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Processo nº 127/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), natural do Paquistão, e com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado com o qual se lhe indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA que declarou a nulidade da autorização da sua residência na R.A.E.M.; (cfr., fls. 146 a 156-v e 161 a 179 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Observada que se nos apresenta estar a tramitação processual legalmente prevista, junto estando o douto Parecer do Ministério Público onde se pugna pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 216 a 216-v), e, nada parecendo obstar, cumpre decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Em sede da sua decisão sobre a “matéria de facto” tem o Acórdão recorrido o teor seguinte:

“a) Por despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 04.06.2025 com base nos fundamentos no relatório complementar nº 300054/SRDARPREN/2025P foi declarada nula a autorização de residência concedida ao Requerente em 06.09.2013, com os seguintes fundamentos:
Parecer:
Aprovo o parecer do Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, substituto.
À apreciação do então Secretário para a Segurança.
G
o comandante do CPSP, substituto
(ass.: vd. original)
Aos 28/05/2025

1. Ao interessado A, de nacionalidade paquistanesa, foi concedida a autorização de residência em Macau em 06/09/2013, para que se reunisse com a cônjuge residente de Macau B. Mais tarde renovou-se-lhe a autorização até 05/09/2020.
2. De acordo com o acórdão do TSI de 20/03/2025 já transitado em julgado, o interessado A e B celebraram um casamento falso em Paquistão de papel passado, para pedir autorização de residência em Macau. Além disso, o interessado declarou-se mentirosamente o pai do D (filho do irmão mais velho dele e da B). O TJB sentenciou em 30/06/2023 e o interessado foi condenado a 2 anos e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documentos” p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, cometido em coautoria material e de forma consumada; além disso, foi condenado a 1 ano e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documento de especial valor” p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do CP conjugado com o art.º 245.º, cometido em coautoria material e de forma consumada; em cúmulo das duas penas aplicadas, foi condenado a 3 anos de pena de prisão efectiva. Mais tarde, o TSI modificou-lhe a decisão, mandando suspender a execução da pena de prisão na medida de 3 anos.
3. O que o interessado fez causou à decisão de deferimento do seu pedido de autorização de residência o vício de erro nos pressupostos de facto, para além de introduzir actos ilícitos na tomada da decisão. Por isso, é de declarar nulas as decisões de concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado.
4. Na audiência escrita, o mandatário do interessado alegou sinteticamente que apesar dos dois crimes de “falsificação de documentos” (casamento falso e falsas declarações sobre a identidade), o interessado mantinha a relação conjugal com B, com quem vivia e que os dois juntos tomavam conta do filho que não era do interessado.
5. Eis a nossa análise e a proposta fundamentadas em tudo quanto informam os autos:
1) O pressuposto e requisito principal dos actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado foi o casamento que o interessado A celebrou com B. O TSI provou, no entanto, que era falso o casamento que o interessado celebrara com B. Estando em causa facto ilícitos, trata-se de um acto nulo cujo objecto constitui crimes.
2) Resultou da audiência escrita que era insuficiente a justificação apresentada pelo mandatário do interessado, sobretudo no que diz respeito ao alegado erro de facto de que a decisão administrativa padecia. Na sentença do tribunal está provado que o interessado enganou as Autoridades e obteve a “autorização de residência” através de um casamento falso celebrado na altura (ano 2013). As suas alegações não conseguiram desmentir os factos dados por assentes pelas Autoridades sobre o casamento falso que o interessado A celebrara com B.

Nesta conformidade, propõe-se declarar, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea c) do CPA, nulos logo desde o início os actos administrativos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado A; bem como notificar a DSI, para acompanhamento e tratamento do caso.

À apreciação e consideração do Sr. Comandante.
Aos 23/05/2025
O Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, substituto
(ass.: vd. o original)
O Subintendente I
Despacho:

Concordo, proceda-se conforme proposto.

O Secretário para a Segurança,
H
(ass.: vd. original)
04/06/2025

Gabinete do Secretário para a Segurança

A presente fotocópia foi extraída do original.

Macau, 07/08/2025
O Chefe do Gabinete
(ass.: vd. original)

Assunto: declaração de nulidade da concessão de autorização de fixação de residência
Relatório complementar n.º 300054/SRDARPREN/2025P
Data: 15/05/2025
1. Conforme o despacho do então Secretário para a Segurança de 06/09/2013, concedeu-se autorização de fixação de residência na RAEM ao interessado A, de nacionalidade paquistanesa, para que se reunisse com o cônjuge residente de Macau B. Mais tarde renovou-se-lhe a autorização até 05/09/2020. (Já se perfizeram sete anos seguidos da autorização de fixação de residência)
【dos autos】
2. No período que vai de 05/2019 a 05/2021, através de correios trocados com a PJ, tomou-se conhecimento de um caso de “crime de falsificação de documento de especial valor” (casamento falso) em que estavam envolvidos cinco indivíduos chamados C, E, A (o interessado), B e F. Concluída a investigação, os indivíduos constituídos como arguidos foram detidos e entregues ao MP para inquérito e tratamento. (P. 230-240)
3. No período que vai de 07/2021 a 04/2022, pediram informações ao MP através de correios sobre o acompanhamento do caso. Segundo a resposta de 31/05/2022, já acusaram o interessado e o caso foi remetido para o TJB para julgamento (processo n.º CR3-21-0248-PCC). Junto se mandou a acusação (OU KIM IENG SOU n.º 2298/2021), segundo a qual no início de 2013, o irmão mais velho do interessado pediu que a B ajudasse o seu irmão mais novo A, de modo que pudesse vir a Macau fixar a residência, através de casamento falso. Por obra do irmão mais velho do interessado, os dois casaram-se em 02/03/2013 em Paquistão e com base nisso, pediu-se a autorização de fixação de residência na RAEM. De resto, D, filho do irmão mais velho do interessado e da B, nasceu em 21/06/2013. Por obra do irmão mais velho do interessado e com conhecimento da B, o interessado A, mentindo ser o pai, tratou do registo de nascimento para D. Sendo o casamento falso, o interessado e a B têm vivido separados em Macau. O interessado foi acusado do “crime de falsificação de documentos” p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, cometido em (co-)autoria material e de forma consumada e do “crime de falsificação de documento de especial valor” p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do CP conjugado com o art.º 245.º do mesmo Código. (P. 241-248)
4. No período que vai de 06/2022 a 07/2023, pediram informações ao TJB através de correios sobre o julgamento do caso do interessado. Segundo a resposta de 13/09/2023, o interessado recorrera da sentença proferida, pelo que a decisão ainda não transitara em julgado. Em seguida a 11/10/2023, receberam a sentença proferida pelo Juízo Criminal do TJB (n.º CR3-21-0248-PCC), segundo a qual em 2011 a B conheceu através de amigos o irmão mais velho do interessado C. Enamoraram-se. Em 10/2012 a B ficou grávida com filho do irmão mais velho do interessado. No início de 2013 o irmão mais velho do interessado solicitou ajuda à B para que o seu irmão mais novo A viesse fixar residência a Macau através de casamento falso, induzindo o governo da RAEM em erro que viria a emitir o BIRM ao interessado. De resto, D, filho do irmão mais velho do interessado e da B, nasceu em 21/06/2013. Por obra do irmão mais velho do interessado e com conhecimento da B, o interessado A, mentindo ser o pai, tratou do registo de nascimento para D. Sendo o casamento falso, o interessado e a B têm vivido separados em Macau. O interessado foi condenado a 2 anos e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documentos” p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, cometido em coautoria material e de forma consumada; além disso, foi condenado a 1 ano e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documento de especial valor” p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do CP conjugado com o art.º 245.º; em cúmulo das duas penas aplicadas, foi condenado a 3 anos de pena de prisão efectiva. (P. 249-286)
5. No período que vai de 25/01/2024 a 10/02/2025, pediram informações ao TSI através de correios acerca da decisão sobre caso do interessado. Segundo a resposta de 24/03/2025, proferiu-se o acórdão que transitou em julgado em 20/03/2025. Anexou-se o acórdão, segundo o qual em 23/01/2025 o TSI concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente, anteriormente condenado a 2 anos e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documentos” p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004 e a 1 ano e 6 meses de pena de prisão pelo “crime de falsificação de documento de especial valor” p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do CP conjugado com o art.º 245.º e em cúmulo das duas penas aplicadas, condenado a 3 anos de pena de prisão efectiva; o TSI modificou-lhe a decisão, mandando suspender a execução da pena de prisão na medida de 3 anos. (P. 287-316)
【audiência escrita】
6. O pressuposto e requisito principal dos actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida foi o casamento que o interessado A celebrara com B. O tribunal provou, no entanto, que era falso o casamento que o interessado celebrara com B. Durante os actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado ocorreram os actos ilícitos. É de, portanto, declarar, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea c) do CPA, nulos os actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado A.
7. Em 03/04/2025, o nosso Departamento mandou uma nota interna (413/SRDARP/2025P) ao Departamento de Controlo Fronteiriço, pedindo que interceptassem o interessado nos postos de migração, para notificá-lo da audiência escrita. (P. 345 – 347)
8. Em 09/04/2025, notificaram o interessado por correio da intenção do Departamento nos termos do art.º 13.º da Lei n.º 16/2021 e nos termos dos art.º 93.º e art.º 94.º do Código do Procedimento Administrativo. Resulta da página da Internet dos CTT que o correio foi entregue em 14/04/2025; vd. ofício n.º 103541/CPSP-SRDARP/OFI/2025P, ofício n.º 103543/CPSP-SRDARP/OFI/2025P e notificação n.º 200336/SRDARPREN/2025P; o interessado podia expressar-se por escrito a tal respeito no prazo de 15 dias a contar do dia de notificação. (P. 333 – 344)
【alegações】
9. Em 09/05/2025, este Departamento recebeu os seguintes documentos dirigidos pelo Dr. L, mandatário do interessado ao CPSP, reencaminhados pelo Gabinete do Secretário para a Segurança:
– A declaração (P. 328-332) do mandatário do interessado, que dizia essencialmente: “…
1) Cá o mérito da causa é a autorização de fixação de residência, em vez do casamento que o interessado celebrou com seu cônjuge.
2) Apesar dos dois crimes de “falsificação de documentos” (casamento falso e falsas declarações sobre a identidade), o interessado mantinha a relação conjugal com B, com quem vivia e que os dois juntos tomavam conta do filho que não era do interessado. No entanto, incumbia à Administração indagar os factos dados por provados na acção criminal (a actual manutenção de comunhão de vida entre o interessado e B), para apurar se correspondem à realidade; só que a Administração não o fez.
3) A seu ver, a decisão administrativa sobre a declaração de nulidade da concessão e da renovação de autorização de fixação de residência ao interessado padece do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito; desejava, portanto, que não dessem prosseguimento à execução da decisão.”
– Fotocópia do certificado de cidadão paquistanês do interessado (emitido em 31/03/2021) (P. 327)
Fotocópia do ofício mandado pela DSI para o interessado (sobre a aquisição da nacionalidade chinesa – entrega da prova de renúncia à nacionalidade). (P. 326)
– Fotocópia do BIRM permanente do interessado. (P. 325)
– A procuração e a subdelegação do interessado notarialmente reconhecidas. (P. 317 – 324)
【análise sintética】
10. Efectuada a análise sintética, propõe-se o seguinte para o caso em apreço:
– O pressuposto e requisito principal dos actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao A foi o casamento que o A celebrara com B. O TSI provou, no entanto, que era falso o casamento que A celebrara com B. Durante os actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao A ocorreram os actos ilícitos de A. Portanto, pretende-se declarar, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea c) do CPA, nulos os actos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao A.
– Resultou da audiência escrita que era insuficiente a justificação apresentada pelo mandatário do interessado. Na sentença do tribunal está provado que o interessado enganou as Autoridades e obteve a “autorização de residência” através de um casamento falso celebrado na altura (ano 2013). As suas alegações não conseguiram rebater os factos dados por assentes pelas Autoridades sobre o casamento falso que o interessado A celebrara com B.

Nesta conformidade, propõe-se declarar, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea c) do CPA, nulos logo desde o início os actos administrativos da concessão de autorização de residência e de renovação da autorização que fora concedida ao interessado A; bem como notificar a DSI, para acompanhamento e tratamento do caso.

À decisão superior.

O elaborador,
(ass.: vd. original)
J XXXXXX
O Subcomissário K
(ass.: vd. original)
Subdivisão de Residência
Divisão de Autorização de Residência e Permanência


b) Pelo Governo do Paquistão foi emitido certificado a declarar que o Requerente renunciou à cidadania do Paquistão – cf. fls. 92 -;
c) Em Abril de 2025 o Requerente passou a trabalhar a tempo parcial na companhia indicada a fls. 96 e 97 auferindo no total MOP11.000,00.
Para além dos factos indicados não se provaram quaisquer outros”; (cfr., fls. 149-v a 154-v).

Do direito

3. Ponderando sobre o que se deixou consignado, e, em especial, no pelo Tribunal de Segunda Instância decidido e agora no presente recurso alegado, vejamos se adequada foi a decisão de indeferimento do pelo ora recorrente deduzido pedido de “suspensão de eficácia” do acto administrativo que declarou a nulidade da sua autorização de residência na R.A.E.M..

Ora, em apertada síntese, entendeu-se que verificados não estavam os pressupostos legais para se decidir pela procedência de pretendida “suspensão de eficácia”, referindo-se o Tribunal de Segunda Instância ao previsto no art. 121°, n.° 1, al. a) do C.P.A.C., tendo-se no Acórdão recorrido consignado o seguinte:

“(…)
De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.».
No caso dos autos o acto em causa declara a nulidade do acto que concedeu ao Requerente o estatuto de residente da RAEM, o qual, por introduzir uma alteração no estatuto de residente do Requerente modificou a ordem jurídica pre-existente, sendo um acto de conteúdo positivo.
Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
«Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».

Vejamos então.
Como fundamento do despacho cuja suspensão se pede está a condenação do Requerente por falsamente e com o intuito de obter o estatuto de residente da RAEM ter declarado ser casado com uma residente de Macau e ter declarado ser pai do filho desta, situações que não correspondem à verdade.
Sendo irrelevante para a apreciação dos pressupostos da suspensão do acto os fundamentos em que este se alicerça, dado que não cabe nesta fase de apreciar da sua legalidade, não deixam, no caso concreto, os mesmos de relevar para efeitos de apreciação da argumentação do Requerente.
Sendo falso o casamento e falsa a paternidade demonstrado está que o Requerente não tem esposa nem filho para sustentar.
Alega o Requerente que ficou na situação de apátrida por ter renunciado à sua anterior nacionalidade, pelo que o acto agora praticado o coloca numa situação de indocumentado.
Porém, tal desiderato, como se diz na contestação resultou de uma opção do Requerente e não da prática do acto cuja suspensão se pede pelo que é alheia a este, reforçando-se, se daí resulta algum prejuízo de difícil reparação para o Requerente apenas a si é imputável e não ao acto em causa.
Mais alega que com a prática do acto em causa perde o emprego que tem ficando sem rendimentos para prover ao seu sustento.
Contudo, o que resulta dos autos é que o Requerente apenas arranjou dois empregos em tempo parcial dois meses antes do acto em causa ter sido praticado e quando já era expectável que tal viesse a acontecer, desconhecendo-se como vivia antes, admitindo-se que tivesse outras fontes de rendimentos pois de algo haveria de viver.
Destarte, em face da factualidade apurada não se pode concluir que o Requerente haja demonstrado que da prática do acto possa resultar prejuízo que não possa ser reparado, nomeadamente através de acção de indemnização.
Assim sendo, acompanhamos o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público no sentido de não estar verificado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artº 121º CPAC.

Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.

Contudo, sendo os requisitos consagrados no nº 1 do artº 121º do CPAC de verificação cumulativa, na míngua de demonstração do requisito da alínea a) apenas se pode concluir pela improcedência da providência requerida”; (cfr., fls. 154-v a 156).

E, nas “conclusões” do presente recurso, (e na parte que interessa), diz o ora recorrente o que segue:

“(…)
IX. No que respeita à suspensão de eficácia requerida, o Tribunal a quo veio indeferir esse pedido, sendo essa decisão o objecto do presente recurso, considerando que não estava preenchido o pressuposto exigido pela alínea a), do n.º 1 do artigo 121.º;
X. O Tribunal a quo deu como provados diversos factos, que por uma questão de mera economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, bem como a fundamentação que exarou.
XI. O ora Recorrente não se conforma com essa decisão.
XII. O Tribunal a quo considerou que “Sendo falso o casamento e falsa a paternidade demonstrado está que o Requerente não tem esposa nem filho para sustentar.”
XIII. Na verdade, a condenação nada mudou o registo factual que sempre pautou a vida do aqui Recorrente e, apesar de ter sido condenado pelo crime que foi, o mesmo continua a tratar o filho (não biológico) como filho e continua a sustentar o mesmo com a ajuda da esposa (com quem continua a viver);
XIV. Partir-se apenas do pressuposto que tendo sido condenado pelo crime de “casamento falso” e pela prestação de falsas declarações no registo de nascimento do seu filho – que é uma decisão proferida pelos tribunais, vem alterar a realidade factual é escasso, muito escasso.
XV. As situações de facto não se alteram, nomeadamente o facto de o Recorrente viver com a esposa e de tratar o filho como sempre o tratou, porque o TJB e o TSI consideraram que o aqui Recorrente foi condenado (culpado).
XVI. Não foi pelo facto de os Tribunais terem decidido da forma como decidiram, decisão que se respeita, que na vertente factual o Recorrente deixou de prover (também) ao sustento da mulher e da criança a quem sempre chamou filho.
XVII. Deixar de poder prover ao sustento (ou apoio ao sustento) destas duas pessoas e do próprio Recorrente é um prejuízo irreparável.
XVIII. Mas a verdade é que se não tiverem meios para comer ou ter um tecto, pagar as despesas de água, electricidade e gás, ou sequer ter os mínimos meios para poderem viver com alguma dignidade e humanismo, durante determinado período de tempo, Recorrente, mulher e filho ficarão numa situação extremamente precária e que nenhuma acção de indemnização vai resolver porque o tempo não recua, não volta atrás, até que o recurso contencioso seja decidido.
XIX. O Recorrente alegou também que ficará numa situação de apátrida por ter renunciado à nacionalidade originária, ficando agora numa situação de indocumentado e, posteriormente, de ilegal na Região.
XX. Essa alegação, como é bom de ver, tinha e tem por base uma realidade factual que se vai registar, e é fácil de ver qual é.
XXI. Sem a titularidade do BIR, além do Recorrente não poder desenvolver qualquer actividade profissional, ficará o mesmo numa situação de ilegalidade na RAEM.
XXII. É certo, como alega o Tribunal a quo que “resultou de uma opção do Requerente e não da prática do acto cuja suspensão se pede pelo que é alheia a este”, a questão do mesmo ficar apátrida.
XXIII. Mas a realidade é que além do Recorrente ter de ficar na RAEM, desconhecendo-se em que condição, sem poder desenvolver qualquer actividade profissional, o mesmo ficará também impedido de se deslocar para qualquer país ou Região porque, como é por demais consabido, nenhum país aceita a entrada de uma pessoa sem a mesma estar documentada e identificada, a menos que seja refugiado.
XXIV. O Recorrente não se enquadra na figura de refugiado, quer económico, quer político, e a mesma Administração da RAEM que o quer expulsar da Região, e que se opôs a esta suspensão de eficácia, será a mesma Administração, em especial a mesma Entidade Recorrida, que terá de resolver essa situação, sob pena do Recorrente ficar na mendicidade e/ou a viver na rua, como um sem abrigo.
XXV. Como bem sabe a Entidade Recorrida, o Recorrente já não tem a nacionalidade paquistanesa, mas sim a chinesa.
XXVI. Como bem sabia o tribunal a quo, e está dado como provado, o Requerente deixou de ter a nacionalidade paquistanesa.
XXVII. Logo, a questão que se coloca é simples, ou seja, não sendo atendida esta suspensão de eficácia, mesmo com todos os prejuízos que essa situação acarretará para o Recorrente e se crê que estão demonstrados, o Recorrente terá de abandonar a RAEM em virtude da declaração de nulidade da autorização de residência e, consequentemente, proceder à entrega – como a Entidade Recorrida já lhe exigiu – do passaporte paquistanês.
XXVIII. Mas a realidade factual é que o mesmo não vai poder abandonar a RAEM porque, como supra se alegou, já não é titular de nenhum passaporte paquistanês porque a Administração da RAEM lhe comunicou, no âmbito do procedimento de aquisição da nacionalidade chinesa, que o mesmo deveria renunciar à sua nacionalidade originária e, quando o fez, entregou o passaporte paquistanês à autoridades paquistanesas.
XXIX. Se se entender que este facto (do pedido de nacionalidade que está suspenso) não é importante para se poder decidir se existe, ou não, prejuízo de difícil reparação para o Recorrente, ficando o mesmo necessariamente, de facto, na RAEM, porque não pode deixar a RAEM para mais nenhum país ou Região por inexistência de nacionalidade e falta de documentos de viagem, ficando eventualmente numa situação de mendicidade ou a viver de apoios de familiares ou amigos, se se entende que isto não é, de facto e de direito, um prejuízo de difícil reparação, então mal estaremos para conseguirmos qualificar o que será um prejuízo de difícil reparação.
XXX. No entendimento do Recorrente, existe um prejuízo de difícil reparação.
XXXI. E cumpre salientar que mesmo com uma eventual acção indemnizatória o Recorrente vai ficar a viver sem qualquer meio de subsistência e, eventualmente, apenas de apoios ou ajudas de familiares e amigos.
XXXII. Sendo que no caso em concreto, caso o façam, ainda correm o sério risco de serem indiciados e acusados de aliciamento ou instigação à migração ilegal, auxilio à migração ilegal, acolhimento ou facilitação de auxílio e acolhimento, tudo nos termos previstos nos artigos 69.º a 72.º da lei n.º 16/2021.
XXXIII. Por último, revela o Tribunal que o “Requerente apenas arranjou dois empregos em tempo parcial dois meses antes do acto em causa ter sido praticado e quando já era expectável que tal viesse a acontecer, desconhecendo-se como vivia antes, admitindo-se que tivesse outras fontes de rendimentos pois de algo haveria de viver.”
XXXIV. Diga-se, o Recorrente junto aos autos de suspensão de eficácia de acto administrativo, juntamente com o requerimento, como documentos n.º 3 e 4, as sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância.
XXXV. Mesmo sendo de conhecimento oficioso do Tribunal, pelo exercício de funções, sempre na sentença proferida pelo tribunal Judicial de Base estava indicada a profissão do Recorrente, desempenhando as funções de guarda com responsabilidades de chefia numa empresa de segurança e auferindo um salário mensal de MOP$ 12.500, 00.
XXXVI. Assim, aquando da entrega do documento, porque estes factos já estavam dados como assentes, o Recorrente optou apenas por proceder à junção das actuais declarações de rendimentos.
XXXVII. Contudo, ao contrário do que fundamenta o Tribunal a quo, isso não significa que o Recorrente apenas tivesse arranjado “dois empregos em tempo parcial dois meses antes do acto em causa ter sido praticado e quando já era expectável que tal viesse a acontecer”.
XXXVIII. Quer-se crer que foi pura desatenção do tribunal a quo, mas para que não restem dúvidas, procede-se, de momento, à junção de novas e actualizadas declarações de rendimentos, com indicação de funções que o recorrente desempenha.
XXXIX. Entende-se que o tribunal a quo não analisou estas declarações agora entregues, e que, portanto, decidiu como decidiu, contudo, não se pode olvidar que a informação que o Tribunal a quo alega não ter conhecimento, estava plasmada nos documentos entregues com o requerimento de suspensão de eficácia do acto, pelo que as mesmas devem ser aceites por este douto Tribunal.
XL. Por outro lado, acrescenta-se, o Recorrente desempenha funções na empresa de segurança desde 10/01/2017, sendo que desempenhava funções de chefia/ supervisão, mas o facto de ter sido condenado em processo crime impediu-o de poder continuar a desempenar essas funções, sendo hoje um mero guarda e, para fazer face à diferença salarial, trabalhando igualmente numa empresa responsável pela gestão de condomínios, ambas do mesmo grupo, ou seja, a [Empresa(1)] e a [Empresa(2)] (DOC 3 e 4).
XLI. E cumpre igualmente salientar que não se trata de um facto novo, apenas de uma explanação sobre uma informação que já constava nos documentos anteriormente entregues e que terá passada despercebida ao Tribunal a quo, o que se entende.
XLII. Parece-nos que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, ficou demonstrado que a não suspensão da decisão de nulidade do acto administrativo que concedeu, ao aqui Recorrente, a autorização de residência, causará um prejuízo de difícil reparação.
XLIII. Pelo exposto, entende o Recorrente que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido violou a lei, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 121.º do CPAC, pelo que se impõe uma decisão diversa;
XLIV. Nomeadamente, no sentido de que seja concedida a requerida suspensão de eficácia do acto recorrido até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade”; (cfr., fls. 174 a 179).

Aqui chegados, e após a reflexão que nos foi possível efectuar, passa-se a (tentar) expor a solução que se nos apresenta como a (mais) adequada para a situação dos presentes autos.

Vejamos.

Como é sabido, o “acto administrativo” pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, gozando como tal, “da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”; (cfr., M. Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463 e segs.).

De facto, como regra geral, a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade, não tem “efeito suspensivo”.

Tal ausência de efeito suspensivo – como afirma Santos Botelho, no seu “Contencioso Administrativo”, 3ª ed., pág. 446 – “prende-se e encontra a sua justificação na necessidade que, de uma maneira geral, a Administração tem de evitar que a celeridade, que com carácter normal deve presidir à actividade administrativa venha a ser entravada por um uso formalista e reprovável das garantias contenciosas. No fundo, a não atribuição de efeito suspensivo ao recurso contencioso radicaria não só na presunção da legalidade do acto administrativo, como também no apontado interesse do exercício contínuo, regular e eficaz da acção administrativa”.

Todavia, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.

Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual de “suspensão de eficácia do acto”, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas “irremediáveis” ou “dificilmente reparáveis”.

O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar, ainda que provisoriamente, a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso.

Tem, assim, como “meio processual acessório de natureza cautelar”, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do funcionamento do sistema judicial; (neste sentido, vd., Vieira de Andrade in, “A Justiça Administrativa”, 2ª ed. pág. 167 e F. do Amaral, “Direito Administrativo”, Vol. IV, pág. 302).

É assim a “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs. – uma “providência cautelar” que visa impedir que, durante a pendência de um recurso contencioso (ou acção), ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente “platónica”.

Assim, e esclarecida a “natureza” e “efeitos” da requerida “suspensão de eficácia”, importa, sem mais demoras, apreciar se verificados estão os “requisitos” para a sua concessão.

Pois bem, em causa está o pressuposto legal do art. 121°, n.° 1, al. a) do C.P.A.C., onde se prevê como um dos “requisitos” para a concessão da providência pelo ora recorrente pretendida a circunstância de “a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.

In casu, e como se viu, o Tribunal de Segunda Instância considerou que “provado” não estava tal “prejuízo irreparável”, entendendo o ora recorrente que de sentido contrário devia ser o decidido.

Temos – repetidamente – entendido que se o requerente da suspensão de eficácia de acto administrativo não logrou “provar”, com elementos concretos bastantes, o seu invocado “prejuízo de difícil reparação”, (limitando-se tão só a alegar esse prejuízo), não se pode decretar a pretendida suspensão, por não se encontrar reunido, para já, o requisito exigido na “alínea a)” do n.° 1 do art. 121° do C.P.A.C., e ainda que só existe este “prejuízo de difícil reparação” quando a avaliação dos “danos” e a sua “reparação”, não sendo de todo em todo impossíveis, podem tornar-se “muito difíceis”, sendo de se considerar “prejuízo de difícil reparação” a privação de rendimentos geradora de uma “situação de carência quase absoluta” e de “impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”, (ao requerente cabendo, como se referiu, o “ónus” de alegar e provar, com elementos objectivos e concretos, a verificação do “prejuízo de difícil reparação” causado pelo acto administrativo cuja suspensão de eficácia requer; cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.U.I. de 29.07.2024, Procs. n°s 82/2024 e 85/2024, de 13.12.2024, Proc. n.° 127/2024-I e de 18.07.2025, Proc. n.° 83/2025).

Sendo de se manter o entendimento que atrás se deixou explanado, cremos que a decisão recorrida não se pode manter, (necessária não nos parecendo aqui uma longa e abundante fundamentação, mas essencialmente, e, especialmente, pelos motivos seguintes).

Ora, como se viu, “provado” está que o ora recorrente, (não obstante natural do Paquistão), “renunciou à sua nacionalidade paquistanesa”.

Sobre tal “renúncia”, e acompanhando o entendimento na contestação então apresentada pela entidade administrativa recorrida – e que em resposta ao presente recurso mantém e reafirma; (cfr., fls. 194 206) – considerou o Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão agora recorrido que tal situação “resultou de uma opção do Requerente e não da prática do acto cuja suspensão se pede pelo que é alheia a este, reforçando-se, se daí resulta algum prejuízo de difícil reparação para o Requerente apenas a si é imputável e não ao acto em causa”; (cfr., pág. 14 deste aresto).

Porém, sem prejuízo do muito respeito por diversa (e melhor) opinião, não se nos mostra de subscrever o assim considerado, pois que – para além de até resultar dos presentes autos que tal “renúncia” foi efectuada nos termos do art. 7° da “Lei da Nacionalidade da República Popular da China”, (adoptada em 10.09.1980 e nesta mesma data promulgada por Decreto n.° 8 do Presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional; in B.O. n.° 1/1999), e do art. 11°, n.° 3, da Lei n.° 7/1999, (que aprova o “Regulamento sobre os Requerimentos relativos à Nacionalidade dos Residentes da R.A.E.M.”), e na sequência do pedido de aquisição da nacionalidade chinesa pelo ora recorrente apresentado na Direção dos Serviços de Identificação, (cfr., fls. 91 e 92) – não nos parece que se deva atribuir excessivo (e indevido) relevo à questão da “iniciativa de tal renúncia”.

Com efeito, evidente se nos mostra que a aludida “renúncia”, (sendo, por natureza, um “acto voluntário e pessoal”), só podia ter origem numa decisão (ou opção) do próprio recorrente, (esclarecida se nos apresentando assim ficar tal circunstância).

O mesmo se nos afigura também de referir quanto ao seu “objectivo”, já que – para além de resultar dos presentes autos ter sido condição necessária (e legal) da pelo ora recorrente pretendida aquisição da nacionalidade chinesa – sobre tal circunstância nada (mais) se provou, (nomeadamente, se foi efectivamente “intencional” e para os precisos efeitos de se colocar na “situação” em que agora se encontra).

E, nesta conformidade, adequado não nos parece afirmar e concluir que “se daí resulta algum prejuízo de difícil reparação para o Requerente apenas a si é imputável e não ao acto em causa”.

Na verdade, (e em nossa opinião), em vez de se atentar (excessivamente) na “conduta” pelo recorrente desenvolvida, (nomeadamente, na “criminal”, e que deu lugar à sua condenação também referida no “acto administrativo” praticado), na sua culpabilidade, gravidade e censurabilidade, e, ainda, no que foi entretanto sucedendo, mais razoável (e próprio) se nos apresenta de ponderar a “situação” agora em questão, (em termos “objectivos” e “práticos”), ou seja, que no “presente momento”, o ora recorrente já não possui a sua nacionalidade paquistanesa (de origem), não se lhe tendo ainda sido (efectivamente) concedida a sua requerida nacionalidade chinesa, (dado que, tanto quanto se mostra poder colher dos presentes autos, ter-se-á decidido pela “suspensão do seu procedimento”, sem a emissão de qualquer “certificado” comprovativo da aludida nacionalidade; cfr., art. 11°, n.° 4 da dita Lei n.° 7/1999).

E, sendo exactamente esta a “situação” agora em questão, cabe então aqui perguntar: o que poderá o recorrente fazer em resultado da aludida “declaração de nulidade da sua (antes concedida) autorização de residência na R.A.E.M.”?

Sair de Macau, (e procurar outro destino), não nos parece poder, pelo menos, a curto prazo, porque – para além de não se apresentar por ora sequer esclarecido “para onde”, (como se viu) – não possui qualquer “documento de viagem” (ou outro) para tal.

Permanecer em Macau, também não nos parece que possa ou seja viável, dado que, em consequência (directa e imediata) de tal “declaração”, deixou de estar autorizado a (continuar a) aqui residir, incorrendo até mesmo, (se o fizer), em “permanência ilegal”, (se o “acto administrativo” com o qual se adoptou tal “medida” não for, como peticionado, suspenso na sua execução).

E, perante este “estado de coisas”, cremos que vista está a razão da solução que atrás se adiantou para o presente recurso.

Com efeito, se com (a imediata execução de) tal “declaração de nulidade da sua autorização de residência em Macau”, passa o ora recorrente a estar em “permanência ilegal” e “indocumentado”, (e, desta forma, em situação de “clandestinidade”), como é que vai o mesmo “governar a sua vida”, (e prover do seu sustento), habitando, legalmente, uma casa, e exercendo, ou continuando a exercer, legalmente, uma profissão, (ou ter um emprego), que lhe permita obter o mínimo de rendimentos para fazer face às suas necessidades vitais do dia a dia?

E, não constituirá o que se acaba de descrever (de forma algo sintética) uma “situação de carência – quase – absoluta” (de solução), que deve integrar o conceito de “prejuízo de difícil reparação” previsto como pressuposto legal da pretendida “suspensão de eficácia” no citado art. 121°, n.° 1, al. a) do C.P.A.C.?

Ora, em nossa (modesta) opinião, (e independentemente do demais), cremos que assim deve suceder, (aqui residindo, cremos nós, o equívoco do pelo Tribunal de Segunda Instância ponderado e decidido).

Dest’arte, (em face do que se deixou exposto), imperativa é a revogação do Acórdão recorrido, concedendo-se a pretendida suspensão de eficácia do acto administrativo que declarou a nulidade da autorização de residência do ora recorrente na R.A.E.M..

*

Uma derradeira nota.

Diz o ora recorrente que é “apátrida”.

Ora, como sabido cremos ser, a apatridia é uma “condição jurídica” que se produz quando uma pessoa não é reconhecida como nacional por nenhum Estado; (cfr., art. 1° da “Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1945”, podendo-se também cfr., o art. 3°, n.° 1, al) xx) da Lei n.° 41/2023 que em Portugal consagra o “estatuto de apátrida”, e onde se considera como tal “toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação ou por efeito de aplicação da lei, como seu nacional”).

Constitui, pois, como parece poder-se concluir, uma “situação” que implica a ausência de um “vínculo legal de nacionalidade”, (ou “cidadania”), entre uma pessoa e qualquer Estado, privando-o de toda a assistência jurídica, diplomática e consular que é normalmente garantida pelos referidos “laços de nacionalidade ou cidadania”.

No fundo, é a situação em que se encontram aqueles que “não tem o direito de viver em lado nenhum”.

Todavia, in casu, importa aqui ter presente o que segue.

Com efeito, uma coisa, é a “situação (de facto)” do ora recorrente que, como se viu, “renunciou à sua nacionalidade paquistanesa”, sem que lhe tenha ainda sido concedida a sua pretendida nacionalidade chinesa, (dada a atrás referida suspensão do procedimento), e, outra coisa, (bem distinta), é ser-se (efectivamente) “apátrida”, com o respectivo “estatuto” (devidamente e em sede própria) reconhecido, e que, como tal, a se verificar, se lhe reconhece a titularidade de determinados direitos que, por Lei, lhe são atribuídos.

Esclarecido que também ficou este aspecto, e outra questão não havendo a apreciar, a este Tribunal de Última Instância resta deliberar como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância, e deferindo-se, consequentemente, o pedido de suspensão de eficácia pelo recorrente apresentado.

Sem tributação, (dada a isenção).

Registe e notifique.

Macau, aos 19 de Novembro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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