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Processo nº 63/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por apenso aos Autos de Execução Ordinária – no Tribunal Judicial de Base registados com a referência CV1-19-0145-CEO e – em que é exequente A (甲), deduziu o executado B (乙), oposição por embargos que, a final, por sentença do Mmo Juiz Presidente do Coletivo de 10.05.2022 foram julgados improcedentes; (cfr., fls. 271 a 276-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o embargante (e executado) recorreu para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 284 a 289).

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Após resposta da exequente (embargada), proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 23.03.2023, (Proc. n.° 759/2022), negando provimento ao recurso; (cfr., fls. 320 a 326).

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Ainda inconformado, traz o dito embargante (executado) o presente recurso, batendo-se pela revogação do decidido; (cfr., fls. 335 a 340).

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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 26.03.2025 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.

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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provada a seguinte matéria de facto, (integralmente confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância):

“a) Em 27 de Março de 2002, o Chefe do Executivo da RAEM adjudicou, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 76/2002 e nos termos da Lei n.º 16/2001 e do Regulamento Administrativo n.º 26/2001, uma das três concessões para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino postas a concurso público à C.
b) A C explora, em Macau, actividade de jogos de fortuna ou azar em casino.
c) A exequente foi registada nos termos legais, em 04 de Julho de 2006, na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, como empresária dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, como empresário comercial, pessoa singular, sob o n.º XXXXX(CO), usando como firma “empresário individual A”.
d) A exequente possuía a empresa comercial denominada “D” que iniciou a sua actividade em 28 de Junho de 2006, com sede social em Macau, [Endereço], tendo como objecto social a promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
e) O executado assinou, em 3 de Julho de 2008, perante o exequente, um recibo de fichas mortas para uso exclusivo em jogos no valor equivalente a dois milhões dólares de Hong Kong (HKD2.000.000), destinadas à aposta em jogos de fortuna ou azar.
f) A exequente (embargado) possuía a empresa comercial cujo nome de empresa era “D”, que veio a ser cancelada em 25 de Agosto de 2015.
g) Em 28 de Julho de 2006, a C celebrou um contrato de promotor de jogo com o exequente, com vista a permitir a este exercer actividades de promoção de jogos no Clube VIP “D” dos casinos por aquela explorados. (Q. 1º)
h) O “D” foi explorado pela exequente. (Q. 2º)
i) Em 29 de Novembro de 2006, a C também autorizou o exequente, mediante a celebração de contrato, a exercer actividade de concessão de crédito para jogo nos casinos por aquela explorados, sendo tal contrato renovado automaticamente. (Q. 3º)
j) Em 2008, o exequente, titular da licença de promotor de jogo, pessoa singular n.º XXX, emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, foi autorizado a exercer actividades de promoção de jogos nos casinos afectos à C (Q. 4º)
k) O exequente ao exercer actividades comerciais podia conceder créditos a diversos jogadores para aposta em jogos. (Q. 5º)
l) Em 3 de Julho de 2008, pelas 03H56, o empregado do Clube VIP “D” entregou ao executado as fichas mortas para uso exclusivo em jogos no valor equivalente a dois milhões dólares de Hong Kong (HKD2.000.000,00), tendo o executado também recebido tais fichas mortas de jogo. (Q. 6º)
m) O executado prometeu reembolsar a dita dívida com a maior brevidade possível, ou seja, tendo o exequente o direito de exigir ao executado, a todo o tempo, o reembolso da quantia em dívida. (Q. 7º)”; (cfr., fls. 272 a 273 e 324 a 325-v).

Do direito

3. Pelo embargante, (executado), vem interposto o presente recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.03.2023, com o qual se confirmou a sentença pelo Tribunal Judicial de Base proferida que julgou improcedentes os embargos que deduziu em oposição à execução pela exequente, ora recorrida, aí instaurada.

E, da reflexão que sobre o processado, decidido e agora alegado nos foi possível efetuar, cremos que evidente é que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.

Vejamos.

–– Antes de mais, importa emitir (uma ainda que breve) pronúncia sobre um outro recurso nos presentes autos antes pelo mesmo embargante interposto – que subiu com o recurso do aludido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.03.2023 – e que se prende com uma pelo recorrente invocada “ilegitimidade da exequente”, e que foi julgada procedente pelo Tribunal Judicial de Base, (cfr., fls. 28), e improcedente pelo Tribunal de Segunda Instância que sobre esta mesma “ilegitimidade” da exequente, (e revogando o antes decidido pelo Tribunal Judicial de Base), assim considerou:

“Coloca-se a questão de saber se, não constando do documento o próprio nome da exequente, mas sim a denominação do seu estabelecimento, essa exequente tem ou não legitimidade para promover execução contra o devedor com base naquele documento.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos ter razão a exequente.
É verdade que nos termos do n.º 1 do artigo 68.º do CPC, a execução deve ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e ser instaurada contra a pessoa que nela tenha a posição do devedor, mas não se deve esquecer que a denominação do estabelecimento não tem personalidade jurídica, quem a tem é o seu dono, neste caso a própria exequente.
Daí que, a nosso modesto ver, desde que tenham sido invocados no requerimento inicial factos que permitam demonstrar que o estabelecimento comercial pertence à exequente e que esta figure como credora, nada impede que essa exequente avance para a execução munindo-se daquele documento, sendo, portanto, parte legítima para a promover.
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão deste TSI, proferido no Processo n.º 435/2020, em síntese conclusiva:
“I – É título executivo o documento particular, elaborado com base no Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 de Abril (alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 27/2009, de 10 de Agosto) (que regula a actividade de promoção de jogos de fortuna e azar em casino) por pessoa devidamente licenciada, em que uma pessoa reconhece ser devedora a outra (ambas identificadas) de determinada obrigação pecuniária, nos termos do artigo 677.º, al. c) do CPC.
II – Se o nome do credor existente nos títulos não é o do Exequente, e se este, detentor do título dado à execução, alega factos justificativos da sua titularidade do crédito incorporado no título (factos constitutivos da sucessão dos créditos exequendos), não pode essa simples circunstâncias específica de identidade levar a julgar-se procedentes os embargos deduzidos pelo Executado – com o fundamento de que o credor é outra pessoa e assim, o Exequente não goza de legitimidade activa, face ao disposto nos artigos 58.º, 68.º, 394.º, n.º 1, alínea c), 677.º, alínea c), 695.º, n.º 1, todos do CPC, devendo dar-se à Exequente a possibilidade de produzir provas constitutivas da aquisição do crédito alegado e Executado a possibilidade de suscitar excepções, alegando, por exemplo, que não o reconhece como seu credor, que não o reconhece sequer pessoalmente, que nunca lhe pediu dinheiro emprestado, ou outros motivos atendíveis.
III – Como o despacho recorrido que julgou procedentes os embargos assentou no simples facto de o Exequente não se figurar no documento/título como credor, é de revogar tal decisão e mandar baixar os autos para o Tribunal recorrido conhecer de outras questões suscitadas.”
Isto posto, há-de conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os embargos prosseguir os seus ulteriores termos processuais, se outra razão a tal não obstar”; (cfr., Ac. do T.S.I. de 07.01.2021, Proc. n.° 459/2020, a fls. 75-v a 77).

Ora, perante o assim exposto, e ponderando ainda na matéria de facto atrás dada como “provada” – especialmente, na alínea d), g) e h) – adequado se nos mostra o sobre a questão decidido pelo Tribunal de Segunda Instância.

–– Continuemos, passando-se agora para o recurso do Acórdão de 23.03.2023.

Para boa, (cabal), compreensão do que decidido foi e em causa agora está, pertinente se apresenta também de, aqui, se começar por transcrever a decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância.

Tem pois, (na parte relevante), o teor seguinte:

“São duas as questões suscitadas no recurso.
A primeira é saber se a exequente tem ou não legitimidade para promover a execução contra o devedor com base naquele documento.
Ora bem, é bom de ver que a questão já foi apreciada pelo nosso Acórdão de 7.Jan.2021, no âmbito do Processo n.º 459/2020, contra o qual foi interposto recurso jurisdicional ao Venerando TUI e que o mesmo deve subir com o recurso interposto da decisão que puser termo ao processo.
Sendo assim, somos a entender que para já não há necessidade de apreciar de novo a questão suscitada pelo embargante por já ter sido apreciada por este TSI em altura própria.

Vejamos a outra questão levantada pelo embargante ora recorrente.
Invoca o recorrente que a dívida foi concedida por entidade que não estava habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, pelo que entende haver lugar a uma obrigação natural.
Ora bem, atento o facto de que em momento algum do processo foi suscitada a questão de a alegada dívida ser uma obrigação natural, tendo a questão apenas sido suscitada nas alegações de recurso, fica afastada a pronúncia sobre a mesma por se tratar de questão nova.
Isto posto, nega-se provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida”; (cfr., fls. 325-v a 326).

Isto visto e dito, vejamos.

Relativamente à questão da “legitimidade da exequente”, apresenta-se-nos constituir “questão” sobre a qual já se emitiu cabal e expressa pronúncia, absolutamente desnecessárias se apresentando mais alongadas considerações sobre tal matéria.

Quanto à questão de se saber se a “dívida foi concedida por entidade que não estava habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito”, cabe (apenas) dizer que é, efectivamente, uma “questão nova”, pois que antes não tinha sido colocada em sede do Tribunal Judicial de Base, sobre a mesma não tendo havido qualquer decisão.

Contudo, seja como for, e independentemente do demais, igualmente se nos apresenta constituir uma “falsa questão”, pois que da matéria de facto dada como provada não resulta tal “incapacidade para a concessão do crédito” em questão, (notando-se ainda que era ao recorrente que cabia o “ónus da sua prova”; cfr., art. 335° do C.C.M. e art. 699° do C.P.C.M.).

Por sua vez, importa não perder de vista que, inversamente, provado está que:
- “j) Em 2008, o exequente, titular da licença de promotor de jogo, pessoa singular n.º XXX, emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, foi autorizado a exercer actividades de promoção de jogos nos casinos afectos à C (Q. 4º)”;
- “k) O exequente ao exercer actividades comerciais podia conceder créditos a diversos jogadores para aposta em jogos. (Q. 5º)”;
- “l) Em 3 de Julho de 2008, pelas 03H56, o empregado do Clube VIP “D” entregou ao executado as fichas mortas para uso exclusivo em jogos no valor equivalente a dois milhões de dólares de Hong Kong (HKD2.000.000,00), tendo o executado também recebido tais fichas mortas de jogo. (Q. 6º)”; e que,
- “m) O executado prometeu reembolsar a dita dívida com a maior brevidade possível, ou seja, tendo o exequente o direito de exigir ao executado, a todo o tempo, o reembolso da quantia em dívida. (Q. 7º)”.

E, nesta conformidade, nenhum motivo – justo e legal – existe para se alterar a decisão recorrida, evidente sendo a improcedência dos recursos do embargante, (executado), ora recorrente.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 05 de Dezembro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei

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