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Processo nº 73/2025
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 11 de Julho de 2025

ASSUNTO:
- Marca
- Utilização séria
- Justo motivo para o não uso
- Caducidade da marca

SUMÁRIO:
- A expressão “utilização séria” é um conceito jurídico indeterminado, cujo preenchimento é feito através da factualidade concretamente provada.
- A apreciação do carácter sério do uso da marca deve assentar na totalidade dos factos e das circunstâncias adequados para provar a existência da exploração comercial da mesma, em especial, nos usos considerados justificados no sector económico em questão para manter ou criar partes de mercado em benefício dos produtos ou serviços protegidos pela marca, na natureza destes produtos ou serviços, nas características do mercado, na extensão e na frequência do uso da marca.
- O justo motivo para o não uso da marca depende da ocorrência de circunstâncias independentes da vontade do titular, como são os casos de força maior (guerras, catástrofes naturais, etc.), ou de medidas de autoridades públicas proibindo a produção ou a comercialização dos respectivos produtos.
- Nos termos do nº 4 do artº 232º do RJPI, “não é tomado em consideração se as diligências para o início ou reinício da utilização só ocorrerem depois do titular tomar conhecimento de que pode vir a ser requerido esse pedido de caducidade”.
- A Pandemia não constitui um justo motivo para a não utilização séria da marca por parte da Recorrente na RAEM, tendo em conta os produtos assinalados (café, chá, etc.).
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 73/2025
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 11 de Julho de 2025
Recorrente: A
Recorridas: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
B (Parte contrária)

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe da Divisão de Registo de Marcas da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que declarou a caducidade da marca N/403.
Pelo Tribunal Judicial de Base (TJB) foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Inconformada, a Recorrente interpôs o recurso para Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Em 13 de Março de 2025, o TSI negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Inconformada, a Recorrente interpôs o recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) No contexto da manutenção de uma marca registada por uso sério está previsto no artigo 231.º n.º 1 alínea c) do RJPI a excepção do justo motivo, pela qual o legislador pretende salvaguardar a marca registada quando existam causas justificativas que impede o titular a usar a sua marca registada;
b) A doutrina tem entendido como justo motivo todos os acontecimentos que não são imputáveis ao titular do registo e que impeçam ou dificultem extraordinariamente a utilização da marca no mercado;
c) A Recorrente arguiu neste processo que as limitações resultantes da Pandemia introduzidas no início de 2020 inviabilizaram qualquer deslocação entre Macau e outras jurisdições, tendo a livre circulação para o exterior de Macau sido resumida apenas a partir do final de Fevereiro-Março de 2023 - durante cerca de 3 anos;
d) Estas pesadas limitações provocaram inevitavelmente uma significativa diminuição do movimento de pessoas e da procura de produtos e serviços não essenciais à combate da Pandemia;
e) O nexo de causalidade entre a Pandemia e o uso (mitigado com a situação da Pandemia) é óbvio uma vez que todos os comerciantes foram afectados na altura, pois as limitações foram transversais a toda a economia e não podiam ser contornadas - por ninguém;
f) Como aliás reconheceu também o próprio Tribunal Judicial de Base na decisão em primeira instância – “的而且確,新冠疫情令本澳及鄰近地區的出入境受到限制,商業活動儘管受到限制但非絶對禁止。眾所周知,自2020年2月至2023年初期間,本澳商業活動因新冠疫情受到一定程度的負面影響,卻非完全停擺,貨物進出口儘管較以往繁瑣耗時但仍然持續,以確保社會得以持續運作。…”
g) Sendo de rejeitar a posição assumida, segundo a qual a Pandemia foi-muito grave e afectou toda a economia e todos os agentes económicos, mas não suficientemente grave para ser considerada justo motivo;
h) Não pode ser este o preenchimento jurisprudencial do conceito de justo motivo, tão exigente que nem em condições extremas se verifica e tão remoto que nenhum empresário o pode invocar - não foi essa a intenção do legislador ao redigir e aprovar o artigo 231 do RJPI;
i) De todo o modo, a Recorrente argumenta que, apesar do uso contínuo da marca “ ” durante a Pandemia, se for entendido que não constitui uso sério (o que a Recorrente não concede), a avaliação do uso sério tem de ser mitigada com a causa justificativa que foi presente durante a Pandemia;
j) Porque os produtos da Recorrente com a marca N/403 podem ser encontrados em diversas superfícies comerciais em Macau, com o rótulo e imagem que consta da na Resposta entregue à DSEDT;
k) E a Recorrente fez a promoção, distribuição e venda deste produto em vários países desde 2000, como comprovam os documentos que se juntam à resposta à DSEDT como Docs. 2 a 5;
l) E durante a Pandemia, a Recorrente negociou com um importador a distribuição dos seus produtos para Hong Kong e Macau, incluindo os produtos “YUAN YANG” na Classe 30, e resolveu nomear a empresa C, com sede em [Endereço], Hong Kong por um período de 5 anos, entre 2019 e 2024 (doc. Junto na Resposta à DSEDT);
m) No âmbito do qual Recorrente forneceu ao distribuidor um lote de produtos para serem comercializados em Macau, com um volume total de mais 8,5 toneladas, incluindo muitas caixas de café instantâneo sob a marca “ ” (conforme a guia de transporte junta como Doc. 1 às alegações do recurso ao Tribunal Judicial de Base);
n) Estes documentos deveriam ser suficientes para determinar que está preenchido, tanto qualitativamente como quantitativamente, a utilização efectiva e séria da marca em apreço exigido pelo n.º 5 e n.º 1 alínea c) do artigo 232.º do RJPI;
o) E caso o Tribunal entenda que o uso demonstrado não é suficiente para ser considerado haver utilização efectiva e séria no contexto da manutenção da marca registada, dúvida não resta que essa avaliação tem de ser mitigada com o justo motivo que a Recorrente enfrentou durante o período da Pandemia;
p) Ou seja, o uso da marca em apreço pela Recorrente deve considerado suficiente para efeito da alínea b) do n.º 1 do artigo 232.º do RJPI, usando um critério de uso sério mitigado com o justo motivo.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II - FACTOS PROVADOS
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
1. Em 19 de Abril de 1996, a Recorrente constituiu advogado para apresentar à então Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo de marca nº N/403, na classe de serviços 30.
2. O referido pedido foi publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 23, II Série, de 5 de Junho de 1996, e o registo foi concedido por despacho de 19 de Setembro de 1996, tendo o respectivo anúncio sido publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 6 de Novembro de 1996. Posteriormente, pediu-se renovação em 2003, 2010 e 2016, respectivamente, com a marca válida até 19 de Abril de 2024 (cfr. fls. 34 a 39 dos autos).
3. Em 6 de Março de 2023, a B, através do seu mandatário, apresentou um requerimento à DSEDT, afirmando que a Recorrente não tinha feito uma utilização séria da marca registada N/403 nos últimos 3 anos, e pedindo a declaração de caducidade do registo da marca em causa (vide fls. 40 a 43 dos autos).
4. Em 7 de Março de 2023, a DSEDT, por ofício n.º 60538/2023/DPI/DRM, notificou a Recorrente do referido pedido de declaração de caducidade, e de que podia responder ao respectivo pedido de declaração de caducidade no prazo de 2 meses a contar da recepção do ofício (cfr. fls. 43v dos autos).
5. O pedido de declaração de caducidade foi publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2023.
6. Em 7 de Julho de 2023, a Recorrente apresentou a resposta através do mandatário judicial (vd. fls. 50v a 61 dos autos).
7. Em 19 de Julho de 2023, a Entidade Recorrida concordou com o teor do Relatório n.º 376/DPI/DRM/2023 e nele proferiu despacho de recusa do pedido da marca N/403 (cfr. fls. 24 a 26v dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8. O referido despacho de recusa de registo foi publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 33, II Série, de 16 de Agosto de 2023 (vd. fls. 61v dos autos).
9. Em 18 de Setembro de 2023, a Recorrente interpôs o recurso judicial para TJB (vd. fls. 2 dos autos).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Nas suas alegações e conclusões do presente recurso jurisdicional, a Recorrente continua a insistir que houve utilização séria e efectiva da marca em crise, bem como defender que a avaliação da dita utilização séria tem de ser mitigada com a causa justificativa que foi presente durante a Pandemia.
Como é sabido, a expressão “utilização séria” é um conceito jurídico indeterminado, cujo preenchimento é feito através da factualidade concretamente provada.
Este Tribunal, por acórdão de 18/5/2022, proferido no Proc. nº 48/2022, fez um estudo profundo sobre o conceito da “utilização séria” da marca, a saber:
  “E, assim, certo sendo que a Lei, (nomeadamente, o aludido R.J.P.I.), não define – expressamente – o que se deve entender por “utilização séria de uma marca”, (e recorrendo-se então à doutrina), verifica-se que a definição mais consensual de tal “uso sério” é a de se tratar de um “uso efectivo e real”, através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva, entendendo-se, por sua vez, como “uso irrelevante”, o uso que não chega ao conhecimento dos meios interessados no mercado, considerando-se, também, que um uso (meramente) “simbólico”, “esporádico” ou em “quantidades irrelevantes”, (neste último caso, não esquecendo a dimensão da empresa e o tipo de produto ou serviço), não preenche o referido requisito do “uso efectivo”; (cfr., v.g., Luís Couto Gonçalves in, “Direito de Marcas”, pág. 175 e segs., M. Miguel Carvalho in, ob. cit., pág. 651 e segs., podendo-se também ver J. Cruz in, “Código de Propriedade Industrial”, pág. 701, onde, em nossa opinião, com razão, se prefere a expressão utilizada na legislação inglesa que se refere ao “genuine use”, e Carlos Fernández Nóvoa in, “Tratado sobre derecho de marcas”, pág. 580, que salienta que na Ley de Marcas espanhola de 2001 se prevê um “uso efectivo y real”).
Importa pois ter em conta que a “utilização séria” de uma marca deve ser uma utilização “verdadeira”, “real”, “consistente”, “empenhada”, (e, assim, “genuína”), com o objectivo (imediato) de cumprir as funções da marca na sua actividade comercial, e não apenas “simulada”, “fingida”, “enganosa”, “artificial”, ou “formal”, e com “objectivos desviados”, pois que o conceito de “utilização séria” é mais de ordem “qualitativa” que “quantitativa”: isto é, em boa verdade, é a “seriedade” da utilização que está em causa e não sua a “frequência”, (embora, a “utilização frequente”, possa ser indiciadora da seriedade, e a utilização esporádica ou acidental possa ser indiciadora da falta de tal seriedade).
   Assim, adequado se mostra de concluir que o uso da marca é “sério” se for feito em conformidade com a função essencial da marca, que é “distinguir bens de comércio” e criar-lhes uma identidade de origem comercial – sempre – perante o público relevante.
  Por sua vez, não será “sério” se for feito com outro objectivo, ainda que dissimulado, designadamente, de “conservar o registo” (apenas) para afastar terceiros do uso do sinal que compõe a marca.
  Com já se deixou consignado, importa não perder de vista que o “registo” concede um exclusivo de utilização com vista a distinguir, promover e publicitar um serviço ou produto no mercado, com o mesmo não se concedendo um “instrumento” para manter os concorrentes afastados do sinal registado, (ou um instrumento meramente especulativo), pois que os sinais distintivos (do comércio) têm de estar ao “serviço do comércio”, no (concreto) “exercício da sua função distintiva”, não podendo o registo servir de “prisão” (ou “cemitério”) de sinais ou de reserva táctica de “trunfos de especulação”; (sobre o tema, cfr., v.g., Elena de la Fuente Garcia in, “El uso de la marca y sus efectos jurídicos”, Madrid)
  Na verdade, se o titular do registo não utilizar de forma “séria” – “genuína” ou “efectiva e real” – a marca cujo registo lhe foi concedido, terá de sofrer as legais consequências, deixando de poder beneficiar da protecção do registo porque este, (decorrido o referido prazo), “caduca” para que o sinal se “liberte”: isto é, o “uso” do sinal não está na livre disposição do titular do respectivo registo.
  Dest’arte, sendo que o “uso sério” da marca é assim aquele que é feito para que a marca desempenhe a sua “função” que justifica a sua protecção através de um direito de exclusivo, (distinguir origens comerciais), exige-se, então, uma utilização “perante o público” – no caso, o consumidor da R.A.E.M. – perante o qual, deve a marca ser “exibida” para publicitar e assinalar os bens e serviços para que foi pedido o registo, (e não outros), numa utilização “íntegra” e sem “alteração essencial dos seus elementos”; (cfr., art. 232º, n.º 1, al. a) e b) do R.J.P.I.).
  Como (igualmente) se tem considerado, (e cremos nós de forma firme e pacífica):
  “O conceito “utilização séria” é composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto significa que o qualificativo “séria” só faz sentido quando apendiculado ao substantivo que pretende qualificar. A discussão em torno do conceito carece, portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto que revele uma utilização da marca (elemento a montante do conceito) e só depois se indagará se ela é séria (elemento a jusante). E a utilização deve ser feita “através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece preencher o referido requisito de uso efectivo, muito menos uma abstenção de uso”. Evidentemente, se o titular de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer precisa de apuramento sobre os elementos que possam densificar a seriedade”; (sobre a matéria, cfr., v.g., Pedro Costa Carvalho in, “A caducidade do registo da marca por falta de uso”, João F. A. Pinto Pereira Mota in, “O princípio do esgotamento do direito de marca pelo seu não uso”, e M. Miguel Carvalho in, ob. cit.).
Também o Tribunal de Justiça da União Europeia considera que “uma marca é objecto de «uso sério» quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca”, (…), acrescentando-se também (no mesmo aresto) que “A apreciação do carácter sério do uso da marca deve assentar na totalidade dos factos e das circunstâncias adequados para provar a existência da exploração comercial da mesma, em especial, nos usos considerados justificados no sector económico em questão para manter ou criar partes de mercado em benefício dos produtos ou serviços protegidos pela marca, na natureza destes produtos ou serviços, nas características do mercado, na extensão e na frequência do uso da marca”; (cfr., Ac. de 11.03.2003, Proc. n.º C-40/01, podendo-se também ver o de 19.12.2012, Proc. n.º C-149-11, onde se teve oportunidade de considerar nomeadamente que uma marca comunitária é objecto de “utilização séria”, (…), quando é utilizada em “conformidade com a sua função essencial e com vista a manter ou criar quotas de mercado na Comunidade Europeia para os produtos ou os serviços designados pela referida marca. (…)”, in “http://curia.europa.eu.”).
De facto, nesta sede, há “dois requisitos essenciais”, necessário sendo que o uso seja “comercial” e “típico”.
Exclui-se, assim, do “uso sério” da marca, (por não ser genuíno, real e efectivo), aquele que é apenas “simbólico”, “artificial”, “fictício” ou“fraudulento”, “experimental”, “preparatório”, “estritamente publicitário”, e as “test sales”, (assim como o “uso interno” ou “privado” que não se traduz na venda do produto ou serviço ao público; v.g., e citando o exemplo clássico, aquele que ocorre com a empresa que distribui produtos com uma dada marca aos seus funcionários).
  Em suma, (e como também considera M. Miguel Carvalho), o “uso sério” para efeitos de impedir uma declaração de caducidade do registo é “aquele que for real, efectivo (…) que se traduz na venda de produtos (ou na prestação de serviços) marcados, (…) e tem de respeitar aos produtos (ou serviços) para os quais a marca se encontra registada”; (in ob. cit., pág. 651 e segs.)”.
No caso em apreço, não consta da factualidade apurada pelo Tribunal a quo qualquer facto que permite concluir que houve a utilização séria da marca por parte da Recorrente.
Alega a Recorrente que tem feito a promoção, distribuição e venda dos produtos sob a marca N/403 em vários países/regiões desde 2000, mas esses vários países/regiões nenhum deles diz respeito à RAEM (cfr. docs. a fls 55v a 57v dos autos).
Diz a Recorrente que forneceu ao distribuidor um lote de produtos para serem comercializados na RAEM com um volume total de mais de 8.5 toneladas, conforme comprova o doc. a fls. 9 dos autos.
No entanto, tendo analisado o documento em questão, verifica-se que a data aposta no mesmo é de 29/7/2023, o que significa que o fornecimento de produtos ocorreu após a notificação da Recorrente do pedido da declaração de caducidade (em 7/3/2023 – facto provado nº 4), bem como depois da sua resposta à DSEDT sobre tal pedido (em 7/7/2023 – facto provado nº 6).
  Ora, nos termos do nº 4 do artº 232º do RJPI, “não é tomado em consideração se as diligências para o início ou reinício da utilização só ocorrerem depois do titular tomar conhecimento de que pode vir a ser requerido esse pedido de caducidade”.
Nesta conformidade, ainda que os produtos em causa se destinem para serem comercializados na RAEM, não é considerado para efeitos da utilização séria.
Quanto à questão de saber se a Pandemia constitui ou não justo motivo para o não uso da marca, a jurisprudência local, seguido do ensinamento do Jorge Manuel Coutinho de Abreu («Curso de Direito Comercial», Vol. I, 4ª edição, pág. 394.), tem entendido que “só constitui motivo justo para o não uso aquele motivo que não tenha permitido a uma pessoa normal, diligente e devidamente informada e cuidadosa cumprir as obrigações que impendem sobre ela. Existe justo motivo quando o não uso não provém da vontade do titular do registo, nem lhe é imputável a título de mera culpa. Dito de outra forma, o justo motivo para o não uso da marca depende da ocorrência de circunstâncias independentes da vontade do titular, como são os casos de força maior (guerras, catástrofes naturais, etc.), ou de medidas de autoridades públicas proibindo a produção ou a comercialização dos respectivos produtos” (Ac. do TSI, de 22/5/2014, Proc. nº 39/2014).
Ao nível da jurisprudência comparada, a Relação de Lisboa de Portugal considera o justo motivo para o não uso da marca como “circunstâncias externas, que tenham impossibilitado o titular da marca de a utilizar, por motivos alheios à sua vontade.”
É certo que a Pandemia tinha causado certa limitação/dificuldade na circulação de pessoas e de mercadorias, mas os supermercados da RAEM continuavam a funcionar, a vender os produtos de consumo quotidiano (por exemplo, café, leite, chá, arroz, frutos, etc) naquele período.
Pois, a população de Macau não deixou de beber café ou chá durante a Pandemia.
O Governo da RAEM também não proibiu ou impediu a importação de tais produtos durante a Pandemia.
Não vemos assim como houvesse algum obstáculo significativo que impedia a Recorrente comercializar os produtos assinalados pela marca N/403 durante a Pandemia.
Tudo isto evidencia que a Pandemia não constitui um justo motivo para a não utilização séria da marca por parte da Recorrente na RAEM.
Consequentemente, não podemos senão concordar com o acórdão recorrido.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
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Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 11 de Julho de 2025.
Juízes: Ho Wai Neng
Song Man Lei
José Maria Dias Azedo




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