ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Dr. A, Advogado, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior de Advocacia, de 11 de Junho de 2007, que o puniu disciplinarmente com a pena de suspensão do exercício da profissão de advogado durante seis anos.
Por acórdão de 26 de Março de 2009, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe o mesmo Advogado recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto a decisão tomada pelo Tribunal de Segunda Instância que, considerando improcedente o Recurso apresentado pelo ora Recorrente, mantém, na íntegra a decisão do Conselho Superior de Advocacia de Macau que, no termo do processo disciplinar em que ora Recorrente foi co-arguido, concluiu pela condenação do mesmo no cumprimento da pena de 6 (seis) anos de inibição do exercício da profissão de Advogado.
2. A referida condenação teve por base e fundamento a imputação ao ora Recorrente de uma actuação em violação dos seus deveres enquanto notário, ao lavrar 5 escrituras públicas sem que, para tal, um dos outorgantes estivesse munido dos necessários poderes de representação.
3. Tal pressuposto em que lavra a decisão do Conselho Superior da Advocacia e mantida pela decisão ora Recorrida, mostra-se, porém, errado, uma vez que a actuação do ora Recorrente à luz das normas que pautam a sua conduta enquanto Notário mostra-se perfeitamente lícita.
4. E quer a decisão do Conselho Superior da Advocacia, quer a decisão ora Recorrida mostram-se completamente omissas quanto à apreciação dessa mesma questão, o que torna a decisão ora Recorrida nula, nos termos do disposto no artigo 571º do Código de Processo Civil.
5. Assim, ainda que devesse considerar-se que as escrituras lavradas pelo ora Recorrente tivessem sido outorgadas por quem não tinha poderes para representar a transmitente - o que, de todo o modo, judicialmente, não foi ainda verificado - a consequência jurídica dessa mesma falta consiste, pura e simplesmente, na insusceptibilidade da produção do efeito jurídico na esfera do representado a que a declaração do representante tenderia, ou seja a transmissão dos bens, nos termos do disposto no no. 2 do Artigo 261 º do Código Civil;
6. A supostamente devida recusa em celebrar o acto, por parte do ora Recorrente, só poderia justificar-se, no plano legal, perante qualquer das situações a que faz referência o Artigo 14° do Código do Notariado;
7. As escrituras públicas lavradas pelo ora Recorrente não apenas são juridicamente viáveis, sendo indisputável que a celebração das mesmas por representante, ainda que sem poderes de representação, não constitui qualquer causa de nulidade dos negócios de compra e venda realizados, como, outrossim, em face dos documentos apresentados perante o ora Recorrente, não poderia este, não ter redigido o documento que lhe foi solicitado pelas partes.
8. Sendo que, nos termos do disposto no Artigo 16° do Código do Notariado, “A intervenção do notário não pode ser recusado com o fundamento do acto ser anulável ou ineficaz.”
9. E o ora Recorrente, em cumprimento dessas disposições, procedeu ainda à advertência às partes da ineficácia desse negócio caso se viesse a mostrar revogada a procuração invocada pelo Senhor B, aliás B2, e fez constar das mesmas escrituras a menção de ter feito aquela mesma advertência.
10. Assim, independentemente de tudo o mais o quanto venha a ser decidido no âmbito do presente recurso, resulta, desde logo, inequivocamente claro que a actuação do ora Recorrente ao lavrar as referidas escrituras é um actuação lícita.
11. E, reconhecendo o legislador a compatibilidade do exercício simultâneo das funções de Notário e de Advogado, o julgamento de tal questão constitui pressuposto intrínseco de qualquer valoração da conduta do ora Recorrente enquanto da valoração da conduta do ora Recorrente enquanto Advogado, razão por que não podia o douto Tribunal a quo julgar o Acórdão do Conselho Superior da Advocacia sem decidir aquela mesma questão.
12. Aliás, atenta a natureza material e essencialmente jurisdicional da decisão proferida pelo Conselho Superior da Advocacia, o âmbito do recurso é de jurisdição plena, assumindo este uma finalidade de reexame da decisão recorrida, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
13. A não se entender assim, a conclusão alternativa é a de julgar incompetente o Conselho Superior da Advocacia para dirimir questões materialmente jurisdicionais em face do disposto no artigo 82° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, o que sempre a tornaria nula;
14. Por outro lado. a decisão recorrida encontra-se ainda ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 571° do Código de Processo Civil porquanto a mesma:
(i) Omite ainda a pronúncia quanto à violação do disposto nos artigos 12° e 13° do Regulamento Interno do Conselho Superior da Advocacia;
(ii) Não especifica os fundamentos de facto em que assenta o juízo factual sobre o conhecimento, por parte do ora Recorrente da falsidade da pública forma;
(iii) Omite qualquer pronúncia sobre a impugnação do juízo de facto apresentado pelo ora Recorrente no que diz respeito à actuação deste em co-autoria com os Senhores Drs. E e F;
(iv) Não especifica quais os factos que entende consubstanciarem a violação de cada uma das normas deontológicas que devem pautar o comportamento do ora Recorrente enquanto Advogado;
15. Ao julgar provado o conhecimento, por parte do ora Recorrente, da impugnação judicial da genuinidade da pública-forma o Tribunal a quo viola normas imperativas de prova, nomeadamente as previstas nos Artigos 364°, 365° e 377°;
16. Ao julgar provado o conhecimento, por parte do ora Recorrente, à data da outorga das escrituras públicas, da falsidade da pública-forma para o efeito apresentada e o consequente conhecimento da falta de poderes de representação voluntária do mandatário alienante o Tribunal a quo viola normas imperativas de prova, nomeadamente as previstas nos Artigos 365°, 366° e 380° do Código Civil e nos Artigos 70° e 128°, ambos do Código do Notariado.
17. Ao julgar provado, por um lado, que os documentos necessários à instrução da escritura pública foram coligidos pelos restantes co-arguidos no processo disciplinar com anterioridade ao primeiro contacto com o ora Recorrente e que, por outro, este trabalhou em conluio com eles para compilar tais documentos, o Tribunal a quo incorre em contradição insanável na matéria de facto.
18. Tal contradição inviabiliza a decisão de direito, nomeadamente quanto à correcta sindicância do agravamento do juízo de ilicitude e censurabilidade efectuado.
19. Ao não declarar a nulidade da decisão por violação dos Artigos 340° n°.1 alínea f) e 360°, alínea b), aplicáveis ex vi Artigo 65° do Código Disciplinar, Artigo 10° do Código Disciplinar e violação do direito de defesa do Arguido, a decisão recorrida enferma de erro na aplicação do direito.
20. A sanção aplicável ao Recorrente mostra-se manifestamente desadequada, desnecessária e injusta, quer em face da correcta consideração que o Tribunal a quo deveria ter dispensado aos factos, quer, outrossim, em face daquela que constitui a versão dos mesmos narrados pelo Conselho Superior da Advocacia.
21. Todos os factores que possam contribuir para a medida da pena, isto é todas aquelas circunstâncias que deponham contra ou a favor do Recorrente devem ser devidamente ponderadas e sopesadas tendo também de ser avaliado o seu concreto significado dentro da globalidade dos elementos em apreço;
22. Acontece porém que ou não foram devidamente ponderadas, ou foram completamente omitidas na decisão a quo todas as circunstâncias que poderão ter influência quer na determinação do, eventual, quantum de pena a aplicar ao ora Recorrente quer, do mesmo modo, no juízo sobre a adequação, necessidade e justeza da sanção concretamente aplicada;
23. O decurso do tempo enquanto factor de medida da pena não considerado, tem como consequência necessária, também em termos de punições disciplinares, um esbatimento das necessidades de tutela de prevenção geral uma vez que já decorreram quase seis (!) anos desde o momento da prática dos factos;
24. De acordo com os factos constantes do relatório do Instrutor, e que, por qualquer razão alheia ao Recorrente não foram carreados para a decisão do Conselho Superior de Advocacia e posteriormente para a decisão do Tribunal a quo, não foi dado relevo à circunstância de os arguidos exercerem a sua profissão em Macau há longos anos nem tomada em linha de conta a circunstância de o Recorrente nunca ter sido condenado disciplinarmente pela prática de qualquer violação deontológica;
25. Nem dos factos dados como provados, nem dos elementos a que o Tribunal a quo poderia ter acesso no exercício das suas funções, resulta ter o arguido, em momento posterior à data da prática dos factos que lhe são imputados, tido um comportamento violador dos imperativos éticos e deontológicos a que está vinculado tendo sempre colaborado com a jurisdição do Conselho Superior da Advocacia;
26. A conduta do ora Recorrente não provocou quaisquer prejuízos na esfera de terceiros, pelo que tal circunstância deve ser revelada na determinação da medida da pena;
27. Pelo contrário, é inaceitável que a decisão recorrida, não tenha considerado e valorado positivamente a advertência que o Recorrente, por sua própria iniciativa, fez às partes e cuja menção fez constar das escrituras que lavrou;
28. Fazendo um juízo comparativo, a desproporcionalidade que subjaz na diferença entre as sanções aplicáveis aos vários arguidos é de tal modo notória que viola o próprio artigo 7.° do Código do Procedimento Administrativo, assim violando o princípio da igualdade e da imparcialidade.
29. Tal juízo de desproporcionalidade não se verifica apenas e só fazendo uma comparação entre as penas aplicáveis aos sujeitos em questão, mas fundamentalmente, duma análise individualizada das circunstâncias concretas que poderão ter ou não influência num juízo de desproporcionalidade que respeite o artigo 5.° do CPA.
30. A decisão recorrida viola o sub-princípio da conformidade ou adequação porque se mostra que qualquer outra medida realizaria cabalmente, e de certeza com maior eficácia, os fins que as normas de direito disciplinar visam neste caso concreto.
31. A decisão recorrida não fundamenta devidamente a sua opção pela aplicação da medida disciplinar mais gravosa possível aplicável a um advogado no exercício das suas funções, uma vez que não faz o esforço, a que estava vinculado, de, por intermédio de juízos excludentes, justificar a não integração dos factos que considera provados, associados às circunstâncias que considerou determinantes para fundar o seu juízo de medida da pena, em qualquer uma das alíneas a) a e) do artigo 41.°;
32. Ao manter a decisão de aplicação ao Recorrente da pena disciplinar de seis anos de suspensão sem justificar a inadequação ou insuficiência das outras penas disciplinares a que podia lançar mão, a decisão recorrida violou, sem margem para dúvidas, o princípio da proporcionalidade na sua dimensão de exigibilidade ou necessidade;
33. A este propósito sempre se dirá que a pena aplicada ao ora Recorrente pelo Conselho Superior de Advocacia constitui a imposição de uma limitação à liberdade de exercício da profissão por parte do ora Recorrente, que se traduz numa limitação essencial ao exercício de um direito fundamental consagrado na lei básica e, bem assim, no Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais.
34. A aplicação de uma pena, com todas as suas implicações sociais e profissionais, quando inexistem quaisquer antecedentes ou indícios da propensão para a prossecução de uma qualquer conduta ilícita no futuro - bem pelo contrário - constitui uma violência intolerável, injusta e inaceitável e que não pode merecer a concordância de qualquer Tribunal, razão por que deve a mesma ser declarada nula.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
“ACÓRDÃO
Os membros do Conselho Superior da Advocacia de Macau, DELIBERARAM por unanimidade dos membros presentes, em reunião de 21 de Abril de 2006, no processo disciplinar nº XX/XX/XXX, instaurado por deliberação do mesmo Conselho e em que são arguidos:
1) Dr. F, filho de G e de H, divorciado, Advogado, inscrito sob o nº. XX, que exerceu até ao dia 15 de Fevereiro de 2001 as funções de Notário Privado, com domicílio profissional na [Endereço (1)];
2) A, solteiro, filho de I e de J, Advogado e Notário Privado com domicílio na [Endereço (2)];
3) Dr. E, casado, Advogado, inscrito sob o nº.XX na Associação dos Advogados de Macau, mas com a inscrição suspensa a seu pedido, natural de Olhão, filho de K e de L, cujo último domicílio profissional foi na [Endereço (3)], actualmente residente na [Endereço (4)].
Nos termos e com os fundamentos seguintes:
I
(A Instrução dos factos denunciados)
Em 15 de Julho de 2003 veio publicado no jornal um anúncio em que, em resumo, se denunciava que «No final do mês passado, usando uma cópia falsa de uma procuração obtida no Cartório Privado F, e utilizando o cartório do Notário Privado A, e ajudado pelo advogado E, um indivíduo de nome C conseguiu transferir para o seu nome a titularidade de vários prédios que são propriedade da [Associação (1)] ou [Associação (1a) ].
Nesta inqualificável cabala, o dito C contou para além da cumplicidade dos três indivíduos já referidos, com a ajuda do seu irmão D e do B aliás B2.» (sic) ...
Na sequência daquele anúncio, a Associação dos Advogados de Macau (AAM) procedeu à abertura de um inquérito dado os factos relatados poderem configurar, eventualmente, matéria disciplinar de advogados inscritos na Associação.
O inquiridor da AAM, Dr. M, iniciando o inquérito, solicitou, através de ofícios, esclarecimentos das pessoas referenciadas no anúncio: “ [Associação (1)] ou [Associação (1a)]”, Dr. F, Dr. E e A.
Por carta datada de 19 de Julho de 2003, recebida na AAM a 21/7/2003, o visado Dr. F pede “abertura de um inquérito para total apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, incluindo a eventual autoria moral ou material de associados na feitura do anúncio supra citado” (sic), sem responder ao pedido de esclarecimento que consta do oficio do inquiridor;
Do A e do Dr. E, não se vê qualquer resposta, mas o inquiridor, no relatório de 31.10.2003, fls.3-6, relata que: “6. O A apresentou, durante todo o período em que decorreu o inquérito, sucessivas justificações para a sua não comparência na sede da Associação dos Advogados de Macau, embora sempre tenha afirmado que se mostrava disposto a prestar todos os esclarecimentos que tivéssemos por convenientes.
7. O Dr. E compareceu na Associação dos Advogados de Macau e respondeu a todas as perguntas que lhe fizemos.
8. Em resumo, nega a veracidade de parte dos factos que lhe são imputáveis pela [Associação (1)] ou [Associação (1a)] no anúncio em questão e nas peças processuais subscritas pelos mandatários daquela.
9. Protestando juntar, como prova da sua defesa, uma carta assinada pelo Dr. N em que o mesmo alegadamente havia certificado não ter assistido à inutilização da procuração que instruiu as escrituras de compra e venda cuja validade é contestada, nem ser sua a assinatura subscrita na mesma procuração supostamente aquando da referida inutilização.
10. E um oficio da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça no qual era confirmado que a dita procuração nunca havia sido revogada.
11. Todavia não o fez até à data, pelo que serão sempre elementos que não poderão ser aqui considerados” (sic).”
E em 28 de Agosto de 2003, o advogado Dr. O veio, pela sua cliente ASSOCIAÇÃO DE PIEDADE E BENEFICÊNCIA supra, responder ao oficio e juntando um conjunto de documentos alegadamente comprovativos, em resumo:
- que o A, no exercício da sua actividade de Notário Privado, tinha celebrado em Março de 2003 várias escrituras de venda de bens daquela [Associação (1)] ou [Associação (1a)] sem que o outorgante que representou aquela Associação tivesse poderes legais para o efeito;
- que os documentos comprovativos dos poderes com que o indivíduo (B aliás B2) outorgou as escrituras como procurador daquela Associação eram públicas-formas que o Cartório Notarial das Ilhas extraiu legalmente em 2003 duma pública-forma de procuração concedendo tais poderes, arquivada naquele Cartório e absolutamente condizente ou conforme com a pública forma ali arquivada;
- que a pública-forma de procuração dando poderes para o efeito, arquivada naquele Cartório Notarial das Ilhas, era uma pública-forma emitida pelo Notário Privado Dr. F em 07.Junho.1995, conforme com a procuração original outorgada no Cartório do Notário Privado Dr. N em 30.09.1993;
- que esta procuração original foi outorgada em 30.Setembro.1993 mediante instrumento público no Cartório do Notário Privado Dr. N mas que foi cancelada por mandante e mandatário em 14.Fev.1995 mediante aposição sobre ela de dois traços transversais paralelos e com a expressão manuscrita “cancelled”, colocada entre os dois traços; e com a frase manuscrita no topo “Fui presente: 14/02/95 (a) N” e, na margem esquerda do topo, caracteres chineses que em português significam “A presente procuração cancela-se a partir da presente data. 14/2/95”;
- que, portanto, na data de 07.Junho.1995 o Notário Privado Dr. F só falsamente podia ter emitido, por pública-forma, procuração igual ao original pois nessa data ela já não era igual ao original (já tinha tais expressões de cancelamento e as assinaturas das pessoas que intervieram no cancelamento);
- que, por esse motivo, é falsa a pública-forma emitida pelo Notário Privado Dr. F com a data de 07.Junho.1995 e arquivada no Cartório Notarial das Ilhas e, por via dessa falsidade, falsas também as públicas-formas dela extraídas no Cartório das Ilhas e usadas pelo outorgante B aliás B2 junto do Notário Privado A para a celebração das escrituras de venda dos bens da [Associação (1)] ou [Associação (1a)];
- e das participações que, em 29.07.2003, esta [Associação (1)] ou [Associação (1a)] apresentou ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM, pelos factos acima resumidos, contra o Notário Privado A (fls.73-82) e contra o Notário Privado Dr. F (fls.83-88 e verso).
Em 31.10.2003, o instrutor do inquérito da AAM, Dr. M, apresentou o Relatório de fls. 3-6 e juntou as cópias dos ofícios por si expedidos e os elementos fornecidos pelo Dr. F e pelo Dr. O, desde fls. 7 até fls. 290 dos autos e acima já resumidos.
Refere nesse Relatório que “Na sequência da publicação no dia 15 de Julho de 2003, no jornal, de um anúncio atribuído à [Associação (1)] ou [Associação (1a)], onde são relatados factos susceptíveis de configurar infracções alegadamente imputáveis aos A, Dr. E e Dr. F, a Associação dos Advogados de Macau procedeu à abertura de um inquérito para o apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares”.
Relata a solicitação de esclarecimentos dos nomes envolvidos e a colheita dos elementos e documentos acima referidos e concluiu o seu cit. relatório de 31.10.2003, propondo a remessa do expediente a este Conselho Superior de Advocacia por, em sua opinião, existir indícios de matéria disciplinar.
Aderindo, a AAM, por despacho de 01 de Novembro de 2003, lavrado sobre o referido Relatório, ordenou a remessa a este Conselho;
Por oficio nº XXXX/XX, de 04 de Novembro de 2003, do Exmo. Presidente da Direcção da Associação dos Advogados, foi feita a remessa daquele inquérito para este Conselho, com todo o expediente nele referido e constante de fls. 2 a 290 dos presentes autos;
Aquele oficio de remessa (junto a fls. 2 dos autos), e respectivo expediente, deu entrada neste Conselho em 04 de Novembro de 2003 e sobre ele foi proferido despacho da Presidente deste Conselho nos termos seguintes: “Proc. XX/XX/XXX. Ao Sr. Dr. P para instrução como processo de inquérito. 7/11/03. (a) Q”.
Em 11/11/2003, e sobre o mesmo oficio junto a fls. 2 em que foi mandado instaurar o processo disciplinar (na forma de inquérito), o instrutor nomeado pelo despacho da Presidente deste Conselho proferiu despacho a mandar Autuar e Registar como processo de inquérito e tendo como Participante a referida [Associação (1)] e, como Participados, os referidos 3 (três) advogados.
Mediante ofícios de 27.11.2003, expedidos com Aviso de Recepção, nos termos e para os efeitos do art. 21 o do Código Disciplinar dos Advogados (fls. 292 e segs.), o instrutor notificou os denunciados A, Dr. E e Dr. F de que iniciara a instrução do processo disciplinar em 18.Nov.2003 bem como para, querendo, consultarem os autos durante as horas de expediente, nas instalações do CSA, e responder sobre a matéria do mesmo processo, no prazo de 10 dias.
Por ofícios da mesma data (fls.296-297), comunicou igualmente o início do processo quer a este Conselho quer ao Presidente da [Associação (1)] [(Associação (1a) ].
O Dr. E, veio com o requerimento de 09.12.2003 (fls.301-307), onde alega não ter encontrado nos autos qualquer denúncia ou queixa contra si nem a imputação contra si de quaisquer factos, sustentando, em resumo: que a [Associação (1)] já foi cliente da Dra. R mas hoje em dia é seu cliente e não daquela advogada; que o anúncio publicado no jornal de 15.07.2003 que a AAM tomou como fonte para a denúncia e instauração destes autos é “um anúncio injuriando gravemente o signatário, a sua honra e o seu nome.”; que, por não ter encontrado denúncia contra si, seja informado se foi ou não apresentada alguma queixa ou participação contra si pois entre os documentos oferecidos pelo Dr. O constarem 2 participações da [Associação (1)] ou [Associação (1a)] apresentadas ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM, pelos factos acima resumidos, serem contra o Notário Privado A (fls.73-82) e contra o Notário Privado Dr. F (fls.83-88 e verso) mas nenhuma contra si; em caso afirmativo, que lhe fosse indicado a que fls. se encontra tal queixa ou participação contra si; qual o seu conteúdo; e que factos lhe são imputados.
Pede o esclarecimento “por forma a que, então - depois de identificada a participação e a sua matéria - possa (ou não) notificar-se o signatário para apresentar a sua resposta” - sic.
O Dr. F (fls. 3131 e segs, em 19.12.2003) reclama também não conhecer queixa contra si bem como reclama ser participante/ofendido na sua queixa datada de 19.7.2003 e entrada na AAM em 21.7.2003 (fls. 287), alega ser ofendido em participação apresentada pela [Associação (1a)] a fls. 289 bem como participante/ofendido em queixa disciplinar e criminal que alega ter feito contra os colegas Dra. R, Dr. O, Dr. S e Dr. T.
E o A (fls. 317-320, em 16.12.2003) clama por dúvidas semelhantes requerendo que seja esclarecido: de que queixa foi apresentada contra si; que factos concretos lhe são imputados; e se o Dr. T foi ou não excluído das deliberações do CSA na matéria relacionada com os autos.
Por despacho de 02.Fev.2004 (fls.321-324), o Exmo. Instrutor disciplinar responde aos pedidos de esclarecimento nos termos que constam daquele despacho e no qual, em resumo, esclarece que:
- a participação consiste no relatório, despacho e expediente que a AAM remeteu ao CSA;
- e que daí se vê claramente que os participados em tal remessa da AAM são efectivamente o Sr. Dr. E, Dr. F e A;
- que os factos participados são os noticiados pelo supra indicado anúncio no jornal de 15.7.2003;
- e que (fls.322 in fine) “O que importa” no âmbito dos presentes autos, é esclarecer convenientemente o eventual envolvimento desses três colegas na situação que, por via daquela notícia, foi publicamente denunciada” (sic).
Remetido tal despacho-esclarecimento aos interessados através de cartas registadas com AR em 03.Fev.2004 (fls.326-328), o Exmo. Instrutor passou ao apuramento dos factos mediante realização das diligências consideradas pertinentes, nomeadamente Oficio de 16.2.2004 pedindo à Direcção dos Serviços de Identificação ou DSI “a identidade das pessoas que integram a Administração da [Associação (1)] ou [Associação (1a)] (fls. 332 e satisfeito por oficio de 2.Mar.2004 daquela DSI a fls. 338-339) bem como a inquirição de diversas testemunhas e junção de diversos documentos com vista ao esclarecimento ou descoberta do eventual envolvimento dos 3 (três) denunciados acima identificados e quais os factos de envolvimento praticados pelos mesmos (desde fls. 330 a 553).
Finda a instrução, o Exmo. Senhor Instrutor, emitiu de fls. 597-606 parecer a este Conselho do teor seguinte:
“Finda a Instrução, cabe-nos apresentar o seguinte,
PARECER
Entendeu a Associação dos Advogados de Macau, instaurar um Inquérito com vista ao apuramento dos factos referidos numa notícia publicada no dia 15 de Julho de 2002 no diário da expressão portuguesa (doc. de fls. 290) e atribuídos aos Advogados que figuram nestes autos como participados.
Realizadas as diligências julgadas necessárias e adequadas, propôs o respectivo Sr. Instrutor que os respectivos fossem remetidos os autos ao Conselho Superior da Advocacia para os efeitos de averiguações “através de meios apropriados”.
Em face desse parecer, o inquérito foi efectivamente remetido ao Conselho Superior da Advocacia cuja ilustre Presidente decidiu, com base no respectivo expediente, instaurar o Presente Processo de Inquérito, decisão mais tarde ratificada pelo Conselho Superior da Advocacia o qual ratificou, também, todos os actos praticados no âmbito do mesmo. Notificados os ilustres Colegas participados, responderam pela forma constante das suas respostas de fls. 295 a 301 (Sr. Dr. E), 307a a 308 (Sr. Dr. F) e 311 a 314 (Sr. Dr. A).
Por, entretanto, ter sido suscitada a questão da legitimidade da entidade que mandou instaurar o Processo de Inquérito, entendemos colocá-la a mesma à apreciação do Conselho Superior da Advocacia o qual decidiu “ratificar a decisão de mandar instaurar o processo de inquérito......”.
Em face desta deliberação, foram os participados novamente notificados para se pronunciar sobre a matéria da denúncia.
Os elementos probatórios colhidos ao longo da Instrução permitem, com segurança, concluir o seguinte:
1) A [Associação (1)] ou [Associação (1a)] acha-se registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o nº. XXX (fls. 332);
2) A Direcção da referida Associação integra vários membros entre os quais o Sr. U (fls. 332 e 333);
3) O Sr. B aliás B2 não integra tal órgão (fls. 332 e 333);
4) Em 1993, a referida Associação passou uma procuração a favor do Sr. B, aliás B2, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31);
5) No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. B, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmo. Sr. Dr. N e em presença deste (fls. 27 e 31);
6) A revogação foi feita estando também presente aquele B (fls. 27 e 31);
7) A mesma revogação foi feita apondo-se na parte superior do rosto do original da procuração em causa a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses que significam o seguinte: “a presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”;
8) Além disso, no texto da primeira página foram apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27);
9) A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação U e V e também pelo Srs. W e B2 (fls. 27);
10) A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. N o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27);
11) O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. B2 aos representantes da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)];
12) Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial;
13) Não obstante o que fica referido, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela Procuração com o respectivo original;
14) Em outras palavras no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40);
15) Ora à data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da Procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)];
16) Não dispunha, pois, o Sr. Dr. F de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o original;
17) Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. N (fls. 35 a 40);
18) Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao notário e deve conter a declaração de conformidade com o original;
19) Ora, era de todo impossível alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o original da falada procuração ao referido Sr. Dr. F por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)];
20) Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. F extrair uma fotocópia desse original;
21) Consequentemente também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original;
22) Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa;
23) No dia 13 de Janeiro de 2003, o referido B2, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial das Ilhas conseguiu substabelecer os poderes nela referidos nos Sr. C e D (fls. 532 a 542);
24) Os dois documentos ficaram arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nos respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. E (fls. 532 a 540);
25) Nos dias 23 de Junho de 2003 e no 25 de Junho do mesmo ano, no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção, na qualidade de Notário Privado, foram outorgadas várias Escrituras Públicas, tendo por objecto a compra e venda de imóveis pertencentes àquela Associação;
26) Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido;
27) No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 ° andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas na [Endereço (5)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 163;
28) Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma Escritura Pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX;
29) Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1° andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1° andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segundo andar E. E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, conforme melhor resulta da fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se da aqui por reproduzido;
30) O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos nºs 24 e 25 e 26 deste Parecer foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos referidos no nº. 27 o de $80,000.00 patacas;
31) O comprador de todos aqueles imóveis foi o Sr. C devidamente identificado nos referidos documentos;
32) Quem interveio em todas as Escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mencionado B aliás B2;
33) A qualidade do Sr. B como Procurador da referida Associação foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste Parecer sob o nºs. 13 a 20;
34) O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por disso ter sido informado em data anterior à da celebração daquelas Escrituras pelos Advogados Srs. Drs. O e T os quais designadamente lhe explicaram as razões por que tal documento devia ser considerado como falso. Além disso, recebeu as comunicações e constituem os documentos de fls. 89 a 118 cuja teor se dar aqui por reproduzido;
35) Não obstante ter plena consciência de falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas Escrituras;
36) Assim, deu como verificada a qualidade de Procurador da referida Associação de B numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação;
37) O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas Escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau;
38) Foi o arguido Sr. Dr. F quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas Escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. B, seu cliente, como Procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa;
39) O Sr. Dr. E providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs, XXXX, e discriminadas no artigo 25° deste Parecer como resulta dos documentos de fls. 485 a 516, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos,” o seguinte endereço: [Endereço (3)];
40) Este endereço corresponde ao do Escritório do Sr. Dr. E;
41) No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido B fazendo uso daquela pública-forma falsa substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. E, seu Advogado (fls. 473 e 474);
42) Os Srs. Drs. F e A actuaram da forma que ficou referida com plena consciência da falsidade daquela Pública-forma;
43) Os elementos existentes nos autos não permitem formular o mesmo Juízo relativamente à conduta do Sr. Dr. E.
Pelo exposto, afigura-se que devem os presentes autos ser convertidos em Processo Disciplinar sob a Forma Comum e nele ser deduzida acusação contra os Srs. Drs. A e F pela prática daqueles factos - levados a efeito na qualidade de Notários-Advogados - com os quais violaram os deveres impostos pelos artigos 1°, 12°, 14° alínea a) e c) e 25° n°. 1 do Código Deontológico.
Relativamente ao Sr. Dr. E devem os autos aguardar a produção de melhor prova. Eis o nosso parecer. V. Excias., porém, melhor resolverão. O Instrutor (a) P”
A ratificação do CSA, acima referida, foi comunicada ao instrutor pelo of N° XX/XX, de 24.06.2004, do Conselho, o qual se encontra junto a fls. 54.
II
A ACUSAÇÃO
Apresentado o Parecer do Senhor Instrutor ao Conselho Superior de Advocacia, este ordenou a realização de diligências complementares (fls. 608-611), tendo o Exmo. Instrutor cumprido as mesmas excepto quanto à inquirição do Sr. Dr. E, que não foi possível (fls. 678). Findas aquelas diligências e remetidos os autos a este CSA, este entendeu que também devia ser deduzida acusação contra o Dr. E.
E o Exmo. Instrutor assim fez, deduzindo (fls.683-695) o seguinte:
“Despacho Acusatório Contra:
1) O Sr. Dr. F, filho de G e de H, divorciado, advogado, inscrito sob o nº. XX, que exerceu até ao dia 15 de Fevereiro de 2001 as funções de Notário Privado, com domicílio profissional na [Endereço (6)];
2) O Sr. Dr. A, solteiro, filho de I de J, Advogado e Notário Privado com domicilio na [Endereço (2)];
3) O Sr. Dr. E, casado de 43 anos de idade, Advogado, inscrito sob o nº. XX na Associação dos Advogados de Macau, mas com a inscrição suspensa a seu pedido, natural de Olhão, filho de K e de L, cujo domicilio profissional era na [Endereço (3)], actualmente residente na [Endereço (4)], PROFIRO, nos autos acima referenciados, o despacho de acusação que se segue, com a observação de que o mesmo é deduzido contra o último arguido em obediência ao deliberado pelo Conselho Superior da Advocacia.
1° Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o nº. XXX, denominada “[Associação (1)]”, também conhecida como [Associação (1a)].
2 ° A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. U.
3° Existe também uma outra Associação denominada [Associação (1)] [Associação (1a)].
4° São legais representantes desta última os Srs. B, aliás, B2, C e D.
Nenhum destes representantes integra a Direcção da “[Associação (1)]”.
5° Em 1993, o Sr. U, na altura Vice-Presidente da referida “[Associação (1)]” outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado Sr. Dr. N uma procuração a favor daquele Sr. B, aliás, B2, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).
6° No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. B2, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmº Sr. Dr. N e em presença deste (fls. 27 a 31).
7° A revogação foi feita estando também presente aquele B2 (fls. 27 a 31).
8° A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses –本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “a presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.
9° Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27),
10° A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação U e V e também pelos Srs. W e B2 (fls. 27).
11 ° A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. N qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “'Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
12° O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. B2 a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança de [Banco (1)].
13° Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
14° No obstante o que fica referido, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela Procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. X.
15° Em outras palavras no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
16° Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da Procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
17° Não dispunha, pois, o Sr. Dr. F de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o original.
18° Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. N (fls. 35 e 40), sendo também fictícia a conta referida no artigo 14 deste despacho já que a mesma não se mostra lançada, no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. F.
19° Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
20° Ora, era de todo impossível alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o original da falada procuração ao referido Sr. Dr. F por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)].
21 ° Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. F extrair uma fotocópia desse original.
22° Consequentemente também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
23° Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa.
24° Tanto o Sr. Dr. F como o Sr. Dr. E eram mandatários daqueles B2 e C.
25° No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. B, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial da Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. C e D (fls. 537 a 547).
26° No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido B fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. E, seu Advogado (fls. 478 a 479).
27° Os documentos referidos no artigo 25° ficaram os arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. E (fls. 537 a 545).
28° Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. F e E e os Srs. B2 e C planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da [Associação (1)].
29° Afim de concretizar os planos que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras públicas o Sr. Dr. F requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à [Associação (1)], certificadas esses que foram emitido no dia 15 de Abril de 2003.
30° Por sua vez, o Sr. Dr. E procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. X data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
31 ° O arguido Sr. Dr. E manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
32° Além disso o Sr. Dr. E providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (3)].
33° Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. E.
34° Perante a indisponibilidade desses Cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
35° Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. E que de igual modo aí procedeu a entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atras referida.
36° Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. C e por um secretário do Sr. B revelou- se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra e venda de imóveis pertencentes à “[Associação (1)]”.
37° Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
38° No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 ° andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas na [Endereço (5)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 163.
39° Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX.
40° Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segunda andar A, A3 do terceiro andar A, A 4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 ° andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1° andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o nº XXXXX-X a fls. XX do Livro BXX, conforme melhor resulta das fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
41° O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos nºs. 24° e 25° e 26° deste Parecer foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos referidos no nº. 27° o de $80,000.00 patacas.
42° O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. C, um dos representantes da Associação referida no artigo 3 deste despacho.
43° Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mencionado B aliás B2.
44° A qualidade do Sr. B, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
45° O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por disso ter sido informado em data anterior à da celebração daquelas escrituras pelos Advogados Srs. Drs. O e T os quais designadamente lhe explicaram as razões por que tal documento devia ser considerado como falso. Além disso, recebeu as comunicações e constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
46° Não obstante ter plena consciência de falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas Escrituras.
47° Assim, deu como verificada a qualidade de Procurador da referida Associação de B numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
48° O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau.
49° Como se disse foi o arguido Sr. Dr. F quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. B, seu cliente, como Procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
50° Com o comportamento descrito nos artigos que antecedem cada um dos arguidos violou frontalmente os deveres impostos pelos artigos 1°, 12°, 14° alínea a) e c), e 25° n. 1 do Código Deontológico, homologado por Despacho n.121/GM/92 de 31 de Dezembro publicado no Boletim Oficial n. 52, Suplemento de 31/12/92 conjugados com o artigo 2° do Código disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho n. 53/GM/95 de 7 de Setembro publicado no B.O. nº. 37, 1ª. S. Suplemento de 11/9/95.
51° Agrava a situação dos arguidos Srs. Drs. F e E a acumulação (Processos Disciplinares X/XX/XXX e XX/XX/XXX, respectivamente).”
III
AS DEFESAS
Notificada a acusação aos arguidos, o Dr. E juntou procuração constituindo seu advogado o Dr. A e requerendo que todas as notificações passassem “doravante” a ser feitas na pessoa deste seu mandatário (fls.746747).
Notificado este na qualidade de procurador do Dr. E (fls.754) mediante carta com AR expedida em 14.06.2005 (fls. 757), não respondeu à notificação, embora a resposta dada à denúncia no seu requerimento de 09.12.2003 (fls. 301-307) serem no sentido de negação de qualquer facto ilícito pois mostra ter consultado os autos e o material então existente neles, nomeadamente o anúncio de jornal em que o seu nome também é denunciado e as 2 participações da “[Associação (1)]” ou [Associação (1a)] apresentadas ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM, pelos factos acima resumidos, contra o Notário Privado Dr. A (fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. F (fls.83-88 e verso), mas, apesar disso, alega desconhecer a denúncia de quaisquer factos ilícitos contra si;
E os outros dois co-arguidos vieram defender-se com as respostas que constam de fls. 712-730 (o Dr. A); e fls-733-745 (Dr. F).
O Dr. A defende-se, alegando, em resumo:
- que os factos que lhe são imputados pertencem à sua actividade funcional de Notário, ainda que de Notário Privado se trate, e, portanto, a competência disciplinar pertence à Direcção dos Serviços de Justiça, sendo a AAM incompetente;
- que existe violação do princípio “ne bis idem” porque já existe processo disciplinar instaurado pela Direcção dos Serviços de Justiça para punição dos mesmos factos e, consequentemente, não pode ser responsabilizado também perante o CSA;
a) - que não sabia que a procuração correspondente à publica forma que utilizou nas escrituras tivesse sido cancelada quer por não serem nesse sentido os ofícios que a Direcção dos Serviços dirigiu ao Sr. Dr. E em resposta aos pedidos de esclarecimento que o Dr. E dirigiu àqueles Serviços;
b) - quer porque, face às informações antagónicas do Dr. E (de um lado) e do Dr. O e Dr. T (do outro) entendeu analisar por si próprio com imparcialidade e independência tais informações opostas (art. 26 da defesa), tendo concluído que a procuração e pública-forma eram válidas:
b) - 1 - porque a alegada revogação terá sido feita em escritório de advogado e não perante notário; que tal advogado manuscreveu “Fui presente” sem dizer presenciei, com data rasurada, rubrica e carimbo de advogado e, em seu entendimento, a revogação não podia ser feita por tal via mas sim perante notário nos termos dos artigos 5° e 84° do antigo C. Notariado e os arts. 5°, 6° e 87° nºs. 1 e 2, do C. Notariado actual, sendo pois nula a alegada revogação face ao art. 212° do C. Civil;
b) - 2 - porque não se sabe desde que data é que a procuração foi posta e se manteve intocada no cofre do Banco de modo a poder saber-se se a falsidade está na revogação ou se está na pública-forma (se a pública forma foi efectivamente extraída na data de 07.Jun.1995 que dela consta perante o original ainda não cancelado, e posteriormente cancelando-se este com data falsa de 14.02.1995 e encerrando-o no Banco; ou se, pelo contrário, é o inverso: cancelamento efectivamente em 14.02.1995 e pública-forma feita usando uma cópia e não o original que o Notário certificou ter usado) e, face a tais elementos, as disposições legais sobre a força probatória plena dos documentos autênticos mandam, em seu entender, aceitar como verídica a pública forma do Notário e não o cancelamento e informações fornecidos pelo Dr. E, pelo Dr. O e pelo Dr. T.
Concluindo: - alega que agira convencido de estar dentro da estrita legalidade, imparcialidade e independência face a interesses e palavras antagónicos.
Quanto ao Dr. F, veio com a sua defesa respondendo à acusação a fls. 733-745, alegando, em resumo:
- a incompetência do CSA dado os factos que lhe vêm imputados terem sido praticados na qualidade de notário e não de advogado;
- ter havido prescrição em 07.Junho.1998 por os factos que lhe vêm imputados datarem de 07.Junho.1995 e o prazo de prescrição ser de 3 anos;
- serem nulas as provas dado terem sido ouvidos como testemunhas a Dra. R, Dr. O e Dr. T, todos amigos pessoais e advogados do mesmo escritório que patrocinava a Autora das 2 participações que o Dr. O forneceu aos autos e que a “[Associação (1)]” ou [Associação (1a)] dirigiu ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM em 29.Julho.2003, contra o Notário Privado Dr. A (fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. F (fls.83-88 e verso);
- e nulas também por o instrutor Dr. M (do inquérito realizado pela Direcção da AAM e que constitui a participação desta ao Conselho Superior de Advocacia) ter tido com aqueles conversas e telefonemas de que resultaram os depoimentos daquelas testemunhas e a junção de vários documentos e porque “Por toque de mágica do Instrutor, Dr. M, os participados transmutaram-se em testemunhas e os ofendidos transformaram-se em arguidos” (sic-art. 36° da sua defesa, numa referência implícita à carta datada de 19 de Julho de 2003, recebida na AAM a 21/7/2003, em que o Dr. F juntava cópia do anúncio que denunciava os factos objecto destes autos e pedia “abertura de um inquérito para total apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, incluindo a eventual autoria moral ou material de associados na feitura do anúncio supra citado.” sic).
- e, embora não o diga ali muito claramente, da conjugação dessa peça com a peça que apresentou a fls. 848 e segs, vê-se que nega que a falsidade da pública forma, alegando que o original da procuração não se encontrava fechado no Banco à data em que emitiu a pública forma (fls. 848) mas sim terá, segundo aqui alega, estado sempre na posse do falecido presidente da Associação até pouco tempo antes da morte deste, ocorrida a 03.Julho.1999 (que “apenas terá depositado o original da procuração antes das 21 horas e 10 minutos do dia 3 de Julho de 1999 no [Banco (1)]” - sic sua alegação a fls. 848); e que o facto dos autos terem obtido resposta negativa da Direcção dos Serviços de Justiça quanto à existência da conta emolumentar e selos constante de tal pública-forma, resulta da existência de oficio erradamente datado mas, mesmo que tal conta não tivesse sido paga, apenas haveria uma irregularidade fiscal;
- que é nulo o “cancelled” feito no escritório do advogado N (sem este intervir como notário), por não ter sido nem revogação notarial nem judicial (art. 49° da defesa);
- e, quanto à acusação de que também terá participado na instrução dos documentos para o Dr. A celebrar as escrituras em 2003, o Dr. F pergunta “será que requerer 2 certificados aos Serviços de Identificação de Macau constituem ilícito disciplinar?” (sic). Em resumo: - alega que a eventual prática de falsidade da pública-forma (que teria sido praticada em 07.Junho.1995) estaria prescrita mas que nem sequer praticara tal falsidade; e que, quanto a eventuais factos ainda dentro de prazo de sujeição a procedimento disciplinar por praticados há menos de 3 anos, confessa implicitamente a requisição dos 2 (dois) referidos certificados para a instrução das escrituras mas que tal não constitui ilícito disciplinar.
IV
O RELATÓRIO FINAL DO INSTRUTOR
Foi feita a prova requerida e juntos documentos, nos termos do despacho de fls.867 até fls.969 e despacho de fls. 970 e segs., findo o que o Exmo. Instrutor apresentou de fls. 1024 a fls. 1048, o seu relatório final, nos termos seguintes:
“Exma. Senhora Presidente
e Exmºs Membros do Conselho Superior da Advocacia:
Finda a Instrução, cabe-nos apresentar o seguinte Relatório Final:
_X_
Propositadamente não vamos tecer quaisquer considerações ou formular qualquer juízo sobre o comportamento processual do arguido Sr. Dr. F, designadamente quando afirma a fls. 1022 que não houve recusa no recebimento da “carta dos correios” quando os próprios Serviços Oficiais confirmam essa mesma recusa (carimbos apostos nos cartas juntas a fls. 988V e 997V).
V Excias. examinando todas as peças por ele produzidas não deixarão certamente de formular o juízo que se impõe.
_X_
O Diário da expressão portuguesa publicou na sua edição de 15 de Julho de 2002 uma noticia sob a forma dum anúncio judicial, que envolvia as pessoas dos arguidos num caso de falsificação.
Tal anúncio consta do documento fotocopiado a fls. 290.
Com base nesse anúncio, entendeu a Associação dos Advogados de Macau instaurar um Inquérito, tendo a final o respectivo instrutor emitido o seu parecer no sentido de os respectivos autos serem remetidos ao Conselho Superior da Advocacia, cuja Presidente mandou instaurar o presente processo disciplinar, decisão que veio a ser ratificada pelo Conselho Superior da Advocacia na sua reunião de 15 de Junho de 2004. (fls. 548).
Notificados da instauração do processo, responderam os Colegas arguidos Sr. Dr. E e Sr. Dr. F pela forma constante das suas respostas de fls. 301 a 307 e 313 a 315.
Após a ratificação atrás referida, procedeu-se a nova notificação dos arguidos para responderem querendo sobre à matéria dos Autos.
Oportunamente, foi emitido o parecer no sentido de existirem elementos para ser deduzida a acusação contra dois dos arguidos.
O Conselho Superior da Advocacia entendeu porém dever incluir os três arguidos no despacho acusatório o qual veio a ser proferido nos termos constantes de fls. 684 e seguintes.
Notificados da acusação, apresentaram os arguidos Sr. Dr. A e o Sr. Dr. F as suas defesas (fls. 714 a 730 e 734 a 745).
O Sr. Dr. E, que escolheu a pessoa do Sr. Dr. A para receber as notificações (fls. 747), nada disse ou requereu.
Sobre as diligências requeridas por aquelas dois Colegas recaiu o despacho de fls. 869 a 871, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Foram juntos vários documentos quer por iniciativa do instrutor quer a requerimento do Sr. Dr. F.
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Suscita o Sr. Dr. A, na sua douta defesa, as seguintes questões:
1) A da incompetência da Associação dos Advogados de Macau para o punir disciplinarmente;
2) A violação do Princípio Ne Bis In Idem;
3) Questão prejudicial, por sobre a matéria estar a correr um processo crime.
A todas estas questões foi dada resposta por via dos nossos despachos de fls. 867 e seguintes e 970 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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Alega o mesmo Colega que não aceitou como boa a procuração referida nos autos sem uma prévia averiguação e que tomou conhecimento através do Sr. Dr. E que a Direcção dos Serviços de Justiça entendia que o documento em causa não havia sido revogado.
Ora dos documentos juntos aos autos apenas resulta provado que aquela Direcção se pronunciou sobre a pública forma passada pelo Sr. Dr. F a qual como consta da acusação não contém referência ao “cancelamento”, (fls. 667 e 668).
Relativamente às respostas cujo teor se transcreve a fls. 718 e 718V, não aparece nelas qualquer referência ao facto de a procuração não ter sido revogada.
Foi também colocada a questão da inobservância da forma exigida por lei para os efeitos da revogação dessa procuração, defendendo-se aí que esta deveria ter sido feita por instrumento notarial.
Só que o Tribunal da Última Instância da R.A.E.M. decidiu que a procuração em questão tinha sido validamente revogada (fls. 622 e seguintes).
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Diz também o ilustre Colega, cuja defesa estamos a apreciar, que a palavra dos Colegas Sr. Dr. O e T não vale mais do que a dos Colegas Sr. Dr. E e F. Acontece, porém que perante a prova produzida, é forçoso concluir que o Sr. Dr. A tinha a consciência da falsidade da dita procuração uma vez que recebeu a comunicação e os documentos juntos de fls. 89 a 118. Não há, pois, que recorrer ao depoimento dos referidos Colegas para se dar como provado o facto que fica referido.
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O arguido Sr. Dr. F suscita na sua defesa, as seguintes questões:
1) Legitimidade do Conselho Superior da Advocacia;
2) Prescrição.
3) Nulidades.
Todos estas questões ficaram resolvidos por via dos despachos atrás referidos cujos termos se dão aqui por reproduzidos.
As diligências requeridas por aquele Colega assim como pelo Sr. Dr. A foram parcialmente levadas a efeitos por razões indicadas no despacho de fls. 869 a 871.
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Também o Colega Sr. Dr. F coloca a questão da forma adoptada para se proceder à revogação da procuração referida nos autos.
Como atrás se disse o Tribunal da Última Instância decidiu que essa revogação havia sido validamente efectuada.
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Ao longo da sua defesa o referido Colega faz referência aos documentos “juntos” sob os nºs. 1 a 10, sendo certo que à data da apresentação daquela peça nenhum documento foi junto.
Juntou mais tarde vários documentos, não tendo sido remetido qualquer documento para fazer a prova do alegado no artigo 47° da sua defesa.
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De notar que relativamente às actas juntas desconhece-se de que Livro ou Livros elas foram extraídas.
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Os documentos juntos tardiamente são os seguintes:
1) Os de fls. 784 e 785, fls. 786 e 787, 790 traduzidos a fls. 853, 854 a 857 e 858 e 859 respectivamente, e os de 791 e 792, 793 e 794 e 852.
Em data ulterior juntou os documentos de fls. 928, 929 a 947 e 949 e 950, juntando novamente uma fotocópia do documento de fls. 790. (948).
O documento de fls. 949 e 950 acha-se traduzido a fls .. 968.
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Com a junção desses documentos o Sr. Dr. F pretende provar o seguinte:
1) O Sr. B foi membro da Direcção da “[Associação (1)]”;
2) Que nessa qualidade assinou as actas da Associação;
3) Que nessa qualidade assinou um substabelecimento junto a uma acção ordinária que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Base;
4) Que essa Acção só findou em 1996;
5) As revogações das procurações foram sempre feitas por vias judiciais;
6) Que o Sr. Y aliás Y2, então Presidente da “[Associação (1)]” apenas terá depositado o original da procuração antes das 21.10 minutos do dia 3 de Julho de 1999 no [Banco (1)] pois foi nesta data que o mesmo faleceu;
7) Que são verdadeiros os factos levados aos artigos 28°,29°,30°,31°, 32°, 33°, 34°, 40°, 51° e 53° da defesa;
8) Que são verdadeiros os factos dos artigo 28°, 44°, 51° e 53° da defesa;
9) Que só os Tribunais podem decretar providências quando as procurações são conferidas no interesse do mandatário;
10) Que a revogação da procuração era e ainda é feita por instrumento notarial.
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Não tem, porém, razão o arguido Sr. Dr. F.
Na acusação limita-se o instrutor a afirmar que “nenhum destes representantes integra a Direcção da “[Associação (1)]”.
Reporta-se aí ao presente e não ao passado.
Assim não tem qualquer relevância o alegado na defesa quanto a esse ponto.
Não conseguimos compreender o alcance da afirmação contida no nº. 6 que antecede uma vez relativamente à questão da revogação da procuração nenhuma consequência se pode retirar do facto de o Sr. Y2 ter falecido pelas 21:10 do dia 3 de Julho de 1999.
Não ignora o Sr. Dr. F que o original da procuração revogada (cancelada) foi encontrado pelo Tribunal num cofre do [Banco (1)]. E tal procuração estava Riscada e “Cancelada” pormenores que a pública forma feita por aquele arguido não ostenta.
Não ignora também aquele arguido que a revogação da procuração foi feita em 14 de Fevereiro de 1995, que a mesma não ficou mais na posse do mandatário mas apenas dos representantes da mandante e que a pública forma foi emitida em 7 de Junho seguinte.
Além disso, a acusação não faz qualquer referência ao falecido Y2.
Como atrás se disse a problemática da forma da revogação foi resolvida em sentido contrário ao ponto de vista defendido pelos arguidos.
A referência ao recurso aos Tribunais para decretar providências quando a procuração é conferida no interesse do mandatário é aqui inteiramente impertinente.
Impertinente também o argumento que o arguido retira do facto da Acção Ordinária referida sob o nº. 3 só ter findado em 1996, uma vez que cabia ao ex-mandatário dar conhecimento ao Sr. Dr. Z que a procuração tinha sido revogada e que já não era “representante” da [Associação (1)].
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É gratuita e sem sentido a alegação feita no artigo 44° da defesa do arguido Sr. Dr. F, até porque no documento que invoca (fls. 966) nem sequer aparece mencionado o nome do Sr. Dr. N.
Perfeitamente deslocada e sem fundamento também a afirmação levada tanto ao 48 como ao artigo 50° da mesma defesa.
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Em resumo, os factos levados à defesa não põem em crise a matéria da acusação.
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Aqui chegados importa tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre a questão da inquirição dos Colegas Srs. Drs. Q, To e O.
Como ficou já referido, os seus depoimentos não estão feridos de nulidade pelas razões que indicamos.
Mas ainda que se perfilhe o entendimento defendido pelo Sr. Dr. F, nem por isso ficará a acusação privada do necessário suporte probatório.
É que a matéria da acusação resulta provada do teor dos diversos documentos juntos aos autos e do depoimento das restantes testemunhas. É, pois, perfeitamente dispensável o recurso ao testemunho daqueles Colegas.
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Pelo exposto não encontramos motivos para alterar o teor da acusação, devendo apenas e à cautela ignorar-se a referência feita aos Colegas Srs. Dr. O e T no artigo 45° da mesma peça.
Consequentemente damos como provado o seguinte:
Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o no. XXX, denominada “[Associação (1)]”, também conhecida como “[Associação (1a)]”.
A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. U. Existe também uma outra Associação denominada “[Associação (1)] ([Associação (1a)]).”
São legais representantes desta última os Srs. B, aliás, B2, C e D.
Nenhum destes representantes integra a Direcção da “[Associação (1)]”.
Em 1993, o Sr. U, na altura Vice-Presidente da referida “[Associação (1)]”, outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado do Sr. Dr. N uma procuração a favor daquele Sr. B, aliás, B2, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).
No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. B2, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmo. Sr. Dr. N e em presença deste (fls. 27 a 31).
A revogação foi feita estando também presente aquele B2 (fls. 27 a 31).
A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses – 本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “a presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.
Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27).
A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação U e V e também pelos Srs. W e B2 (fls. 27).
A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. N o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. B2 a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)].
Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
Não obstante o que fica referido, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela Procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. 6.
Em outras palavras no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. F, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da Procuração, (devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
Não dispunha, pois, o Sr. Dr. F de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o original.
Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. N (fls. 35 a 39), sendo também fictícia a conta atrás referida já que a mesma não se mostra lançada no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. F.
Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
Ora, era de todo impossível alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o original da falada procuração ao referido Sr. Dr. F por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)].
Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. F extrair uma fotocópia desse original.
Consequentemente também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa. Tanto o Sr. Dr. F como o Sr. Dr. E eram mandatários daqueles B2 e C.
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. B, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial das Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. C e D (fls. 537 a 547).
No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido B fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. E, seu Advogado (fls. 478 a 479).
Os documentos em questão ficaram arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. E (fls. 537 a 545).
Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. F e E e os Srs. B2 e C planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da “[Associação (1)]”.
A fim de concretizar a plano que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras publicas o Sr. Dr. F requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “[Associação (1)]”, certificados esses que foram emitidos no dia 15 de Abril de 2003.
Por sua vez, o Sr. Dr. E procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. X data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
O arguido Sr. Dr. E manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
Além disso o Sr. Dr. E providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (3)].
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. E.
Perante a indisponibilidade desses Cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. E que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida.
Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. C e por um secretário do Sr. B revelou-se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra e venda de imóveis pertencentes à [Associação (1)].
Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls, 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 ° andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas na [Endereço (5)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 162.
Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX. (fls. 163 e 167).
Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1º andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o n. XXXXX-X a fls. XX do Livro BXX, conforme melhor resulta da fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos documentos de fls. 121 a 124, de fls. 137 a 162 e de fls. 163 a 167 foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos nos documentos de fls. 199 a 209 o de $80,000.00 patacas.
O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. C, um dos representantes da Associação dos Bonzos.
Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mencionado B aliás B2.
A qualidade do Sr. B, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por ter recebido as comunicações que constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Não obstante ter plena consciência da falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas Escrituras.
Assim, deu como verificada a qualidade de Procurador da referida Associação de B numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau.
Como se disse foi o arguido Sr. Dr. F quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. B, seu cliente, como Procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
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Foi decisiva para a nossa convicção no que diz respeito a confirmação do despacho de acusação o teor dos documentos e dos depoimentos que a seguir se indica:
Documentos de fls. 27 a 283, fls. 288, fls. 338 e 339, fls. 348 a 362, fls. 372 a 459, 477 a 479, 487 a 521, 535 a 547, 621 a 645, 662 a 669, 677, 784, 819 a 844 e os depoimentos de fls. 334 e 335, 522 e 523, 524 e 525, 526 e 527, 552 e 553, 672 e 673 e 674 e 675.
São também elucidativos embora não decisivos os depoimentos dos colegas Srs. Drs. R, T e O se acaso se entender que os mesmos não estão feridos de nulidade.
O Direito
Os factos imputados a cada um dos arguidos integram a infracção prevista nos números 1 e 3 do artigo 1°, com referência ao artigo 12°, n. 2 e 14° alínea c) do Código Deontológico homologado por despacho 121/GM/92 de 31 de Dezembro, conjugados com artigo 2° do Código Disciplinar dos Advogados.
Não se mostra verificada a falta prevista no seu artigo 25°.
O Sr. Dr. F produziu a pública forma falsa no longínquo ano de 1995.
Aguardou cerca de 10 anos para através dos factos levados à acusação fazer uso desse documento falso.
Com o comportamento atrás descrito o Sr. Dr. E contribuiu decisivamente para que essa pública forma, que sabia ser falsa viesse a ser utilizada quando da celebração das escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial do co-arguido A e com activa intervenção deste.
A conduta dos arguidos, além duma infracção disciplinar, integra um ilícito criminal.
Trata-se dum comportamento antijurídico e eticamente reprovável a todos os títulos: os seus autores não serviram nem a justiça, nem o direito, devendo fazê-lo e não se mostraram dignos da honra e responsabilidade inerentes à qualidade de advogados, qualidade essa que deviam ter sempre presente.
Violaram o dever de probidade que um advogado, quer no exercício da profissão quer fora dela, deve sempre respeitar e fizeram uso de expedientes condenáveis porque integradores de ilícito penal. Assumiram em suma um comportamento, a um tempo, escandaloso - pela repercussão negativa e desprestigiante junto da comunidade -, desprimoroso aos olhos do público, desonroso para si próprios e lesivo da classe não só dos Advogados mas também dos Notários.
Dispõe o artigo 42° do Código Disciplinar dos Advogados que:
Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, as consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
A doutrina e a Jurisprudência penais mais representativas de Portugal têm entendido que na individualização da pena deve tomar-se como ponto de partida a média entre os limites mínimo e máximo tomando-se depois em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes.
Porque este critério é um dos mais equilibrados dos que têm sido propostos quanto a essa matéria, entendemos observá-lo na tarefa da escolha e graduação da pena no caso presente.
Todos os arguidos agiram dolosamente. E bastante elevada a gravidade dos factos dados como provados e intenso o grau de culpabilidade dos seus autores, o que decorre das considerações atrás tecidas.
Como decorre dos factos dados como provados, devido à actuação dos arguidos a “[Associação (1)]” ficou privada de grande parte, do seu valioso património.
Os prejuízos, pelo menos de natureza material, dai resultantes são óbvios.
Os arguidos exercem a sua profissão em Macau há longos anos.
Contra o Sr. Dr. A está pendente um outro processo disciplinar que não se acha ainda ultimado.
Trata-se dum Advogado competente no exercício da sua profissão, goza do conceito de pessoa honesta, imparcial, urbana, afável no trato e, além disso, portador dum estatura moral elevada.
É considerado como profissional muito cumpridor da ética e da deontologia profissional.
O Sr. Dr. F foi condenado na pena de 20.000 no âmbito do processo X/XX/XXXX, tem outros processos disciplinares pendentes contra si e um processo de averiguações em ordem a apurar a sua eventual falta de idoneidade moral para o exercício da profissão.
O Sr. Dr. E foi condenado no âmbito de outros processos disciplinares na pena de 2 anos e 3 meses de suspensão com obrigação de restituir a quantia de 277.273,00 HKD. A respectiva deliberação não transitou ainda em julgado. Encontram-se pendentes contra o mesmo mais processos disciplinares.
Tendo em atenção os critérios de individualização da pena atrás referidos, a elevada gravidade dos factos constantes da acusação, o elevado grau de culpabilidade, os antecedentes disciplinares e a consequência danosa atrás referida, afigura-se que aos arguidos Sr. Dr. F e Sr. Dr. E deve ser imposta a pena prevista no artigo 41°, j) do Código Disciplinar graduada em 8 anos de suspensão.
Relativamente ao Sr. Dr. A, atentos os mesmos critérios, o elevado grau de culpabilidade, a alta gravidade dos factos e a mesma consequência danosa, mas tomando em linha de conta o peso das atenuantes que ficaram apontadas, parece equilibrada a pena do artigo 41°, alínea e) do mesmo Código, graduada em 2 anos de suspensão.
Atenta a circunstância de o Sr. Dr. F ter sido condenado na pena de 20,000.00 patacas de multa no âmbito do Processo Disciplinar no. X/XX/XXX, há que efectuar o cúmulo desta pena com a agora proposta.
Sugere-se que em cúmulo lhe seja imposta a pena única de 8 anos de suspensão e 20,000.00 patacas de multa, com a nota de que esta já foi paga.
Quanto ao Sr. Dr. E, terá de se efectuar o cúmulo jurídico da pena proposta com a já imposta, aplicando-se-lhe urna pena única que se sugere seja a seguinte: pena de suspensão por 9 anos e 3 meses, com a obrigação da restituição da quantia de HKD277,273.00 (P. D. XX/XX/XXX; XX/XX/XXX; XX/XX/XXX; XX/XX/XXX e XX/XX/XXX.)
Eis as penas cuja aplicação propomos.
V Excias., porém, melhor resolverão.
Macau, aos 20 de Outubro de 2005.
O Instrutor, P”
V
“DECISÃO
Tudo analisado e ponderado, este Conselho Superior da Advocacia delibera dar por provada a acusação, aderindo, como seu e aqui integrante, ao Relatório do Exmo. Senhor Instrutor deste processo disciplinar, com os aditamentos seguintes:
1. O cancelamento da procuração feito em 14 de Fevereiro de 1995 e a afirmação da testemunha Dr. N, a fls. 840, de “que presenciei” formou a convicção de que era impossível extrair uma pública-forma desse documento sem que dela constassem as menções inscritas no original (conclusão que, aliás, o Tribunal, em sede própria também retirou). Tendo assim o Dr. F praticado essa falsidade, sabia necessariamente que a sua participação nos factos em 2003 se destinava à celebração de escrituras com base num documento falso, por si forjado. E disto sabiam também o Dr. A e o Dr. E.
2. Vê-se dos autos, que o Dr. A cobrou a conta emolumentar de notário (que remeteu para os cofres públicos, destinatários das receitas da sua actividade notarial) mas também se vê que também cobrou e emitiu recibo de honorários de advogado (que reverteu para si, destinatário da receita da sua actividade de advogado). E o Dr. F, à data dos factos de 2003, já não era notário. Tal como notário também não era o Dr. E. Por isso, e pelo já sustentado no relatório, não se diga pois que os factos são estranhos à advocacia e incompetente este CSA, ou haver repetição de procedimento disciplinar pelos factos, mesmos valores, mesma função e mesmo sujeito pois, repete-se, aqui está apenas em causa o comportamento dos arguidos enquanto advogados, mesmo que um deles tenha actuado também na qualidade de notário privado;
3. Acresce que, como se estipula no Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1 de Novembro, só podem ser nomeados notários privados os senhores advogados que se qualifiquem para o efeito, pelo que necessariamente a primeira qualidade é condição sine qua non para a verificação da segunda. Não existe aqui repetição de procedimento disciplinar porque não é a conduta do notário que está aqui em causa mas sim a do Sr. Advogado que infringiu as normas que disciplinam a sua actividade enquanto advogado e os seus deveres de advogado para com os seus clientes e a comunidade em geral.
4. Todos os 3 (três) arguidos sabiam que o mandato concedido pela procuração reproduzida pela pública-forma usada para a celebração das escrituras se encontrava cancelado e revogado e que a pública forma atestava um mandato inexistente ou, pelo menos, como tal estava sendo reivindicado pelo mandante quer em juízo quer em informações chegadas a todos os 3 (três) arguidos com a abundância que vem relatada e se vê dos autos, tanto a que foi especialmente dirigida ao Sr. Dr. A para se abster da celebração tal como outros notários já se tinham abstido como a informação de conhecimento geral, que os advogados de Macau costumam usar tipo pedido-circular, que foi distribuída por todos os notários privados de Macau pedindo-lhes para não celebrarem tais escrituras por o mandante estar a impugnar a autenticidade ou subsistência do mandato alegadamente em vigor;
5. Apesar disso, todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A precisava para instruir as escrituras, que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isto, proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado (Dr. A - com dolo eventual bem esclarecido face ao grau de informações de que tinha conhecimento) que o Tribunal viesse a proferir quanto a tal procuração e sua pública-forma (que a julgou validamente revogada pelo referido acto de 14.Fev.1995), e manifesto intuito de antecipar-se ao próprio tribunal (os outros 2 co-arguidos - com dolo directo);
6. Ora, na ponderação do grau de culpa, valor e influência que o comportamento dos três arguidos terá tido na consumação do resultado (celebração das escrituras) pretendido pelo portador do mandato já não existente e pelos Dr. E e Dr. F, verifica-se que o Dr. A teve a abundante informação supra, nomeadamente a troca de correspondência entre o Dr. E e a Direcção dos Serviços de Justiça, fornecida pelo Dr. E ao Dr. A, e da qual se vê facilmente, face à prova conhecida destes autos, que, nessa troca de correspondência, o Dr. E simulou querer informação certa mas na verdade não quis pois não informou a Direcção dos Serviços de Justiça, nem esta conhecia por outra via, a informação que os 3 (três) arguidos tinham sobre a existência da disputa em juízo acerca da procuração. Se a consulta do Dr. E contivesse tal questão, certamente que a Direcção dos Serviços de Justiça não seria a mesma e estoutra não serviria aos seus desígnios.
7. O Dr. A sabia daquela disputa e, portanto, face à correspondência, facilmente poderia ter visto que a consulta do Dr. E estava truncada com um segredo que a Direcção dos Serviços de Justiça desconhecia (pois só conhecido dos arguidos e dos queixosos) e que, portanto, a informação da DSAJ não esclarecia nem podia esclarecer da real subsistência ou insubsistência do mandato nem da existência de quaisquer dúvidas ou disputas acerca dele.
Além disso, também se verifica que outros notários solicitados para a celebração recusaram apesar de menos alertados enquanto que o Dr. A, apesar de mais alertado, optou por considerar em vigor o mandato e desprezar o resultado que o tribunal viesse a dar ao litígio.
8. Tanto basta para se concluir que o Dr. A também conhecia a falta de mandato ou, pelo menos, que o mesmo estava posto judicialmente em crise e que o mesmo podia vir a ser julgado em Tribunal como já não existente, tal como foi efectivamente julgado. E a sua opção foi decisiva na consumação dos desígnios dos seus co-arguidos e do mandatário-comprador, pois todos os outros notários contactados para o efeito se recusaram a praticar os actos notariais.
9. Assim, face à gravidade do seu comportamento, a pena de 2 anos de suspensão proposta para o Dr. A revela-se insuficiente, por desajustadamente inferior ao seu grau de culpa, decidindo este Conselho enquadrar a sua pena também na alínea f) do artigo 41° do Código Disciplinar dos Advogados e fixá-la em 6 anos de suspensão; e acolher as propostas quanto aos outros 2 co-arguidos quanto aos factos dos presentes autos, a saber: 8 anos o Dr. F; e 8 anos o Dr. E.
10. Assim, em conformidade com o relatório do Sr. Instrutor e com esta ponderação adicional, este Conselho julga a acusação procedente e decide aplicar aos arguidos as seguintes penas:
a) Ao Dr. F, a pena prevista no art. 41°, alínea f), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 8 (oito) anos de suspensão da actividade de advogado, tal como proposto pelo Sr. Instrutor no seu relatório final excepto quanto ao cúmulo das penas;
b) Ao Dr. A, a pena prevista no art. 41°, alínea f), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 6 (seis) anos de suspensão da actividade de advogado, nos termos agravatórios ao relatório final do Sr. Instrutor que acima formulámos;
c) Ao Dr. E, a pena prevista no art. 41°, alínea f), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 8 (oito) anos de suspensão da actividade de advogado, tal como proposto pelo Sr. Instrutor no seu relatório final excepto quanto ao cúmulo das penas.
Não se procede ao cúmulo jurídico de penas proposto pelo Exmo. Instrutor quanto aos arguidos Dr. F e Dr. E, por as decisões que as aplicaram ainda não terem transitado em julgado, encontrando-se em recurso, e, por isso, não podermos ainda dá-los aqui por já condenados nessas penas e processo pois é sabido que só o tribunal que julgar o recurso é que poderá decidir se tais punições se mantêm ou não, ficando para esse altura um eventual cúmulo jurídico.
Notifiquem-se os arguidos, remetendo-se-lhes fotocópia integral desta deliberação.
Conselho Superior de Advocacia, em Macau, aos 1 de Novembro de 2006”.
É este o acto administrativo recorrido.
III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são, fundamentalmente, as de saber:
- Se o contencioso no caso é de plena jurisdição ou de mera legalidade;
- Se o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação;
- Se houve violação de normas imperativas no julgamento da matéria de facto;
- Se há contradições na matéria de facto;
- Se deve ser alterada a medida da pena.
2. Contencioso de anulação versus contencioso de plena jurisdição
Uma das questões que o recorrente suscita e defende, por várias vezes, é de que no recurso contencioso dos autos estamos perante um contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação.
Para tal, entende que o Conselho Superior de Advocacia praticou um acto jurisdicional, porque atinge um direito fundamental do recorrente, o seu direito ao exercício da profissão. E, assim, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, tem de reconhecer-se que, no caso, se está perante um contencioso de plena jurisdição.
Defende, ainda, o recorrente, que a entender-se que a Lei Básica apenas comete a função judicial aos tribunais, teria de se reconhecer a incompetência do Conselho Superior de Advocacia para o exercício de uma função materialmente jurisdicional, o que acarretaria a respectiva ilegalidade por violação da Lei Básica.
Será esta a primeira questão a apreciar.
Os tribunais ora exercem poderes de plena jurisdição, ora o seu poder de cognição está limitado à mera anulação de actos jurídicos, maxime de actos administrativos.
No contencioso de plena jurisdição, os poderes dos tribunais são mais intensos, podendo condenar a parte passiva da relação processual a pagar uma quantia em dinheiro, a prestar (ou a não prestar) um facto ou a entregar uma coisa.
No contencioso de mera anulação o tribunal apenas anula o acto jurídico, sendo a Administração – no caso de se tratar de um acto administrativo - que executa a sentença, por via da reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado1.
O recurso contencioso de anulação é um recurso judicial de actos da Administração, de mera legalidade, “porque o tribunal limita-se a declarar a invalidade do acto impugnado, declarando-o nulo ou anulando-o, consoante a espécie de invalidade que se verifica, sem tirar quaisquer consequências da sua decisão, sendo à Administração que compete praticar, depois, os actos que forem necessários para a reintegração da legalidade violada. Contrapõem-se aos recurso de plena jurisdição em que o próprio tribunal procede à justa composição dos litígios que lhe são submetidos, contra a resistência dos litigantes”2.
No sistema judiciário da Região Administrativa Especial de Macau, a justiça administrativa é, basicamente, uma justiça de mera anulação (de actos administrativos), embora em alguns meios processuais, como as acções administrativas para efectivação da responsabilidade contratual ou extracontratual, o contencioso eleitoral ou quando o acto administrativo recusa praticar acto de conteúdo vinculado, exerça poderes de plena jurisdição (artigos 113.º, 116, 94.º e 103.º e 104.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Já a justiça penal e a justiça cível, são, como se sabe, de plena jurisdição.
Na verdade, de acordo com o artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, “Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
E não há disposição a prescrever que o recurso contencioso de actos de associações públicas, como a Associação dos Advogados de Macau, maxime de actos disciplinares punitivos, seja de plena jurisdição.
Por outro lado, mesmo quando o contencioso administrativo é de plena jurisdição, estando em causa o exercício de discricionariedade ou o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados, a condenação da Administração na prática de acto expresso deve ser de forma a que esta disponha de margem de livre apreciação (artigo 104.º, n.º 3 do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Como se sabe, em Portugal, a partir da Reforma que entrou em vigor em 2004, a jurisdição dos tribunais administrativos passou a ser fundamentalmente de plena jurisdição, abandonando o sistema da mera legalidade, que continua a vigorar em Macau. Não obstante, decidiu o recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Março de 2007, Processo n.º 0412/05 (por 15 votos contra 2), que em caso de infracção disciplinar, no que concerne à graduação da culpa e determinação concreta da medida da pena, a Administração goza de uma certa margem de liberdade, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios forem grosseira ou ostensivamente inadmissíveis.
A Associação dos Advogados de Macau é, como se disse, uma associação pública.
As associações públicas são órgãos que exercem a função administrativa.
Os actos punitivos da Associação dos Advogados de Macau não são actos jurisdicionais. São actos administrativos.
Só os tribunais exercem a função judicial na Região Administrativa Especial de Macau (artigo 82.º da Lei Básica).
Por isso, para evitar confusões, quando doravante nos referirmos a Acórdão recorrido estamos a referir-nos ao Acórdão do TSI proferido nos autos.
À decisão do Conselho Superior de Advocacia designá-la-emos de acto administrativo recorrido, que é isso que é, efectivamente.
O recorrente confunde o privilégio da execução prévia com o acto jurisdicional.
A Administração pratica actos que são imediatamente executórios, podendo impor a sua execução pela força, sem necessidade de recorrer aos tribunais para tal (artigo 136.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo). Pode proceder, de acordo com o previsto na lei, a expropriações de bens, a despejos de casas, a demolições de imóveis; à desocupação de terrenos, à proibição de aeronaves de utilizarem o aeroporto, à demissão de funcionários, etc, etc. Tem o chamado privilégio da execução prévia.
Todos estes actos são administrativos e não judiciais e nunca se duvidou de tal.
A pessoa, singular ou colectiva, afectada por um acto administrativo tem de recorrer ao Tribunal para obter a anulação do acto administrativo e, se for caso disso, provisoriamente, a suspensão da sua eficácia.
Os actos punitivos da Associação dos Advogados de Macau, por intermédio do seu órgão próprio, têm a mesma natureza dos actos punitivos dos restantes órgãos administrativos, em sede de exercício do poder disciplinar. Nem mais, nem menos. Não é o facto de poder estar em causa o não exercício da profissão que é elemento distintivo, dado que relativamente aos trabalhadores da Administração também pode estar em causa tal direito. E também não é a circunstância de poderem ser afectados direitos fundamentais, que transforma actos administrativos em actos jurisdicionais. Para não ir mais longe, e a não ser assim, seria aberrante a alínea d) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo que sanciona com a nulidade os actos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
O acto administrativo recorrido não é, portanto, um acto jurisdicional.
Aliás, no Acórdão de 15 de Dezembro de 2006, no Processo n.º 8/2006, em que se discutia a sindicabilidade de pena disciplinar aplicada pelo Conselho Superior de Advocacia a um advogado, decidimos que a aplicação de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos caos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e da imparcialidade, jurisprudência que é de manter.
O recurso de anulação dos autos é, assim, de mera legalidade.
3. Questões relativas a omissão de pronúncia
O recorrente entende que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, quanto às seguintes questões:
i) Da verificação da ilicitude/licitude da conduta do recorrente enquanto notário e das consequências dos actos por este praticados, por força das disposições conjugadas dos artigos 14.º e 16.º do Código do Notariado e 261.º, n.º 1 do Código Civil;
ii) Vícios imputados ao acto administrativo recorrido, do Conselho Superior de Advocacia, por violação dos artigos 12.º e 13.º do Regulamento Interno deste Conselho;
iii) A não especificação dos fundamentos de facto em que assenta o juízo factual sobre o conhecimento, por parte do recorrente, da falsidade da pública forma, designadamente dos meios de prova ou factos em que se sustenta tal conclusão;
iv) A não especificação dos fundamentos de facto em que assenta o juízo factual sobre a actuação do recorrente em co-autoria com os Drs. E e F;
v) A não especificação dos factos em que o Acórdão recorrido e acto administrativo recorrido fundamenta a violação das normas deontológicas que se imputa ao recorrente.
4. Alegação de novos vícios nas alegações do recurso contencioso
Quanto à primeira questão, é exacto que o Acórdão recorrido não a abordou. Mas não tinha que o fazer, pelo que não há omissão de pronúncia.
Na verdade, o recorrente não imputou ao acto administrativo recorrido violação das normas em causa, na petição de recurso contencioso. Ou seja, o recorrente não colocou a questão no local e no momento próprios, só o fazendo nas alegações do recurso contencioso, quando, entretanto, constituiu mandatário judicial.
É na petição inicial do recurso contencioso que o recorrente tem de indicar os factos em que se baseia a pretensão bem como as normas ou princípios infringidos [artigo 42.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Administrativo Contencioso]. É, portanto, na petição que o recorrente indica a causa de pedir3.
As alegações tratam de matéria de direito e não servem para ampliar a causa de pedir. Como explica J.C.VIEIRA DE ANDRADE4, sintetizando jurisprudência pacífica, “nas suas alegações, o recorrente só pode invocar outros vícios do acto se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial”. Seria o caso, por exemplo, de o recorrente só ter detectado os novos vícios do acto com a junção do processo instrutor, com a contestação da entidade recorrida.
Aliás, dispõe o n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “Nas alegações, o recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente”
Ora, o recorrente desde que apresentou a petição inicial que estava em condições de invocar o vício em causa, pelo que não podia ter-se reservado para a fase de discussão do direito, para o suscitar.
Nem se diga, como pretende o recorrente, que se trata de matéria de direito, que cabe no poder de cognição oficioso do Tribunal. Uma coisa é a alegação de um vício do acto (que corresponde à alegação de uma causa de pedir), outra coisa é o conhecimento do direito. O Tribunal pode aplicar regra de direito diversa da alegada, se considerar que o vício do acto administrativo foi alegado, embora com deficiente fundamentação jurídica. O que não pode é conhecer de vícios do acto não alegados, salvo se a lei impuser o conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Bem andou, pois, o acórdão recorrido ao não ter conhecido da questão.
5. Omissão de pronúncia quanto à violação dos artigos 12.º e 13.º do Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia
No que respeita a este vício, alega o recorrente que houve omissão de pronúncia quanto aos vícios alegados no ponto iii), alíneas b) e c) da petição de recurso contencioso:
“b) Da acta também não consta que após distribuição do processo ao relator tenha sido elaborado qualquer projecto de Acórdão”.
“c) Não consta, ainda, da referida acta que previamente à deliberação do Conselho o relator tenha apresentado um projecto de Acórdão”.
Tem razão o recorrente. Os vícios foram arguidos na petição de recurso contencioso e o Acórdão recorrido não conheceu destas questões. Há omissão de pronúncia, que gera nulidade do Acórdão recorrido [artigos 563.º, n.º 2 e 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente].
6. Omissão de pronúncia quanto à não especificação dos fundamentos de facto em que assenta o juízo factual sobre o conhecimento, por parte do recorrente, da falsidade da pública forma, designadamente dos meios de prova ou factos em que se sustenta tal conclusão.
A questão foi suscitada na petição de recurso contencioso. Mas o Acórdão recorrido conheceu da questão, dizendo que vigora o princípio da livre apreciação da prova.
O recorrente pode discordar da solução, agora o que não dizer é que houve omissão de pronúncia. E também não há nulidade, por falta de fundamentação, pois é pacífico que o vício só existe com a absoluta falta de fundamentação e não com a fundamentação deficiente.
7. Omissão de pronúncia quanto à não especificação dos fundamentos de facto em que assenta o juízo factual sobre a actuação do recorrente em co-autoria com os Drs. E e F
A questão não foi suscitada na petição de recurso contencioso. Não havia que conhecer da mesma.
Não há nulidade do Acórdão recorrido, nesta parte.
8. Omissão de pronúncia quanto à não especificação dos factos em que o Acórdão recorrido e acto administrativo recorrido fundamenta a violação das normas deontológicas que se imputa ao recorrente.
Ora, os factos em que assenta o Acórdão recorrido são os factos que deu como provados, em que se descreve a conduta do recorrente, designadamente, que interveio como notário na celebração de várias escrituras de compra e venda de imóveis, com a consciência de que estava a ser utilizada uma pública-forma falsa de uma procuração, para o efeito.
Não há omissão de pronúncia, nem falta de fundamentação.
9. Violação de normas imperativas no julgamento da matéria de facto
Foi dado como provado pelo acto administrativo recorrido – factos aceites pelo Acórdão recorrido – que o recorrente conhecia que o mandato que conferia ao outorgante das escrituras públicas poderes para dispor dos bens alienados “estava posto judicialmente em crise e que o mesmo podia vir a ser julgado em Tribunal como já não existente, tal como foi efectivamente julgado”.
O recorrente entende que o facto não poderia ter sido dado como provado, já que as escrituras públicas por si celebradas foram-no a 23 e 25 de Junho de 2003 e a providência cautelar requerida pela [Associação (1)] ou [Associação (1a)] contra B, C e D deu entrada em 24 de Junho de 2003, sendo que, mesmo no dia 25 de Junho de 2003 ainda não se poderia considerar existente qualquer acção judicial, por força do regime do despacho liminar, uma vez que os requeridos ainda não haviam sido citados para contestar. Além de que a publicidade da providência cautelar está limitada às partes e mandatários, o que não era o caso do recorrente.
Vejamos.
O recorrente aceita, porque cita, que a carta-circular de 6 de Março de 2003 da Direcção dos Assuntos de Justiça, dirigida aos notários, referia que “a associação accionou já os mecanismos legais competentes para a defesa dos seus direitos, designadamente no foro criminal, tendo apresentado já a competente queixa-crime contra o B, aliás, B2. E no âmbito da queixa-crime apresentada, a associação requereu ao Ministério Público, além do mais, que oficiasse todos os cartórios no sentido ... de se absterem de praticar, no futuro, qualquer acto notarial relativo a esses imóveis ...”.
Não repugna admitir que fosse à queixa criminal que o Conselho Superior de Advocacia se refere, dizendo que o mandato que conferia ao outorgante das escrituras públicas poderes para dispor dos bens alienados “estava posto judicialmente em crise...”.
E, por isso, não se pode dizer que o facto dado como provado é desconforme com a realidade.
Mas ainda que consideremos apenas a propositura da providência cautelar, em que se pedia que os requeridos fossem proibidos de utilizar a procuração ou qualquer cópia certificada da mesma para instruir qualquer acto notarial, importa ter em conta o seguinte:
As escrituras públicas celebradas pelo recorrente foram-no a 23 e 25 de Junho de 2003 e a providência cautelar requerida pela [Associação (1)] ou [Associação (1a)] contra B, C e D, deu entrada em Tribunal 24 de Junho de 2003.
Mas na escritura pública de 23 de Junho de 2003 foram vendidos 3 prédios rústicos, enquanto na escritura pública de 25 de Junho de 2003 – celebrada após ter dado entrada a providência cautelar – foram alienados 4 prédios urbanos e 33 fracções autónomas.
Quer dizer, a esmagadora maioria das transacções foi feita já após ter sido proposta a providência cautelar, que aconteceu a 24 de Junho de 2003.
Por outro lado, não se diga que só com o despacho liminar ou a citação dos requeridos existe acção judicial. Não é assim, como bem tem obrigação de saber o recorrente.
A acção considera-se proposta e pendente logo que seja recebida na secretaria a petição inicial. Só em relação ao réu, designadamente, para efeitos de prescrição, é que releva o momento da citação (artigo 211.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Quanto à publicidade da providência cautelar, uma coisa é o regime legal, outra é a realidade das coisas. E mostra a prática que, não só é possível mas também é frequente, o conhecimento de tais providências por pessoas que não deveriam ter acesso aos autos.
Não há, assim, violação de norma legal na prova dos factos em questão, apenas havendo que entender que, quando o recorrente celebrou a escritura pública de compra e venda dos 3 prédios rústicos, em 23 de Junho de 2003, ainda não tinha sido proposta a providência cautelar, pelo que dela não podia ter conhecimento.
10. Violação por parte do Acórdão recorrido de normas imperativas quanto à prova do conhecimento da falsidade da pública-forma
Afadiga-se o recorrente a tentar demonstrar que o conhecimento da falsidade da pública-forma da procuração, por parte do recorrente só poderia ter sido feita, se tivesse sido apresentado o original, o que não aconteceu, ou se um tribunal tivesse declarado a falsidade.
Invoca, para tal, o disposto nos artigos 365.º, 366.º e 380.º do Código Civil e 70.º do Código do Notariado.
Os artigos 365.º e 366.º do Código Civil referem-se à força probatória material dos documentos autênticos e ao modo de ilidir tal força probatória (por meio da demonstração da sua falsidade).
O artigo 380.º dispõe:
“Artigo 380.º
(Públicas-formas)
1. As cópias de teor, total ou parcial, expedidas por notário ou por oficial público autorizado e extraídas de documentos avulsos que lhe sejam apresentados para esse efeito têm a força probatória do respectivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerer a exibição desse original.
2. Requerida a exibição, a pública-forma não tem a força probatória do original, se este não for apresentado ou, sendo-o, se não mostrar conforme com ela”.
Desta norma não se retira que o conhecimento da falsidade só pode ter lugar por confronto da pública-forma com o original. Apenas que a pública-forma tem a força probatória do original, salvo se não for exibido o original – tendo sido pedido – ou tendo sido exibido não estiver aquela conforme com este.
O conhecimento da falsidade pode ter lugar por via indirecta, por alguém ter comunicado o facto ao recorrente, como no caso aconteceu.
A prova de que o recorrente conhecia a falsidade não requer nenhum meio de prova tarifada. Nenhuma norma o impõe. Está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova5, como se decidiu no Acórdão recorrido. Não estava provada a falsidade da pública-forma perante o recorrente, mas este sabia que ela era falsa.
Logo, tinha a estrita obrigação de pedir a exibição do original da procuração para poder celebrar escrituras com base na pública-forma.
Improcede o vício suscitado.
11. Contradições na matéria de facto. Prova do conluio entre o recorrente e os Drs. E e F
Dos factos provados constantes do acto administrativo resulta o seguinte:
“Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. F e E e os Srs. B2 e C planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da “[Associação (1)]”.
A fim de concretizar a plano que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras publicas o Sr. Dr. F requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “[Associação (1)]”, certificados esses que foram emitidos no dia 15 de Abril de 2003.
Por sua vez, o Sr. Dr. E procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. X data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
O arguido Sr. Dr. E manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
Além disso o Sr. Dr. E providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (3)].
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. E.
Perante a indisponibilidade desses Cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. E que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida”.
Ora destes factos não resulta o recorrente tenha participado no conluio para obtenção dos documentos necessários à celebração das escrituras. O que resulta é que foram os Drs. E e F a fazê-lo.
Mas o acto recorrido entendeu acrescentar certos factos e considerações aos que constavam do relatório do instrutor e disse então:
“5. Apesar disso, todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A precisava para instruir as escrituras, que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isto, proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado”.
Esta consideração contradiz os factos anteriores e não tem suporte nos factos provados.
São admissíveis ilações extraídas a partir dos factos provados, mas a mencionada consideração não resulta dos factos. É, manifestamente, exorbitante e mesmo contrária aos factos, pelo que se resolve a contradição dando prevalência aos factos constantes do acervo dos factos considerados provados, considerando-se tal ilação como não escrita. O que implica, inexoravelmente, a anulação do acto recorrido, dado que tal fundamento do acto pode ter influenciado a integração do ilícito disciplinar e a escolha e a medida da pena.
12. Medida da pena
São colocadas questões quanto à medida da pena, mas não é possível conhecer desta matéria, já que o acto recorrido é anulado, pelo que, podendo ser praticado acto punitivo com o mesmo ou outro conteúdo, não pode este TUI apreciar a questão, que está, assim, prejudicada.
Tudo sem prejuízo do que se disse a propósito de o recurso contencioso dos autos ser de mera legalidade, o que ficará a constituir caso julgado material – tal como todas as questões sobre as quais nos pronunciámos expressamente, no que concerne aos vícios do acto - após trânsito em julgado do presente Acórdão.
13. Questões relacionadas com a execução do presente Acórdão
Em princípio, o julgamento de nulidade, por omissão de pronúncia, do Acórdão recorrido, deveria conduzir, em sede de execução do presente Acórdão, à emissão de pronúncia sobre as questões omitidas.
Não será assim no caso dos autos.
É que o presente Acórdão anulou já o acto administrativo, que terá de ser executado pelo Conselho Superior de Advocacia, que tanto pode renovar o acto com o mesmo conteúdo (aplicação da mesma pena), ou com outro conteúdo (aplicação de outra pena), como não o renovar (não punir o recorrente), na discricionariedade de que dispõe.
Caso opte por renovar o acto – com a mesma pena ou outra – pode ou não remover os alegados vícios que o recorrente arguiu no recurso contencioso e relativamente aos quais o Acórdão recorrido omitiu pronúncia. Se os remover, a questão fica ultrapassada.
Se os não remover e o recorrente voltar a recorrer contenciosamente do acto administrativo renovado – com a mesma pena ou outra – poderá, se for caso disso, voltar a suscitar no recurso contencioso os mencionados vícios, que o TSI, então, conhecerá.
Daí que não faça nenhum sentido ir, agora, o TSI conhecer dos vícios em questão, que poderia conduzir a novo recurso jurisdicional, com a insuportável demora na resolução definitiva da situação jurídica dos autos e muito, provavelmente, com manifesta inutilidade.
Cabe, portanto, execução do presente Acórdão por parte do Conselho Superior de Advocacia, nos termos do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
IV – Decisão
Face ao expendido, dão provimento ao recurso e:
A) Julgam nulo o Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto aos vícios alegados no ponto iii), alíneas b) e c) da petição de recurso contencioso;
B) Revogam o Acórdão recorrido e anulam o acto administrativo recorrido na medida em que considerou que “todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A precisava para instruir as escrituras, que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003”;
C) No mais, julgam improcedente o recurso, com a ressalva do ponto III-12., que antecede;
D) Determinam se proceda à execução do presente Acórdão, nos termos mencionados em III-13.
Sem custas nas duas instâncias.
Macau, 13 de Janeiro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 9.ª ed, Tomo II, p. 1215.
2 FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, Porto, 1991, p. 29.
3 J.C.VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina Coimbra, 2.ª edição, 1999, p. 238. Esta edição corresponde ao direito português vigente ao tempo em que os princípios do contencioso administrativo eram semelhantes aos de Macau, o que actualmente, já não sucede.
4 J.C.VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça..., p. 242. No mesmo sentido, FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito..., p.118, que citam abundante jurisprudência.
5 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1997, p. 421.
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Processo n.º 24/2009