Processo n.º:235/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:4 de Dezembro de 2025
Assunto:Intervenção principal provocada requerida na contestação; Tempestividade de oposição.
SUMÁRIO
1. Tratando-se de uma intervenção principal provocada, se a mesma for requerida em requerimento simples, será a parte contrária notificada para responder em 10 dias (art. 245º do CPC); caso contrário, ou seja, quando a intervenção for requerida num dos articulados próprios de uma das partes primitivas, à situação deve aplicar-se, por via de analogia, o art. 266º n.º 3 e art. 473º n.º 1 do CPC, podendo a parte contrária opor-se à intervenção no seguinte articulado admissível.
2. Pelo que, perante o requerimento formulado pela Ré na contestação, no sentido de chamar para intervir nos autos mais uma reconvinda, a par do Autora/Reconvinda primitiva, deve considerar-se tempestiva a oposição da desta, deduzida na sua réplica, não podendo operar, ao invés do que sustenta a Ré, o efeito cominatório consagrado no art. 245º n.º 3 do CPC.
3. O que o mecanismo consagrado no art. 267º n.º 2 e 67º do CPC visa é obviamente a celeridade processual, tendo como objectivo evitar o risco de a acção prosseguir contra o réu incorrecto, permitindo, perante as dúvidas fundamentadas que persistem nos autos sobre o verdadeiro sujeito da relação material que deveria ser responsabilizado, a possibilidade de o demandante demandar, de modo subsidiário, as pessoas supostas responsáveis, incumbindo ao julgador a tarefa de determinar, em face dos factos relevantes apurados após o julgamento, caber a quem é que deveria assumir a responsabilidade.
4. Sem a verificação da situação prevista no art. 67º do CPC, é de manter a decisão recorrida que indeferiu a intervenção principal provocada sob escrutínio.
O Relator
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Seng Ioi Man
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Processo n.º:235/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:4 de Dezembro de 2025
Recorrente:A, Limitada
Objecto do Recurso:Despacho que indeferiu a intervenção provocada
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I. RELATÓRIO
Na acção intentada pelo Autor B, contra a Ré A, pelo Exmo. Juiz Titular do processo foi proferido o despacho recorrido, pelo qual se indeferiu a intervenção principal provocada, como reconvinda, da “C, S.A.”, requerida pela Ré na contestação.
Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpõe recurso, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão da 1ª Instância supra referida que indeferiu a intervenção provocada da “C, S.A.”, requerida pela Ré reconvinte no articulado da sua Contestação e Reconvenção.
b) Entendeu a então requerente e ora recorrente que deveria fazer intervir na presente acção a “C, S.A.” para fazer seguir contra esta interveniente os pedidos reconvencionais que formulou.
c) O despacho ora recorrido indeferiu a intervenção da “C, S.A.” porquanto, como se diz, “... do teor do contrato em crise constante de fls. 98 e ss, é inequívoco por cristalino quem são os contraentes, ou seja, as partes primitivas, não colhendo, longe disso, o argumento de que as instalações onde se encontram os restaurantes explorados pela R. fazem parte do recinto concessionado pela C SA.
Estamos no âmbito da responsabilidade contratual que, naturalmente, é subjectivamente balizada pelos intervenientes do contrato, ...”
Ora,
d) Como a recorrente então referiu e supra expôs, aquela intervenção foi requerida porque, como disse, o Autor não é o legítimo concessionário dos restaurantes do edifício o Hipódromo; outrossim a requerida interveniente; pelo que os pedidos reconvencionais deveriam ser suportados pela interveniente, nos termos do art.°67°do C.P.C..
e) Afigurando-se, então (e hoje), que a interveniente fez figurar o “B” no contrato em crise, apenas para se eximir às consequências de um eventual litígio na execução do contrato de prestação de serviços, o que, como se vê pelo presente processo, é uma realidade.
Ora,
f) Como se refere no despacho recorrido, nos termos do art.°267°, n°1 do C.P.C., “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”, referindo o n° 2 que, nos casos previsto no art.° 67 do mesmo diploma, pode o autor (portanto também a R. Reconvinte) chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.
g) E, nos termos do disposto no n°2 do art.°268° do C.P.C., “é ouvida a parte contrária”, no prazo de 10 dias; e “decide-se da admissibilidade do chamamento”.
h) O Autor reconvindo foi notificado da requerida intervenção provocada, feita no articulado da contestação e reconvenção; e não respondeu atempadamente aos termos da requerida intervenção, formulada pela Ré reconvinte.
i) Ao contrário do que refere a “parte contrária” - o “B”, Autor reconvindo - a intervenção da “C, S.A.” foi requerida nos termos do art.°267°e segs. do C.P.C.; e não, como diz, do disposto processualmente para a “intervenção espontânea” (art.°263° e segs., do C.P.C.).
j) Não tem, por isso, aplicabilidade à situação em apreço o disposto no n°3 do art.°266°do C.P.C., situação que, como se disse, se refere à “intervenção espontânea”.
k) O que significa, sempre com o devido respeito, que a “parte contrária” não poderia responder à intervenção requerida no articulado da réplica que formulou; mas sim, querendo, devê-lo-ia ter feito no prazo de 10 dias.
l) O incumprimento do prazo supra referido de 10 dias (art.°245°, n°2 do C.P.C.) “... determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório próprio da causa em que o incidente se insere”.
m) O que significa que tem aplicação o disposto no art.°405°, n°1 do C.P.C., devendo considerar-se reconhecidos-todos os factos articulados pelo requerente do incidente.
n) E os factos articulados pela Ré reconvinte são todos aqueles a que supra se aludiu no n°2 do presente articulado e que aqui se dão por reproduzidos, nomeadamente, entre outros, de que os restaurantes do Hipódromo pertencem à concessionária dos mesmos, a “C, S.A.”, e que a intervenção do “B” no contrato de prestação de serviços em apreço visou apenas eximir a interveniente das consequências de um litígio resultante da respectiva execução.
o) Isto é, ao contrário do que se diz no despacho em apreço, não obstante tratar-se de responsabilidade contratual, a requerente do incidente entende que a interveniente é a responsável pelos pedidos reconvencionais - e é isso o que resulta dos factos dados como assentes - justificando-se por isso a respectiva interevenção nos autos.
p) Deverá, por isso, ser revogado o despacho em apreço de fls. 342 e, consequentemente, admitida a intervenção da “C, S.A.”, prosseguindo os termos do incidente, como previsto no art.°269°do C.P.C..
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O Autor apresentou a sua resposta constante a fls. 27 a 34, formulando as seguintes conclusões:
A - A fundamentação do despacho recorrido de fls. 342 dos autos é muito clara, não apresentando a Recorrente fundamentos válidos no sentido de a pôr em crise.
B - A Recorrente não põe em causa a legitimidade do Autor e ora Recorrido para os termos da presente acção, nem tão pouco alega quaisquer factos de onde se retire qualquer responsabilidade da C, S.A. para os termos da mesma.
C - Pelo contrário, apenas pretende chamar a “C, S.A.”, (então) concessionária do edifício onde se encontram instalados os restaurantes em causa na acção, enquanto “seguradora” ou como “garante” do eventual pagamento das quantias que reclama em sede de reconvenção.
D - Não sendo fundamento válido para se requerer intervenção principal provocada, receios ou dúvidas quanto à solvabilidade de uma das partes.
E - Atenta a forma como vem configurada a acção e o pedido reconvencional apresentado, entende o Recorrente que apenas o Autor e a Ré são os sujeitos da relação material controvertida: o contrato em causa nos presentes autos foi somente celebrado entre o Autor e a Ré, ora Recorrido e Recorrente; a Recorrente não estabeleceu qualquer relação ou vínculo com a C, S.A.; é do conhecimento público que o Autor - o B - foi criado pela referida sociedade, tendo por finalidade, entre outras, explorar restaurantes de que aquela é concessionária.
F - O que não foi posto em causa pela Ré, ora Recorrente, nem na contestação que apresentou nos autos, nem no recurso ora interposto.
G - No caso, não se verifica nenhuma situação de litisconsórcio necessário activo.
H - Por outro lado, sendo verdade que o Autor/Recorrido respondeu ao incidente de intervenção principal suscitado na contestação em sede de réplica e no prazo de 30 (trinta) dias, não aceita o mesmo que tal facto possa qualquer efeito cominatório.
I - Analisada a contestação apresentada pela Recorrente, verifica-se que a mesma apenas suscita o incidente de intervenção principal provocada da sociedade “C, S.A.” na sequência da apresentação do seu pedido reconvencional e por causa dele.
J - Entende o Autor/Recorrido que, no caso, tem plena aplicação o disposto no art. 266°, por aplicação do próprio art. 268°do CPC.
K - O n.°3 do art. 266°do CPC prevê expressamente que: “Se o interveniente tiver apresentado articulado próprio, a parte contrária cumula a oposição ao incidente com a que deduza contra o articulado do interveniente, seguindo-se os demais articulados admissíveis.”
L - No caso, ao abrigo do disposto no art. 268°do CPC, a Recorrente deduziu o incidente de intervenção principal provocada em articulado próprio - na contestação - cabendo ao Autor/Recorrido responder “cumulando a oposição ao incidente com a que deduza contra o articulado”- na réplica.
M - A corroborar o mesmo entendimento, o art. 420°, n.°1, al. b) do CPC estabelece que “Na réplica pode o autor (...) Deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção.”
N - Não fazendo qualquer sentido, cindir e antecipar uma defesa quanto a um incidente, quando o Autor ainda estava em prazo para analisar e responder à reconvenção no prazo de 30 dias (cfr. art. 420°, n.°3 do CPC).
O - Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se pondera sem conceder, em qualquer caso, na ausência da alegação de factos suficientes ou concretos que justifiquem a intervenção principal provocada requerida, bem andou o Tribunal a quo ao ter analisado os fundamentos invocados pela Recorrente e, a final, determinado o indeferimento do chamamento, decisão que, assim, deverá ser mantida.
P - Pelo exposto, atentos os factos invocados pela Recorrente, entende o Recorrido que deverá ser declarado improcedente o recurso ora interposto, mantendo-se o despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada da C, S.A..
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III. FACTOS
Para o presente recurso, considera-se assente a seguinte factualidade:
- 1. O Autor B intentou a acção dos autos contra a Ré A, Limitada, com a apresentação da petição inicial cuja cópia se encontra junta a fls. 91 a 120 do presente apenso;
- 2. Citada, a Ré apresentou a sua contestação (fls. 124 a 154 do presente apenso), em que, a par de defesa por impugnação e excepção, deduziu reconvenção e requereu a intervenção provocada, na qualidade de reconvinda, da C, S.A.;
- O Autor apresentou réplica (fls. 41 a 57 do presente apenso), em que, além do mais, pediu que fosse declarado improcedente o incidente de intervenção principal provada;
- Por despacho a fls. 14 do presente apenso, que tem o teor seguinte, foi a intervenção requerida indeferida:
“Citada a R., requereu a intervenção principal provocada da C, SA, alegando ser esta a verdadeira contraente, consigo, no contrato em crise nestes autos.
A A. opõe-se à requerida intervenção, alegando que o contrato em crise foi somente assinados pelas primitivas partes.
Cumpre decidir.
Nos termos do art°267 n°1 do C.P.C., “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”, referindo o n°2 que, nos casos previsto no art°67 do mesmo diploma1, pode o autor (portanto também a R. reconvinte) chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
Ocorre, no entanto, que do teor do contrato em crise constante de fls.98 e ss, e inequívoco por cristalino quem são os contraentes, ou seja, as partes primitivas, não colhendo, longe disso, o argumento de que as instalações onde se encontram os restaurantes explorados pela R. fazem parte do recinto concessionado pela à C SA.
Estamos no âmbito da responsabilidade contratual que, naturalmente, é subjetivamente balizada pelos intervenientes do contrato, donde res inter alios acta allis neque nocere neque prodesse potest.
Pelo exposto indefere-se a intervenção requerida.
Custas pela R.
Notifique”
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente nas alegações de recurso, são duas as questões levantadas:
- Entende a Ré (Recorrente) que ao caso não é aplicável o disposto no art. 266º n.º 3 do CPC, pelo que, não tendo o Autor (Recorrido), na sequência do requerimento de intervenção principal provocada requerida na contestação, deduzido tempestivamente oposição em 10 dias conforme o que impõe o art. 245º n.º 2 do CPC, deveriam os factos alegados para o efeito do incidente ser considerados reconhecidos nos termos do n.º 3 do mesmo normativo legal;
- Para a Ré, os factos por si articulados, os quais, no seu ponto de vista, deveriam ser considerados assentes, justificam a procedência do incidente.
Vejamos.
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A resolução da primeira questão resume-se à de saber se o Autor, após notificada da contestação em que se cumulam reconvenção e incidente de intervenção principal provocada destinado a fazer intervir na lide mais uma reconvinda, a par do primitivo Autor, deveria ter respondido e oposto ao incidente no prazo de 10 dias referido no art. 245º n.º 2 do CPC, ou, ao invés, poderia sê-lo feito na mesma ocasião com a apresentação de réplica, nos termos do art. 266º n.º 3 do CPC.
Nos termos do disposto no art. 268º n.º 1 do CPC, “O chamamento para intervenção só pode ser requerido, em articulado da causa ou em requerimento autónomo, até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio, sem prejuízo do disposto no artigo 213.º, no n.º 1 do artigo 271.º e no n.º 2 do artigo 762.º”
Com a consagração deste normativo legal, o legislador fixa os respectivos limites temporais para o chamamento para a intervenção:
- 1. Em situações normais, a intervenção principal passiva pode ser requerida em articulado da causa ou em requerimento autónomo. Contudo, só pode ser apresentado até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio.2Compreende-se a razão de ser dessa exigência: como o interveniente não intervém espontaneamente, mas sim por via de intervenção provocada, deve ser assegurada a possibilidade de ele poder apresentar o seu articulado próprio para se pronunciar sobre a causa, nos termos do art. 269º n.º 3 do CPC.
- 2. Como excepção à norma, tratando-se da intervenção principal passiva suscitada ao abrigo do art. 271º n.º 1, a mesma só pode ser deduzida na contestação;
- 3. Ainda que já tenha passado a fase de articulado, a intervenção é sempre possível nos casos previstos no art. 213º e no art. 762º n.º 2 do CPC.
No caso vertente, está em causa uma intervenção principal provocada requerida pela Ré na contestação, ao abrigo do disposto no art. 267º e art. 67º do CPC, e, portanto, foi a mesma formulada ainda na fase dos articulados.
Conforme o que exige o art. 268º n.º 2 do CPC, a admissibilidade da intervenção só poderia ser decidida após o contraditório da parte contrária.
No caso vertente, em vez de responder em 10 dias segundo o art. 245º n.º 2 do CPC, o Autor opôs-se ao incidente na réplica, situação que a Ré não se conforma, por entender dever a resposta e a oposição ser obrigatoriamente feitas nos 10 dias acima referidos, sob pena de extemporaneidade.
Vejamos.
Decorre do art. 263º e 265º do CPC que a intervenção principal espontânea se inicia com a apresentação de articulado, ou de um requerimento simples, por iniciativa do respectivo interveniente. No primeiro caso, o interveniente apresenta o seu articulado próprio estruturado na forma de uma petição inicial ou contestação, consoante se o mesmo pretende intervir como autor ou como réu; no segundo caso, por via de um requerimento simples é que o interveniente manifesta a sua aderência ao articulado já apresentado pela parte a quem se pretende associar.
Nos termos do disposto no art. 266º n.º 1º do CPC, depois da apresentação de intervenção principal espontânea, e se a mesma não merece indeferimento liminar, serão as partes primitivas notificadas para se pronunciar.
Segundo o n.º 2 da norma citada, independentemente da forma como a intervenção for feita, i.e., em articulado próprio ou em requerimento simples, a parte à qual o interveniente pretende associar-se tem sempre 10 dias para deduzir a sua oposição, em requerimentos simples.
Contudo, o prazo para a parte contrária se pronunciar varia consoante a forma de dedução de intervenção. Se a intervenção vinha na forma de requerimento simples, deve a parte contrária deduzir a sua oposição também em 10 dias (art. 266º n.º 2 segunda parte do CPC). Situação diferente, em que o interveniente apresenta articulado próprio (por exemplo, articulado estruturado na forma de petição inicial quando o interveniente pretenda associar-se ao autor primitivo, ou um articulado com a feição de uma contestação caso pretenda defender-se da acção como réu), o art. 266º n.º 3 do CPC trata de maneira diferente o prazo de oposição. Por força dessa norma, assiste à parte contrária ao interveniente a possibilidade de “contestar a pretensão nele deduzida (no caso de intervenção activa) ou (no caso de intervenção passiva) replicar ou responder à contestação.”3
Segundo defendem EURICO LOPES‑CARDOSO e ÁLVARO LOPES-CARDOSO, o que o verbo «cumulará» “quer significar é que toda e qualquer oposição que a parte contrária queira fazer à intervenção deduzida em articulado próprio tem de ser feita no articulado que, segundo a forma do processo principal, essa parte possa oferecer” 4.
Afigura-se sensata essa opção legislativa. Pense-se num caso em que um interveniente activo pretende intervir na lide e vem apresentar um articulado próprio em que formula um pedido novo e distintivo do do autor primitivo, contra o mesmo réu. Neste caso, para o réu primitivo (parte contrária do interveniente), trata-se o articulado próprio novo de uma verdadeira petição inicial contra si apresentado, contra a qual tem o prazo de 30 dias para apresentar a sua defesa, nos termos do art. 403º do CPC. Não faz grande sentido que o legislador assegure e mantém o prazo de contestação em 30 dias, por um lado, mas, por outro, obriga que a parte contrária apresente imediatamente, a sua oposição à intervenção, em 10 dias, desprezando-se que, não raras vezes, a questão de intervenção é ligada, não cindível facilmente com o pedido ou defesa apresentados no articulado próprio do interveniente.
Estamos em crer que a necessidade de uma devida diferenciação existe igualmente quando se trata de uma intervenção principal provocada: se for requerida a intervenção em requerimento simples, será a parte contrária notificada para responder em 10 dias (art. 245º do CPC); caso contrário, ou seja, quando a intervenção for requerida num dos articulados próprios de uma das partes primitivas, à situação deve aplicar-se, por via de analogia, o art. 266º n.º 3 e art. 473º n.º 1 do CPC, podendo a parte contrária opor-se à intervenção no seguinte articulado admissível.
Pelo exposto, deve considerar-se tempestiva a oposição da Autora, deduzida na sua réplica, não podendo operar, ao invés do que sustenta a Ré, o efeito cominatório consagrado no art. 245º n.º 3 do CPC.
Sem prejuízo do que ficou exposto, sempre se dirá que nunca se poderia considerar reconhecidos os factos alegados pela Ré no incidente ainda que se reputasse como intempestiva a oposição suscitada pelo Autor só na réplica, porquanto, conforme o art. 410º n.º 2 aplicável por força do art. 245º n.º 3, ambos do CPC, a matéria alegada para sustentar o incidente está em clara oposição com aquilo que foi alegado na petição inicial por parte do Autor.
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Resolvida essa questão preliminar, já estamos em condições de apreciar se a intervenção merecia deferimento.
Recorde-se que a intervenção sob escrutínio foi formulada com respaldo no art. 267º e art. 67º do CPC, justificando a Ré a necessidade da intervenção tendo em conta as dúvidas fundamentadas quanto à posição da chamada, na relação material controvertida.
Nos termos do disposto no art. 67º, “É admitida a formulação subsidiária do mesmo pedido, ou a formulação de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida.”
Como afirma a boa doutrina5,
“A razão de ser da consagração desta figura consistiu na necessidade de tutelar, em termos bastantes, o interesse do demandante, nos casos de dúvida fundada e razoável sobre a titularidade da relação material controvertida. (…)
Na pluralidade subsidiária passiva, o autor demanda certo réu a título principal e – alegando dúvida fundada sobre quem é o verdadeiro sujeito passivo da relação material controvertida – deduz ainda pretensão subsidiária contra outro réu, possível devedor “alternativo” no seu confronto.”
Sendo certo que, “Num ou noutro caso, a dúvida sobre a pessoa do titular do direito ou do dever pode residir na necessidade de apuramento da matéria de facto ou na interpretação da norma jurídica.”6
Como o que asseveram CÂNDIDA DA SILVA ANTUNES PIRES e VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, o único requisito do regime previsto no art. 67º do CPC é a dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material.7
Ora, segundo o disposto no art. 267º n.º 2 do CPC é admissível, nos casos previstos no art. 67º do CPC, a intervenção dum terceiro como réu, contra quem o demandante pretenda dirigir subsidiariamente o mesmo pedido. Com a consagração desse mecanismo o que se visa é obviamente a celeridade processual, tendo como objectivo evitar o risco de a acção prosseguir contra o réu incorrecto, permitindo, perante as dúvidas fundamentadas que persistem nos autos sobre o verdadeiro sujeito da relação material que deveria ser responsabilizado, a possibilidade de o demandante demandar, de modo subsidiário, as pessoas supostas responsáveis, incumbindo ao julgador a tarefa de determinar, em face dos factos relevantes apurados após o julgamento, caber a quem é que deveria assumir a responsabilidade.
Salvo o devido respeito e melhor opinião, não se verifica nenhuma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material. No caso vertente, o Autor intenta a acção e formula os seus pedidos com base e no âmbito do contrato, junto aos autos, celebrado entre ele e a Ré; e a reconvenção da Ré baseia-se nitidamente no mesmo contrato, estribando-se no incumprimento contratual por parte do seu adversário, ora Autor, do contrato, por ter este, alegadamente, declarado infundada e ilicitamente a resolução do contrato. É isento de dúvida que as partes bem sabem a identidade dos contraentes do contrato, sendo certo que, deve caber àqueles (o Autor e a Ré) que intervieram e celebraram o contrato em nome próprio assumir as eventuais responsabilidades contratuais que da sua violação advém. Ora, se o que a Ré pretendesse dizer é que a sociedade chamada aproveitou abusadamente a personalidade jurídica autónoma do Autor, e daí que deveria indemnizar-lhe, ainda assim, não estaríamos perante uma dúvida fundamentada sobre o verdadeiro sujeito na relação material controvertida, de natureza contratual. Aqui, a eventual responsabilidade da sociedade chamada só poderia resultar da outra relação jurídica, de natureza extracontratual.
Sintetizando, sem a verificação da situação prevista no art. 67º do CPC, o recurso não deixará de improceder.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique e Registe.
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RAEM, aos 4 de Dezembro de 2025
Seng Ioi Man
(Relator)
Fong Man Chong
(1° Juiz adjunto)
Choi Mou Pan
(2° Juiz adjunto)
1 Ou seja, situações em que se admite a formulação subsidiária do mesmo (...) contra alguém em relação ao qual haja dúvidas sobre a sua qualidade de titular da relação material controvertida.
2 EURICO LOPES‑CARDOSO e ÁLVARO LOPES-CARDOSO, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3.ª Edição, 2005, Almedina, p. 133; JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 2.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, p. 620 e 621
3 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, ibid., p. 618.
4 EURICO LOPES‑CARDOSO e ÁLVARO LOPES-CARDOSO, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, ibid., p. 119.
5 LOPES DO REGO, Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, Almedina, p. 58 e 59.
6 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, ibid., p. 70.
7 Código de Processo Civil de Macau: Anotado e Comentado, Vol. 1, 2006, Macau, p.207 a 211.
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