços de Segurança”):

“1. Quando do histórico da vida profissional do agente resultarem indícios de inadequação profissional por não conformação com a missão e valores próprios das corporações ou dos serviços e a sua permanência se mostre inconveniente, há lugar a um procedimento tendente à sua dispensa de serviço.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, presume-se existir inadequação profissional, incompatível com a manutenção do vínculo funcional, sempre que o agente desça à «4.ª classe» de comportamento”.

In casu, foi o que sucedeu, pois que, como se viu, foi exactamente através do aludido “procedimento”, e nos seus precisos termos que se veio a determinar a “dispensa de serviço” do ora recorrente.

E, como (também) entendeu o Tribunal de Segunda Instância, apresenta-se-nos de considerar ser esta a “situação” em causa.

Com efeito, nos termos do art. 121° do citado C.P.A.C.:

“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.

E, como cremos ser sabido, o “interesse público” é, normalmente, entendido como o interesse colectivo que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o “bem-comum”.

Cremos também adequado entender-se que existe “grave lesão do interesse público” se a suspensão em questão contende com o normal funcionamento do serviço, e com a dignidade ou prestígio que o serviço deve manter perante o público em geral e perante seus funcionários em particular.

De facto, há que sublinhar, que não é qualquer “interesse público” que pode ser invocado para impedir a suspensão, designadamente, aquele que está subjacente à prática de qualquer acto administrativo, mas sim os interesses e valores específicos cuja “gravidade” (intensidade) exige a produtividade imediata do acto.

Com efeito, a emanação do acto traz à luz um conjunto de interesses qualificados como públicos que só podem ser adequadamente satisfeitos se ele for imediatamente executado.

A execução surge assim como a melhor solução possível ou o meio mais adequado a cumprir o interesse público que se pretendeu alcançar com o acto.

Todavia, o interesse público na eficácia imediata do acto não se pode presumir com a sua prática, pois que a se entender desta forma, nunca se poderia falar em suspensão na medida em que não há acto em que não esteja sempre presente um interesse público concreto.

Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia imediata do acto têm que se encontrar no “circunstancialismo” que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelas partes.

Note-se também que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do acto não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

O princípio da presunção da legalidade do acto, bem como da exactidão dos pressupostos, não pode impedir o tribunal de ponderar todos os interesses envolvidos no caso concreto, pois só desta maneira se pode valorar a gravidade e a intensidade da lesão do interesse público.

Deste modo, e como se referiu, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de “grave”, (e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente), é que se impõe a “execução imediata do acto”, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão.

Como afirma Cármen Chinchilla Marín: “o interesse público há de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos”; (in “La tutela cautelar em la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, pág. 163, podendo-se, v.g., ver também a decisão sumária de 26.11.2024 do ora relator em sede dos Autos de Recurso jurisdicional deste T.U.I. n.° 137/2024, onde se apreciou de um idêntico recurso de um Acórdão do T.S.I. que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia pelo ora recorrente apresentado da decisão que lhe aplicou a referida pena disciplinar de suspensão de 240 dias).

E, tratando-se, como se trata, de um requisito negativo e que constitui matéria de excepção, é pois à entidade requerida que cabe a alegação dos factos que corporizam e preencham o requisito em causa; (cfr., neste sentido, entre outros, Mário Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª ed., pág. 708 a 709, e Miguel Prata Roque in, “Cautelas e Caldos de Galinha? Reflexões sobre a Reforma da Tutela Cautelar Administrativa” in: “Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo – Estudos sobre a Reforma do Processo Administrativo”, pág. 593).

Ora, na situação dos presentes autos, foi o que sucedeu, (pois que perante o pedido de suspensão da eficácia do ora recorrente, deu-se observância ao estatuído no art. 126°, n.° 2 do C.P.A.C., tendo a entidade administrativa requerida reconhecido, fundamentadamente, e, por escrito, o “grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução”; cfr., fls. 28 a 29).

Ora, pronunciando-se sobre uma situação análoga de “dispensa de serviço” já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de consignar que:

“Nos termos do n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, a dispensa de serviço de um militarizado é determinada por seu mau comportamento, que demonstre a inconveniência da sua permanência nas FSM.
A dispensa de serviço é uma medida de carácter essencialmente militar que não visa a punição de determinada actuação concreta do agente, tratando-se antes de uma medida de carácter estatutário que leva em conta o “perfil” desse mesmo agente, isto é, as suas qualidades morais, cívicas e militares e a sua adequação ao serviço.
Para além do “mau comportamento”, não se encontra na norma legal em causa a referência de outros elementos, factores ou critérios relevantes que ofereçam auxílio à formação de juízo de avaliação sobre a referida inconveniência, nem se vê que o legislador exige a avaliação por parte da Administração de todo o comportamento do militarizado durante todo o tempo de serviço para formar o juízo de apreciação, indispensável para a determinação de dispensa de serviço”; (cfr., Ac. de 22.10.2021, Proc. n.° 106/2021).

E – como o disse a entidade administrativa agora recorrida; cfr., fls. 28 – a decisão em questão baseou-se na “conduta” do ora recorrente, e na sua inadequação para o exercício das suas funções de verificador alfandegário por sofrer do “síndroma de dependência alcoólica”, e, provada não estando a sua (completa) “recuperação”, entendeu-se pois que o seu regresso, ainda que temporário, causava “grave prejuízo à gestão interna dos Serviços de Alfândega”.

Nesta conformidade, em nossa opinião, e, especialmente, em face das atribuições de tais Serviços de Alfândega, (que integram os “Serviços de Segurança da R.A.E.M.”, cabendo-lhe “funções policiais relativamente ao controlo e fiscalização alfandegária”), não vemos motivos para divergir do assim entendido, evidente estando assim que a “suspensão da eficácia” da decisão da “dispensa de serviço” do ora recorrente, não deixa de causar o aludido “grave (e efectivo) prejuízo para a sua gestão, e, assim, “grave lesão do interesse público”.

Uma última nota.

Diz o recorrente que provou a sua “reabilitação”, alegando que com o seu pedido juntou um “relatório médico” elaborado em data posterior à prática do acto administrativo em questão, datado de 06.02.2025; (cfr., fls. 24).

Porém, e independentemente da sua efectiva relevância em sede dos presentes autos, (e nesta fase processual), cabe notar que certamente se olvida o dito recorrente que no mencionado relatório se consignou, expressamente, que o mesmo devia “continuar o tratamento psiquiátrico”.

Dest’arte, (e provado também não estando qualquer “prejuízo de difícil reparação” para o ora recorrente), vista está a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 110 a 117-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Notificado do assim decidido, veio o recorrente reclamar para a Conferência, afirmando que a transcrita decisão sumária padecia de vícios que identificava como sendo de:

“► Desconformidade com os factos notórios do conhecimento geral
► Violação do princípio da livre convicção sobre as provas
► Violação do princípio de humanidade
► Violação do princípio da não discriminação, emergente do princípio da igualdade
► A suspensão de execução do acto recorrido está conforme ao interesse público
► Interpretação errada do art.º 121.º n.º 1 alínea b) do CPAC”; (cfr., fls. 122 a 125-v e 3 a 6-v do Apenso).

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Adequadamente processados os autos, após douto Parecer do Ministério Público, (cfr., fls. 133 a 133-v), e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Vem o recorrente dos presentes autos reclamar da “decisão sumária” pelo ora relator proferida e que atrás se deixou (integralmente) transcrita.

Porém, sem embargo do muito respeito por opinião em sentido distinto, e, (re)ponderando nos motivos de facto e de direito da dita “decisão”, assim como nas “razões” pelo mesmo recorrente apresentadas na sua reclamação agora em questão, mostra-se evidente que não se pode reconhecer qualquer mérito à sua pretensão.

Na verdade, a decisão sumária agora reclamada (e atrás transcrita), apresenta-se clara e isenta de qualquer obscuridade ou ambiguidade, com a mesma se dando cabal resposta a todas as – verdadeiras – “questões” colocadas e que mereciam efectiva pronúncia, mostrando-se, igualmente, acertada na “fundamentação” e “solução” a que chegou, encontrando-se, aliás, em total harmonia com o entendimento que esta Instância tem vindo a assumir (nos Acórdãos já referidos) perante idênticas situações.

Vale aqui a pena consignar o que segue.

Compreende-se – e respeita-se – o inconformismo do ora reclamante, (que não aceita as considerações do Tribunal de Segunda Instância, assim como as por nós tecidas na decisão em questão).

Contudo, constata-se que o mesmo se limita a repetir, e pretender voltar a discutir, a mesma questão que já foi objecto de clara, adequada e fundamentada apreciação na decisão sumária agora reclamada, e que, em nossa opinião, como já se referiu, deu cabal resposta à sua pretensão que consistia na “suspensão de eficácia” da decisão administrativa que decretou a sua “dispensa de serviço”.

Na verdade, importa não olvidar que “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão”, (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 536), sendo também esse o entendimento deste Tribunal de Última Instância que repetidamente tem considerado que: “só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos, considerações ou razões deduzidas pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sentença”, pois que o vocábulo (legal) de “questão”, não pode ser entendido de forma a abranger todos os “argumentos” invocados pelas partes; (cfr., v.g., e entre outros, os recentes Acs. de 17.04.2024, Proc. n.° 28/2023, de 08.05.2024, Proc. n.° 12/2024-I, de 29.07.2024, Proc. n.° 17/2021, de 03.10.2024, Proc. n.° 5/2022, de 15.01.2025, Proc. n.° 137/2024-I e de 06.06.2025, Procs. n°s 59/2022 e 75/2023).

In casu, e em bom rigor, importava (apenas) saber se motivos – de “facto” ou de “direito” – existiam para se alterar o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que entendeu que “verificados não estavam os pressupostos materiais e legais para a suspensão de eficácia do referido acto administrativo”.

E, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, cremos que sem esforço se conclui que tanto o Acórdão recorrido como a decisão sumária agora reclamada são totalmente claros e assertivos relativamente a esta “matéria” e “questão”, sendo agora de acrescentar que, em nossa opinião, a presente reclamação – e o anterior recurso – apenas comprovam a manifesta falta de compreensão e de consciência por parte do ora reclamante relativamente à “gravidade” e “censurabilidade” da sua conduta.

Seja como for, adequado se mostra uma derradeira nota.

Das – confusas – alegações pelo ora reclamante apresentadas resulta apenas que, na sua opinião, devia-se considerar “recuperado”, chegando mesmo a dizer que tal se devia considerar um “facto notório”, daí extraindo – e extrapolando para – a verificação dos “vícios” que atrás se deixaram referidos e que imputa à decisão sumária reclamada.

E, nesta conformidade, cremos que evidenciado está tudo o que se deixou consignado na dita decisão sumária e que, pelos vistos, o ora reclamante apenas se preocupa em contestar, chegando (mesmo) ao ponto de citar como argumento que considera a seu favor o “princípio da humanidade”, transcrevendo na sua reclamação o seguinte trecho:

“«A Cruz Vermelha, nascida da preocupação de trazer socorros sem discriminação aos feridos nos campos de batalha, esforça-se, nas suas vertentes internacional e nacional, por prevenir e aliviar em todas as circunstâncias o sofrimento humano. A Cruz Vermelha visa proteger a vida e a saúde, mas também fazer respeitar a pessoa humana. Esta organização favorece a compreensão mútua, a amizade, a cooperação e uma paz duradoura entre todos os povos.»
O princípio de humanidade é ainda designado como o princípio essencial já que todos os outros princípios dele decorrem. Tal significa que o objectivo da Cruz Vermelha é de natureza tripla1: em primeiro lugar o princípio tem por objectivo prevenir e aliviar os sofrimentos. A acção reparadora da Cruz Vermelha é complementada por uma acção preventiva, visto que o melhor meio de lutar contra o sofrimento é impedir que ele surja. O princípio de humanidade visa em seguida a protecção da vida e da saúde e finalmente tende a fazer respeitar a pessoa através da divulgação de noções de respeito (atitude de abstenção que visa não prejudicar e poupar) e de tratamento humano (condições mínimas que permitam a uma pessoa conduzir uma vida aceitável e tão normal quanto possível).
Tal como o sublinha Jean Pictet, o princípio de humanidade consiste em definitivo simultaneamente numa moral social, num combate espiritual e sobretudo na recusa de qualquer tipo de violência através da denúncia dos males provocados pela guerra – cfr., Michel Deyra, Direito Internacional Humanitário, Procuradoria-Geral da República e Gabinete de Documentação e Direito Comparado, 2001, págs. 36 e 37”; (cfr., fls. 124).

Ora, em face do que se deixou exposto, e, sem prejuízo do muito respeito devido, (e independentemente do demais), apenas se nos mostra de consignar que a decisão sumária proferida em nada colide com o aludido “princípio” em questão, (ou com o teor da passagem que se deixou transcrita), porque com a mesma tão só e apenas se fez o que se nos apresenta constituir uma adequada e correcta apreciação da “situação fáctica” relevante, assim como uma justa e acertada aplicação do direito.

Dest’arte, nenhuma censura merecendo a decisão sumária agora reclamada, e sendo de se confirmar e de aqui se dar como integralmente reproduzida, visto está que se terá de decidir pela improcedência da presente reclamação, imperativa sendo a deliberação que segue.

Decisão

III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará o reclamante a taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 11 de Julho de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng

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Proc. 57/2025-I Pág. 11