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Processo n.º 807/2025
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 27 de Novembro de 2025

ASSUNTOS:

- Presença obrigatória (e rotineira) dos trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing” e suas repercussões nas remunerações salariais

SUMÁRIO:

I - Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos nesta matéria. No caso de esta não apresentar esses dados em litígio, a sua conduta esta sujeita a livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC ).
II - Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing”, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime (geral), aplicável a todos os trabalhadores (da mesma área funcional) e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade, em vez de ser uma situação casuística, pois tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020.
III – Uma vez provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, é de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos, o que lhe permite reclamar remunerações nos termos fixados pela legislação laboral.


O Relator,

________________
Fong Man Chong











Processo nº 807/2025
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 27 de Novembro de 2025

Recorrente : Recurso Final e Recurso Interlocutório
A (Macau) S.A.

Recorrido : B

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A – Recurso interlocutório:
    1) – Despacho de fls.78 e 79
    A (Macau) S.A. , Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 25/11/2024 (fls. 78 e 79), veio, em 10/12/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 84 a 94, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. presente recurso vem interposto do despacho proferida pelo Tribunal a quo e que ordena a Ré, ora Recorrente, notifique a Ré, para juntar, no prazo de 10 dias, os documentos requeridos pelo Autor.
     B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora, Recorrente.
     C. O A. não sabe, nem alega, quando é que trabalhou e quando trabalhou em dias consecutivos.
     D. Ora, estes factos são factos pessoais do A.
     E. Devem ser alegados pelo A., não pela Ré, e menos, pelo Tribunal.
     F. Alegar tais factos, tal como foi julgado, e bem no LB1-24-0001-LAC, LB1-24-0005-LAC, LB1-24-0010-LAC "trata-se de uma obrigação cujo ónus da liquidação cabe ao A., bem como o seu ónus da alegação de factos essenciais, por se tratar de fatos pessoais relativamente ao seu trabalho quotidiano e que o A. tem condições de anotar e recordar, por si próprio, os dias de trabalho, não se convertendo esse ónus mesmo com os deveres de preparação e conservação dos registos de dados por parte do empregador previstos no Art. 13.º da Lei n.º 7/2008. Não o fazendo, torna-se o seu pedido ininteligível e por conseguinte ineptidão da petição inicial."
     G. O A. não pode atirar para o ar um pedido genérico (por vezes) e depois esperar que a Ré junte os documentos para provar aquilo que não alega, nem sabe.
     H. Os dias em que o A. trabalhou ao sétimo dia são factos de que deve ter conhecimento e dessa maneira alegar e concretizar a sua causa de pedir.
     I. Também o Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7, em 09-10-2018, definiu "A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo."
     J. Se o A. não sabe quais os dias que trabalhou, nem quando trabalhou, não tem causa de pedir que sustente qualquer pedido.
     K. Com a decisão sob censura pretende-se construir uma causa de pedir inexistente.
     L. Mais quando se funda a ordem no interesse para decisão da causa.
     M. Não pode haver interesse para a decisão da causa quando não há causa.
     N. Ou seja, nem o Meritíssimo Juiz a quo sabe quais os factos da causa de pedir que pretende provar!
     O. Pelo que, salvo o devido respeito, dúvidas não restam que andou mal o Meritíssimo Juiz a quo.
     P. O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 139.º n.º 1 e 2 al. a), 455.º do C.P.C e 13.º da Lei n.º 7/2008.
     Termos em que deverá ser substituída o despacho do Tribunal a quo que ordenou à Recorrente, A notifique a Ré para juntar, no prazo de 10 dias, os documentos requeridos pelo Autor, por outra que acolha estas conclusões.
*
    2) – Despacho de fls.107 a 110
    A (Macau) S.A. , Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 23/01/2025 (fls. 107 a 110), veio, em 13/02/2025, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 115 a 125, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. presente recurso vem interposto do despacho proferida pelo Tribunal a quo e que defere o pedido de dispensa de depoimento de parte do Autor.
     B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora, Recorrente.
     C. O A. alegou que os custos com a deslocação a Macau representam um sacrifício economicamente incomportável para o A.
     D. Não junta nenhum documento que indique o custo da viagem.
     E. Não realizou, nem pediu qualquer diligência probatória.
     F. O A. não indicou nenhum motivo ou facto para que o Tribunal aprecie essa impossibilidade ou, como prevê o Art. 481.º do C.P.C, julgue haver sacrifício incomportável.
     G. Pelo que o A. não preencheu este dispositivo.
     H. É o A., que requer a sua dispensa, que tem o ónus de provar que a deslocação a Macau representa um sacrifício incomportável.
     I. É inaceitável a inversão desse ónus operada pelo Meritíssimo Juiz a quo quando escreve: "não ficou provado que a deslocação não representa sacrifício incomportável para o autor."
     J. Se o Autor alega que a deslocação a Macau representa esse sacrifício é o A. que tem de provar, não é a Ré que tem de provar o contrário.
     K. O Acórdão deste TSI no Processo nº 198/2020 (Autos de Recurso Cível e Laboral), de 2 de Julho de 2020: "Nos termos do nº 1 do artº 335º do C.Civ. àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invoca independentemente desses factos serem negativos ou positivos."
     L. Veja-se que o despacho que defere o pedido de dispensa de depoimento de parte do Autor.
     M. Também andou mal o Meritíssimo Juiz a quo quando escreve que quanto ao quesito 15.º, é incrível que o Autor faça uma declaração contrária na audiência de julgamento.
     N. Por essa exacta razão é que este TSI definiu o depoimento de parte no Acórdão proferido no Proc. nº 352/2014, de 22 de Janeiro de 2015 como: "O depoimento de parte tem por objectivo fundamental obter a confissão judicial de factos desfavoráveis ao depoente e à parte a que pertence e o reconhecimento de factos favoráveis à parte contrária."
     O. Há indícios claros que nos levam a desconfiar da impossibilidade de comparência do A. no Tribunal.
     P. O requerimento do A. é exactamente idêntico aos apresentados nos processos LB1-24-0001-LAC, LB1-24-0005-LAC, LB1-24-0008-LAC e LB1-24-0010-LAC, LB1-24-0040-LAC, LB1-24-0041-LAC, LB1-24-0042-LAC, LB1-24-0044-LAC, LB1-24-0047-LAC, LB1-24-0050-LAC, LB1-24-0054-LAC, LB1-24-0062-LAC, LB1-24-0064-LAC e LB1-24-0065-LAC pelos respectivos Autores.
     Q. Agora para o depoimento de parte todos os Autores estão desempregados, vivem em graves dificuldades financeiras e a sua deslocação a Macau implica sacrifício incomportável!
     R. Nada de novo e nada de concreto.
     S. O Juiz deve efectuar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, não menos verdade é que o deve fazer assegurando a justa composição do litígio.
     T. O que não aconteceu no presente caso.
     U. Prevendo a Lei uma cominação especial para o depoente que falta a prestar o depoimento de parte, o Tribunal com a decisão sob censura, tenta esvaziar esta disposição legal
     V. O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 442.º n.º 2, 481.º do Código de Processo Civil e 335.º n.º 1 e 350.º n.º 2 do Código Civil.
     Termos em que deverá ser substituído o despacho do Tribunal a quo que dispensou o A. prestar depoimento de parte, por outro que acolha estas conclusões.
*
    B – Recurso da decisão final:
    A (Macau) S.A. , Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 22/05/2025, veio, em 05/06/2025, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 182 a 203, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo e que condenou a, ora, Recorrente, A, a pagar ao A. a quantia global de MOP$121.507,69.
     B. Decisão, essa, que pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da, ora Recorrente.
     C. O Recorrido reclama da Recorrente o pagamento de trabalho extraordinário pela reunião de "briefing" que durava, em média, 15 minutos e a compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
     D. No entanto, o Recorrido, não sabe, nem nunca alegou quando compareceu ao serviço com 15 minutos de antecedência, como também nunca alegou quando trabalhou mais de seis dias consecutivos.
     E. Do facto provado 21.º não consta nenhum dia concreto, assumindo o Tribunal a quo que o Recorrido compareceu, sempre que trabalhou, com 15 minutos de antecedência.
     F. Salvo o devido respeito andou mal.
     G. O Recorrido confessou em 21.º da P.I, (confissão aceite pela Recorrente), não ter sofrido nenhuma consequência negativa quando chegou atrasado ao briefing!
     H. Ou seja, nem o A. foi tão longe e alegar que sempre tinha comparecido ao dito briefing, como o Tribunal acabou por concluir no facto provado 21.º.
     I. A Recorrente impugnou (4.º e 5.º da Contestação) o facto de o Recorrido ter comparecido com pelo menos 30 minutos de antecedência relativamente ao início do turno (8.º da P.I), no entanto o Tribunal a quo julgou inverter o ónus da prova, acabando por julgá-lo provado porque a Recorrente não provou o contrário!
     J. Violando, desta forma o Tribunal a quo, princípio em que quem alega tal facto tem o ónus de o provar.
     K. "Nos termos do nº 1 do Art. 335.º do C.C. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invoca independentemente desses factos serem negativos ou positivos." Ac. do TSI no Proc. 198/2020.
     L. A disposição normativa constante do n.º 5 do Art. 33.º da Lei n.º 7/2008 foi escrupulosa e pontualmente cumprida pela Ré.
     M. Como supra-referimos, a Lei n.º 7/2008 estabelece, apenas, uma condição para que tais períodos não se considerem como incluídos no período normal de trabalho: que os mesmos não ultrapassem a duração de 30 minutos diários.
     N. Dúvidas não restam que o A. nunca excedeu as 8 horas de trabalho diário.
     O. Nunca excedeu os 30 minutos de tempo para preparação para o início do trabalho.
     P. Tendo, ainda, gozado um período, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado. (resposta ao quesito 13.º)
     Q. Ou seja o A., apenas trabalhou 7 horas por cada turno de 8.
     R. Tendo o Tribunal de Segunda Instância julgado, no Proc. 811/2023: "ao não serem ultrapassadas as 8 horas diárias de trabalho não há lugar ao pagamento de horas extraordinárias."
     S. Pelo que andou mal o Tribunal a quo, primeiro ao julgar que o Recorrido compareceu sempre ao trabalho com 15 minutos de antecedência, quando nem o próprio Recorrido o alegou.
     T. Como julgou mal ao julgar a presença no briefing obrigatória até 2020.
     U. Concluiu mal ao julgar provado que o Recorrido compareceu ao serviço da Recorrente, com 15 minutos de antecedência no número de dias do quadro do quesito 6.A, sem nunca indicar nenhuma data concreta.
     V. Por fim julgou mal ao considerar haver lugar a trabalho extraordinário quando o Recorrido nunca excedeu as oito horas de trabalho diário.
     W. O Recorrido nunca alegou, nem concretizou, quando trabalhou 5, 6 ou 7 dias consecutivos.
     X. Prevê o n.º 2 do Art. 42.º da Lei 7/2008, o gozo do período de descanso semanal pode não ter frequência semanal, desde que com o acordo do trabalhador ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, desde que goze um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.
     Y. O Recorrido gozou, sempre, desde 2006, pelo menos, um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (facto provado 30.º)
     Z. Na RAEM, por imposição do contrato de concessão, os Casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, ou seja, todos os dias.
     AA. O que implicaria, aplicando o raciocínio peregrino do Tribunal a quo, que se um trabalhador gozasse o seu dia de descanso a uma segunda-feira, teria sempre de gozar todos os descansos semanais futuros na segunda-feira.
     BB. O que causaria sérios problemas para a normal operação da Recorrente, mas também seria injusto para os trabalhadores que ficariam amarrados ao dia de descanso semanal sempre no mesmo dia,
     CC. Ora, para prever esta aberração, a Recorrente, na elaboração das escalas mensais de trabalho, em cumprimento do já citado Art. 42.º da L.R.T., garante um dia de descanso por semana a cada trabalhador.
     DD. É a Lei n.º 7/2008, no seu Art. 42.º, que estabelece e une o descanso semanal ao conceito de semana.
     EE. A Lei não prevê que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas num período de sete dias, como julgou o Tribunal a quo.
     FF. A Lei prevê que: "O trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas consecutivas por semana." - sublinhado nosso-
     GG. Pelo que, tendo gozado o A., a título de descanso semanal, 1 dia por semana, 4 dias por mês, e 52 dias por ano, dúvidas não restam que a Lei foi cumprida pela Recorrente.
     HH. O Recorrido não sabe, nem alegou, quando é que trabalhou e quando trabalhou em dias consecutivos.
     II. Ora, estes factos são factos pessoais do Recorrido.
     JJ. Factos de que deve ter conhecimento e dessa maneira alegar e concretizar a sua causa de pedir.
     KK. O Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7, em 09-10-2018, definiu "A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo."
     LL. Se o Recorrido não sabe quais os dias que trabalhou, nem quando trabalhou, não tem causa de pedir que sustente qualquer pedido.
     MM. Não é à Recorrente que cabia construir a causa de pedir do Recorrido.
     NN. O Tribunal a quo violou os Art. 6.º n.º 3 do C.P.C, Art. 335.º n.º 1 do CC e Arts. 2.º, 6), 8), 33.º n.ºs 1, 3, 5, e 42.º n.º 2 da Lei 7/2008.
     Termos em que deverá ser revogada a Sentença do Tribunal a quo que condenou a A, aqui Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia global de MOP$121.507,69, sendo substituída por outra que acolha as conclusões do presente recurso.
*
    B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 208 a 211, tendo alegado o seguinte:
     a) Do objecto do Recurso formulado pela Ré:
     Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo da douta Sentença. Sem razão, porém!
     Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu cem detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razoes e dos fundamentas convincentes da mesma, e sem que existam motivos para pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se, o que desde já e para os legais efeitos se requer.
     Mais detalhadamente,
     a) Do alegado sob o art. 4.º das Motivações de Recurso:
     Sob art.4.º das suas Motivações de Recurso, a Recorrente alega que: "Acontece que basta ver os factos provados 21.º e 26.º, para constatar que não consta desses quadros nenhuma data concreta".
     Começa mal a Recorrente...
     Os factos provados 21.º e 26.º correspondem à matéria constante dos quesitos 6.º-A e 11.º da douta Base Instrutória.
     A este respeito, no douto Despacho de 13 de Maio de 20.25 (Resposta à Matéria de Facto), o Tribunal a quo discrimina ao longo de mais de 1 pagina e meia as datas concretas que a Recorrente alega não existirem...!
     É, pois, no mínimo, atrevimento (ou, grave distração) vir afirmar pela inexistência de qualquer data em concreto ...
     Mais grave,
     b) Do alegado sob os arts.11.º a 15.º das Motivações de Recurso:
     Sob os arts. 11.º a 15.º das suas Motivações de Recurso, a Recorrente procura ensaiar um verdadeiro "incidente de suspeição" (quiçá uma situação de conluio), assente, na sua opinião, numa "diferença de tratamento" por parte do Tribunal a quo para com as partes do presente litígio: "Tudo foi permitido ao A. e tudo foi negado à Recorrente".
     Trata-se, embora, "sem surpresa", de mais uma afirmação grave e completamente despropositada por parte da Recorrente que teima em não aceitar as decisões que lhe são dirigidas pelo douto Tribunal a quo, e que desde já se lamenta e, veementemente se repudia!
     No limite, vem a Recorrente, sem peias nem meias" colocar em causa a "isenção" ou "rectidão de conduta" que deve nortear toda a actuação do Tribunal e dos demais operadores de justiça na RAEM!
     Ora, ao contrário do que afirma a Recorrente, jamais existiu por parte do Tribunal de Primeira Instância um qualquer "tratamento privilegiado" para com o Autor (extensivo ao seu Mandatário) ao longo dos presentes autos, razão pela qual devem as referidas afirmações ter-se como não escritas.
     Sem prescindir,
     Tão só para a eventualidade - que se acredita possível - de o douto Tribunal de Recurso entender que se tratam de afirmações "graves" e que colocam em causa os deveres de "boa colaboração processual" exigidos a quem litiga em juíza, deve, então, o comportamento da Recorrente ser devidamente sancionado em conformidade, o que desde já se requer.
     c) Do alegado sob os arts.16.º a 20.º das Motivações de Recurso:
     Neste particular segmento do Recurso, vem a Recorrente alegar que o Tribunal a quo não tinha forma de concluir, entre outro, pelo número de "dias concretos" de trabalho prestados pelo Autor e, bem assim, pela sua participação no briefing que antecedia o início de cada jornada de trabalho!
     Descura a Recorrente, também aqui, que as "concretas datas" de trabalho prestado pelo Autor/Recorrido constam do CD de fls. 114, com base nas quais o Tribunal "(...) corrobor(ou) os números de dias de trabalho do Autor (quesito 6.º A)", conforme se pode ler junto da pág. 5. do já referido Despacho de Resposta à Matéria de Facto, de 13 de Maio de 2025, que a Recorrente insiste em ocultar e/ou fazer tábua rasa.
     De onde, contrariamente ao que alega, não existe nesta parte um qualquer vício e/ou erro de julgamento, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se na integra, o que desde já se requer.
     Sem prescindir,
     d) Do alegado sob os arts. 51.º a 65.º das Motivações de Recurso:
     Sob os arts. 51.º a 65.º do seu Recurso, a Recorrente esforça-se por alegar, entre outro, que: "O A. nunca excedeu as 8 horas de trabalho diário"; "Nunca excedeu os 30 minutos de tempo para preparação para o início do trabalho"; "O A. apenas trabalhou 7 horas por cada turno de 8"; que "(...) gozou, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos pata descanso em tempo separado(...)".
     A este concreto respeito, o Recorrido apenas lamenta que a Recorrente venha, uma vez mais, procurar "tapar o Sol coma peneira", omitindo descaradamente o conteúdo do Quesito 8.º B, nos termos do qual resultou provado que: "Durante as pausas referidas no quesito 13.º, não era permitida à ausência do Autor do interior dos Casinos da Ré" (Resposta ao quesito 13.º A).
     Pelo exposto, deve igualmente, nesta. parte, improceder o Recurso formulado pela Recorrente, o que desde já se invoca e requer.
     Adiante.
     e) Do alegado sob os arts. 70.º a 73.º das Motivações de Recurso:
     Salvo o devido respeito, quando o Recorrido estava em crer que a Recorrente nada mais tinha a dizer, vem a mesma afirmar que, contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, o teor do Quesito 14.º - quanto à questão de saber se havia acordo entre o A. e a R. para que o gozo do período de descanso semanal pude(sse) não ter frequência semanal (não provado) - "(...) só aconteceu porque o A. foi dispensado do depoimento de parte", porquanto "Estamos certos que ao confrontarmos o A. com o documento de fls.153, em audiência de julgamento, o A. acabaria por confessar o quesito 14.º" (Cfr. ipsis verbis, o alegado pela Recorrente sob os arts. 72.º e 73.º do seu Recurso).
     Dito por outras palavras: a Recorrente tem absoluta certeza de que acaso o Autor se tivesse deslocado do Nepal à RAEM (assumindo aquele todos os elevados custos que tal deslocação implica, v.g., passagem aérea, visto de entrada, estadia, alimentação, etc...) o Autor iria "confessar" exactamente o oposto daquilo que alegou em sede de Petição Inicial!
     Bem, por momentos, até o Recorrido ficou em crer que o referido Doc.junto de fls. 153 traduzisse, efectivamente, um "Acordo" para que o "gozo do período de descanso semanal pudesse não ter frequência semanal" e que, por qualquer motivo estranho, o mesmo pudesse ter escapado à douta análise do Tribunal de Primeira Instância e ao escrutínio do Autor (e do seu Mandatário).
     Puro engano!
     O documento de fls. 153 junto pela Ré em sede de audiência e julgamento é, salvo o devido respeito, uma "mão cheia de nada...", o que deixa ver, também por aqui, a total falta de razão da Recorrente, descurando propositalmente que: "quem alega um facto tem o ónus de o provar" ... conforme a própria repetidamente o afirma ao longo das suas Motivações de Recurso1.
     A terminar,
     f) Do alegado sob o art. 93.º das Motivações de Recurso: do Proc. LB1-23-0061-LAC
     Salvo o devido respeito, está o Recorrido em crer que se mostra totalmente desonesto à Recorrente fazer alusão ao "(...) entendimento deste Douto Tribunal no processo Proc. LB1-23-0061-LAC, ao julgar questão similar"2, sem concluir que o seu verdadeiro desfecho se traduziu, a final, em sentido completamente díspar do que afirma, tendo culminado na condenação da aqui Recorrente no pagamento ao ali Autor (ex-colega de trabalho do aqui Recorrido) "(...) da quantia de Mop$105,760.66 a título de compensação (...) pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho", nos termos que cristalinamente resultam do Ac. do TSI, Proc. n.º 395/2024, de 17 de Julho de 2024, que a Recorrente não pode alegar desconhecer e ou ter-se "esquecido" entretanto...
     Termos em que se requer que sejam aceites as presentes Alegações de Resposta e, em consequência, seja julgado totalmente improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, porque manifestamente infundado, assim se fazendo a costumada Justiça!
     Mais se requer que, a entender-se que o comportamento da Ré/Recorrente no decorrer dos presentes autos extravasou os limites exigidos pelo Princípio da (boa) colaboração processual, deve o mesmo ser devidamente sancionado, em conformidade, nos termos legais.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     1. Entre 03/08/2006 a 15/09/2018, o Autor esteve ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (facto assente A)
     2. Durante o período da relação de trabalho, o Autor respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (facto assente B)
     3. A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (facto assente C)
     4. Durante o período da relação de trabalho, o Autor prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (facto assente D)
     5. Durante o período da relação de trabalho, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal: (facto assente E)
De
A
SALÁRIO MENSAL
03/08/2006
30/06/2008
$7,900.00
01/07/2008
31/12/2008
$8,750.00
01/01/2009
31/01/2011
$8,750.00
01/02/2011
29/02/2012
$9,320.00
01/03/2012
28/02/2013
$9,820.00
01/03/2013
31/10/2013
$10,350.00
01/11/2013
28/02/2014
$11,400.00
01/03/2014
28/02/2015
$12,000.00
01/03/2015
28/02/2017
$12,630.00
01/03/2017
28/02/2018
$13,130.00
01/03/2018
15/09/2018
$13,730.00
     6. À chegada às instalações da Ré, o Autor (e os demais guardas de segurança) apresentava-se com as suas roupas civis. (facto assente F)
     7. Para desempenhar as suas funções de “guarda de segurança”, era exigido ao Autor (e aos demais guardas de segurança) que vestisse o respectivo uniforme, o que ocorria dentro de uma sala de vestiário própria para o efeito. (facto assente G)
     8. Depois de uniformizado, por ordem da Ré, o Autor (e os demais guardas de segurança) dirigia-se a uma sala específica com vista a participar numa sessão de briefing. (facto assente H)
     9. No interior da sala de briefing eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, nomeadamente mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (facto assente I)
     10. A sessão de briefing era conduzida pelos Team Leaders (leia-se, Chefes de turno e ou de equipa), estando, por vezes, presentes os Managers e/ou outros Superiores do Departamento de Segurança. (facto assente J)
     11. Na sessão de briefing os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções relevantes e necessárias ao desempenho das funções do Autor (e dos demais guardas de segurança) e relativas ao respectivo turno, aos turnos anteriores e/ou relativamente aos turnos seguintes. (facto assente K)
     12. Na sessão de briefing os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções relativas ao funcionamento e às regras do Departamento de Segurança, bem como informavam a respeito de alteração nas políticas da Ré. (facto assente L)
     13. Caso o Autor (ou qualquer outro guarda de segurança) chegasse atrasado à sessão briefing, o mesmo teria de justificar oralmente ao seu Team Leader a razão do atraso, o que, em regra, era aceite, sem qualquer consequência negativa. (facto assente M)
     14. Na RAEM, os Casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, ou seja, todos os dias. (facto assente N)
     - Da Base Instrutória: (no que à sua motivação concerne, vejam-se as fls. 161 a 166)
     15. De 06/07/2009 a 15/09/2018, o Autor gozou, pelo menos, do seguinte número de dias de férias anuais e dias de dispensa do trabalho: (resposta ao quesito 1.º)
Ano
Número de dias de férias e de dispensa
2009
22
2010
22
2011
15
2012
15
2013
15
2014
31
2015
23
2016
29
2017
37
2018
19
     16. A mudança de vestuário durava, em regra, entre 5 a 15 minutos. (resposta ao quesito 2.º)
     17. Na sessão de briefing os Team Leaders (leia-se, Chefes de turno) prestavam informações e davam instruções a respeito da presença naquele dia (ou nos dias seguintes) nas instalações da Ré de membros do Governo da RAEM e/ou da presença de membros do Conselho de Administração e/ou da Direcção da Ré, v.g., da presença do Senhor XXX e/ou dos seus familiares, accionistas. (resposta ao quesito 3.º)
     18. Durante a sessão de briefing o Autor (e os demais guardas de segurança) tinha de manter boa postura e estar atento às informações e instruções que verbalmente lhe eram prestadas. (resposta ao quesito 4.º)
     19. Depois de entrar na sala de briefing não era permitido ao Autor (ou aos demais guardas de segurança) ausentar-se, excepto em caso de necessidade pessoal e inadiável (v.g., para ir de emergência à casa de banho). (resposta ao quesito 5.º)
     20. A sessão de briefing tinha, em regra, uma duração de 15 minutos, podendo estender-se por tempo superior em função do conjunto de ordens e de informação a transmitir. (resposta ao quesito 6.º)
     21. Entre 06/07/2009 a 15/09/2018, o Autor compareceu ao serviço da Ré com, pelo menos, 15 minutos de antecedência relativamente ao início do turno, por forma a participar na sessão de briefing obedecendo às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, nos seguintes termos: (resposta ao quesito 6.A)
De
A
N.º de dias trabalho
06/07/2009
31/01/2011
454
01/02/2011
29/02/2012
307
01/03/2012
28/02/2013
309
01/03/2013
31/10/2013
183
01/11/2013
28/02/2014
101
01/03/2014
28/02/2015
283
01/03/2015
28/02/2017
574
01/03/2017
28/02/2018
263
01/03/2018
15/09/2018
139
     22. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 15 minutos que antecedia o início de cada turno. (resposta ao quesito 7.º)
     23. De 06/07/2009 a 15/09/2018 (atento o prazo de prescrição declarado), por vezes, para a Ré a sua actividade de “guarda de segurança” durante sete ou mais dias de trabalho consecutivos. (resposta ao quesito 8.º)
     24. Entre 06/07/2009 a 15/09/2018, a Ré não fixou ao Autor, por vezes, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (resposta ao quesito 9.º)
     25. De 06/07/2009 a 15/09/2018 (atento o prazo de prescrição declarado), a Ré não pagou ao Autor qualquer acréscimo de salário pelo trabalho prestado ao sétimo dia; isto é, pelo trabalho prestado pelo Autor após seis e/ou mais dias de trabalho consecutivos. (resposta ao quesito 10.º)
     26. Entre 06/07/2009 a 15/09/2018, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, nos seguintes termos: (resposta ao quesito 11.º)
De
A
N.º de dias de trabalho prestado ao 7.º dia
06/07/2009
31/01/2011
35
01/02/2011
29/02/2012
23
01/03/2012
28/02/2013
19
01/03/2013
31/10/2013
13
01/11/2013
28/02/2014
7
01/03/2014
28/02/2015
26
01/03/2015
28/02/2017
51
01/03/2017
28/02/2018
23
01/03/2018
15/09/2018
8
     27. De 06/07/2009 a 15/09/2018 (atento o prazo de prescrição declarado) a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (resposta ao quesito 12º)
     28. O A. gozou, em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado. (resposta ao quesito 13º)
     29. Durante as pausas referidas no quesito 13º, o Autor não era permitido a ausência do Casinos da Ré. (resposta ao quesito 13ºA)
     30. O A. gozou, desde 2006, pelo menos, um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (resposta ao quesito 15º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    A – Recurso interlocutório:
    1) – Despacho de fls.78 e 79
     Fls. 67-68 (requerimento probatório da Ré):
     1. Admito o rol de testemunha apresentado pela Ré.
     2. A Ré requer o depoimento de parte do Autor sobre os quesitos 1º, 13º a 15º da Base Instrutória.
     O depoimento de parte constitui um meio processual de provocar a confissão judicial, só é admissível quando recai sobre factos pessoais e desfavoráveis ao depoente.
     Admito o depoimento de parte do Autor sobre a matéria constante dos quesitos indicados pela Ré, nos termos de art. 345º do C.C. e art. 477º do C.P.C.
     3. Defiro a gravação da audiência.
***
     Fls. 66 e 73-77(requerimento probatório do Autor e resposta da Ré):
     1. Admito o rol de testemunha apresentado pelo Autor.
     2. O Autor requer o depoimento de parte da Ré sobre os quesitos 2º a 14º da Base Instrutória.
     A Ré alegou que o quesitos 2º, 13º e 14º não são factos pessoais, nem factos desfavoráveis ao depoente. Em relação aos quesitos 3º a 6º, entende a Ré que são factos irrelevantes para os pedidos do Autor.
     Como ficou referido, o depoimento de parte é um dos meios de prova admitidos em Processo Civil, e tem em vista possibilitar a obtenção de confissão de factos, em juízo, pela parte a quem são desfavoráveis (Acórdão do TSI de 16 de Dezembro de 2019, no processo nº 483/2015).
     De acordo com art. 479º nº1 do C.P.C., o depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
     A este propósito, o facto pessoal é o facto conhecido pela parte, trate-se de praticado com sua intervenção, de acto de acto por ela própria praticado, terceiro perante ela praticada ou de mero facto ocorrido na sua presença. Facto de que a parte deva ter conhecimento é aquele que é de presumir que ela tenha conhecido3.
     Saber se o facto é de molde a dever ser conhecido do depoente, é apreciação confiada ao prudente arbítrio do juiz; este atenderá à natureza do facto e às circunstâncias em que este se produziu para depois concluir se deverá considerar-se do conhecimento do depoente4.
     Em relação aos quesitos 13º e 14º da Base Instrutória, tem razão a Ré, porque esses factos não lhe são desfavoráveis, pelo contrário, sendo a Ré quem tem interesse em provar a ocorrência desses factos, por serem os extintivos do direito de Autor, assim, fica indeferido o depoimento da Ré sobre factos 13º e 14º da Base Instrutória.
     Relativamente ao quesito 2º, deve presumir que, atenta a circunstância de a Ré ser empregadora e saber perfeitamente o que os trabalhadores precisam de preparar antes de trabalho (como referiu nos art. 47º a 51º da Contestação), tenha conhecimento da matéria em apreço.
     Repara que está em causa um juízo de probabilidade psicológica, não faz sentido logo afirmar-se que a empregadora não teve conhecimento dos factos ocorridos no dia a dia dos seus trabalhadores no local do trabalho.
     Por outro lado, os quesitos 2º a 6º não são irrelevantes para a causa, como isso afirmado pela Ré, esses factos foram alegados pelo Autor, com o objectivo de demostrar a utilidade de "briefing", e consequemente, o carácter obrigatório de participação na "briefing", que fundamenta o efeito jurídico pretendido do Autor.
     Assim sendo, admito o depoimento de parte da Ré sobre os factos constantes do 2º a 12º da base instrutória, por ser factos desfavoráveis ao depoente e ela dever ter conhecimento, nos termos do artigo 477.º e seguintes do C.P.C.
     Para a prestação de depoimento, notifique a Ré para indicar, no prazo de 10 dias, um representante com poderes necessários e suficientes, bem como juntar os documentos comprovativos, caso necessário.
*
     3. Quanto ao registo de dados, veio a Ré dizer que o Autor não concretizou em que dias trabalhou mais de 5, 6, e 7dias.
     Não está em causa a dicutir a suficiência ou não dos factos alegados pelo Autor, este assunto já foi decidido no despacho saneador (excepção de ineptidão da P.I.), mas se a Ré possua os documentos requeridos pelo Autor e se estes documentos sejam relevantes para a decisao da causa nos termos de art. 455º de CPC.
     Os quesitos 7º, 8º, 9º, 10º, 12º dizem respeito ao não pagamento de qauntia pela prestacao de trabalho extraordinário (15 mins) e de trabalho ao sétimo dia, bem como falta de gozo de descanso compensatório. Para provar esses factos, os registos de dados que contém a remuneração auferida, o período normal de trabalho prestado, as férias gozadas relativos ao Autor são relevantes.
     Relativamente aos quesitos 13º a 15º, o art.º 455 de C.P.C. não preceitua que o interessado só possa requerer o documento para demonstrar os factos que lhe cabem o ónus de prova, a lei exige somente que os factos a provar tenham interesse para a decisão da causa, ou seja, têm valor para boa decisão da causa.
     Ora, o quesito 15º tem a ver com os números de descanso por cada quatro semanas, os registos de dados com informação sobre as férias gozadas relativos ao autor são pertinentes para demostrar a veracidade ou não deste facto, assim, deve ser deferido o pedido do autor.
     Por ter interesse para a decisão da causa, notifique a Ré para juntar, no prazo de 10 dias, os documentos requeridos pelo Autor.
     4. Defiro a gravação da audiência.
***
     Fls. 72 (pedido de dispensa de depoimento):
     Notifique a Ré para se pronunciar sobre esse pedido.
*
     Notifique e D.N.
*
    O recurso visa o teor do parágrafo acima destacado.
    A primeira pergunta que formulamos neste recurso é qual ou quais normas que foram violadas pelo Tribunal a quo ?
    A Ré/Recorrente invocou o seguinte: O Tribunal a quo violou as disposições dos arts. 6.º n.º 3, 139.º n.º 1 e 2 al. a), 455.º do C.P.C e 13.º da Lei n.º 7/2008.”
    Será?
    Ora, nenhuma norma invocada dá cobertura à posição da Ré, pois nenhum artigo invocado diz que o Tribunal não pode ordenar a junção aos autos de documentos pertinentes.
    Tal ordem foi dada com base no artigo 455º do CPC que dispõe:
(Documento em poder da parte contrária)
    1. Quando pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
    2. Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.
    Perante tal ordenado, a Ré, uma de duas, ou entregar os documentos no prazo indicado, ou não entregar e justificar a razão da não entrega! Tem uma ampla margem de manobra! Em regra, não deve ser resolvida esta questão por recurso.
     Pois, o que está em causa é a realização duma diligência, se a Ré não entregar, então é chamado para reger a situação o artigo 456º do CPC que estipula:
Artigo 456.º
(Não apresentação do documento pela parte contrária)
    Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 442.º
    Depois, o artigo 442º do CPC manda:
(Dever de cooperação para a descoberta da verdade)
    1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
    2. Aqueles que não prestem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que sejam legalmente possíveis; se a colaboração não for prestada pela parte, o tribunal aprecia livremente o valor da respectiva conduta para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 337.º do Código Civil.
    3. Cessa o dever de colaboração quando esta importe:
    a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
    b) Intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nos outros meios de comunicação;
    c) Violação do segredo profissional ou de funcionário, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
    4. Pedida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei processual penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo invocado.
    A não entrega está sujeita à consequência de que o Tribunal aprecia livremente a conduta da Ré para efeitos probatórios!
    É inútil discutir aqui se tais documentos são obrigatoriamente guardados pela Ré, até mesmo que fosse obrigatório, a Ré podia sempre dizer que tais documentos tenham extraviado ou desaparecido!
    Pelo que, não há violação das normas indicadas, julga-se deste modo improcedente o recurso interposto pela Ré.
*
    Prosseguindo, segundo recurso interlocutório:
    2) – Despacho de fls.107 a 110
     Quanto ao recurso interposto pela Ré a fls. 84-94:
     A Ré interpôs recurso do despacho que ordena à Ré para juntar os registos de dados ao Autor (fls. 79), sustentando que o recurso deve subir imediatamente com efeito suspensivo, sob pena de o recurso perder o seu efeito.
     Como se sabe, em princípio, os recursos não devem subir logo que sejam interpostos, mas sim mais tarde, de modo a poderem ser todos julgados simultaneamente. Se cada recurso interlocutório subisse logo para apreciação ao tribunal superior, dificilmente o processo chegaria ao seu termo.
     No processo do trabalho, sobem imediatamente apenas os recursos previstos no artº. 112º nº1 a nº3 de C.P.T, nos termos de artº. 112º nº 2, sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
     A inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso. Essa inutilidade absoluta do recurso só se verifica, quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, o recurso já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
     In casu, o objecto do recurso é o despacho que ordena à Ré para juntar os documentos, se vier a ser julgado a final procedente o recurso, será determinada a revogação do despacho recorrido, e em substituição, será ordenado o desentranhamento e devolução dos documentos à Ré.
     Caso isso aconteça, anulam-se todos os actos processuais posteriormente ao despacho objecto do recurso, o tribunal não poderá atender aos documentos juntados pela Ré, por conseguinte, incumbe ao Autor provar os factos integradores de causa de pedir.
     Portanto, a utilidade de eventual procedência do recurso subsiste.
     Alegando ainda a Ré que nada vale o desentranhamento dos documentos pois o autor pode intentar a nova acção e usa os documentos desentranhados, salvo o devido respeito, não concordo com esse argumento.
     Por um lado, conforme mencionado anteriormente, a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e a sua utilidade deve ser aferida no próprio processo em causa, e não considerar como o autor irá agir em outros processos no futuro. Por outro lado, o objeto do recurso em causa diz respeito apenas à decisão de junção dos documentos, e não à de ineptidão da P.I., em outras palavras, se vier a ser julgado a final procedente o recurso, o processo vai continuar a tramitar e o tribunal fará decisão sem atender aos documentos, assim, parece que não puder o autor intentar a nova acção como a mesma causa de pedir e mesmo pedido.
     Posto isto, o recurso em causa apenas sobe com o primeiro que, depois da sua interposição, deva subir imediatamente.
     O despacho recorrido é recorrível, o recurso é tempestivo, tem a Recorrente legitimidade e juntou as suas alegações. Assim, admito o presente recurso, fixando-o como ordinário com o regime de subida diferida e com efeito meramente devolutivo nos termos dos artigos 111.º, nº1 e nº5, 112º nº 4 e 113º do CPT e dos artigos 581.º, 583.º, nº1, 585.º, nº1 do CPC.
     Sustenta-se a decisão recorrida nos termos dos artº 617 º do CPC.
***
     Quanto a conceder novo prazo para a junção do doc. a fls.95:
     Notifique a Ré para juntar, no prazo de 10 dias, os documentos referidos do despacho de fls 79.
***
     Quanto à dispensa da prestação do depoimento do Autor na audiência do julgamento a fls. 72, 82-83, 101-102, 106:
     Vem o Autor requerer a dispensa de prestar depoimento na audiência do julgamento, uma vez que não reside em Macau e enfrenta dificuldade económica para se deslocar a Macau. (fls. 72.)
     A Ré entende que não ficou provado o sacrifício incomportável para o Autor deslocar à RAEM, por isso contestou o referido requerimento. (fls.82-83)
     Seguidamente, o Autor juntou uma cópia de declaração de Desemprego emitida pela autoridade do Nepal (fls. 101-102). A este respeito, a Ré afirmou que não compreende qual é a finalidade desse documento, uma vez que o autor não requereu nada no respectivo documento (fls. 106).
     Quanto ao último ponto, a Ré não tem razão, pois a finalidade da declaração de Desemprego é bastante clara: demostrar a dificuldade económica do autor. É por isso que o autor referiu no documento de fls. 101 que “na sequência do Requerimento junto em 05/11/2024, reqeuer a V. Exa a junção aos autos de cópia de Declaração……”
     Agora, cabe ao tribunal apreciar se deve deferir ou não o requerimento de dispensa de prestar depoimento na audiência do julgamento.
     Como reflexo do princípio de cooperação e oralidade (art. 8º nº2, 3º e 440º de C.P.C), as partes são obrigadas a comparecer na audiência e a prestar oralmente o depoimento perante o tribunal, a fim de fornecer ao tribunal os elementos de apreciação e de convicção.
     Sendo os depoentes residirem em Macau, não há qualquer obstáculo que os impeça de comparecer à audiência. No entanto, quando os depoentes não residem em Macau, como é o caso do Autor, a questão que se coloca é saber se o depoente ainda tem a obrigação de comparecer para depor na audiência de julgamento.
     Nos termos do artº 481º de C.P.C., nº 1. O depoimento deve ser prestado na audiência de discussão e julgamento, salvo se for urgente, o depoente residir fora de Macau ou estiver impossibilitado de comparecer no tribunal.
     2. O tribunal pode ordenar que deponha na audiência de discussão e julgamento a parte que reside fora de Macau, se o julgar necessário e a comparência não representar sacrifício incomportável para a parte.
     A redacção do artº 481º de C.P.C.M é muito semelhante ao artº 573º de C.P.C. Português de 1939, o que permite o recurso a Doutrina sobre essa matéria, como refere o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, Vol. 4°, 3ª edição, pág. 138),“a comissão revisora entendeu que devia estabelecer-se em termos menos rígidos a obrigação de a parte se deslocar da sua comarca para a do processo, a fim de prestar o depoimento, tal obrigação podia traduzir-se num encargo insuportável; devia, por isso, temperar-se a sua formulação. Daí resultou o que hoje se lê no 2º período do art. 573º. Continua o juiz a dispor do poder de ordenar que a parte venha à comarca da causa prestar o depoimento na audiência de discussão e julgamento; mas a modificação consistiu em se inserirem duas limitações: a) se julgar isso necessário; b) se a obrigação de comparecimento não representar para a parte sacrifício incomportável. Claro que as limitações são mais subjectivas do que objectivas, é do critério do juiz que depende o funcionamento delas, sobretudo o da primeira”
     Isto é, quando os depoentes residem no estrangeiro, tem-se entendido não ser admissível a sua intimação para prestar depoimento em audiência (esta é a regra geral), a menos que se prove que a deslocação não representaria sacrifício incomportável5.
     Sendo assim, o tribunal deve fazer um juízo de proporcionalidade, considerando a relevância do depoimento a prestar para a decisão de causa, bem como o sacrifício emergente da deslocação, ou seja, a distância e a facilidade da deslocação e a capacidade económica do depoente.
     Quanto à primeira limitação (necessidade de depor na audiência), embora a imediação e oralidade de depoimento sejam convenientes para uma boa decisão da causa, no caso em apreço, foi requerido o depoimento do Autor aos quesitos 1, 13º a 15º da B.I.. No entanto, o quesito 1º pode ser completamente comprovado com base no registo de entrada e saída junto pelo autor. O quesito 15º (4 dias de descanso por cada 4 semanas) também pode e deve ser comprovado com base nos registos de dados (especialmente o doc. “RDO”) que a Ré possui, portanto, o depoimento do autor não é indispensável.
     Em relação aos quesitos 13 e 14º, que dizem respeito à existência dos períodos de pausa e do acordo entre sobre descanso semanal, mas quando lê os artº 16º a 19º de resposta de contestação, fica muito claro qual é a posição do autor, que impugna e nega especificamente a existência da tal pausa e acordo. Como se sabe, o depoimento de parte visa obter a confissão judicial, é incrível que o Autor faça uma declaração totalmente contrária na audiência de julgamento, por isso, julgo que o seu depoimento na audiência também não é necessário.
     Quanto à segunda limitação (a comparência não representar sacrifício incomportável), dos elementos constantes dos autos não se conclui que o Autor possui uma forte capacidade financeira, pelo contrário, sendo ele um trabalhador não residente, que saiu da sua família no Nepal para trabalhar aqui, recebia um salário mensal que variava entre 7,000 a 14,000 MOP ao longo dos anos, o que demostra que ele não tem uma capacidade financeira forte.
     Além disso, a declaração de Desemprego junta pelo autor (fls. 102) também ajuda a compreender a sua fraca situação financeira actual.
     Por outro lado, o artº 6º do Código de processo de trabalho estabelece uma presunção de insuficiência económica dos trabalhadores, embora essa presunção seja fixada apenas para efeito de apoio judiciário, o que não deixa de ser um sinal bem claro de que, nas accões em que sejam reclamados créditos laborais, tem-se tender a concluir pela insuficiência económica dos trabalhadores, especialmente quando outros elementos dos autos (profissão, salário…etc.) apontam para a mesma conclusão.
     Assim, não fica provado que a deslocação não representaria sacrifício incomportável6 para o autor, julgo que é improporcional exigir que o autor suporte as despesas de deslocação e alojamento, para comparecer à audiência e responder alguns quesitos sobre os quais ele já manifestou sua posição de maneira muito clara nos articulados.
     Por todo o exposto, defere-se o pedido de dispensa de depoimento de Autor na audiência.
*
     Notifique.
*
    Quid juris?
    O objecto deste recurso consiste na decisão acima destacada: dispensa da comparência do Autor em audiência de julgamento para prestar depoimento da parte. A Ré, discordando desta decisão, veio a interpor recurso para este TSI.
    Do mesmo modo, comecemos por perguntar, qual norma jurídica que não foi respeitada pelo Tribunal a quo?
    O regime de depoimento de parte encontra-se regulado no artigo 477º a 489º do CPC, único artigo que disciplina a situação semelhante é o artigo 482º do CPC que dispõe:
(Impossibilidade de comparência no tribunal)
    1. Mostrando-se que a parte está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, o juiz pode fazer verificar por entidade médica a veracidade da alegação e, em caso afirmativo, a possibilidade de a parte depor.
    2. Havendo impossibilidade de comparência, mas não de prestação de depoimento, este realiza-se no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico assistente, se for necessário.
    O que está em causa é a falta de condições económicas do Autor para se deslocar para Macau para prestar depoimento, a Ré entende que este motivo não está comprovado nem é bastante para ser atendido pelo Tribunal.
    É uma leitura possível, só que se a Ré insistisse na realização desta diligência, podia lançar mão do mecanismo previsto no artigo 547º do CPC que (apesar de regular o regime de inquirição das testemunhas, ele pode ser aplicado com adaptações para o regime de depoimento de parte) manda:
(Abono das despesas e indemnização)
    A testemunha que tenha sido notificada para comparecer, resida ou não na Região Administrativa Especial de Macau e tenha ou não prestado o depoimento, tem direito ao pagamento das despesas de deslocação e a uma indemnização, fixada pelo juiz, por cada dia em que tenha comparecido, se o pedir no acto do depoimento, ou no momento em que se lhe der conhecimento de que se prescindiu da sua inquirição ou, quando esta comunicação não tenha lugar, até à conclusão do processo para sentença.
    Mas, como o pedido foi na sequência da insistência da Ré, as despesas ocorreriam a cargo da Ré! Será que esta aceitaria? Ora, os artigos 21º/1-d), 32º/2-a), e 35º/1-a), todos do Regime de Custas nos Tribunais, dão resposta directa à questão em causa: não realização da diligência!
    Isto por um lado, por outro, que a verdade seja dita, nos processos laborais, por regra tem valor muito reduzido o depoimento de parte, já que é quase impossível que o Autor consegue precisar em que data é que gozou ou não gozou de descanso, ou gastou quanto tempo para acabar o trabalho!
    A Ré avançou com o seguinte argumento:
    “O Tribunal a quo violou as disposições dos Arts. 6.º n.º 3, 442.º n.º 2, 481.º do Código de Processo Civil e 335.º n.º 1 e 350.º n.º 2 do Código Civil.”
    Que consequências que daí decorrentes? Mesmo que se entenda que não foi dado cumprimento aos artigos citados?
    Ora, o artigo 442º do CPC manda:
(Dever de cooperação para a descoberta da verdade)
    1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
    2. Aqueles que não prestem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que sejam legalmente possíveis; se a colaboração não for prestada pela parte, o tribunal aprecia livremente o valor da respectiva conduta para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 337.º do Código Civil.
    3. Cessa o dever de colaboração quando esta importe:
    a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
    b) Intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nos outros meios de comunicação;
    c) Violação do segredo profissional ou de funcionário, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
    4. Pedida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei processual penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo invocado.
    Depois, o artigo 350º do CC estabelece:
(Declaração confessória)
    1. A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar.
    2. Se for ordenado o depoimento de parte ou comparecimento desta para prestação de informações ou esclarecimentos, mas ela não comparecer ou se recusar a depor ou a prestar as informações ou esclarecimentos, sem provar justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta da parte para efeitos probatórios.
    É de verificar-se que a consequência é a mesma: a conduta do Autor está sujeita à livre apreciação do Tribunal para efeitos probatórios!
    Merece igualmente destacar aqui, que efeito prático ou utilidade que a Ré/Recorrente vem a tirar deste recurso? Nada! Para além de os argumentos invocados improcederem!
    Assim, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
    Prosseguindo,
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
     I. RELATÓRIO
     B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente em XXX, Nepal, titular do Passaporte da República Democrática Federal do Nepal nº XXX, emitido pela autoridade competente da República Democrática Federal do Nepal, vem deduzir contra
     A (MACAU) S.A. (adiante, A),
     pedindo que seja julgada procedente a presente acção e, em consequência, seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
     a) MOP$6,225.31, a título de 15 minutos de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento, relativo ao período entre 03/08/2006 a 31/12/2008;
     b) MOP$46,855.84, a título de 15 minutos de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento, relativo ao período entre 01/01/2009 a 15/09/2018;
     c) MOP$65,086.67, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, relativo ao período de 03/08/2006 a 31/12/2008;
     d) MOP$172,915.33, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, relativo ao período de 01/01/2009 a 15/09/2018;
     e) Em custas e procuradoria condigna.
     *
     Realizada a tentativa de conciliação presidida pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
     A Ré contestou a pretensão do Autor, negou a natureza obrigatória da reunião de briefing, sustentando que o tempo da reunião não conta para efeito de período normal de trabalho, e que o período normal de trabalho do Autor não excede 8 horas. Quanto à questão de trabalho no descanso semanal, a Ré entende que o descanso semanal pode ser fixado em qualquer dia do período de sete dias (da segunda-feira a domingo), e não no sétimo dia após sete dias de trabalho consecutivo. Ademais, a Ré alegou existir o acordo entre as partes para o gozo irregular de descanso semanal.
     Foi elaborado o despacho saneador, no qual se declarou prescritos os créditos reclamados pelo Autor durante o período de 03/08/2006 a 05/07/2009, e selecionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
     A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
     *
     O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
     O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
     As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
     Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
     Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
     *
     II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
     (...)
***
     III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
     Ficou provado que, de 03/08/2006 a 15/09/2018, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. Em contrapartida, a Ré pagou ao Autor uma determinada quantia a título de salário de base mensal.
     Assim, não restam dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
     Como mencionado acima, no despacho saneador, o tribunal declarou prescritos os créditos reclamados pelo Autor entre 03/08/2006 a 05/07/2009, daqui resulta que o tribunal agora apenas apreciará os créditos laborais reclamados durante o período de 06/07/2009 a 15/09/2018.
     ***
     A. Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal:
     - Do descanso semanal:
     O Autor alega que, durante o período da relação de trabalho, prestou por vezes trabalho para a Ré durante sete ou mais dias de trabalho consecutivo, sem um período de descanso de 24 horas.
     Além de existência de um acordo para que o gozo do período de descanso semanal possa não ter frequência semanal, a Ré sustenta que o que a lei impõe sobre o descanso semanal, é que o trabalhador tem o direito de gozar um dia de descanso numa semana (de segunda-feira a domingo), independentemente de quantos dias de trabalho consecutivo haja.
     A questão que agora apreciamos depende da resposta que dermos à seguinte interrogação: se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer um dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho (essa é a tese da Ré), ou se, pelo contrário, tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia (essa é a tese do Autor).
     Estas duas posições têm os seus seguidores. Quanto à primeira posição, BERNARDO LOBO XAVIER7 defende que o dia de descanso não tem de recair no sétimo dia, ou seja, pode existir os períodos de trabalhos superiores a uma semana de calendário, aos quais se seguirão outros de menor duração.
     O Venerando Tribunal de Segunda Instância (os Acórdãos de TSI. Proc. nº 477/2022 de 06/10/2022, nº 944/2020 de 04/02/2021, nº 791/2024 de 23/01/2025) seguia, de forma unânime, a segunda posição. A jurisprudência portuguesa recente também tende à mesma orientação, quanto está em causa o trabalho por turnos rotativos em laboração contínua ininterrupta8.
     Sustentamos a orientação adoptada pela nossa jurisprudência, pois o descanso semanal justifica-se por razões de segurança e de produtividade da empresa e do trabalhador, reduzindo o risco de ocorrência de acidentes de trabalho, isto é, permite ao trabalhador que recupere física e psiquicamente do esforço despendido ao longo de uma semana de trabalho consecutivo.
     Essa forma de interpretação de descanso semanal revela-se respeitadora do direito internacional, nomeadamente das Convenções n.º 14 e n.º 106 da O.I.T.9.
     Por outro lado, a lei permite que o gozo do descanso semanal não siga regulamente a forma referida acima; neste caso, porém, é necessário que haja um acordo entre as partes para que o descanso não tenha frequência semanal, ou a natureza da actividade da empresa não permita o gozo regular do descanso. De qualquer modo, o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas. (art. 42 º nº 2 de L.R.T.)
     *
     - Do acordo sobre o descanso irregular e da inviabilidade de descanso regular por causa de natureza da actividade da empresa:
     Alega a Ré que havia um acordo entre ela e o Autor, que permitia a concessão de descanso semanal de forma irregular. No entanto, atenta à resposta dada pelo tribunal ao quesito 14º, não se provou que havia tal acordo.
     Por outro lado, a Ré alega que o casino da Ré funciona ininterruptamente durante 24 horas por todos os dias, o descanso semanal fixo implicaria vários problemas para a normal operação da Ré e injustiça para os trabalhadores (arts. 103º a 105º da contestação,).
     Aliás, a testemunha XXX explicou na audiência de julgamento, detalhadamente, a forma como é elaborado o quadro de turnos dos guardas, com o objectivo de, por um lado, assegurar os recursos humanos e a operação normal da Ré (por exemplo, quando há falta dos trabalhadores ou face ao acréscimo de trabalho da Ré, é possível preencher facilmente as vagas) e, por outro lado, garantir que os guardas possam gozar de descansos semanais de maneira mais justa.
     A questão em apreço não é nova, tendo esta sido decidida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, a título exemplificativo, no acórdão de 05/12/2024, do proc. nº 790/2024: não se diga que a natureza da actividade da ré tornava inviável a concessão de descanso semanal no sétimo dia. Na verdade, apesar de a actividade da ré ser contínua (24 horas por dia), esta não logrou demonstrar por que razão não podia conceder aos seus trabalhadores descanso semanal no sétimo dia e necessariamente no oitavo dia, pelo que, na falta de prova dessa pretensa inviabilidade, como sendo entidade patronal a ré violou o direito ao repouso semanal do autor, passando este a ter direito à compensação pelo trabalho prestado no sétimo dia.
     De facto, a forma da organização do quadro de turnos alegada pela Ré visa principalmente atender à flexibilidade de recursos humanos da Ré, sobretudo para facilitar a organização do trabalho dos guardas. Mas ainda assim, continua sem saber por que razão a concessão de descanso regular seja inviável ou impossível.
     Na prática judicial, podemos observar que a forma de organização do quadro de turnos adoptada por alguns Casinos (v.g. XX) garante basicamente o descanso ao 7º dia dos guardas, a sua violação só tem caracter muito excepcional, ocorrendo apenas 2 a 3 vezes por ano.
     Dessa forma, improcedem os argumentos da Ré.
      *
     - Do cálculo de compensação:
     Considerando que a Ré não consegue provar a existência de acordo de gozo de descanso, nem justifica a inviabilidade de descanso regular, deve ser considerado como trabalho no dia de descanso semanal quando o Autor prestava trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
     Nos termos de artigo 43.º, n.º2, al. 1) da Lei n.º 7/2008, sem prejuízo do disposto no n.º 8, a prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e o direito a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
     Isto é, o trabalhador que labora em dia de descanso semanal tem o direito de receber um acréscimo de um dia de remuneração de base e mais um dia de descanso compensatório.
     Atenta aos factos provados 26º, durante o período da relação de trabalho o Autor prestou 205 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. Contudo, a Ré não pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado aos sétimos dias.
     Por outro lado, do facto provados 30º conclui-se que o direito de descanso compensatório do Autor foi garantido, pois a Ré proporcionou sempre ao Autor quatro dias de descanso remunerado por cada quatro semanas.
     Pelo exposto, o Autor tem o direito de receber um acréscimo de remuneração correspondente ao número de dias de trabalho prestado no descanso semanal. Com base do facto provado 25º, a fórmula de cálculo é seguinte: (Remuneração de base diário) x (n.º de dias devidos e não gozados), o que perfaz de MOP$76,316.90 relativo à compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal:


DE
A
Remuneração de base diário
(MOP)
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
(MOP)
06/07/2009
31/01/2011
$291.67
35
$10,208.45
01/02/2011
29/02/2012
$310.67
23
$7,145.41
01/03/2012
28/02/2013
$327.33
19
$6,219.27
01/03/2013
31/10/2013
$345.00
13
$4,485.00
01/11/2013
28/02/2014
$380.00
7
$2,660.00
01/03/2014
28/02/2015
$400.00
26
$10,400.00
01/03/2015
28/02/2017
$421.00
51
$21,471.00
01/03/2017
28/02/2018
$437.67
23
$10,066.41
01/03/2018
15/09/2018
$457.67
8
$3,661.36
***
     B. Compensação de trabalho extraordinário para reunião de briefing:
     O Autor alega que estava obrigado a participar em uma reunião de briefing, com 15 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
     A Ré não nega a existência de uma reunião antes de cada turno, mas sustenta que a sua participação não tem carácter obrigatório, e que esta reunião de briefing não conta para período normal de trabalho nos termos de art. 33º nº5 de L.R.T., e que o Autor gozou em cada turno de 8 horas uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado.
     Atentas as respostas dadas pelo tribunal aos quesitos 6ºA, provou que, durante a reunião, o Team leader verificava o uniforme dos guardas de segurança, distribuía o trabalho e fornecia instruções de trabalho. Os guardas não eram permitidos ausentar da sala de briefing livremente, sendo assim, sem mais consideração, logo pode-se concluir que o tal “briefing” não é voluntário no sentido de que os trabalhadores podem escolher livremente a participar ou não. Pelo contrário, tudo isto mostra que o “briefing” era organizado pela Ré e fazia uma parte do trabalho.
     *
     - Do art º 33º nº5 de L.R.T.:
     Alega a Ré que nos termos de art. 33º nº5 de L.R.T., o tempo necessário à preparação para o início do trabalho não deve ser contabilizado para efeitos de período normal de trabalho, desde que tal não ultrapasse a duração de 30 minutos diários.
     A Ré compara o regime de Macau com o de Portugal, alegando que a lei de Macau não menciona o caracter excepcional dessa tolerância, mas a lei portuguesa sim (artº 203 da Lei nº 7/2009 de PT), pois conclui que o legislador de Macau permite sempre esta tolerância, desde que não ultrapasse 30 mins.
     Embora a Ré tenha corretamente identificado o problema em causa, que é o caracter excepcional dessa tolerância, o Tribunal não pode concordar com a sua conclusão. Isto porque, interpretando assim, significa que o trabalhador pode ser exigido a prestar 8,5 horas de trabalho por dia, desde que o empregador qualifique a parte de trabalho como preparatório.
      De facto, a lei já implica o caracter excepcional desse tolerância, pois a lei alude ao “tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, actividades e serviços começados e não acabados”. Não faz sentido dizer que todos os dias existem serviços começados e não acabados, pois essas situações, por sua natureza, são excepcionais e ocasionais. Neste ponto, o Tribunal acompanha totalmente os argumentos do douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, datado de 27.04.2017, sob o Processo n.º 167/2017.
     Dessa forma, improcede este argumento da Ré.
      *
     - Das pausas/intervalos:
     Fica provado que o Autor gozou em cada turno de 8 horas, uma pausa de 30 minutos e duas pausas de 15 minutos para descanso em tempo separado, mas também provado que, durante essas pausas, não era permitido ao Autor ausentar-se da área dos Casinos da Ré.
     A questão está em saber se estas pausas devem ser contabilizadas para efeitos de período normal de trabalho.
     O artº 33º nº 3 da L.R.T. impõe que haja um intervalo de não inferior a 30 mins, de modo que o trabalhador não preste mais de 5 horas de trabalho consecutivo. Não há dúvida de que este é o minino repouso, nada impede que o empregador concede mais pausas para descansar.
     Considerando que o conceito do período normal de trabalho não é naturalístico, mas jurídico, ou seja, não se pode afirmar que todos os tempos de não trabalho efectivo têm de ser descontado do período normal de trabalho, como por exemplo a interrupção do trabalho em razão da necessidade pessoal (ir a casa de banho).
     Como Pedro Romano Martinez afirma, as pausas, por via de regra, não contam para o cômputo do período normal de trabalho, desde que sejam previamente fixadas, e tendo o trabalhador autonomia para as preencher no seu interesse10.
     A linha de fronteira entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ situa-se naquele momento em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada11.
     É por essa mesma razão e raciocínio que o legislador de Macau adopta um critério concreto e fixo para esta fronteira da definição, que é a permissão da ausência incondicional do trabalhador do seu local de trabalho previsto no artº 33º nº 4 da L.R.T.
     A razão para essa norma é a seguinte: se durante o intervalo, o trabalhador pode sair livremente do local de trabalho, isso demostra que ele pode dispor livremente do seu tempo e pode fazer o que ele quiser. Pelo contrário, se não pode sair do local de trabalho, já não pode afirmar que o trabalhador adquiriu domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada.
     No caso presente, as pausas devem ser contabilizadas no período normal de trabalho, pois ficou provado que o Autor não era permitido ausentar-se do casino livremente (facto provado 29º).
      *
     - Do cálculo de compensação:
     Fica provado que de 06/07/2009 a 15/09/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos, e cada turno dura 8 horas. No entanto, o Autor tinha de comparecer ao serviço da Ré com 15 minutos de antecedência relativamente ao início do turno, por forma a participar na sessão de briefing.
     Como referido acima, estes 15 minutos de briefing não estão cobertos no âmbito do artº 33º nº5 de L.R.T., por tal briefing ter carácter regular. Assim, esses 15 minutos devem ser qualificados como trabalho extraordinário, isto é, o trabalho prestado para além do período normal de trabalho de 8 horas (artº 2º nº8 de L.R.T.).
     Nos termos de artigo 36.º, n.º1, e artº 37º nº 1 da L.R.T, a prestação de trabalho extraordinário nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo anterior confere ao trabalhador o direito a auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%.
     Pelo exposto, a fórmula para compensar o trabalho extraordinário, nos termos da L.R.T. vigente, deverá ser a seguinte: “Nº de dias trabalhos x Remuneração normal horário / 4 x 1.5”.
     Assim, o Autor tem o direito de receber MOP$45,190.79 relativo à compensação de trabalho extraordinário durante o período de 06/07/2009 a 15/09/2018, nos seguintes termos:

DE
A
N.º de dias de trabalho efectivo
Remuneração normal horário x 1.5/4
Quantia indemnizatória
06/07/2009
31/01/2011
454
$36.46 x 1.5 /4
$6,207.32
01/02/2011
29/02/2012
307
$38.83 x 1.5 /4
$4,470.30
01/03/2012
28/02/2013
309
$40.92 x 1.5 /4
$4,741.61
01/03/2013
31/10/2013
183
$43.13 x 1.5 /4
$2,959.80
01/11/2013
28/02/2014
101
$47.50 x 1.5 /4
$1,799.06
01/03/2014
28/02/2015
283
$50.00 x 1.5 /4
$5,306.25
01/03/2015
28/02/2017
574
$52.63 x 1.5 /4
$11,328.61
01/03/2017
28/02/2018
263
$54.71 x 1.5 /4
$5,395.77
01/03/2018
15/09/2018
139
$57.21 x 1.5 /4
$2,982.07
*
     Juros moratórios
     As quantias supramencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
     ***
     IV. DECISÃO
     Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$121,507.69, sendo:
     -MOP$45,190.79 pela prestação de trabalho extraordinário relativo ao período de 06/07/2009 a 15/09/2018;
     -MOP$76,316.90 pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal relativo ao período de 06/07/2009 a 15/09/2018.
     Às quantias supramencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante até integral e efectivo pagamento.
     Absolver a Ré dos restantes pedidos.
     As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
     Registe e notifique.
*
    Quid Juris?
    Ora, é de verificar-se que todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e da decisões por parte do Tribunal a quo, e, nesta sede, limitamo-nos a destacar os seguintes aspectos:
1) – A Ré concluiu neste ponto da seguinte forma:
     C. O Recorrido reclama da Recorrente o pagamento de trabalho extraordinário pela reunião de "briefing" que durava, em média, 15 minutos e a compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
     D. No entanto, o Recorrido, não sabe, nem nunca alegou quando compareceu ao serviço com 15 minutos de antecedência, como também nunca alegou quando trabalhou mais de seis dias consecutivos.
     E. Do facto provado 21.º não consta nenhum dia concreto, assumindo o Tribunal a quo que o Recorrido compareceu, sempre que trabalhou, com 15 minutos de antecedência.
     F. Salvo o devido respeito andou mal.
     G. O Recorrido confessou em 21.º da P.I, (confissão aceite pela Recorrente), não ter sofrido nenhuma consequência negativa quando chegou atrasado ao briefing!
     H. Ou seja, nem o A. foi tão longe e alegar que sempre tinha comparecido ao dito briefing, como o Tribunal acabou por concluir no facto provado 21.º.
     I. A Recorrente impugnou (4.º e 5.º da Contestação) o facto de o Recorrido ter comparecido com pelo menos 30 minutos de antecedência relativamente ao início do turno (8.º da P.I), no entanto o Tribunal a quo julgou inverter o ónus da prova, acabando por julgá-lo provado porque a Recorrente não provou o contrário!
     J. Violando, desta forma o Tribunal a quo, princípio em que quem alega tal facto tem o ónus de o provar.
(…)”.

    Relativamente a esta questão, já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos:
    1) – Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos. No caso de esta não apresentar esses dados, a sua conduta está sujeita à livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC). Pois, quem controla a entrada e saída dos empregados é sempre a entidade patronal, o mesmo acontece com os trabalhadores da Função Pública, eis a razão da montagem de máquinas para picar pontos ou sistemas semelhantes para a mesma finalidade.
    2) – Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime geral, em vez de ser uma situação casuística, pois ficou demonstrado que tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020. Regime geral, aqui, no sentido de ele ser aplicável a todos os trabalhadores da mesma área funcional e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade. Aliás não é pela primeira vez que este TSI se pronunciou sobre esta questão.
    3) Por outro lado, uma vez que ficou provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, e de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos!
    4) – Pelo que, os argumentos tecidos pelo Tribunal a quo são válidos e como tal devem ser acolhidos.
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    Quanto ao demais, concluímos que, em face da argumentação acima transcrita, o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    I - Quem tem a obrigação de controlar a assiduidade e pontualidade dos trabalhadores é sempre a entidade patronal, e é esta que deve ter os respectivos registos nesta matéria. No caso de esta não apresentar esses dados em litígio, a sua conduta esta sujeita a livre apreciação por parte do Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 455º, 456º e 442º/2, todos do CPC ).
    II - Quanto à presença de trabalhadores no local de trabalho com antecedência de 15 minutos para “briefing”, as provas produzidas apontam para a conclusão de que isso é um regime (geral), aplicável a todos os trabalhadores (da mesma área funcional) e tem um carácter de rotina e de obrigatoriedade, em vez de ser uma situação casuística, pois tal regime só deixou de ser obrigatório a partir de 2020.
    III – Uma vez provada a relação laboral durante um certo período de tempo, e, perante as características do regime de “briefing” acima referidas, é de concluir-se que, com base na presunção judicial, que o trabalhador/Autor estava sujeito àquele regime de “briefing” obrigatório (diário, no sentido de que no dia em que o Autor labora, tem de cumprir), com a duração máxima de 15 minutos, o que lhe permite reclamar remunerações nos termos fixados pela legislação laboral.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (interlocutórios e finais), confirmando-se as decisões recorridas (incluindo a sentença) nos seus precisos termos.
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    Custas pela Recorrente/Ré.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 27 de Novembro de 2025.

Fong Man Chong
(Relator)

Seng Ioi Man
(1º Adjunto)

Choi Mou Pan
(2º Adjunto)
1 Porque pertinente, da resposta do douto Tribunal a quo ao referido Quesito 14, pode ler-se, entre outro, que: "Nos autos não há nenhum documento que mostre que o Autor tenha concordado em gozar do período de descanso semanal de forma irregular. O documento apresentado pela Ré em audiência (fls.192) apenas demonstra que o Autor já leu e conheceu os regulamentos internos da Ré (...)" (Cfr. pág. 10 do Despacho de 13 de Maio de 2025, Resposta à Matéria de Facto).
2 Cfr. o alegado pela Recorrente sob o art. 93.º das suas Motivações de Recurso. Negritos do Recorrido.
3 Código de Processo Civil - Anotado - Volume 2º. Artigos 381.º a 675.º (2ª Edição). de José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto. Fls. 472.
4 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. IV, pg. 93
5 Código de Processo Civil - Anotado - Volume 2º, artigos 381º a 675º , de José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, Coimbra Editora, 2001, 476 pag..
6 Como a referência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 083082, Data do Acordão: 1993/01/07, refere no sumário que:
“ III - Aquele preceito legal subordina a prestação do depoimento de parte a duas limitações: "se o julgar necessário" e "se a comparência não representar sacrifício incomportável para a parte.
IV - Quanto à primeira condição, justifica-se que o réu deponha perante o Tribunal Colectivo, de forma que o depoimento tenha maior utilidade e eficácia, contribuindo para uma justa decisão da causa.
V - Quanto à segunda limitação, acontece que, na maior parte dos casos o juiz da causa não terá elementos para avaliar o sacrifício que significará para a parte residente fora da área da comarca a sua deslocação à sede do tribunal. Está indicado, por isso, que antes de ordenar a sua comparência no julgamento, a oiça sobre as possibilidades que tem de fazer essa deslocação. Na ausência da verificação desta última condição, é injustificada a imposição ao réu da obrigação de comparência na audiência para prestar o depoimento de parte.”
7 - Manual de Direito do Trabalho, de Bernardo da Gama Lobo Xavier, P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho e Joana Vasconcelos, editor: Verbo, 2011, fls. 624.
8 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 5960/18.2T8MAI.P1, Data do Acordão: 2022/09/12: Estando em causa uma situação de prestação de trabalho por turnos rotativos, em laboração contínua ininterrupta, logo sujeita à previsão legal do n.º 5, do art.º 221.º do CT, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório.
- Ac. da RP de 07.11.2016, proc. n.º 5286/15.3T8MTS.P1.
9 O artigo 2.º da Convenção n.º 14 da OIT, dispõe que “1. Todo o pessoal ocupado em qualquer estabelecimento industrial, público ou privado, ou nas suas dependências deverá, ressalvadas as excepções previstas nos artigos presentes, gozar, em cada período de sete dias, de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas pelo menos.”
o o artigo 6.º da Convenção 106 OIT, prevê “ que todas as pessoas a quem se aplica a presente convenção terão direito, sob reserva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de repouso semanal, compreendendo um mínimo de 24 horas consecutivas, por cada período de sete dias.”.
10 Direito do Trabalho, Pedro Romano Martinez, 2005. 7ª edição, fls. 562-563.
11 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Pro. nº: 250/13.0TTCTB.C1, Data do Acordão: 2016/03/10
Direito do Trabalho, relação individual, João Leal Amado, 2019, Almedina, fls. 578.
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