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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 37 / 2009

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança





   1. Relatório
   A requereu perante o Tribunal de Segunda Instância a suspensão de eficácia do acto do Secretário para a Segurança de 17 de Setembro de 2009 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
   Por acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no processo n.º 888/2009/A, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo foi indeferido.
   Inconformado com a decisão, o requerente recorreu deste acórdão para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 5 de Novembro de 2009, vem o recorrente interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, pedindo que seja revogado o acórdão.
   2. No acórdão do Tribunal de Segunda Instância, o Tribunal Colectivo não analisou as ilegalidades do acto administrativo mas sim limitou-se a analisar o interesse público, entendendo que a suspensão da execução do referido acto administrativo afectará a imagem dos órgãos policiais de Macau e em consequência causará grave lesão do interesse público.
   3. O recorrente invocou várias ilegalidades do acto administrativo (nulidade ou anulabilidade), mas, o Secretário para a Segurança não as impugnou na sua contestação, por isso, deve-se considerar que este aceitou os respectivos fundamentos de direito, e assim, o recorrente não repete novamente tais fundamentos neste recurso.
   4. O recorrente quer salientar que o acto administrativo recorrido violou gravemente o direito de resposta do recorrente, uma vez que o Secretário para a Segurança não considerou a contestação apresentada pelo recorrente nem procedeu à produção de provas solicitada pelo recorrente, por isso, nos termos do art.º 122.º, n.º 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, tal acto é obviamente nulo.
   5. O Secretário para a Segurança alegou que o recorrente foi condenado pela prática de crime, contudo, nos nossos órgãos policiais, ainda há muitos casos em que os agentes policiais tinham sido condenados pela prática de crime mas ainda não lhes foi aplicada a pena de demissão. O caso mais clássico é que um agente da Polícia Judiciária foi condenado na pena de prisão efectiva pela prática da ofensa grave à integridade física contra um arguido que consequentemente lhe causou a morte e também há casos em que os guardas policiais foram provados que tinham consumido drogas, porém, tais guardas policiais ainda podem continuar a exercer funções nos órgãos policiais.
   6. Assim sendo, após a condenação, nem sempre os actos criminosos causam lesão do interesse público prosseguido pela Sociedade, devendo a lesão ser provada pelos factos concretos, porém, no presente caso, não há nenhuma prova concreta para comprovar isso.
   7. Não tendo analisado detalhadamente as situações concretas da lesão do interesse público causada pelo recorrente, o Tribunal a quo afirmou que a suspensão da execução da referida decisão e o regresso ao posto de trabalho do recorrente causarão grave lesão do interesse público, o que violou manifestamente o art.º 121.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
   8. Mais ainda, também não há nenhuma prova que demonstre que a lesão do interesse público é grave, por isso, a decisão do Tribunal a quo violou manifestamente o art.º 121.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, devendo a mesma ser revogada.
   9. Pelos acima expostos, como estão reunidos os requisitos previstos no art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, solicita-se aos MM.ºs Juízes que revoguem o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, ordenem a suspensão da execução do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança em 17 de Setembro de 2009 e autorizem o recorrente a regressar ao seu posto de trabalho.”
   
   O recorrido apresentou as suas alegações e concluiu pela confirmação do acórdão ora recorrido, reiterando o prejuízo para o interesse público que adviria do regresso do recorrente à corporação quando o fundamento da sua demissão foi a condenação por crime de consumo de estupefacientes, crime particularmente censurado pela sociedade de Macau e que está no expoente das preocupações das autoridades.
   
   O Ministério Público emitiu o parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente por não verificação do requisito contemplado na al. b) do n.° 1 do art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, com os seguintes principais fundamentos:
   - A jurisprudência de Macau tem entendido de que na área disciplinar existe grave lesão do interesse público se a suspensão contende com a dignidade ou o prestígio que o serviço deve manter perante o público em geral e perante seus funcionários em particular;
   - A prática do crime de detenção de estupefacientes para consumo pelo recorrente afecta inevitável e gravemente a imagem, a dignidade e o prestígio da autoridade policial;
   - Não se afigura que os prejuízos, o desvalor que da imediata execução resultem para o recorrente sejam desproporcionadamente superiores face aos interesses públicos que as forças de segurança visam prosseguir.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “– A, ora recorrente, é guarda do CPSP.
   – Em 17.09.2009, proferiu o Exm° Secretário para a Segurança o despacho seguinte (objecto do presente pedido):
   ‘Assunto: Processo Disciplinar n.° XXX/2006
   Arguido: Guarda do CPSP n.° XXXXXX, A
   Dos autos resulta que o arguido, guarda do CPSP n.° XXXXXX, A, foi condenado pela prática de um crime de posse de estupefacientes p.p. no art.° 23.°, al. a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Fevereiro, na pena de 45 dias de prisão, pena que foi suspensa na sua execução pelo período de 18 meses.
   Os factos que determinaram a sua condenação em processo-crime constituem, simultaneamente infracção disciplinar por violação dos deveres constantes das al.s f) e o) do n.° 2 do art.° 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 66/94/M, de 30 de Dezembro, cuja suficiência de prova quanto à respectiva autoria e existência material se encontra consolidada de acordo com o n.° 2 do art.° 263.° daquele estatuto ao que, nos termos de cujo art.° 240.°, al. c), corresponde pena de demissão.
   O arguido foi devidamente notificado da acusação e não respondeu no prazo concedido para o efeito.
   Foi ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina.
   Pelo exposto e em face da gravidade dos factos, do seu prejuízo para o serviço público e prestígio da corporação, das circunstâncias que agravam a conduta – al.s d) e f) do art.° 201.°, ponderada que foi ainda a circunstância que favorece o arguido a que se refere a al. b) do n.° 2 do art.° 200.° –, ambos os normativos do EMFSM, puno o arguido guarda do CPSP n.° XXXXXX, A, com a pena de demissão, o que faço de acordo com a competência que me advêm das disposições conjugadas da Ordem Executiva n.° 13/2000 e do art.° 211.° daquele estatuto, e com referência, ainda, às suas al.s f) e l) do n.° 2 do art.° 238.° e c) do art.° 240.°.’ ”
   
   
   2.2 Vícios do acto impugnado
   O recorrente voltou a suscitar a nulidade do acto administrativo praticado pelo ora recorrido por violação do seu direito de defesa na fase de instrução, nos termos do art.° 122.°, n.° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo.
   
   Sobre os requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos prescreve o art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC):
   “1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
   a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
   2. ...
   3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
   4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
   5. ...”
   
   Tal como foi decidido no acórdão deste Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009 proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos, é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.
   Por outro lado, o que a al. c) do n.° 1 do art.° 121.° do CPAC refere são fortes indícios de ilegalidade do recurso, mas não do acto impugnado.
   Assim, a alegação dos vícios do próprio acto impugnado no recurso contencioso é irrelevante para a requerida suspensão da sua eficácia.
   
   
   2.3 A existência de grave lesão do interesse público
   O recorrente considera que a suspensão da execução do acto não determine qualquer lesão do interesse público, alegando que existe situações na Polícia de que há agentes condenados criminalmente mas não são punidos com a pena disciplinar de demissão, em detrimento do princípio da igualdade. Explica ainda que foi apenas um caso isolado de consumo de drogas e que não determina grave lesão à imagem da Polícia.
   
   Vista bem a situação do presente caso, entendemos que a suspensão de eficácia do acto punitivo do recorrente determina a grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
   O recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo próprio, tal pode determinar a aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva ou demissão segundo o art.º 238.º, n.º 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M.
   Esta pena disciplinar constitui uma reacção contra a violação dos deveres funcionais por parte de agente policial que afecta a autoridade e a imagem da polícia, diminui a capacidade profissional do agente e a força em conjunto do grupo operacional em que se integra, aumenta o risco de insucesso de operação policial e até para a segurança de si próprio e dos seus colegas, tendo por objectivo restabelecer a credibilidade da polícia perante o público em geral como força de combate aos crimes e a autoridade da ordem e disciplina no meio da corporação policial.
   O eventual regresso do recorrente ao seu posto de serviço durante a pendência do recurso contencioso do acto punitivo obsta necessariamente a prossecução dos referidos objectivos, que são vitais para a força policial e manifestamente superiores aos prejuízos que a imediata execução do acto cause ao recorrente.
   É de confirmar, assim, a decisão de indeferir a requerida suspensão de eficácia.
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
   
   Aos 17 de Dezembro de 2009


Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

A Procuradora-Adjunta
presente na conferência: Song Man Lei
Processo n.º 37 / 2009 9