Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 38 / 2009
Recorrente: A
1. Relatório
O arguido A foi condenado por acórdão do Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo comum colectivo n.º CR3-08-0284-PCC, pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 9 anos e 3 meses de prisão e MOP$20.000,00 de multa, convertível em 120 dias de prisão.
Inconformado com esta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 596/2009, foi negado provimento ao recurso, alterando-se, no entanto, oficiosamente a condenação, face à aplicação da lei nova, Lei n.º 17/2009, e revogando a decisão condenatória proferida para passar a condenar-se o arguido pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 9 anos de prisão e mantém-se, no mais, o decidido pelo Tribunal Judicial de Base.
Deste acórdão vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões na sua motivação:
“1. O Tribunal de Segunda Instância julgou que o recorrente A cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, mantendo a decisão do Tribunal Judicial de Base.
2. O recorrente A não se conforma com o acórdão do Tribunal Colectivo, entendendo que ao determinar a medida concreta da pena, foi considerado o disposto nos art.ºs 40.º e 65.º do CPM, mas não do art.º 66.º do CPM.
3. Entendendo que não foi levado em conta a al. e) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 66.º do CPM, ou seja, “a circunstância de o agente ter sido especialmente afectado pelas consequências do facto”.
4. O recorrente é residente dum país africano. Por causa da pobreza, ele foi usado por uns indivíduos de identidade desconhecida a levar estupefacientes para Macau, escondendo os respectivos estupefacientes no interior do corpo, correndo o risco da vida para obter retribuições.
5. Isto (levar estupefacientes no corpo) raramente acontece nos países ou zonas desenvolvidos.
6. O recorrente solicitou a aplicação do art.º 66.º do CPM (atenuação especial da pena), não para apoiar o tráfico de estupefacientes por meio de corpo, mas para afirmar que no caso concreto, o recorrente A já se mostrou arrependido e confessou os factos acusados em audiência, e que a conduta (levar estupefacientes no corpo) já causou especialmente prejuízos ao agente (causando perigo à vida do recorrente).
7. O recorrente entende que o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância não levou em consideração o disposto no art.º 66.º, n.º 1 e n.º 2, al. e) do CPM, achando demasiado pesada a pena, e incorre na violação dos art.ºs 65.º e 66.º do CPM.”
Pedindo a revogação do acórdão recorrido e a atenuação especial da pena.
O Ministério Público, na sua resposta, considera que a situação em apreço não integra qualquer caso extraordinário que justifica a atenuação especial da pena e esta foi fixada em termos justos e equilibrados, concluindo que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
“Em 3 de Fevereiro de 2008, às 17h15, na zona de fiscalização de bagagens dos passageiros de entrada do aeroporto internacional de Macau, os agentes alfandegários interceptaram o arguido A, e levaram-no para a sala de fiscalização da alfândega.
Na sala de fiscalização, os agentes alfandegários encontraram na cueca do arguido A 28 grãos de substância em forma oval, embrulhados em papel de estanho.
Depois do exame químico, verificou-se que as substâncias acima referidas contém elemento de heroína, objecto proibido pela Tabela I-A do Anexo do DL n.º 5/91/M, que um peso líquido de 361,11 gramas.
De seguida, os agentes alfandegários encontraram na posse do arguido A USD 3.295,00, INR 3.630,00, e ETB 6.00, bem como dois telemóveis de NOKIA.
Às 21h30 de 3 de Fevereiro, suspeitando que o arguido A levasse drogas na sua posse, os agentes da PSP levaram-no para o Centro Hospitalar C. São Januário para fazer a inspecção.
Depois do exame X-Ray efectuado ao ventre do arguido, verificaram-se coisas estranhas no corpo dele.
Mais tarde, no Centro Hospitalar C. São Januário, o arguido A evacuou 56 grãos de substância em forma oval embrulhados em papel de estanho.
Depois do exame químico, verificou-se que as substâncias acima referidas contém elemento de heroína, objecto proibido pela Tabela I-A do Anexo do DL n.º 5/91/M, que um peso líquido de 723,05 gramas.
Toda a droga acima referida foi adquirida pelo arguido A em 3 de Fevereiro no aeroporto da Banguecoque da Tailândia junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com o objectivo de o trazer para Macau e o entregar a outro indivíduo de identidade desconhecida.
O dinheiro referido é retribuição que o arguido obteve por ter trazido a referida droga para Macau a favor do indivíduo de identidade desconhecida, e o referido telemóvel é instrumento utilizado para contactar com o indivíduo que recebe a droga.
O arguido A bem sabia das características e da natureza da droga.
O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente.
Os actos praticados pelo arguido A não são permitidos por lei.
O arguido A bem sabia que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
Em audiência, o arguido confessou todos os factos acusados e mostrou-se arrependido.
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
O arguido disse que era estudante antes de ser preso, e não tinha qualquer experiência de trabalho. O pai do arguido já faleceu, e a mãe do arguido é doméstica da casa. O arguido tem dois irmãos mais velhos, uma irmã mais velha e uma irmã mais jovem, sendo todos casados. O arguido continua o seu estudo com o apoio do seu irmão mais velho. Segundo o arguido, ele acabou de fazer o exame de entrada na Universidade antes de ser preso.
Factos não provados:
Não há outros factos relevantes a provar.”
2.2 Atenuação especial da pena e a medida da pena
Para o recorrente, o tribunal recorrido não atendeu à circunstância de que ele próprio foi especialmente afectado pelas consequências do crime, tal como está prevista no art.º 66.º, n.º 2, al. e) do Código Penal (CP), justificando que, como cidadão de país africano, são deficientes as condições económicas do país e foi utilizado por indivíduo de identidade desconhecida para introduzir drogas em Macau, através de meio raro que colocou a sua vida em risco. De qualquer modo, pediu que seja fixada uma pena mais leve.
Segundo os factos provados, o recorrente, ao entrar na Região através do Aeroporto Internacional de Macau, foi detectado que escondeu 28 embalagens de estanho em forma oval na sua cueca e outras 56 embalagens no seu corpo momento antes ingeridas. As substâncias contidas nestas embalagens são heroína com o peso líquido total de 1.084,16 g.
Depois de comparar o regime ditado pelo antigo Decreto-Lei n.º 5/91/M com base no qual o recorrente foi condenado em primeira instância e o novo estabelecido pela Lei n. 17/2009 que entrou em vigor no dia 10 de Setembro passado, foi aplicado ao recorrente, segundo o acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido, o novo regime, por ser concretamente mais favorável ao arguido, e passou a ser condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de nove anos de prisão, numa moldura penal de 3 a 15 anos de prisão.
Nos termos do art.º 66.º, n.º 1 do CP, “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”
Uma das circunstâncias que pode constituir factor de atenuação especial é “ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto” (al. e) do n.º 2 do referido art.º 66.º).
Para além de ter de enfrentar a reacção penal correspondente à sua conduta criminosa, não se verifica que o recorrente está especialmente afectado pelas consequências do facto, segundo a matéria apurada. E dum modo geral, desta matéria não consta qualquer facto capaz de demonstrar que a ilicitude do facto, a culpa do recorrente ou a necessidade da reacção penal são diminutas, e muito menos de forma acentuada. Antes pelo contrário, são elevados os respectivos graus.
De qualquer maneira, a situação económica precária e a pobreza não podem servir de pretexto para praticar o tráfico de drogas, mesmo que o agente deixe o seu próprio corpo ou saúde colocados em risco, nem constituir factor de atenuação especial da respectiva pena. Assim, não é possível accionar o mecanismo consagrado no art.º 66.º do CP.
Por outro lado, atendendo à qualidade e quantidade de drogas detidas pelo recorrente, ao meio relativamente escondido de transportar as drogas, à premente necessidade de prevenção geral do crime, não se revela desequilibrada a pena aplicada pelo Tribunal de Segunda Instância.
Assim, o presente recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC e os honorários de 1500 patacas ao seu defensor nomeado.
Aos 9 de Dezembro de 2009
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.º 38 / 2009 1