Processo n.º 53/2022
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 20 de Novembro de 2025
ASSUNTOS:
- Prova de depósito de fichas na conta da sala VIP
SUMÁRIO:
I - O teor de fls. 118 dos autos demonstra que o Autor tinha a conta sob o no. 80XXXX80, na sala VIP da 1ª Ré (confissão pela mesma), promotora de jogo, é escrituração comercial, cujo conteúdo não foi contrariado nem impugnado pelas partes contrárias, o que é suficiente demonstrar a existência de relação contratual entre as partes.
II – Ficou provado que o Autor depositou na sua conta a quantia no valor de HKD$20,000,000.00 (vinte milhões de dólares de HK). Portanto, é de reconhecer este crédito reclamado pelo Autor.
III – A 1ª Ré era promotora de jogo, devidamente autorizada pela 2ª Ré para estes efeitos, tem obrigação de devolver o saldo da conta ao Autor. Não o fazendo, ambas são responsáveis solidárias por força do disposto nos artigos 31º e 32º/-5) do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril.
IV – A 2ª Ré, concessionária de jogo, tem a obrigação legal de fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, nos termos do disposto no artigo 30º /-5) do citado Regulamento Administrativo. No caso de as promotoras cessarem a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes, a concessionária de jogo é responsável solidária para com os promotores de jogo pelas actividades desenvolvidas por estes últimos nos seus casinos, salvo se exista obstáculo legal para apreciar a responsabilidade civil que recai sobre a 2ª Ré, enquanto concessionária de exploração de jogos.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 53/2022
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 20 de Novembro de 2025
Recorrente : Recurso Final e Recurso Interlocutório
- A
Recorridas : - B Limitada (B有限公司)
- C S.A. (C有限公司)
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Nota prévia:
1) – Em 28/04/2022 por este TSI foi proferida no âmbito destes autos a seguinte decisão:
“Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes ambos os recursos mantendo na íntegra a sentença recorrida.”
2) – Contra a referida decisão foi interposto recurso para o TUI, tendo este proferido o acórdão em 10/10/2025, que, anulando a decisão, mandou apreciar os recursos nos termos fixados no respectivo acórdão, caso inexistem outros obstáculos legais.
3) – Cabe agora cumprir a decisão do venerando TUI.
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Destaca-se, entre outras, a parte mais decisiva do acórdão do TUI:
“(…)
Des’arte, e sendo o que efectivamente sucedeu com o decidido no acórdão do TSI (cfr. o que nele se expor e que agora consta a pág. 8 a 13 deste aresto, onde, em apertada síntese, tão se referiu da existência de algum “erro notório” com base na fundamentação pelo TJB exposta), impõe-se concluir pela procedcência deste fundamento do recurso do A., havendo assim que se decretar a devolução dos presentes autos ao TSI para, nada obstando, proferir nova decisão sobre a aludida impugnação da decisão da matéria de facto do TJB (ou seja sobre o pelo A. alegado “depósito”), apreciando-se seguidamente, e em conformidade com o que se vier a decidir sobre tal “matéria”, o pedido nestes autos deduzido contra a 1ª Ré (B)
(…)”.
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A – Recurso interlocutório:
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 11/11/2019 (fls. 128 e 129), veio, em 02/12/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 145 a 158, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 根據《民事訴訟法典》第412條第3款之規定,時效此一抗辯理由屬於永久性抗辯;正如上指條文所言,被告需援引某些事實事宜,以便妨礙、變更或消滅原告分條縷述之事實之法律效果。
2. 正如之前所述,由於永久抗辯的理據是由具體的事實事宜所組成,因此為了審理有關的抗辯理由是否成立,法院應首先列明其視為已獲證明的事實事宜,從而再繼續透過相關的已證事實作出其法律依據,並最終作出決定。
3. 明顯被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院並沒有按《民事訴訟法典》第562條第2款之規定逐一敘述其視為獲證實之事實。
4. 由於被訴裁決具可訴性,得提起平常上訴,因此上訴人(原告)可透過《民事訴訟法典》第571條第1款b)項之規定,爭議原審法院的裁決屬無效作為本上訴之依據。
5. 本案中,由於被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院確實沒有按《民事訴訟法典》第562條第2款之規定逐一敘述其視為獲證實之事實;因此,根據同一法典第571條第1款b)項之規定,被訴裁決沾有無效的瑕疵。
6. 基於此,應裁定有關部分的上訴理由屬成立,因而宣告被訴裁決屬無效。
7. 在被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院首先說明其為何認為第二被告C的債務屬於非合同責任;之後,為了適用《民法典》第491條之規定,原審法院指出“segundo o alegado pelo autor, o Autor solicitou à 1.ª Ré a devolução de HKD$20.000.000,00 em Setembro de 2015 e foi recusado. Ou seja, desde pelo menos 31 de Setembro de 2015 (30 dias após a exigência do cumprimento de obrigação de restituição, artigo 1075.°/1 do CC ex vi artigo 1132.° do CC), o Autor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete contra a 2.ª Ré, em face do incumprimento de obrigação de restituição por parte da 1.ª Ré”,故原審法院透過上述的事實認為從2015年10月31日起算三年,C的責任已過時效。
8. 原審法院因何理據認為在清理批示階段起訴狀第22至25條及第31條事實已屬於獲得證明的事實呢?
9. 似乎,除對不同的見解有應有的尊重外,原審法院認有關事實屬已證明此一理解明顯屬無道理。
10. 首先,第一被告B有限公司(下稱:B)在其答辯狀第2條明確對起訴狀第22至25條及第31條事實提出了爭執。
11. 而且,第二被告C亦在其答辯狀第29及30條就起訴狀第17至25條事實提出爭執。
12. 再者,原告並沒有就上指的事實提供任何的證據(尤其是書證)。
13. 由於起訴狀第22至25條及第31條事實在原審法院作出被訴裁決前已被第一被告B,因此為著爭執之效力,似乎在清理階段而言有關事實應載於調查基礎內容內,而非將之視為已獲證明之事實。
14. 既然有關事實應屬待決事實,那麼被訴裁決明顯就是使用了倘未獲證明之事實以作出相關的被訴決定。
15. 在本上訴的情況中,無疑被訴裁決欠缺足夠的已獲證明之事實予以支持其法律依據及決定,因此根據《民事訴訟法典》第629條第4款的規定,上訴法院應予以撤銷被訴裁決。
16. 按原審法院的見解,第二被告的責任屬於民事責任中的風險責任。
17. 然而,除應有的尊重外,上訴人不能予以認同。
18. 我們均知道合同是具有相對性,然而有關原則並非絕無例外的。
19. 根據《民法典》第400條第2款之規定,“僅在法律特別規定之情況及條件下,合同方對第三人產生效力”。
20. 在本案中,原審法院認為第二被告需與第一被告共同負連帶責任的原因在於其沒有妥善履行監管義務;然而,仔細閱讀第6/2002號行政法規第29條規定的行文可見,立法者似乎沒有設定任何條件以限制有關連帶責任的適用,亦即立法者並沒有明文規定凡承批人或轉承批人沒有履行同一行政法規第30條所列明的義務才需要為此與博彩中介人共同承擔連帶責任。
21. 上指的見解,亦可從立法技術中予以體會。因為根據第6/2002號行政法規的結構可見,第29條明確規定了博彩承批人與博彩中介人的連帶責任;而第30條則列出博彩承批人的義務。倘若立法者希望上述兩條條文是配合適用的話,那麼按理應先列出博彩承批人的義務,再於後續的法條中訂明違反義務的法律結果;又或者,在第29條規定中明文指出與第30條規定之聯系。
22. 因此,上訴人認為第二被告C需與第一被告B共同負起連帶責任並不取決於前者有否履行監管義務,即既不取決於前者的作為或不作為是否違反旨在保護他人利益之規定,以及亦不取決於前者的作為或不作為是否存有過錯。
23. 既然第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任不取決於過錯及違反法律,那麼,似乎有關責任的類型並非因不法事實而生的民事責任及風險責任。
24. 既然有關責任不屬於非合同責任,那麼根據第6/2002號行政法規第29條的文義而言,似乎立法者就是想將博彩中介人在娛樂場內所作之活動(包括所設定的合同)的範圍擴展至承批人及轉承批人的權利義務範圍內,亦即將合同的效力延伸至合同以外的特定第三人。
25. 此一造法的立法思想明顯就是建基於博彩中介人在承批人或轉承批人所經營的賭場內所作出的任何與推廣博彩有關的行為都是為了承批人或轉承批人而作出的(見第6/2002號行政法規第2條及第16/2001號第2條l款6項之規定),因此當有關的行為令第三人造成損害時,博彩中介人與承批人或轉承批人需共同承擔有關賠償責任。
26. 綜上所述,上訴人認為第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任就是《民法典》第400條第2款所規定的合同效力延伸至第三人的體現。
27. 既然如此,似乎《民法典》第491條第1款之規定是不應該適用於本案中,因為本案中並不存在任何非合同民事責任。
28. 根據《民法典》第491條第1款規定,有關時效期間應自受害人獲悉或應已獲悉其擁有該權利及應負責之人之日起開始計算。
29. 根據起訴狀第22至25條所述,原告曾於2015年09月份曾要求第一被告“B”要求返還存款,但最終因後者的拒絕而未能成功。
30. 但是根據上指事實,原告未曾於上指的時間要求第二被告“C”返還涉案的存款。
31. 那麼,怎能單憑上指的事實予以證明上訴人於2015年09月份的時候就已經獲悉或應已獲悉C是應負責之人呢?
32. 除應有的尊重外,上訴人認為根據上指的事實不能認定上訴人當時已知悉 “C” 在涉案的事件上存有責任,因為正如原審法院所言,上訴人與“C”不存在任何合同關係。
33. 再者,涉案的事宜-博彩中介人不退還客戶存款-似乎亦是第6/2002號行政法規生效後首次適用該法規的第29條之規定予以要求博彩承批人負責相關的民事賠償責任。
34. 根據《民法典》第335條第2款之規定,“C”負有陳述及舉證責任予以指出及證明上訴人於何時知悉或應知悉其同屬涉案損害之負責人。
35. 但事實上,由於“C”沒有陳述相關事實並對之作出舉證。
36. 那麼,根據《民事訴訟法典》第437條之規定,似乎“原告(上訴人)於2015年09月份已知悉或應知悉C應就涉案事宜負連帶的民事責任”此一事實應予以被裁定為未能證實。
37. 如此,《民法典》第491條第1款之規定,原審法院實不應該認定第二被告“C”的賠償責任已經因時效已過而消滅。
38. 故此,除應有的尊重外,上訴人認為原審法院錯誤解釋《民法典》第491條第l款之規定,因此應予以裁定本上訴理由成立,因而撤銷被訴裁決。
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基於上述所有事實及法律理由,懇求尊敬的法官 閣下作出一如既往的公正裁決,裁定上訴人所提出的上訴理由成立,因而撤銷被訴裁決,並最終裁定被告“C”所提出的有關時效之抗辯理由不成立;又或,撤銷被訴裁決,將本案發還原審法院重審。
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A Recorrida, C S.A. (C有限公司), veio, 26/03/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 162 a 169, tendo alegado o seguinte:
I. INTRODUÇÃO
1. O A., ora Recorrente, alegou nos autos em referência que celebrou com a 1.ª R. - a sociedade comercial B Limitada (doravante simplesmente "B") - um contrato de depósito de fichas vivas, no valor total de HKD$20,000,000.00.
2. O Recorrente alegou ainda que a B não cumpriu a obrigação contratual de restituir o valor depositado quando o Recorrente, alegadamente, o solicitou em Setembro de 2015.
3. A Recorrida foi também demandada porque, na tese do Recorrente, a Recorrida é responsável solidária pela não devolução ao Recorrente do montante depositado, ou seja, pelo incumprimento contratual da B.
4. O Recorrente alega que a Recorrida tinha o dever de supervisionar/fiscalizar a actividade da B.
5. O Recorrente, assim, com a sua causa de pedir, acaba por fazer a distinção entre a responsabilidade contratual da B (pois foi com ela que alegadamente celebrou quatro contratos de depósito) e a responsabilidade extracontratual da Recorrida (já que esta não teve qualquer envolvimento na celebração dos alegados contratos), ou seja, na concepção do Recorrente as responsabilidades de cada uma das demandadas são juridicamente distintas.
6. A Recorrida invocou, em sede de contestação, a excepção de prescrição por entender que o Recorrente a demandou tardiamente e em violação do prazo de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil, norma que se insere no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
7. O Tribunal a quo julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela ora Recorrida.
II. DOS FUNDAMENTOS DO DESPACHO SANEADOR
8. O Tribunal a quo entende que a responsabilidade solidária da Recorrida é de índole extracontratual, pois entre Recorrente e Recorrida não foi celebrado nenhum contrato, e
9. O Recorrente argumenta que essa responsabilidade solidária da Recorrida resulta do alegado incumprimento, por esta, do dever de fiscalizar a actividade da B, nos termos conjugados dos artigos 29.º e 30.º, alínea 5) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 ("RA").
10. Tal dever de fiscalização é, portanto, externo à relação contratual estabelecida entre Recorrente e B, pelo que será de aplicar à Recorrida o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no artigo 491.º, n.º 1 do Código Civil ("CC") para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, e extensível à responsabilidade pelo risco por força do disposto no artigo 492.º do CC.
III. FUNDAMENTOS DO RECURSO DO RECORRENTE
11. O Recorrente discorda do entendimento sumariamente descrito supra, argumentando em oposição que:
a. O Tribunal a quo não indicou (no despacho saneador-sentença) que factos foram dados como provados; nunca deveria ter dado como provada (para efeitos da invocação da excepção de prescrição) a matéria dos artigos 22.º a 25.º da sua p.i. - relativos ao pedido de devolução (em Setembro de 2015) do referido depósito -, uma vez que os mesmos foram impugnados pela B e pela Recorrida, carecendo de prova.
b. A responsabilidade solidária prevista no artigo 29.º do RA não se enquadra no instituto da responsabilidade extracontratual - o que, em consequência, não permite à Recorrida beneficiar do prazo especial de prescrição consagrado no artigo 491.º, n.º 1 do CC; e
c. de qualquer maneira, exigindo-se, cumulativamente, do lesado (nos termos do artigo 491.º, n.º 1 do CC) o conhecimento quer do seu direito quer da pessoa do responsável, inexistem nos autos elementos que demonstrem que o Recorrente já sabia que a Recorrida era também responsável, quando em Setembro de 2015 exigiu a devolução do seu depósito à B.
Vejamos:
12. Em relação ao primeiro argumento do Recorrente (parágrafo a. supra), diga-se desde já que a Recorrida, de facto, impugnou os artigos 22.º a 25.º da p.i..
13. Porém, fê-lo à cautela, ou seja, na eventualidade de o seu primeiro argumento (a invocação da prescrição) não vingar.
14. Depois acrescente-se que os factos vertidos nos artigos 22.º a 25.º da p.i. não foram dados como provados pelo Tribunal a quo, sendo disso reflexo a circunstância dos mesmos constarem da respectiva base instrutória.
15. Tais factos apenas foram considerados para reconhecimento imediato da excepção de prescrição em sede de despacho saneador.
16. São, portanto, factos que foram invocados pelo próprio Recorrente e que contra ele aproveitam tendo em conta o que deles se pode extrair juridicamente em benefício da contraparte.
17. Veja-se, ainda assim, que ao saber identificar os artigos da p.i. que foram dados como "provados" para reconhecimento da prescrição, o Recorrente está a "deitar por terra" o seu argumento da falta de indicação de tais factos pelo Tribunal a quo.
18. Se o Recorrente os sabe identificar é porque tal matéria factual não constitui fundamento surpresa e o Tribunal a quo decidiu bem.
19. Também o segundo argumento do Recorrente (parágrafo b. supra) carece de qualquer razão, já que se sustenta numa interpretação deficiente da normas aplicáveis.
20. Nesta sede o Recorrente defende que o regime de responsabilidade (solidária) previsto no artigo 29.º do RA não se traduz nem numa situação de responsabilidade civil por factos ilícitos (artigos 477.º e ss do CC) nem de responsabilidade pelo risco (artigo 492.º e ss do CC), únicos institutos jurídicos que permitiriam definir a responsabilidade da Recorrida como de natureza extracontratual.
21. S.m.o., tal conclusão não nos parece correcta.
22. Ora, o Recorrente accionou a Recorrida não porque ache que entre si (Recorrente e Recorrida) exista uma qualquer relação contratual mas antes porque o Recorrente entende que, paralelamente à relação que contratualizou com a B, a Recorrida é responsável perante o Recorrente pelo incumprimento do dever de fiscalização que sobre a Recorrida recaía quanto à actividade desenvolvida pela B na sua sala VIP.
23. Ou seja, incumbia à Recorrida, segundo o Recorrente, o dever de supervisionar/fiscalizar o que andava a B a fazer na tesouraria da sua sala VIP, e, uma vez que esta não honrou alegadamente os seus compromissos contratuais para com o Recorrente, entende este que a Recorrida é também responsável pela devolução do valor depositado.
24. Portanto, a fonte de responsabilidade da Recorrida assume, na configuração da causa de pedir apresentada pelo Recorrente, uma natureza exclusivamente extracontratual.
25. Interpretando o artigo 29.º do RA no sentido que o Recorrente lhe atribui, temos então que a falta de fiscalização da B pela Recorrida ou se enquadra na responsabilidade por factos ilícitos ou na responsabilidade pelo risco, ambas de natureza extracontratual, pois que o não cumprimento do dever de fiscalização não violou os termos de qualquer contrato celebrado entre a Recorrida e o Recorrente mas sim os termos do contrato de concessão celebrado entre a Recorrida e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
26. Das duas uma: se o não cumprimento do dever de fiscalização que incumbe à Recorrida determina a sua responsabilização perante o Recorrente, então essa falta de fiscalização (que, como vimos, só pode ser extracontratual) ou é um facto ilícito - por "violar ilicitamente ... qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios ... " (artigo 477.º, n.º 1 do CC) - ou é um risco - sendo, neste caso extensíveis à responsabilidade pelo risco, na falta de regras próprias, "as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos." (artigo 492.º do CC).
27. Se, de acordo com os factos que constituem a causa de pedir do Recorrente, não há qualquer indício de que se tenha firmado um contrato entre o Recorrente e a Recorrida, o primeiro optou, em relação à segunda, pelo regime da responsabilidade civil extracontratual.
28. Como consequência de tal opção do Recorrente, é em sede do regime da responsabilidade extracontratual que os presentes autos devem ser julgados, no que tange a Recorrida1.
29. Ora, subsumida a opção do Recorrente (responsabilidade extracontratual da Recorrida decorrente da omissão do dever de fiscalização) à lei aplicável, temos que o direito invocado contra a Recorrida já se encontra prescrito.
30. Isso mesmo resulta clara e expressamente do artigo 491.º, n.º 1, do Código Civil de Macau, que consagra um prazo de prescrição de 3 anos "a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável",
31. e foi reconhecido pelo Tribunal de Última Instância no seu Acórdão tirado no Processo n.º 34/2013, que se cita como um de entre muitos outros exemplos:
"A responsabilidade extracontratual tem prazos de prescrição mais curtos (artigo 491.º) que o da responsabilidade contratual, que é o geral (artigo 302.º) (...)."
32. Diz o Recorrente que em Setembro de 2015 solicitou, pela primeira vez, à B a devolução do montante depositado (artigos 22.º e 31.º da p.i.).
33. Ainda que voltemos a esta questão abaixo, Setembro de 2015 é o momento/a data a partir da qual o Recorrente teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe assistia e da pessoa do responsável pela devolução do valor depositado.
34. Ainda que assim não se entenda, é o Recorrente quem confessa a data a partir da qual entende que o prazo de prescrição começou a contar: 30 de Outubro de 2015 (artigo 32.º e pedido n.º 2 da p.i.).
35. Não obstante, os presentes autos foram instaurados no dia 19 de Fevereiro de 2019 (registo de entrada n.º 15240/2019), ou seja, cerca de 3 anos e 4 meses depois da data (30 de Outubro de 2015 - se não se considerar, como entendemos, Setembro de 2015) que o Recorrente reconhece ser a determinante para invocar o seu direito.
36. Pelo que o direito que o Recorrente invoca contra a ora Recorrida já se encontra prescrito por decurso do prazo previsto no artigo 491.º, n.º 1, do Código Civil de Macau.
37. Por fim, quanto ao terceiro argumento do Recorrente (parágrafo c. supra), veja-se, a título de exemplo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal - Acórdão no Processo n.º 02B9502:
"Quando se determina que tal prazo3 se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e NÃO, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento." - negrito, sublinhado e maiúsculas nossas.
38. Daqui resulta que é desde Setembro de 2015 que o Recorrente tinha a obrigação de saber que o comportamento da B seria gerador de responsabilidade civil.
39. "Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. (...) [não] é necessário que [o lesado] conheça a pessoa do responsável, pois não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição." - como ensinam os Professores Antunes Varela e Pires de Lima (comentário ao artigo 498.º do CC Português - Código Civil Anotado, Volume I).
40. Acresce - no caso concreto dos presentes autos - que a alegada recusa da B em devolver o depósito ao Recorrente, não foi um acto isolado mas sim consequência de uma burla interna ocorrida na B, precisamente em Setembro de 2015, amplamente divulgada nos vários meios de comunicação social em Macau, tanto em língua Chinesa como em língua portuguesa.
41. As dezenas de alegados lesados com a referida burla na B promoveram imediatamente várias manifestações à porta do casino da Recorrida, com mensagens de responsabilização da B e da Recorrida.
42. Sendo o Recorrente residente de Macau, não lhe poderão ser estranhos tais eventos – ainda para mais quando alega que lhe são devidos HK$20,000,000.00!!! - que logo à data assumiram uma natureza pública e notória.
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B – Recurso da decisão final:
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 18/05/2021, veio, em 24/05/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 234 a 248, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 為著履行《民事訴訟法典》第599條第1款a)項之規定,上訴人現明確指出針對調查基礎內容第3至6條事實之答覆提出爭執。
2. 除應有的尊重外,似乎原審法院未有完全審查本卷宗內的所有證據。
3. 就E貴賓會與第一被告所經營的B貴賓會關係,根據第一名證人的證言所述,上指的兩間貴賓會是同一個集團的,更甚者透過卷宗第203至204頁的文件可見,C F貴賓會與D E貴賓會是可以共用帳戶的,而且該文件中明確載明“本集團所有貴賓會皆可”,就此就可以得出C F貴賓會與D E貴賓會是同一集團所經營。
4. 事實上,原審法院在作出合議庭裁判時根本就沒有考慮卷宗第203至204頁的文件,因此該合議庭裁判明顯是違反了《民事訴訟法典》第436條之規定,故根據同一法典第147條第1款之規定,該合議庭裁判應被宣告為無效。
5. 根據證人G的證言及結合起訴狀附件七及八的文件可見,於2015年03月01日12時10分,證人A受其哥哥( 即上訴人)之委託於E H集團有限公司所經營的H貴賓會提取港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)之現金籌碼,並將有關籌碼存入同一地方(D酒店三樓)的E貴賓會內。根據文件及證人言所得知,E貴賓會與B貴賓會是由同一集團經營的。其後按上訴人的委託,證人將屬於上訴人所擁有的上述港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)之現金籌碼存入E貴賓會編號為80XXXX80之戶口內,該戶口可與B貴賓會共用的;及後,於同一日(即2015年03月01日)的13時,上訴人到B貴賓會取得卷宗第60及118頁的存款單(編號為DA012226之存款單)。
6. 要知道,於同一日,在一小時之內,同一人於一貴賓廳取出一巨額的款項,其後再存入相同金額款項的偶然性是非常之低。
7. 因此,根據一般人的經驗法則、邏輯及卷宗內的所有證據均可理地推定到上訴人當日所取出的港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)現金籌碼之去向就是於不到一小時後被上訴人寄存了入第一被告所經營的B貴賓會內。
8. 另需指出的是,原審法院認為沒有任何證人見證第一被告發出涉案存款單及上訴人未能證明涉案存款單是由第一被告的職員所簽署的事實明顯是違反正常人的一般經驗法則!!!
9. 上訴人認為根據實際生活經驗,一個人到銀行存款均不會特意要求他人的陪同以證明曾有存款一事。因此,沒有他人陪同存款,並不一定必然認定不存在存款此一事實。若果以此為據裁定不存在涉案存款一事實,原審法院的理據明顯就是違反經濟法則!!!
10. 再者,卷宗第60及118頁的存款單是具有第一被告的印鑑正本,因此, 根據《民法典》第344條之規定,已可合理地推斷出涉案的存款單是由第一被告所經營的B貴賓會發出,而存款單內的簽名就是B貴賓會的職員了! !!
11. 眾所周知,澳門初級法院刑事法庭已作出裁決(見編號為CR2-18-0382- PCC),裁定未能證明存在B貴賓會的內部欺詐事宜,因此原審法院現在又怎可能以此為其中之一理據認定涉案存款有可疑及最後視為不存在呢?
12. 最後,上訴人還希望指出的是,原審法院認定調查基礎內容第7至9條事實屬實。那麼,上訴人不敢試問根據一般人的經驗法則,若果涉案的存款單並非真實,那麼上訴人怎可能有膽量多次到B貴賓會追究款項,而且第一被告亦沒有報警表示上訴人持有虛假文件以作詐騙用途呢?顯然,根據一般人的經驗法則可見,上訴人所持有的存款單是真實的,否則其根本不會一以再再以三地多次手持涉案借款單到B貴賓會再追討及提起本訴訟程序。
13. 綜上所述,上訴人認為根據卷宗內的所有證據結合正常人的一般邏輯及經驗法則理應裁定調查基礎內容第4至6條的事實為已獲得證實;就此,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止相應部分之被訴合議庭裁判,以及改判調查基礎內容第4至6條的事實為已獲得證實。
14. 除應有的尊重外,除了證人G的證言外,上訴人認為卷宗內仍存有證據證明調查基礎內容第3條事實屬實。
15. 根據卷宗第186頁可見,上訴人確實在B貴賓會存有一帳戶。而且再根據起訴狀附件七亦可見上訴人在另一貴賓會亦存有帳戶,以及有關帳戶是曾經存有巨額現金籌碼。
16. 要知道,籌碼均推定具有賭博之用途。
17. 根據一般人的經濟法則,一個人存有大量籌碼,而且在具有多個貴賓廳均具有賭博帳戶,更甚者有證人能證明上訴人是從事疊碼行業。那麼綜合上述的所有證據,原審法院得不出上訴人是使用B貴賓會的賭博帳戶以從事疊碼行業顯然是違反一般人的經驗法則。
18. 基於此,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止相應部分之被訴合議庭裁判,以及改判調查基礎內容第3條的事實為已獲得證實。
19. 根據《民法典》第1111條、1131及1132條之規定,及已證的調查基礎內容第4至6條事實,上訴人與第一被告之間存有不規則的寄託合同關係。
20. 根據同一法典第1113條c)項之規定,受寄人有義務將寄託物連同其孳息返還予寄托人。
21. 根據調查基礎內容第7至9條事實之答覆,上訴人自2015年09月份已多次催告第一被告返還存款,但第一被告直到現時仍未有為之。
22. 綜上所述,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止原審法院的裁決,並改判第一被告需向上訴人返還港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00),以及至少自2015年09月30日起計以法定年利率所計算的遲延利息。
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基於上述所有事實及法律理由,懇求各位尊敬的法官 閣下裁定本上訴的上訴理由成立,廢止原審法院載於卷宗第220至222頁的判決及事實事宜之合議庭裁判,並且改判調查基礎內容第3至6條事實為獲得證實,因而最後判處第一及第二被告需以連帶責任方式向上訴人返還港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00),以及自2015年09月30日起計以法定年利率所計算的遲延利息。
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A Recorrida, B Limitada (B有限公司), veio, 18/10/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 257 a 266, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Existe uma questão prévia ao conhecimento deste recurso que se prende com a maneira como as alegações de recurso sobre a matéria de facto foram apresentadas.
2. Apesar de o Recorrente fazer menção ao artigo 559.º do Código de Processo Civil, não deu cumprimento ao previsto no artigo 556.º, n.º 5 Código de Processo Civil, pois, salvo melhor entendimento, não indicou de que vícios padece a sentença recorrida, i.e., o Recorrente não reclamou da deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua fundamentação, violando o disposto no artigo 556.º, n.º 5 do Código de Processo Civil que tem a montante o seu sustentáculo legal no artigo 599.º do Código de Processo Civil.
3. Não basta juntar a transcrição do depoimento das testemunhas, e, a par disso, socorrer-se do princípio da aquisição processual em contraposição com o princípio da livre apreciação das provas, artigos 436.º e 558.º do Código de Processo Civil, respectivamente, para o Recorrente sustentar as suas alegações de recurso relativamente à matéria de facto, constituindo tal conduta um flagrante desrespeito pelas boas práticas e regras processuais.
4. Salvo melhor entendimento, tal deverá ter como cominação que as alegações de recurso no tocante à parte da matéria de facto sejam dadas por não escritas e que seja ordenado o desentranhamento daquela referida parte das alegações, e, in extremis, não deverá haver lugar ao conhecimento do objecto do recurso, o que a final se requer.
5. O Recorrente reclama da resposta dada aos quesitos 3.º a 6.º da base instrutória, que gravitam em torno da questão do depósito junto da tesouraria da 1.ª Ré, ora Recorrida.
6. A matéria foi quesitada da seguinte forma: Quesito 3.º - "O Autora abriu na sala VIP B explorada pela 1.ª Ré, a conta de jogos, com o propósito de exercer a actividade de bate-fichas?"
Quesito 4.º - "Em 01 de Março de 2015, o Autor depositou as fichas vivas, no valor de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD$20,000,00.00), na conta de jogos aberta em nome do Autor, na sala VIP B (conta número 80XXXX80)?"
Quesito 5.º - " Depositada a referida quantia, a 1ª Ré passou ao Autor um “talão de depósito de fichas” com o número DA012226, contendo o teor: “Certifica-se que A (Depositante), membro número 80XXXX80 ou documento de identificação n.º 73XXXX6(6), dinheiro em numerário/ fichas vivas (✓), deposita a quantia em numerário de HKD20.000.000,00 (HKD$20.000.000,00), cujo documento consta de fls. 118 dos autos?"
Quesito 6.º - "O referido "talão de Depósito de Fichas" foi assinada, para efeitos de confirmação, pelo encarregado da tesouraria da Sala VIP B e pela testemunha presente na referida sala VIP, tendo contido também a assinatura do Autor para provar que a referida quantia já tinha sido depositada na conta do Autor aberta na sala VIP B?"
7. Os quesitos 3.º a 5.º da base instrutória foram dados como não provados e a resposta dada ao artigo 6.º da base instrutória foi parcial, apenas tendo sido dado como provado que o documento junto a fls. 118 dos autos contém a assinatura do Autor.
8. O tribunal a quo valorou a prova testemunhal e documental dos autos, atendeu ao grau de proximidade entre a testemunha do Autor, G e à relação laboral, já cessada entre a testemunha da 1.ª Ré, I, e a 1.ª Ré, ora Recorrida.
9. Relativamente à prova documental foi salientado pelo tribunal a quo que nenhum o dos documentos juntos tem força probatória vinculada quanto aos factos da base instrutória, mormente relativamente ao documento. junto a fls. 118 dos autos, entendendo o tribunal que tal documento tinha valor probatório insuficiente para demonstrar a existência de depósito de fichas, como quesitado a artigo 4.º e para demonstrar a sua emissão pela 1.ª Ré e assinado por funcionários daquela, quesitos 5.º e 6.º da base instrutória.
10. Também foi referido pelo tribunal a quo que a testemunha do Autor referiu ter sido feito um depósito num local diferente daquele onde foi (alegadamente) emitido o talão de depósito, não tendo nenhuma das testemunhas assistido presencialmente ao depósito.
11. Não basta ao Autor, pois, referir que a sentença violou o artigo 436.º do Código de Processo Civil, pois, o Recorrente, bem sabe que o seu raio de acção está delimitado pelo princípio da estabilidade da instância e do dispositivo, consagrados nos artigos 212.º e 5.º do Código de Processo Civil, o e, para além disso, o ónus da prova recai sobre o Autor, nos termos do artigo 335.º do Código Civil.
12. Aspecto, aliás, salientado pelo tribunal a quo quando refere: "Ora, nenhuma razão tendo sido oferecida ao tribunal para esclarecer a incomum existência de uma parte duplicada ... prova que pertencia ao ónus probatório do autor, nos termos do disposto no art.º 368.º, n.º 2 do CC...".
13. O Autor, ora Recorrente, socorreu-se da transcrição do depoimento integral da 1.ª testemunha do Autor, o que desde já se condena por se afigurar desnecessário, e, contrário às boas práticas processuais e daquele depoimento mais não decorre de que a testemunha não esteve presente quando do alegado depósito junto da B, isto é da tesouraria da 1.ª Ré.
14. Já quando questionado em sede de esclarecimentos pela mandatária da 1.ª Ré, esta testemunha confirmou que tinha feito o depósito em sala diversa da alegada pelo Autor, ou seja, sala VIP J 22 Mar 2021, Translator 1, 10.08.35, 16 minutos e 38segundos até aos 16minutos e 43 segundos e que esta sala se situava no 3.º andar do Casino D, conforme decorre de J 22 Mar 2021, Translator 1, 10.08.35, 16 minutos e 53segundos; que não tinha ido com o irmão à B, J 22 Mar 2021, 10.08.35, aos 17minutos e 50segundos; se no dia 1 de Março, se tinha assistido ao procedimento fichas, depósito, talão a ser assinado, a testemunha respondeu que só tinha atendido um telefonema, J 22 Mar 2021, 10.08.35, aos 18minutos e 31segundos.
15. Já a testemunha da ora Recorrida, menciona os procedimentos para depósito junto da tesouraria, nomeadamente, a necessidade de uma conta, montantes que são contados, emissão de um documento em que dois colegas de turno assinam o documento e entregam-no ao cliente, lançamento destes dados no sistema informático, cliente fica com o talão original e os duplicados com a tesouraria J 9 April 2021, Translator 1, aos 05minutos e 23segundos, sendo a parte referente ao original e duplicados confirmada novamente a J 9 Apr 2021, Translator 1, aos 06minutos e 36segundos.
16. A testemunha da Recorrida refere que os duplicados têm três cores, cor-de-rosa, verde e azul" J 9 April 2021, Translator 1, aos 06minutos e 54segundos, que entregavam sempre o original ao cliente, J 9 April 2021, Translator 1, aos 07minutos e 39segundos, que o talão original e os duplicado diferiam em textura, J 9 Apr 2021, Translator 1, aos 08minutos e 03segundos, que não existia rasto do depósito do Autor, J 9 Apr 2021, Translator 1, aos 09minutos e 42segundos, nem de Relatório de Valor de Operação Elevada ("ROVE"), J 9 Apr 2021, Translator 1, aos 13minutos e 03segundos.
17. Também soube explicar que para proceder à devolução dos montantes depositados, tinham que compulsar os registos no computador e, se existissem, contra a apresentação do talão original verificavam os duplicados e procediam à devolução do montante, J 9 Apr 2021, Translator 1, aos 13minutos e 57segundos.
18. Ora, deste depoimento decorre, quais os procedimentos de depósito na tesouraria, quais os elementos que deveriam constar dos talões que eram emitidos pelos funcionários da tesouraria da 1.ª Ré e que tal montante não se encontrava depositado junto da tesouraria da 1.ª Ré.
19. O Recorrente não dispõe do documento original, ou seja, do talão original, mas de um duplicado, cor-de rosa, sendo que a Recorrida já havia juntado aos autos um espécime de um talão original, sendo a cor daquele azul, conforme requerimento junto aos autos a 22 de Julho de 2019 e também não ficou explicado cabalmente como se desenrolou o depósito junto da tesouraria da Recorrida.
20. Ao longo das suas alegações de recurso, o Recorrente insurge-se muitas vezes que que vai contra alógica e regras de experiência que não se dê por provado o depósito, tendo em conta o levantamento numa sala VIP do D e depósito noutra sala, alegadamente pertencente à Recorrida.
21. Discordamos, pois, o que causa estranheza é o facto de o Autor inicialmente ter conformado a acção como um depósito junto da Recorrida, no entanto, mais tarde arrepiou caminho e aludiu a um depósito realizado numa outra sala- que não a da Recorrida- entendendo que o depósito foi feito junto da Recorrida pelo simples facto de estas duas salas pertencerem -alegadamente- ao mesmo grupo, o que não se concede!
22. Torna-se difícil entender a narrativa dos factos, até porque não faz sentido que se deposite um montante numa outra sala e se demande a Recorrida.
23. E, por tal, não se aceitam os argumentos esgrimidos pelo Autor, na medida em que somente foram quesitados os factos na base instrutória relativamente ao depósito na sala VIP da Recorrida e, entendemos, que tudo o que extrapola o quesitado na base instrutória, não pode ser tomado em linha de conta, pois, viola o princípio do dispositivo e o princípio da estabilidade de instância consagrados no Código de Processo Civil.
24. No que concerne ao artigo 3.º da base instrutória, compete dizer que, não tendo o Autor logrado fazer prova da sua actividade como bate-fichas, o tribunal só poderia reagir da maneira como fez, não dando como provado este quesito.
25. Esta actividade como o Autor, ora Recorrente, bem sabe, é uma actividade que deve estar registada junto do organismo competente que regular a actividade de promoção de jogos de fortuna e de azar, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos.
26. Em jeito de conclusão, o Recorrente não logrou fazer prova do depósito ou do recebimento de qualquer montante por parte da Recorrida, não dispõe do talão original, não mantém uma narrativa consistente dos factos, pelo que, não restou outra solução ao tribunal a quo que não dar os quesitos como não provados.
27. Sublinha-se que, com isto o tribunal não incorreu em nenhuma violação, apenas, lançou mão do princípio da livre apreciação de prova, e, conjugou-o com o artigo 437.º do Código de Processo Civil, que dispõe: "A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita".
28. Assim pelo exposto, inexiste qualquer violação do artigo n.º 436.º e 147.º do Código de Processo Civil, devendo manter-se a sentença recorrida, por não ser nula nem inválida. (sublinhado e negrito nosso)
29. O Recorrente defende a existência de um contrato de depósito, irregular, aos quais se aplicam as regras do regime do mútuo, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1111.º, 1131.º e 1132.º do Código Civil, apoiando-se nos quesitos 4.º a 6.º e 7.º a 9.º da base instrutória.
30. A Recorrida discorda em absoluto, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
31. Há que explicar cabalmente onde se originou a entrega e a obrigação de restitução, o que não sucedeu, pois, o Recorrente não conseguiu provar que a quantia havia sido depositada junto da Recorrida.
32. Acrescenta-se que é virtualmente impossível, que a ora Recorrente possa devolver um montante contra a apresentação de um título que não foi emitido pela Recorrente, muito menos sujeito a retribuição de juros.
33. As promotoras de jogo exercem a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau, e de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, artigo n.º 23.º o exercício da sua actividade só pode ser realizado mediante o seu registo perante uma concessionária, e autorização, que decorre através de contrato celebrado com a concessionária, tudo nos termos do artigo seguinte do referido Regulamento Administrativo.
34. Ora, mesmo que se concedesse, que não se concede, a actividade da ora Recorrente cinge-se à actividade de promoção de jogos de fortuna e de azar, e só a pode exercer nos locais em que foi autorizada para o fazer.
35. Equivale a dizer, que, mesmo que este depósito tivesse sido realizado junto da Recorrente, existem regras pelas quais a Recorrente norteia a sua actividade, sendo uma delas devolver depósitos contra a apresentação de título que foi emitido nas suas instalações e de um depósito, também ele, realizado nas instalações onde a Recorrida exerce a sua actividade comercial, o que não é o caso dos autos.
36. Pelo que, e citando novamente a douta sentença do tribunal a quo: "Não tendo provado o depósito que alegou, não demonstrou existir fonte do dever que atribui à 1.ª ré: restituir com juros. Improcede, pois, a pretensão do autor."
37. Razão pela qual, as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente não deverão ter provimento e a douta sentença proferida pelo tribunal a quo deverá ser mantida na íntegra.
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Em 28 de Junho de 2002, foi celebrado entre a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau o “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau”.
b) Em 8 de Setembro de 2006, foi celebrada entre a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau”.
c) Desde 2005, a 1ª Ré exercia a actividade de promotora de jogos, sendo titular da licença n.º E089.
d) A 1.ª Ré estabeleceu a Sala VIP B no estabelecimento da 2ª Ré.
e) Com a autorização e consentimento da 2ª Ré, a 1ª Ré criou uma tesouraria independente na Sala VIP B a fim de fornecer aos seus membros os serviços gratuitos de troca, depósito e levantamento de fichas de jogo e fornecer-lhes facilidades variadas.
f) O Autor era membro da Sala VIP B explorada pela 1ª Ré (quesito 1.º).
g) O Autor abriu uma conta de jogo na Sala VIP B, com o número 80XXXX80 (quesito 2.º).
h) O “talão de depósito de fichas” que foi junto pelo autor a fls. 118 contém a assinatura do Autor (quesito 6.º).
i) Em Setembro de 2015, o Autor chegou a pedir à 1ª Ré a restituição da referida quantia de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) (quesito 7.º).
j) A 1ª Ré não permitiu que o Autor levantasse o referido depósito de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) (quesito 8.º).
k) O Autor foi solicitar várias vezes o levantamento do referido depósito de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) junto da Sala VIP B, mas sempre foi rejeitado pelos funcionários da referida sala VIP (quesito 9.º).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação da matéria de facto:
o Recorrente/1º Réu veio atacar as respostas dos quesitos 3º a 6º da BI, que têm o seguinte teor:
3.º
O Autor abriu na Sala VIP B explorada pela 1ª Ré, a conta de jogos, com o propósito de exercer a actividade de bate-fichas?
Não provado.
4.º
Em 01 de Março de 2015, o Autor depositou as fichas vivas, no valor de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00), na conta de jogos aberta em nome do Autor, na Sala VIP B (conta número 80XXXX80)?
Não provado.
5.º
Depositada a referida quantia, a 1ª Ré passou ao Autor um “talão de depósito de fichas” com o número DA012226, contendo o teor: “Certifica-se que A (Depositante), membro número 80XXXX80 ou documento de identificação n.º 73XXXX6(6), dinheiro em numerário/ fichas vivas ((), deposita a quantia em numerário de HKD20.000.000,00 (HKD$20.000.000,00)”, cujo documento consta de fls. 118 dos autos?
Não provado.
6.º
O referido “talão de depósito de fichas” foi assinado, para efeitos de confirmação, pelo encarregado da tesouraria da Sala VIP B e pela testemunha presente na referida sala VIP, tendo contido também a assinatura do Autor para provar que a referida quantia já tinha sido depositada na conta do Autor aberta na Sala VIP B?
Provado apenas que o “talão de depósito de fichas” que foi junto pelo autor a fls. 118 contém a assinatura do Autor.
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A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio4.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pela Recorrente como errados ou omissos!
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O distintivo Colectivo fundamentou a sua posição nos seguintes termos:
“(…)’
Quanto à prova documental, uma vez que nenhum documento tem força probatória vinculada quanto aos factos da base instrutória, como já supra referido, foi valorada no âmbito da “livre convicção”. Designadamente, ao documento de fls. 118 copiado a fls. 60 foi atribuído pelo tribunal valor probatório insuficiente para demonstrar a existência do depósito de fichas quesitado no quesito 4º e para demonstrar que foi emitido pela primeira ré e assinado por funcionários desta, como quesitado nos quesitos 5º e 6º.
Na verdade, tal documento trata-se de um duplicado parcialmente impresso e parcialmente preenchido manualmente. Nele se nota a existência de um carimbo original e não duplicado como são todas as inscrições manuais que dele constam. Ora, nenhuma razão tendo sido oferecida ao tribunal para esclarecer a incomum existência de uma parte duplicada e uma parte original no mesmo documento, nenhuma prova tendo sido oferecida sobre a pertença das assinaturas constantes do documento, prova que pertencia ao ónus probatório do autor, nos termos do disposto no art. 368º, nº 2 do CC, e nenhuma prova tendo sido oferecida sobre o acto de emissão do documento, designadamente nenhuma testemunha referir ter presenciado a emissão, o tribunal não atribuiu ao documento em causa, só por si ou conjugado com a restante prova, capacidade para demonstrar a existência do quesitado depósito nem para demonstrar que foi emitido pela primeira ré e pelos respectivos funcionários.
A tudo acresce que é do conhecimento oficioso do tribunal e foi referenciado pela segunda testemunha inquirida que na altura do quesitado depósito ocorreram na tesouraria da primeira ré factos de desorganização indiciariamente fraudulenta, pelo que o tribunal não pode deixar de, na falta de outra prova consistente sobre a emissão do documento, ponderar a possibilidade de o documento em causa ter origem na tal desorganização nem a possibilidade de ser instrumento de aproveitamento de tal desorganização. E estas dúvidas que o tribunal coloca por considerar ser de prudência colocar não foram ultrapassadas pela restante prova produzida, pois que a testemunha G disse ter, em representação do autor, feito o depósito em local diferente daquele onde foi alegadamente emitido o documento referido e em fichas de jogo de outra entidade diferente das rés e a testemunha, I, que trabalhou na tesouraria da primeira ré, disse que apenas eram recebidas fichas da própria ré e numerário, que apenas eram emitidos documentos relativos a depósito feito no próprio local de emissão e não noutros locais e que ao depositante era entregue o original e não o duplicado do documento comprovativo do depósito.
Ninguém tendo presenciado a emissão do documento; sendo o mesmo “estranho” nos termos referidos; tendo a primeira testemunha dito que, sem receber qualquer documento comprovativo, fez o depósito de uma quantia considerável (HKD20,000,000,00) na sala VIP E do Casino D e não na Sala VIP B do Casino C; nada a este propósito tendo dito a testemunha K e tendo a restante testemunha dito que era diverso o procedimento da primeira ré para recepção de depósitos e emissão de documento comprovativo, o tribunal não alcançou a certeza necessária à decisão de considerar provado o quesitado depósito e a quesitada forma de emissão do documento e respondeu no sentido de não estar provada a matéria de facto dos quesitos 4º a 6º, com excepção de que pertence ao autor a assinatura constante do documento de fls. 60 e 118.
Quanto à abertura da conta pelo autor na sala VIP da primeira ré (quesitos 1º e 3º), a convicção do tribunal assentou no teor do documento de fls. 186, que não mereceu razões de dúvida.
(…)”.
Os documentos juntos aos autos que têm valor decisivo são os seguintes:
Quid juris?
Ora, salvo o merecido respeito, não acompanhamos o raciocínio do tribunal a quo na apreciação das provas neste ponto, visto que:
a) – Conforme o documento de fls. 118, efectivamente foi emitido um talão comprovativo de depósito de fichas na conta nº 80XXXX80, em nome do Autor, o que significa que ele cumpriu o ónus de prova que sobre ele recai;
b) – Neste talão encontram-se assinaturas dos funcionários da 2ª Ré, do carimbo do mesmo, data e hora de depósito, relativamente ao qual não foi levantado o incidente de falsidade, ou seja, o que significa que temos de aceitar que o documento é verdadeiro e faz prova do seu conteúdo.
c) - Tais dados merecem credibilidade! Porque não temos dados que digam o contrário (uma nota para esclarecer: carimbar no duplicado do talão não é algo estranho, muitas vezes para certificar a genuidade do duplicado, exige-se carimbar no respectivo talão ou recibo, circunstância que se verifica nos círculos comerciais). Sublinhe-se igualmente que não é único caso em que se discute a mesma questão e em que está envolvida a mesma sociedade! A Ré, chegou a apresentar provas contrárias ou contra provas para impugnar tais documentos? A resposta é negativa. Repare-se, o “talão”(recibo) foi passado em nome dela!
d) – A simples alegação de que “sabia nem tinha obrigação de saber” feita na contestação, não nos parece suficiente para concluir que tais depósitos nunca ocorreram!
e) – No caso, há lugar à aplicação do artigo 370º/2 (Força probatória) do CCM, que dispõe:
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Reparem, tais documentos, de escrituração mercantil, são elaborados em papéis timbrados da 1ª Ré com carimbo da mesma e assinatura de empregados seus.
Aceitando-se a veracidade desses documentos, como estes demonstram que a Recorrente chegou efectivamente a depositar e levantar fichas junto da Ré nos períodos a que se referem esses mesmos documentos.
f) - Aliás, nos processos semelhantes (ex. Proc. nº 997/2019), demos como provadas as matérias constantes dos documentos semelhantes ou idênticos, neste, não há razões para não os aceitar.
g) – No processo acima referido, foi fixado o seguinte entendimento:
I - O valor probatório dos documentos particulares, à semelhança do que sucede com a força probatória das declarações das partes contidas nos documentos autênticos, não impede que as declarações por ele cobertas sejam impugnadas ou atacadas por via de excepção, com base em qualquer dos vícios ou defeitos capazes de ditar a ineficácia lato sensu do negócio. Se as declarações contantes do documento não foram impugnadas, elas hão-de ser aceites como verdadeiras.
II – A parte que quer aproveitar-se da parte do documento desfavorável ao signatário, aceitando assim o documento como idóneo ou verdadeiro, terá de aceitar também, por uma questão de coerência, a parte do documento favorável ao seu autor, sem prejuízo da possibilidade de demonstrar que, nesta parte, o documento não corresponde à realidade. Consagra-se na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 370.º do Código Civil de Macau, o principio da indivisibilidade da declaração documentada, fazendo recair sobre quem aproveita da parte do documento desfavorável ao seu autor o ónus de provar o contrário da parte favorável aos interesses dele (cfr. art.353.º do Cód. Civil de Macau).
*
A propósito da força probatória dos documentos particulares, observa-se:
“(…)
a) Documentos particulares escritos e assinados, ou só assinados, pela pessoa a quem são imputados.
Relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam (autenticados, legalizados, ou despidos de qualquer intervenção notarial), uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art.376.º, 1).
Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provados - plenamente provados - apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante;
(...)
A razão da divisória nitidamente traçada, sob esse aspecto, na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil está em que, no respeitante às declarações de ciência, ninguém pode ser aceite como testemunha qualificada em causa própria (nemo idoneus testis in re sua) e, relativamente às declarações de vontade, ninguém pode, em princípio, constituir título escrito a seu favor (arvorar-se em dono de uma coisa ou em credor de outra pessoa).
Com uma limitação, porém, assaz importante: O interessado que quiser aproveitar-se da parte do documento desfavorável ao signatário, aceitando assim o documento como idóneo ou verdadeiro, terá de aceitar também, por uma questão de coerência, a parte do documento favorável ao seu autor, sem prejuízo da possibilidade de demonstrar que, nesta parte, o documento não corresponde à realidade. Consagra-se deste modo, na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil, o principio da indivisibilidade da declaração documentada, fazendo recair sobre quem aproveita da parte do documento desfavorável ao seu autor o ónus de provar o contrário da parte favorável aos interesses dele (cfr. art.360.º do Cód. Civil).
O valor probatório atribuído aos documentos particulares, à semelhança do que sucede com a força probatória das declarações das partes contidas nos documentos autênticos, não impede que as declarações por ele cobertas sejam impugnadas ou atacadas por via de excepção, com base em qualquer dos vícios ou defeitos capazes de ditar a ineficácia lato sensu do negócio. (in Manual de Processo Civil, Antunes Varela, J. Miguel Beleza, Sampaio e Nora, Coimbra Editora, Limitada, 2ª edição, pág. 523 e seguintes)
Este raciocínio vale, mutatis mutandis, para o caso em apreciação.
h) – Aplicando-se os critérios acima citados, é de verificar-se erro na apreciação de provas, o que impõe a (re)responder as matérias nos seguintes modos:
3.º
O Autor abriu na Sala VIP B explorada pela 1ª Ré, a conta de jogos, com o propósito de exercer a actividade de bate-fichas?
Provado que o Autor abriu na Sala VIP B explorada pela 1ª Ré, a conta de jogos, com o nº 80XXXX80, para fins de jogo.
4.º
Em 01 de Março de 2015, o Autor depositou as fichas vivas, no valor de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00), na conta de jogos aberta em nome do Autor, na Sala VIP B (conta número 80XXXX80)?
Provado.
5.º
Depositada a referida quantia, a 1ª Ré passou ao Autor um “talão de depósito de fichas” com o número DA012226, contendo o teor: “Certifica-se que A (Depositante), membro número 80XXXX80 ou documento de identificação n.º 73XXXX6(6), dinheiro em numerário/ fichas vivas ((), deposita a quantia em numerário de HKD20.000.000,00 (HKD$20.000.000,00)”, cujo documento consta de fls. 118 dos autos?
Provado.
*
Julga-se assim procedente a impugnação feita pelo Autor, as respostas dos quesitos sob ataque passam a ter o teor acima consignado.
*
Prosseguindo,
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO
A, do sexo masculino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº 73XXXX6(6) e com outros elementos de identificação nos autos, intentou a presente acção que segue a forma ordinária de processo comum declarativo contra B Limitada e C S.A., sociedades comerciais com sede na RAEM.
Pediu a condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de HKD$20.000.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, a partir de 30/10/2015 até integral pagamento.
Em síntese, alegou o autor que a primeira ré explora com fim lucrativo a actividade comercial de promoção de jogos em casino mediante autorização remunerada da segunda ré, a qual é concessionária de jogo de fortuna ou azar em casino. Mais alegou o autor que era membro da sala de jogo VIP que a 1ª ré explorava no casino da segunda ré abrindo ali uma conta de jogo com o propósito de exercer a profissão de bate-fichas e na qual depositou fichas de jogo no valor total de HKD$20.000.000,00, quantia que a primeira ré se recusou a restituir apesar de tal lhe ter sido solicitado pelo autor, não tendo a 2ª ré cumprido o seu dever de fiscalização da 1ª ré de forma a assegurar que a restituição fosse feita.
Contestaram ambas as rés. Em síntese, a primeira ré rejeitou que o autor tivesse feito os depósitos que alega e a segunda ré rejeitou a existência da sua obrigação de restituir que o autor lhe atribui e afirmou que tal obrigação, a existir, estava prescrita.
Replicou o autor batendo-se pela improcedência da excepção de prescrição que a segunda ré lhe opôs por entender que é aplicável o prazo ordinário que ainda não decorreu e não o prazo curto de prescrição da obrigação de indemnizar.
Foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto a fls. 128 a 131, o qual, entre o mais, julgou procedente a excepção de prescrição, tendo absolvido a segunda ré do pedido.
Recorreu o autor da decisão sobre a excepção de prescrição, recurso que ainda está pendente e que foi recebido por despacho de fls. 136 com subida diferida, com efeito suspensivo.
Procedeu-se a julgamento.
*
II – SANEAMENTO
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente no que diz respeito ao facto de a segunda ré ter sido já absolvida do pedido, as questões a decidir consistem em saber se se constituiu na esfera jurídica patrimonial da primeira ré a obrigação de restituir o valor das fichas de jogo que o autor diz ter depositado na primeira ré e, em caso de resposta afirmativa, em saber quais as consequências do incumprimento de tal obrigação de restituir.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A) – Motivação de facto
(...)
B) – Motivação de direito
Como se disse, há que apurar se na esfera jurídica da primeira ré se formou a obrigação de pagar ao autor a quantia por este pretendida.
As obrigações são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a realizar uma prestação a outra pessoa (art. 391º do CC). As obrigações nascem das fontes das obrigações, que são situações de facto que têm o efeito jurídico de fazer surgir em determinada esfera jurídica o referido vínculo. São fontes das obrigações, entre outras, os contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 335º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Assim, ao autor cabe provar os factos constitutivos da obrigação que atribui à ré e à ré caberá provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma obrigação.
A consequência do incumprimento do ónus de prova é a decisão desfavorável à parte onerada5.
Vejamos em que medida as partes deram cumprimento ao ónus de prova que sobre cada uma delas impende.
O autor tem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos da obrigação do réu e este tem idêntico ónus em relação aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor (art. 335º do CC).
A primeira ré não alegou qualquer facto com efeitos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor e a segunda ré não alegou quaisquer factos que aproveitem à primeira ré em termos de eficácia impeditiva, modificativa ou extintiva do direito contra ela invocado como fundado no seu incumprimento contratual.
Vejamos então se o autor logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito a que se arroga (ser restituído das quantias que diz ter depositado na primeira ré) e da correspectiva obrigação da primeira ré.
O autor invocou como fonte da obrigação da 1ª ré um contrato. O contrato é um acordo de vontades negociais a que, na normalidade das situações, a lei atribui protecção coactiva obrigando os contraentes a cumprir o acordado. O autor não alegou directamente ter acordado com a 1ª ré, mas alegou que depositou fichas de jogo na 1ª ré e esta emitiu-lhe um comprovativo desse depósito. Tal como alegado pelo autor, parece tratar-se de um acordo alcançado com base em declarações negociais tácitas (art. 209º do CC). Com efeito, o autor não alega que acordou com a 1ª ré entregar-lhe fichas de jogo para esta guardar e restituir quando o autor lhe solicitasse. Alegou apenas os factos materiais de depósito e de comprovação desse depósito.
Porém, o autor não logrou provar que fez o depósito que alegou. Assim, não logrou provar a sua declaração da sua vontade negocial tácita. Sem declaração de vontade negocial não pode haver contrato. A vontade negocial não exteriorizada expressa ou tacitamente, ainda que exista, não produz qualquer eficácia jurídica, designadamente contratos e obrigações.
Não tendo provado o depósito que alegou, não demonstrou existir fonte do dever que atribui à 1ª ré: restituir com juros. Improcede, pois, a pretensão do autor.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a presente acção e, em consequência, absolve-se a primeira ré do pedido.
*
Custas a cargo do autor.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Na sequência da modificação de factos assentes, importa reponderar os juízos valorativos sobre os factos considerados provados.
No processo semelhante, registado sob o nº 997/2019, cujo acórdão foi proferido por este TSI em 16/01/2020, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
Na sequência de alteração dos factos, a decisão há-de ser modificada.
Relativamente à responsabilidade das 1ª e 2ª Rés:
- Perante os factos assentes, sem dúvida que as 1ª e 2ª Rés são responsáveis perante a Autora.
Pois, o artigo 32º (Obrigações dos promotores de jogo) do Regulamento Administrativo Nº 6/2002, de 1 de Abril, dispõe:
Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações dos promotores de jogo:
1) Sujeitar-se à supervisão e fiscalização da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
2) Cumprir, na parte que lhes respeita, as disposições legais e regulamentares aplicáveis bem como as circulares e instruções emitidas pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
3) Sujeitar-se às auditorias da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e da Direcção dos Serviços de Finanças;
4) Manter à disposição da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e da Direcção dos Serviços de Finanças todos os livros e documentos da sua escrituração mercantil e facultar-lhes todos os elementos e informações que sejam solicitados;
5) Cumprir todas as obrigações contratuais assumidas, nomeadamente com jogadores;
6) Respeitar as instruções da concessionária que não ponham em causa a sua autonomia;
7) Cumprir as obrigações emergentes do contrato celebrado com a concessionária;
8) Entregar à concessionária os documentos referidos no n.º 2 do artigo 17.º
O artigo 31º (Responsabilidade dos promotores de jogo) do mesmo RA estipula:
Os promotores de jogo são responsáveis solidariamente com os seus empregados e com os seus colaboradores pela actividade desenvolvida nos casinos por estes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.
Os termos são tão claros como ar!
Uma vez que ficou provado que a Recorrente mantinha conta de depósito de fichas com as 1ª e 2ª Rés e nele havia saldo positivo, ela tem direito a pedir a sua restituição nos termos legais acima citados!
*
Responsabilidade da 2ª Ré com a 1ª Ré:
Apesar de a 2ª Ré não ser parte no contrato de depósito que a Recorrente celebrou com a 1.ª Ré, a 2ª Ré/Recorrida não pode alegar não ter obrigação de o conhecer.
Com efeito, nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 2ª Ré/Recorrida a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 1.ª Ré, promotora de jogo que a 2ª Ré/Recorrida contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos (cfr. artigo 10.º da base instrutória, confessado pela Recorrente);
Nos termos do n.º 3 do artigo 410.º do CPC: “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento [...].” A Recorrida tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que foi celebrado contrato de depósito entre a Recorrente e a 1.ª Ré e se esta recebeu e não devolveu as quantias indicadas pela Recorrente, pelo que, a alegação de desconhecimento de tais factos equivale à respectiva confissão.
A matéria de facto em causa nos citados artigos da base instrutória está, ainda provada pelos documentos de fls. 150 a 151(certidão judicial do processo-crime, inquérito n.º 10653-2015) juntos com a petição inicial, cuja genuinidade e veracidade não foram impugnadas pelas Rés.
*
O artigo 30.º (Obrigações das concessionárias) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 Abril, dispõe:
Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1) Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2) Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3) Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4) Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5) Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6) Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7) Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8) Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9) Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.
Nesta matéria, Luís Pessanha, in "O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau" (publicado na Revista de Administração, n.º 77, Vol. XX, 2007/3, 847-888, páginas 878 e 879), defende:
"Importa ainda referir que os promotores de jogo apenas podem desempenhar a sua actividade em associação com um casino, o qual promovem junto do público e para o qual procuram angariar apostadores endinheirados (designados no jargão do sector do jogo como os "premium players"), o que leva a que se tenha considerado que se deva exigir que após o licenciamento, o promotor de jogo se deva registrar, anualmente, perante, pelo menos, um determinado sub/concessionário (vd. artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), formalizando-se por escrito a relação entre o promotor e o respectivo sub/concessionário e dando-se cópia de tal contrato (e de qualquer outro entre estas partes que tenha um valor económico de pelo menos 1 milhão de patacas), à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vd. artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
[...]
Os sub/concessionário devem submeter anualmente, até 31 de Outubro do ano em curso, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte (vd. artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). O que implica também que os sub/concessionários tenham a obrigação de manter uma lista actualizada dos promotores de jogo, respectivos administradores, principais empregados e colaboradores, que estejam registados junto deles (vd. artigo 28.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
Este registo anual dos promotores de jogo junto do respectivo sub/concessionário não é uma mera formalidade, mas determina antes, uma verdadeira responsabilidade solidária dos sub/concessionários pela actividade desenvolvida nos casinos, pelos "seus" promotores de jogo, respectivos administradores e colaboradores (vd. artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). Os sub/concessionários devem proceder a uma fiscalização activa e diligente da actividade dos promotores de jogo e assegurar que estes dão o devido cumprimento às suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, comunicando às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa (nomeadamente, branqueamento de capitais por parte dos promotores de jogo) e assegurar a necessária correcção e urbanidade de relacionamento entre os promotores de jogo registados no mesmo sub/concessionário [...]." (destaque nosso)6.
Neste contexto, a Recorrida L, na sua qualidade de concessionária, não pode alegar que desconhece, sem obrigação de conhecer, a actuação dos promotores de jogo que contratou, sobretudo, quando as promotoras cessaram a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes.
Mais, quando o que está em causa são actos praticados e contratos celebrados dentro dos casinos que explora - como é o caso dos autos.
Não só a Recorrida tem a obrigação legal de fiscalizar toda a actuação dos promotores de jogo nos seus casinos, como, doutro passo, tem a obrigação de, perante um litígio ou potencial litígio, aferir os termos em que um promotor de jogo actuou nos seus casinos, tendo ao seu dispor todos os mecanismos contratuais e legais (e práticos, como sejam os sistemas de vigilância e segurança) para o efeito.
O que a 2ª Ré/Recorrida nunca pode é, na qualidade de concessionária, alegar que desconhece sem obrigação de conhecer a actuação dos promotores de jogo que contrata, dentro dos seus casinos.
Ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regula a actividade dos promotores de jogo, estabelece, de forma mais abrangente, que as concessionárias (e subconcessionárias) são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade destes nos casinos.
(…)”.
Mutatis mutandis, o raciocínio acima citado valeria igualmente para o caso em apreço, face dos factos assentes acima alinhados, e uma vez que ficou provado que o Autor depositou a quantia na conta dele aberta sala da a 1ª Ré, há-de proceder o pedido formulado por ele, no sentido de ordenar que lhe seja restituído a quantia por ele reclamada.
Porém, importa destacar aqui duas notas:
a) – O venerando TUI já absolveu a 2ª Ré do pedido e como tal é inútil apreciar ou reapreciar os argumentos que levaram a tal decisão de absolvição;
b) – A questão de saber se a 2ª Ré assuma uma responsabilidade civil contratual ou extracontratual é uma matéria complexa que este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, aqui ficamos dispensados de repetir esta matéria.
*
Duas notas finais:
A 1ª tem a ver com as implicações trazidas pelo artigo 63º da Lei nº 16/2022, de 19 de Dezembro, que assume como uma norma interpretativa do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril.
Ora, é do nosso conhecimento no exercício das funções que existem duas situações que importa fazer distinção:
1) – Depositar fichas ou dinheiro na conta aberta da sala VIP (explorada por promotores) para só obter juros altos;
2) – Depositar fichas ou dinheiro nesse tipo de conta para mesmo jogar (pelo titular da conta ou, com o seu consentimento, por outros jogadores).
Na aplicação do artigo 29º do citado RA, só se levanta questão quando se trata da 1ª hipótese, ou seja, as pessoas depositavam dinheiro nas contas para receber juros elevados, então nesta situação não se justifica atribuir-se a responsabilidade à sociedade titular da licença para exploração de jogos, que á a 2ª Ré dos autos.
No caso não existe este tipo de questão porque não foi levantada qualquer questão de depositar visar somente receber juros. Ou seja, é uma questão falsa neste processo discutir a conjugação do artigo 63º da Lei nº 16/2022 com o artigo 29º do citado RA.
Em face de toda a argumentação acima tecida, a interpretação que temos vindo a fazer sobre o artigo 29º em causa continua a valer para o caso em apreço.
A nota final tem a ver com o tempo a partir do qual se inicia calcular os juros moratórios.
O Autor pedir que os juros sejam contados a partir de 30/10/2015, à taxa legal, pois, ele defende que ele fez interpelação e como tal a partir daquela data se contam os juros, só que os factos provados não contêm informação sobre a data de interpelação (cfr. factos provados sob os nº 7, 8 e 9 da BI). Pelo que, os juros só podem iniciar-se a contar a partir da citação.
Face ao expendido, condena-se assim a 1ª Ré a restituir ao Autor a quantia no valor de HK$20,000,000.00, acrescido de juros moratórios contados a partir da citação até efectivo e integral pagamento, concedendo-se assim provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando-se a sentença recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - O teor de fls. 118 dos autos demonstra que o Autor tinha a conta sob o no. 80XXXX80, na sala VIP da 1ª Ré (confissão pela mesma), promotora de jogo, é escrituração comercial, cujo conteúdo não foi contrariado nem impugnado pelas partes contrárias, o que é suficiente demonstrar a existência de relação contratual entre as partes.
II – Ficou provado que o Autor depositou na sua conta a quantia no valor de HKD$20,000,000.00 (vinte milhões de dólares de HK). Portanto, é de reconhecer este crédito reclamado pelo Autor.
III – A 1ª Ré era promotora de jogo, devidamente autorizada pela 2ª Ré para estes efeitos, tem obrigação de devolver o saldo da conta ao Autor. Não o fazendo, ambas são responsáveis solidárias por força do disposto nos artigos 31º e 32º/-5) do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril.
IV – A 2ª Ré, concessionária de jogo, tem a obrigação legal de fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, nos termos do disposto no artigo 30º /-5) do citado Regulamento Administrativo. No caso de as promotoras cessarem a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes, a concessionária de jogo é responsável solidária para com os promotores de jogo pelas actividades desenvolvidas por estes últimos nos seus casinos, salvo se exista obstáculo legal para apreciar a responsabilidade civil que recai sobre a 2ª Ré, enquanto concessionária de exploração de jogos.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença de 1ª instância e passando a sentenciar da seguinte forma:
1) – Os quesitos 3º a 6º, cujas respostas foram impugnadas, passam a ter respostas acima consignadas.
*
2) - Julga-se procedente a acção, condenando-se a 1ª Ré a restituir ao Autor a quantia de HK$20,000,000.00 (vinte milhões de HK dólares), acrescida de juros de mora vencidos e vencendos, desde citação, à taxa anual legal de 9,75%, até ao efectivo e integral pagamento.
*
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 20 de Novembro de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)
Tam Hio Wa
(2o Juiz-Adjunto)
1 À mesma conclusão chegaram os Juízes do Tribunal de Segunda Instância ("TSI") no Acórdão do Processo n.º 288/2010, disponível para consulta integral - bem como a demais citada jurisprudência de Macau - em www.court.gov.mo.
2 Ver também, Acórdãos nos Processos nos. 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 e 2449/10.1TBAMT-A.P.S1, todos disponíveis para consulta integral em www.dgsi.pt.
3 Entenda-se: o prazo de prescrição de 3 anos - no caso Português previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, que corresponde, ipsis verbis, ao nosso artigo 491.º, n.º 1.
4 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
5 Cfr. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ., nº 110, pág. 113. Ac. R. Coimbra, de 87/11/17 (CJ, ano XII, Tom 5, p. 80) “o ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta”. Art. 346º C.C. e 516º do C.P.C.”.
6 Em sentido próximo, pode ver-se o artigo de Alexandre Dias Pereira, in "Law, Regulation and Control Issues of tbe Asian Gaming Industry", publicado pelo Institute for the Study of Commercial Gaming da Universidade de Macau, páginas 152 e 153.
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