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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Chefe do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 11 de Junho de 2007, que negou provimento a recurso hierárquico por si interposto do despacho proferido pelo Comandante da PSP, que negara provimento à sua reclamação no sentido de ser contado como tempo de serviço na Administração Pública, para efeitos de aposentação, o total de 16 anos, 11 meses e 18 dias.
Por acórdão de 20 de Novembro de 2008, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) concedeu provimento ao recurso e anulou o despacho recorrido.
Inconformado, interpõem recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI) tanto o Secretário para a Segurança, como o Fundo de Pensões, que foi admitido a intervir nos autos como interessado a quem o provimento do recurso contencioso pudesse directamente prejudicar (artigo 39.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
O Secretário para a Segurança termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
- O acto do Secretário para a Segurança consubstanciado no seu despacho n.° XX/XX/XXXX não consolida quaisquer direitos na esfera jurídica do recorrente, Chefe do CPSP, A, uma vez que para tal está desprovido, em absoluto de competência, nesse sentido se afigurando como um acto inválido.
- Ele apenas se destina a preparar um acto posterior do Fundo de Pensões.
- Sendo assim, é o acto referido em 1. nulo por referência à impossibilidade, como se disse, do respectivo objecto (art.o 122.°, n.o 2, c) do CPA).
- Nulo o acto, anulado deve ser o Acórdão que o reconhece como constitutivo de direitos, anulando o que, seguindo orientação sufragada pelo Chefe do Executivo, confirmou, em 11.06.2007, uma contagem de tempo de serviço efectuada pelo Comandante do CPSP.
- Por violação da referida alínea c) do n.o 2 do art.o 122.° do CPA, deve o douto Acórdão recorrido ser anulado.
O Fundo de Pensões formulou as seguintes conclusões:
a) O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, dado o Tribunal a quo não ter procedido a uma análise adequada e justa da situação, e principalmente, dos fundamentos e pressupostos subjacentes à prolação dos respectivos despachos (do Exmo Senhor Secretário para a Segurança de 30.06.2004 e do de Sua Excelência, o Chefe do Executivo de 25.05.2006);
b) O despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança de 30.06.2004 não se traduz o efectivo provimento da sua pretensão - contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação desde 18.05.1984 a 21.01.1990 - mas apenas ordenou o envio do processo ao Fundo de Pensões a fim de este ponderar igualmente, a integração de esfera jurídica do militarizado de todos os direitos e deveres (descontos) decorrentes do mesmo acto;
c) o referido acto praticado pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança não reveste a natureza de um acto definitivo, produtora de efeitos jurídicos imediatos, quanto à pretensão do ora recorrido, e por conseguinte, não pode ser considerado, em si, como um acto constitutivo de direito;
d) A situação jurídica para efeitos de aposentação do ora recorrido não se encontrava ainda consolidada, pois, a fixação do tempo de serviço para efeitos de aposentação constitui um acto administrativo complexo apenas consolidado após a valoração, por parte do Fundo de Pensões, do tempo de serviço indicado pelos serviços de origem, neste caso, do CPSP.
e) A contagem do tempo de serviço ou cálculo da antiguidade deve sempre obedecer as respectivas normas legais, sendo anualmente elaboradas pelos serviços as respectivas listas de antiguidade nos termos do art. 160° do ETAPM), cujos exemplares são enviados ao Fundo de Pensões, cabendo a este Fundo proceder à respectiva conferência e verificar os descontos e a contagem do tempo de serviço dos mesmos ao abrigo das alíneas 3 e 4) do n° 1 do art° 17° do Regulamento Administrativo n° 16/2006;
f) Se se entender que o despacho proferido pelo Exm° Senhor Secretário para a Segurança em 30.06.2004 é um acto definidor da situação jurídica do interessado e ora recorrido para efeitos de aposentação, este acto torna-se um acto nulo por falta em absoluto de competência do autor (al. b) do n° 2 do art° 122° do CPA);
g) O referido acto é igualmente nulo por referência à impossibilidade, prevista na alínea c) do n° 2 do art° 122° do CPA., tendo em conta que a pretensão do ora recorrido - de contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação desde 18.05.1984 a 21.01.1990 - só é possível por via legislativa (Solução esta que foi expressamente rejeitada por despacho do Chefe do Executivo de 25.05.2006, exarado na Informação n° XXX/XXX/XXX/XXXX, de 15.05.2006, elaborada pelos SAFP);
h) No caso sub judice, a alegada “legítima expectativa” não existe e nem nunca existiu, tendo em consideração que o próprio interessado tinha perfeito conhecimento, em momentos diferentes, de que a sua pretensão carecia de suporte legal (sendo apenas possível por via legislativa), e que a sua situação jurídica para efeitos de aposentação ainda não se encontrava ainda consolidada, mesmo com o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança de 30.06.2004;
i) Sendo nulo, o referido acto não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente de declaração de nulidade (n° 1 do art° 123° do CPA), nem pode considerado como constitutivo de direitos, nem tão pouco pode criar qualquer expectativa no esfera jurídica do ora recorrido.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência dos recursos.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos (expurgando-se aqueles que não se afiguram necessários à decisão):
A) O ora recorrido A foi nomeado como Guarda do CPSP com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1984, mas só viria a ser nomeado definitivamente nos quadros, em 22 de Fevereiro de 1990.
B) Durante o período de nomeação provisória, o requerido descontava para a Caixa Geral de Aposentações (portuguesa) e não para o Fundo de Pensões de Macau.
C) Analisando a situação do ora recorrido e de outros militarizados portugueses que tinham vindo para Macau ao abrigo de um Protocolo celebrado entre o Ministério da Administração Interna português e o Governo de Macau, um memorando do Secretário para a Segurança, de 3 de Abril de 2001, entendeu que seria de toda a Justiça que o tempo de serviço daqueles militarizados, até à sua nomeação definitiva nas corporações policiais de Macau, pudesse ser contado para efeitos de pensão de aposentação e sobrevivência, pelo que redigiu um projecto de diploma tendente a conseguir tal objectivo.
D) Este projecto não teve seguimento.
E) Em 2004, o ora recorrido A pediu uma reapreciação do seu tempo de serviço para efeitos de aposentação (provavelmente1, por via de reclamação da lista de antiguidade relativa a 31 de Dezembro de 2003).
F) Por despacho de 30 de Junho de 2004, o Secretário para a Segurança determinou a contagem como tempo de serviço efectivo do prestado pelo recorrido desde 1 de Outubro de 1984, determinando o envio ao Fundo de Pensões para esta entidade ponderar a integração na esfera jurídica do recorrido de todos os direitos e deveres decorrentes do acto.
É o seguinte o teor do despacho:
“Despacho
Assunto: Tempo de serviço efectivo do Chefe n.o XXXXXX, A do CPSP
É inquestionável que o exponente, Chefe n.o XXXXXX do CPSP, A tomou posse em 22 de Janeiro de 1985 em lugar do quadro da Policia de Segurança pública de Macau ao abrigo do art. 3.° do Dec-Lei n.o 19/80/M, de 29 de Julho, sendo que os efeitos em relação ao quadro viriam a ser estendidos retroactivamente a 1 de Outubro de 1984 (abrangendo parte da sua formação de base) ex-vi artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho.
É também verdade que o seu provimento original, decorrente da posse no Gabinete de Macau em Lisboa, se prevaleceu, por força do disposto no n.º 1 do art. 3.° do citado Decreto-Lei n.º 19/80/M, do n.º 1 do art. 69.° do Estatuto Orgânico de Macau expressamente dirigido ao recrutamento de pessoal oriundo dos quadros da República de Portugal. Porém, não só o Chefe A nunca pertenceu a qualquer quadro de Portugal como aquele n.º 1 veio a ser revogado pelo artigo 68.° do Decreto-Lei n.o 56/85/M, de 29 de Junho, reforçando a ideia de que se tratou de uma norma de escopo meramente instrumental - imperfeita, aliás destinada apenas a legitimar a mobilidade de Portugal para o ex-território de Macau, nunca tendo tido por finalidade caracterizar uma situação jurídico-funcional cuja concretização jamais seria possível atento a falta do pressuposto do “lugar de origem”, cujos direitos inerentes, o n.o 1 do art. 69.° do EOM protegia na esfera jurídica dos funcionários ali recrutados. 2
É certo que, a sucessão de diplomas legais no ordenamento jurídico de Macau ao tempo, a inexistência do Fundo de Pensões, criado pelo Decreto-Lei n.o 114/85/M, de 31 de Dezembro, bem como a inexistência de Estatuto da Aposentação e Sobrevivência, aprovado na mesma data pelo Decreto-Lei n.o 115/85/M, induziram a administração das Forças de Segurança de Macau em irregularidades geradores de falta de clareza no processo de contagem de tempo de serviço, o qual deverá ser calculado com efeitos desde 1 de Outubro de 1984, nele incluindo o período de tempo prestado em comissão de serviço, por força do disposto no art. 23.°, n.ºs 1, alíneas a), b) e 43 do ETAPM, aprovado pelo DL n.o 87/89/M, de 21 de Dezembro, com os consequentes efeitos, designadamente os relativos a antiguidade, respectivo prémio, aposentação e sobrevivência.
Nestes termos, e nos do parecer que acompanha o requerimento do exponente Chefe n.o XXXXXX A emitido no CPSP, deve a corporação:
a) Proceder às operações materiais necessárias e adequadas a contagem do tempo de serviço efectivo do militarizado desde a data 01 de Outubro de 1984;
b) Integrar a esfera de direitos do militarizado dos efeitos consequentes do referido em a);
c) Enviar ao Fundo de Pensões a fim de aquela entidade ponderar, igualmente, a integração de esfera jurídica da militarizado de todos os direitos e deveres (descontos) decorrentes do mesmo acto”.
G) Entretanto, a lista de antiguidade relativa a 31 de Dezembro de 2006 não contou o tempo de serviço do recorrido para efeito de aposentação desde 1 de Outubro de 1984, mas apenas desde 22 de Fevereiro de 1990.
H) O recorrido reclamou desta lista de antiguidade e, tendo a reclamação sido indeferida, pelo Comandante do CPSP, em 3 de Abril de 2007, interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança que, em 11 de Junho de 2007, proferiu o seguinte despacho:
“Despacho
O Despacho do Comandante do CPSP de 3 de Abril de 2007, integra-se numa orientação contida num despacho do Chefe do Executivo de 25.05.2006 que o vincula, orientação essa materializada na concordância com a doutrina de pareceres emanados de vários organismos, maxime, à Informação n.o XXX/XXX/XXX/XXXX, de 15.05.06.
É verdade que o Secretário para a Segurança proferiu despacho favorável à pretensão do recorrente em 30 de Junho de 2004 (Desp. XX/XX/XXXX). Porém, a sua doutrina decaiu em face da referida decisão superior. Por outro lado, a contagem do tempo de serviço é actualizada parcelar e sucessivamente, pelo menos uma vez em cada ano, não se estabilizando, assim, até à contagem final na esfera jurídica do interessado.
O que parece estar em causa na pretensão do recorrente não será tanto a contagem (operação de natureza material), mas sim o reconhecimento de determinado tempo de serviço como ilegível para o preenchimento do requisito respectivo para efeitos de aposentação e sobrevivência.
Ora, pelas razões expostas de obediência à doutrina emanada de Sua Excelência, o Chefe do Executivo, a qual se dá aqui por inteiramente acolhida para efeitos de fundamentação do acto, o Secretário para a Segurança nega provimento ao presente recurso hierárquico.
Notifique o recorrente da presente decisão, fazendo acompanhar o Despacho dos pareceres em que se prevaleceu o Despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo de 25.05.2006”.
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são, fundamentalmente, as seguintes:
1.ª A de saber se – como pretende o ora recorrente Secretário para a Segurança - o seu despacho de 30 de Junho de 2004 não era definitivo, no sentido de não ser a última palavra da Administração quanto à contagem do tempo de serviço para aposentação, por ser mero acto preparatório do acto final do Fundo de Pensões;
2.ª Se – como alega o ora recorrente Fundo de Pensões – o despacho do Secretário para a Segurança, de 30 de Junho de 2004, é nulo por falta de competência do seu autor;
3.ª Por último, se o despacho do Secretário para a Segurança, de 30 de Junho de 2004 era constitutivo de direitos e, portanto, se foi ilegalmente revogado pelo acto administrativo recorrido, de 11 de Junho de 2007.

2. Listas de antiguidade
Para a decisão das duas primeiras questões, importa considerar uma outra questão fundamental, que é a de saber qual o valor das listas de antiguidade e das decisões que, precedendo reclamação dos interessados, sobre elas são proferidas.
O artigo 101.º, n. os 1 e 5, do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 26 de Dezembro, dispõe que o tempo de serviço, no sentido de serviço prestado ao Território, constitui a base para o cálculo da pensão de aposentação e conta-se para efeito de concessão de licenças.
Algo de semelhante se encontra no artigo 156.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, que estatui que o tempo de serviço releva, designadamente, para progressão e acesso nas carreiras, concessão de licenças e aposentação e sobrevivência,
O tempo de serviço dos funcionários é registado ou contado anualmente por meio de listas de antiguidades, que são publicadas.
O EMFSM dispõe o seguinte sobre listas de antiguidades:
“Artigo 37.º
(Listas de antiguidade)
  1. Anualmente, são publicadas em anexo às ordens de serviço de cada corporação listas de antiguidade dos respectivos militarizados, referidas a 31 de Dezembro do ano anterior, distribuídos por carreiras.
  2. Os militarizados promovidos na mesma data e ao mesmo posto são ordenados por ordem decrescente, segundo a ordem da sua inscrição na lista de antiguidade desse posto, que deve constar do documento de promoção.
  3. A inscrição na lista de antiguidade no posto de ingresso na respectiva carreira é feita por ordem decrescente de classificação final no curso de formação de oficiais ou da lista classificativa final do SST.
  4. No ordenamento hierárquico ditado pela lista de antiguidade, considera-se qualquer militarizado à esquerda de todos os que são mais antigos do que ele e à direita dos que são mais modernos”.

Mas dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do ETAPM que este Estatuto se aplica, subsidiariamente, com as devidas adaptações, ao pessoal militarizado.
E estabelece o artigo 160.º do ETAPM:
“Artigo 160.°
(Listas de antiguidade)
1. Até ao final do mês de Janeiro de cada ano são afixadas as listas de antiguidade dos trabalhadores inscritos no Fundo de Pensões, reportadas a 31 de Dezembro do ano anterior, após aprovação pelo dirigente do serviço.
2. As listas são afixadas em local que permita a sua fácil consulta, dando-se de imediato conhecimento a todos os trabalhadores do serviço.
3. As listas devem ordenar o pessoal por grupos, carreiras e categorias, segundo a respectiva antiguidade, e conter as seguintes indicações:
a) Data do início de funções na Administração;
b) Número de dias descontados;
c) Tempo de serviço contado para antiguidade na categoria, referido a anos, meses e dias;
d) Tempo computado para efeitos de aposentação, referido a anos, meses e dias.
4. As listas são acompanhadas das observações que se mostrem necessárias à boa compreensão do seu conteúdo ou ao esclarecimento da situação dos trabalhadores nelas incluídos.
5. Das listas de antiguidade cabe reclamação, a apresentar no prazo de 30 dias, a contar do quinto dia da sua afixação, com fundamento em omissão, indevida graduação ou situação na lista, ou erro na contagem do tempo de serviço.
6. As reclamações são decididas pelo dirigente do serviço no prazo de 15 dias, a contar da data da sua apresentação.
7. Da decisão da reclamação cabe recurso nos termos da lei.
8. Esgotados os prazos de reclamação e decisão referidos nos números anteriores e efectuadas as correcções a que haja lugar, é enviado ao Fundo de Pensões de Macau um exemplar das listas”.
Este artigo, aplica-se, assim, ao pessoal militarizado.
Seja qual for a qualificação doutrinal das listas de antiguidade, é seguro, por um lado, que as mesmas podem ser impugnadas judicialmente e, por outro, que, se não forem impugnadas, são imodificáveis, salvo erro material, quando se pratique qualquer acto com base nos dados que delas constam.
Por maioria de razão, a decisão que sobre reclamação das listas se tome fica a constituir caso decidido, constitutivo de direitos, não mais podendo ser alterada pela Administração, salvo nos casos em que os actos administrativos podem ser revogados.
Isto resulta do mencionado artigo 160.º.
É que das listas cabe reclamação com fundamento em omissão, indevida graduação ou situação na lista, ou erro na contagem do tempo de serviço. E da decisão da reclamação cabe recurso, incluindo recurso contencioso.
Pois, se tais listas de antiguidade não produzissem efeitos e tivessem mera função informativa, a que título é que estariam sujeitas a reclamação e a recurso?
Como se sabe, no nosso sistema, só se pode interpor recurso contencioso dos actos definitivos.
É o que ensina MARCELLO CAETANO4 , referindo-se às listas de antiguidade:
“A lista é um acto que se limita a registar ou declarar factos (o tempo de serviço contado a cada um). Mas decorrido o prazo da reclamação sem que o interessado haja formulado os seus reparos, a lista é considerada expressão autêntica da verdade dos factos, e como tal imodificável na altura em que se pratique qualquer acto com base nos dados dela extraídos. Por isso, um erro que se deixou consolidar na lista de antiguidades não poderá ser reparado ao fazer-se uma nomeação ou promoção segundo a ordem que consta dessa lista”.
É igualmente o entendimento de M. ESTEVES DE OLIVEIRA5.
Pois bem, se uma lista de antiguidade, depois de decorrido o prazo de reclamação, se torna imodificável, por maioria de razão, a decisão que aprecia reclamação da lista e dá razão ao interessado, não pode mais ser modificada, porque lhe reconhece determinado tempo de serviço. É, pois um acto constitutivo de direitos.


3. Procedimento de aposentação
Face ao que ficou dito, é evidente que o despacho de 30 de Junho de 2004 não enferma do vício de incompetência do seu autor. Como poderia ser o Secretário para a Segurança incompetente para praticar o acto, se a lei prevê expressamente que as listas de antiguidade contenham, entre outras, a indicação do tempo computado para efeitos de aposentação [artigo 160.º, n.º 3, alínea d) do ETAPM] e prevê também a possibilidade de reclamação das listas para o dirigente do serviço (artigo 160.º, n.º 5 do ETAPM), a decisão sobre a reclamação (artigo 160.º, n.º 6 do ETAPM) e o recurso desta decisão (artigo 160.º, n.º 7 do ETAPM)?
A decisão que conhece da reclamação das listas de antiguidade ou a decisão que conhece do respectivo recurso hierárquico, como foi o caso, não se integra no procedimento administrativo com vista à fixação de pensão de aposentação. Não se trata, por conseguinte, de um acto preparatório do procedimento de aposentação, que só se inicia com o requerimento do interessado ou com a comunicação daquele ou dos serviços de que dependa, qualquer deles enviado ao Fundo de Pensões (artigo 267.º, n.º 1 do ETAPM). Procedimento esse que pode nunca se iniciar se o funcionário se exonerar ou for exonerado, por exemplo.
Este procedimento de aposentação está previsto no artigo 267.º do ETAPM, subsidiariamente aplicável ao pessoal militarizado, na falta de previsão do EMFSM sobre esta matéria (artigo 329.º do EMFSM).
Estatui o artigo 267.º do ETAPM:
“Artigo 267.º
(Processo de aposentação)
1. O processo de aposentação inicia-se com o requerimento do interessado ou com a comunicação daquele ou dos serviços de que dependa, qualquer deles enviado por estes ao FPM, devidamente instruídos com os fundamentos da aposentação e os documentos necessários à organização do processo.
2. Em caso de aposentação obrigatória, e sem prejuízo do disposto em matéria de aposentação compulsiva, a desligação do serviço é imediata, sendo devido, a partir da data em que a mesma ocorra e até fixação da pensão, o pagamento, pela verba destinada ao pessoal a aguardar aposentação, de uma pensão provisória calculada pelo serviço processador e comunicada ao Fundo de Pensões de Macau.
3. O FPM verifica a existência das condições necessárias para a aposentação, devendo exigir ao interessado, sempre que necessário, prova complementar sobre o tempo de serviço suficiente para a aposentação, através dos serviços de que aquele dependa.
4. A prova complementar só é considerada se prestada no prazo fixado pelo FPM, que acresce ao que é fixado no n.º 6 deste artigo.
5. O tempo de serviço para efeitos de aposentação prova-se por meio de certidões ou informações autênticas sobre a efectividade de serviço, emitidas pelo serviço de que depende o interessado.
6. Concluída a instrução do processo num prazo não superior a 30 dias, aquele é submetido a despacho que, sob proposta do FPM, fixará a pensão de aposentação.
7. As eventuais rectificações à importância da pensão dão lugar ao acerto dos abonos entretanto efectuados ao interessado.
8. O FPM deve organizar um ficheiro permanentemente actualizado dos subscritores, bem como dos aposentados e beneficiários de pensão de sobrevivência, incluindo os dos serviços autónomos e municípios”.

Quer isto dizer que o procedimento de elaboração e publicação anual das listas de antiguidade (artigo 160.º do ETAPM) é inteiramente distinto do procedimento de aposentação (artigo 267.º do ETAPM).
As listas de antiguidade e a decisão sobre reclamação das listas de antiguidade fixam, com efeitos externos, a decisão do serviço de que depende o funcionário relativamente ao seu tempo de serviço na Administração e a sua antiguidade na categoria, bem como o tempo computado para efeitos de aposentação.
Mas daqui não decorre necessariamente que esta decisão do serviço se imponha ao Fundo de Pensões, quando este, finalizando o procedimento de aposentação, fixa a respectiva pensão (artigo 267.º, n.º 6 do ETAPM).
Quer dizer, não nos cumpre decidir neste processo se o tempo de serviço para efeitos de aposentação que o Serviço, de que depende o funcionário, fixa anualmente nas listas de antiguidade (artigo 160.º do ETAPM) ou mesmo o tempo de serviço para efeitos de aposentação, relativamente ao qual o serviço do funcionário emite certidão, já no procedimento de aposentação (artigo 267.º, n.º 5 do ETAPM), se impõem ou não ao Fundo de Pensões, quando este fixa a pensão de aposentação.
Trata-se de questão que não está em causa neste processo judicial, e que neste não pode ser decidida, dado que só terá de ser objecto de decisão no procedimento de aposentação, que ainda não existe e não se sabe se alguma vez virá a existir, e em sua eventual impugnação judicial.

4. Revogação de acto constitutivo de direitos
Como se disse, o despacho do Secretário para a Segurança, de 30 de Junho de 2004, é um acto constitutivo de direitos.
Tal despacho foi revogado pelo despacho do mesmo Secretário, de 11 de Junho de 2007, na medida em que este fez cessar os efeitos daquele, que determinava a contagem do tempo do serviço do Chefe A, para efeitos de aposentação, desde 1 de Outubro de 1984.
A revogação fundamentou-se em ilegalidade do acto revogado.
O acto revogado, constitutivo de direitos, não sendo nulo, só poderia ter sido revogado dentro do prazo para a interposição do respectivo recurso contencioso, que termine em último lugar (artigo 130.º do Código do Procedimento Administrativo). Ou seja, no prazo maior de um ano, que é o prazo maior, que compete ao Ministério Público [artigo 25.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Administrativo Contencioso].
Mas o acto revogatório foi praticado quase três anos depois. Foi, pois, ilegal, tendo violado as mencionadas normas.
Bem andou o Acórdão recorrido ao ter anulado o despacho do Secretário para a Segurança, de 11 de Junho de 2007.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Sem custas.

Macau, 17 de Dezembro de 2009.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Diz-se provavelmente porque não foi encontrado o seu requerimento.
2 Art. 69.° do EOM :
   1. O pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da República poderá, ao seu requerimento ou com sua anuência e com autorização do respectivo Ministro ou do órgão competente e concordância do Governador, prestar serviço por tempo determinado ao território de Macau, contando-se, para todos os efeitos legais, como efectivo serviço no seu quadro e categoria o tempo de serviço prestado nessa situação.
   2. O pessoal referido no número anterior poderá, ao seu requerimento e obtida autorização do respectivo Ministro ou do órgão competente, transitar para os quadros do território, competindo ao Governador a sua nomeação para os novos quadros.
3 Artigo 23° ETAPM (Comissão de serviço) :
1. Considera-se comissão de serviço o exercício de funções por tempo determinado em :
a) Lugar do quadro ;
2. Na situação prevista na al. a) do número anterior, o provimento no em comissão de serviço só pode ter lugar;
b) Em casos excepcionais, previstos em legislação própria e nos termos nela regulamentados.
3. .......................
4. Quando à comissão de serviço se seguir provimento definitivo em lugar preenchido naquele regime, o tempo de serviço será contado neste último lugar.
4 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 446.
5 M. ESTEVES DE OLIVEIRA Direito Administrativo, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 406 e 407, nota (1).
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1
Processo n.º 12/2009