Processo n.º:614/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:4 de Dezembro de 2025
Assunto:Embargos à execução; Desistência da instância.
SUMÁRIO
1. Nos embargos à execução em apreço, no despacho saneador, foram conhecidas as duas questões suscitadas pelos Recorridos (Embargantes): uma relativa à falta de título executivo e a outra, relativa à iliquidez da obrigação, tendo aquela primeira questão sido julgada improcedente, e a segunda parcialmente procedente, com a extinção da execução na parte respeitante aos juros convencionais e moratórios contados até à data da interposição da acção executiva.
2. Embora seja verdade que, nos termos do citado art. 235.º, n.º 1 do CPC, é lícita a desistência do pedido ou da instância depois de se proferir a sentença, a mesma só será possível quando transitada ainda não estiver essa mesma sentença.
3. Dos elementos constantes dos autos constata-se que, quando os Recorridos (Embargantes) declararam a sua desistência da instância, já transitou em julgado o segmento do despacho saneador desfavorável ao Recorrente (Embargado), e com o trânsito em julgado desse segmento da decisão, ficou a extinção parcial da execução definitiva, repercutindo-se logo na acção executiva. Pelo que, afigura-se-nos isento de censura a Sentença recorrida por ter excluído do âmbito da desistência o segmento do despacho saneador desfavorável ao Recorrente.
O Relator
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Seng Ioi Man
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Processo n.º:614/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:4 de Dezembro de 2025
Recorrente:A S.A.
Recorridos:B e C
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I. RELATÓRIO
A S.A., agora Recorrente, melhor identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal a quo, de 27 de Setembro de 2024, veio interpor recurso com os fundamentos constantes de fls. 129 a 135, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho-sentença proferido nos presentes autos, de fls. 108, que limitou os efeitos da desistência “da instância” requerida pelos Embargantes, salvaguardando uma decisão de mérito que havia sido parcialmente desfavorável ao Embargado;
II. A decisão que conhece da desistência da instância é “uma sentença de pura homologação do acto da parte ou das partes. O juiz não conhece do mérito da causa, não se pronuncia sobre a relação substancial em litígio, limita-se a verificar a validade do acto praticado pelo autor”;
III. A questão que se coloca é saber se, tendo já sido proferido despacho saneador e tendo os Embargantes desistido “da instância”, pode ou deve tribunal limitar os efeitos da desistência quanto a uma decisão de mérito que tenha sido anteriormente proferida, particularmente quando desfavorável ao Embargado;
IV. Através da desistência da instância, os Embargantes “renunciaram” ao seu direito de (prossecução da) acção contra o Embargado;
V. Na sentença homologatória do acto de desistência da instância, o tribunal limita-se a declarar a extinção do processo que os Embargantes pretendiam fazer valer contra o Embargado.
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Os Recorridos não apresentaram as suas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III. FACTOS
Com interesse para o conhecimento do presente recurso, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. O Recorrente, ora Exequente nos autos principais, intentou a respectiva acção executiva contra os Recorridos, ora Executados.
2. Citados, os Recorridos deduziram embargos com base nos fundamentos constantes do requerimento inicial a fls. 2 a 14.
3. Foi, em oportuno, proferido despacho saneador, que tem o teor seguinte:
“I – 清理批示
法院具有管轄權,且訴訟形式恰當。
當事人具有當事人能力、訴訟能力及正當性。
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欠缺執行名義
異議人主張主案卷宗第32頁之賬單並不能證明被異議人已作出有關開支,故認為主案卷宗第9至23及32頁的文件對有關律師費及開支而言並不符合可執行性的要件。
被異議人認為,第9至23頁的公證書及第32頁的賬單符合《民事訴訟法典》第681條規定,而後者符合前者第4及9(應是第10條)條所約定的文件且有關司法或非司法開支按其後提交的賬單由異議人承擔。
在尊重不同見解下,我們認為,被異議人具有理由。
根據《民事訴訟法典》第677條b)項規定,「僅下列者方可作為執行依據:…b)經公證員作成或認證且導致設定或確認任何債之文件;…」
根據《民事訴訟法典》第681條規定,「在經公證員作成或認證之文件中,如已就將來之給付作出約定或已就將來之債之設定作出規定,則該等文件得作為執行之依據,只要透過按照該等文件所載條款而發出之文件,又或該等文件中無載明有關條款時,只要透過本身具執行力之文件,證明已作出使有關法律行為成立之給付,又或證明在當事人作出上述規定後已設定某一債務。」
案中,第9至23頁的文件為買賣及具抵押的銀行便利公證書,其適用上述兩條之規定。同時,正如被異議人所述,卷宗第32頁的賬單符合上述公證書第4及10條所約定的附同文件,故根據上述兩條規定,就有關律師費及開支的債務而言,上述賬單的補充令該公證書對該債務而言構成執行名義。
至於異議人對有關開支的作出與否所作出的爭執,這將留待於最後判決中審理,但並不妨礙執行名義的存在性。
因此,本法庭裁定欠缺執行名義的延訴抗辯理由不成立。
由異議人承擔2.5UC之司法費。
作出通知。
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債務尚未到期
異議人主張待執行債務屬分期給付且欠付一期給付不自動導致全部給付到期,僅使債權人有權要求履行全部給付,但異議人沒有收到被異議人要求全部給付的任何催告,故不應視債務於2021年4月而應視自傳喚日起到期。
被異議人反駁稱已因異議人不如期支付分期款項而發函催告作出全部給付,異議人的配偶簽收了部份掛號信,即使寄給異議人的沒有簽收,但被異議人認為其已作出催告,同時被異議人認為應以每期到期日界定其遲延以及計算遲延利息。
在尊重不同見解下,本法庭認為應區分兩個問題處理,一是待執行債務是否已到期,二是有關債務何時到期以及如何計算遲延利息的問題。
關於第一個問題,被異議人在執行的最初聲請中指出異議人自2021年4月起沒有履行還款義務,而其所附同的買賣及具抵押的銀行便利公證書第9條規定此情況將導致抵押債權立即到期。雖然異議人對上述沒有如期履行還款義務的事實作出爭執,而被異議人透過提交第61至73頁文件以證明其曾催告異議人償還全部欠款,但無論如何,根據《民事訴訟法典》第565條第3款規定,待執行債務最遲必然於異議人被傳喚日到期。因此,待執行債務已可要求履行。
關於第二個問題,其實際上涉及到待執行債務的結算問題,故將於下一部份審理此問題。
*
債務尚未結算
除了上述問題外,異議人還主張被異議人在執行最初聲請中尚未對債務本金、利息及(司法及非司法)開支作結算,故被異議人應對此進行結算。
被異議人認為其已對有關本金及利息作出簡單數學計算,且其透過執行最初聲請第16及17條對非司法開支作出結算,而被異議人已考慮直至起訴時已存入的款項,同時其使用銀行的港幣/澳門幣兌換率計算有關債務澳門幣的金額,故認為異議人所主張的理由不成立。
我們首先審理(司法及非司法)開支是否已結算的問題,對此,我們同意其屬由法院作出之結算。經審查被異議人的執行最初聲請,儘管被異議人於請求中並沒有明確聲請就有關金額進行結算,但從其第14至19條看到,被異議人已詳細列出構成有關(司法及非司法)開支的各數額以及其總和,並於請求中清楚指出該總金額,故其已符合《民事訴訟法典》第690條第1款所規定之要求。
關於待執行債務本金及利息是否已結算的問題,雖然其屬於簡單的數學計算,但從執行最初聲請(尤其是第12條及其請求)看到,被異議人僅指出一項總金額港幣2,932,644.08元,並於其第12條中表示該金額為起訴時的尚欠本金及已到期且可本金化的利息,而於其請求中則沒有明確指出該相同金額是否為前述本金及已到期利息的總和還是僅為本金。除此之外,被異議人並沒有交待如何計算上述總金額、其本金為何、利息的數額及如何計算以及如何對經本金化的利息計算利息,即使其在對執行的異議所作的反駁亦沒有作出相關計算。
對此,考慮到上述金額(港幣2,932,644.08元)因被主案卷宗第9至23頁的執行名義所載的債務(本金)的總額所涵蓋,且執行最初聲請的上述請求並沒有區分本金及利息,故僅應接受上述金額乃以債務本金的名義提出。對於該債務本金自異議人沒有履行至提起訴訟期間已到期的(約定及遲延)利息而言,因被異議人並沒有根據《民事訴訟法典》第689條規定作出結算,亦沒有在執行異議的反駁中對有關計算作補正,故根據《民事訴訟法典》第686條及第697條e)項規定,應認定前述已到期利息的債務為未確切定出,從而應予終止對此部份債務的執行。
綜上所述,本法庭裁定債務未結算的抗辯理由部份成立,並終止至起訴日(2023年3月27日)為止有關欠款的已到期約定及遲延利息的執行。
就終止執行部份之訴訟費用由被異議人承擔。
作出通知。
*
沒有妨礙審理案件實質問題的其他抗辯、無效或先決問題。
*”
4. Não se conformando com a decisão que julgou apenas parcialmente procedente o pedido fundado na suposta iliquidez da obrigação, vieram os agora Recorridos apresentar o requerimento a fls. 89, de modo a manifestar a sua vontade de recorrer.
5. Foi o recurso admitido pelo despacho a fls. 94, e antes da apresentação das respectivas alegações de recurso, por instrumento a fls. 97 e 105, confirmaram os agora Recorridos que pretendiam desistir da instância bem como do recurso admitido.
6. Pelo Tribunal a quo foi proferida a Sentença recorrida que passa a transcrever a seguir:
“*
第105頁:
根據《民事訴訟法典》第586條第4款規定,認可上訴的撤回並宣告第89頁之上訴消滅。
訴訟費用由上訴人承擔。
作出通知。
*
第97及100(105)頁:
就被異議人A股份有限公司所提起的執行程序,異議人B及C提起對執行的異議。
其後,異議人表示撤回訴訟(包括撤回上訴聲請),被異議人按第100頁之回覆同意撤回。
經審查有關撤回內容,除了關於第81至83頁清理批示中關於“欠缺執行名義”及“債務尚未結算”之部份因已作出司法決定而不得撤回外,其餘部份得予以撤回。
因此,根據《民事訴訟法典》第237條第2款及第242條之規定,因此,本法庭按上述容許撤回之部份宣告訴之撤回有效,並按前述內容駁回對被異議人之起訴。
訴訟費用由異議人承擔。
作出登錄、通知及必要措施。”
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
Ao abrigo do disposto no art. 589º n.º 3 e no art. 598º do CPC, o âmbito do conhecimento de recurso delimita-se pelas conclusões formuladas nas alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
O presente recurso tem como objecto a Sentença homologatória da desistência da instância requerida pelos Recorridos.
Na óptica do Recorrente, o Tribunal a quo, ao excluir as questões de falta de título executivo e de iliquidez da obrigação, do âmbito da desistência, fez uma interpretação incorreta do art. 237.º, n.º 2, do CPC, devendo, assim, ser revogada a decisão recorrida, com a substituição por outra que homologue simplesmente a desistência, ou seja, sem qualquer referência ou limitação à matéria de mérito.
No caso em apreço, após a sua citação na acção executiva, vieram os Recorridos deduzir os embargos com vista a obter a extinção da execução. No despacho saneador, foram conhecidas as duas questões suscitadas pelos Recorridos: uma relativa à falta de título executivo e a outra, relativa à iliquidez da obrigação, tendo aquela primeira questão sido julgada improcedente, e a segunda parcialmente procedente, com a extinção da execução na parte respeitante aos juros convencionais e moratórios contados até à data da interposição da acção executiva (i.e., 27 de Março de 2023).
Insurgindo-se contra esta decisão, manifestaram apenas os Recorridos a sua vontade de recorrer. No entanto, admitido o recurso e antes da apresentação das respectivas alegações, vieram os mesmos desistir da instância e do recurso admitido.
A questão que cumpre conhecer, neste momento, consiste em saber se o Tribunal a quo, em vez de excluir as questões já conhecidas no despacho saneador do âmbito da desistência, deveria ter actuado doutra maneira homologando simplesmente a desistência, sem qualquer referência ou limitação à matéria de mérito.
Salvo o devido respeito e melhor opinião, não acompanhamos a posição do Recorrente. Vejamos as nossas razões.
Como é sabido, os embargos de executado revestem a natureza de uma acção declarativa de simples apreciação negativa, na qual, através da invocação dos respectivos fundamentos, se visa a extinção total ou parcial da execução. Neste tipo de acção, tal como noutros, a instância carateriza-se e identifica-se pela identidade dos seus sujeitos, pela causa de pedir, e pelo pedido. Nos embargos concretos que nos ocupamos neste momento, as questões de falta de título executivo e de iliquidez da obrigação são as causas de pedir invocadas para sustentar o pedido, i.e., a extinção da execução, sendo certo que a apreciação dessas questões no despacho saneador, constitui uma verdadeira decisão do tribunal sobre o mérito da causa.
Sendo assim, nos termos do disposto no art. 569.º, n.os 1 e 3 do CPC, uma vez proferido o despacho saneador, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria nele conhecida concretamente.
Não obstante essa previsão da lei, consta do art. 235.º, n.º 1 do CPC uma excepção, onde se prevê que “o autor pode, em qualquer estado do processo, desistir de todo o pedido ou de parte dele, tal como o réu o pode confessar, no todo ou em parte.”
Ao comentar a norma semelhante à nossa que vigorava em Portugal, ensina Alberto dos Reis que: “A desistência do pedido pode ocorrer em qualquer altura do processo, enquanto este estiver pendente ou a instância não se achar extinta. Pouco importa, pois, que já tenha sido proferida sentença sobre o mérito da causa, uma vez que tal sentença ainda não haja transitado em julgado.”1
Ora, no caso em apreço, o despacho saneador foi proferido em 26 de Abril de 2024, e depois notificado às partes por cartas datadas de 3 de Maio de 2024, o que significa que qualquer recurso desse despacho deveria ser interposto até 16 de Maio de 2024, ou mais tarde, até 21 de Maio de 2024, com o uso dos três dias de tolerância com o pagamento de respectiva multa. Sendo assim, se o Recorrente não se conformasse com o despacho saneador, na parte respeitante à extinção parcial da execução quanto aos juros convencionais e moratórios contados até a interposição da acção executiva, que é a única parte que lhe é desfavorável e por isso com legitimidade para dela recorrer, deveria ter interposto o respectivo recurso, o mais tarde, até o dia 21 de Maio de 2024, sob pena de, com o trânsito em julgado desse segmento da decisão, favorável aos Recorridos (e pelo facto de lhes ser favorável, não estavam estes dotados de legitimidade para recorrer) e a ela desfavorável, a extinção parcial da execução ficar definitiva, repercutindo-se logo na acção executiva.
Note-se que, como resulta do requerimento a fls. 97 dos autos, vieram os Recorridos declarar a sua desistência da instância em 7 de Junho de 2024, data em que, conforme a nossa análise supra, já transitou em julgado o segmento do despacho saneador desfavorável ao Recorrente. Lembre-se que, nos termos do citado art. 235.º, n.º 1 do CPC, é lícita a desistência do pedido ou da instância depois de se proferir a sentença, mas quando transitada ainda não estiver essa mesma sentença. Pelo que, afigura-se-nos isento de censura a Sentença recorrida por ter excluído do âmbito da desistência o segmento do despacho saneador desfavorável ao Recorrente.
Já em relação ao outro segmento do despacho saneador, de facto, quando foi formulada a desistência, este segmento ainda não transitou em julgado, pelo que, embora seja questionável se os Recorridos não poderiam desistir, com a concordância do Recorrente, da respectiva instância, como a decisão do tribunal (improcedência da questão de falta de título e a improcedência da questão de iliquidez da obrigação no atinente aos juros após a citação) é apenas desfavorável ao Recorridos, mas favorável ao Recorrente, só aqueles é que têm legitimidade para recorrer da limitação lançada pelo Tribunal na Sentença recorrida.
Pelas razões expostas, o recurso não deixará de improceder.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a Sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique
RAEM, aos 4 de Dezembro de 2025
Seng Ioi Man
(Relator)
Fong Man Chong
(1° Juiz adjunto)
Choi Mou Pan
(2° Juiz adjunto)
1 JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, 1946, Coimbra Editora, p. 479; a nível de jurisprudência comparada, veja-se também Acs. RL, de 12 de Setembro de 2023 e de 24 de Maio de 2012, procs. n.º 7624/15.0T8LSB.L1-7 e n.º 632/10.9TMLSB.L1-6.
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