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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 26 de Novembro de 2008, que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
Por acórdão de 16 de Julho de 2009, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe o mesmo A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O douto Acórdão recorrido padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto do artigo 7.°/3 do D.L. n.o 14/95/M;
- A razão de discordância do Recorrente quanto ao segmento do parecer posto em evidência não está tanto no facto de a afirmação aí contida ser falsa ou incorrecta, mas antes e principalmente na circunstância de o juízo subjacente à mesma ter por base uma avaliação errada dos factos;
- Da fundamentação explicitada e por argumento a contrario pode concluir-se que a Entidade Recorrida aceitaria como justificada a inactividade do Recorrente se o atestado médico apresentado tivesse indicado a necessidade da cessação da referida actividade profissional;
- Existe uma errada percepção da realidade, porquanto resulta abundantemente da factualidade provada que o Recorrente só deixou de trabalhar, seguindo conselho médico, para recuperar a sua saúde que se encontrava afectada pela doença de que padecia e que se encontrava agravada nesse momento e para se afastar de uma actividade profissional de elevada pressão psicológica;
- Ao não ter considerado verificado tal vício no despacho contenciosamente recorrido, ficou a padecer o acórdão recorrido da ilegalidade correspondente, violando, dessa forma, a norma do artigo 7.°/3 do DL n.º l4/95/M;
- Padece ainda o acórdão recorrido do vício decorrente da violação do princípio fundamental da justiça;
- A violação do princípio da justiça resulta do facto de a decisão recorrida impor o entendimento de que era de exigir ao Recorrente, para obter a decisão favorável da renovação da autorização de residência, que tivesse de desenvolver a actividade profissional de docente, que, comprovadamente, na situação em concreto, estava para além das suas capacidades normais;
- Ao não atender a tal vício, ficou o acórdão recorrido afectado também pela ilegalidade decorrente da violação do referido princípio.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pelo provimento do recurso, por erro nos pressupostos de facto.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- A, nascido em 08.12.1959, de nacionalidade ugandesa e titular do passaporte da República da Uganda nº XXXXXXXX, vive em Macau há cerca de 20 anos.
- Há já bastantes anos que o mesmo recorrente padece da doença conhecida por «Irritable Bowel Syndrome» que se caracteriza por sintomas crónicos e/ ou recorrentes de dor abdominal, que pode ser aguda, associada a alterações do trânsito do intestino, na ausência de doença estrutural ou bioquímica e que, normalmente, por força do stress psicológico, vê exacerbados os referidos sintomas;
- O seu tratamento implica monitorização permanente dos sintomas, administração de fármacos, e adopção de um estilo de vida onde sejam mínimos os factores de stress psicológico;
- Por despacho do Exmº Chefe do Executivo, de 21 de Fevereiro de 2005, foi o ora recorrente reconhecido como “técnico especializado de particular interesse para o Território” e autorizado a fixar residência na R.A.E.M., por 3 anos, (até 21.02.2008), nos termos dos artigos 2.°, n.o 2, alínea c) do D.L. n° 14/95/M, de 27 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelos D.L. n.º 22/96/M, de 22 de Abril e D.L. n ° 22/97/M, de 11 de Junho; (cfr. Doc. n.° 2, fls. 52).
- A referida autorização foi concedida tendo por referência o vínculo laboral que o recorrente tinha com a [Escola (1)] e cuja validade ia até ao dia 31 de Agosto de 2005.
- No fim do primeiro semestre do ano de 2005, agravou-se a doença de que padecia o recorrente;
- O médico que o tratava, afirmou-lhe que a sua profissão de professor, devido ao stress que acarreta, lhe era prejudicial e que o melhor seria fazer uma pausa e mudar para uma actividade com menos pressão psicológica;
- Em virtude do falecimento de um professor de uma outra escola, mais novo do que ele, que havia conhecido na Clínica onde fazia tratamento, o recorrente ficou profundamente afectado;
- Assim, pensando na sua saúde, e seguindo a sugestão do seu médico, acabou por tomar a decisão de fazer uma pequena pausa para se recuperar e também mudar de actividade profissional, logo que se sentisse melhor.
- E para não falar dos seus problemas de saúde, aproveitou o facto de estar inscrito, desde Janeiro de 2004, no Curso de Mestrado, à distância, na área de Desenvolvimento e Planeamento de Internet, da Universidade de Portsmouth, em Inglaterra, para dizer que não podia continuar a leccionar na referida escola, o que veio a suceder em Agosto de 2005;
- Durante o período de tempo que esteve sem trabalhar, o ora recorrente permaneceu em Macau, excepto entre 9 de Outubro 2005 e 9 de Dezembro 2005, que utilizou para fazer férias, no Uganda, com a sua família;
- Tendo aproveitado o tempo, o melhor que podia, para estudar e a realizar projectos de investigação, no âmbito de referido curso de mestrado, à distância;
- Vivendo, exclusivamente, das poupanças que foi amealhando ao longo de cerca de 15 anos de trabalho ininterrupto em Macau, estando convencido de que, com esta sua decisão de fazer uma pausa na sua actividade profissional, não estava a incumprir qualquer dever ou ónus que sobre si recaísse, pois que ignorava que a situação contratual que serviu de base ao pedido de fixação de residência se tinha de manter inalterada durante os 3 anos da residência temporária autorizada ou que tinha o dever de comunicar a alteração ou extinção da mesma situação ou apresentar prova de novo vínculo contratual.
- O recorrente foi apenas informado, verbalmente, e em língua inglesa, que deveria pedir a renovação do pedido de fixação de residência temporária 3 meses antes do termo do período de validade da autorização de fixação de residência temporária, tendo sido isso que fez suscitar o problema que hoje enfrenta.
- Todavia, reconhece, hoje, o ora Recorrente que o IPIM, quando o notificou, em Março de 2005, do despacho de autorização de fixação de residência temporária, teve o cuidado de o informar que o contrato de trabalho em que baseou o pedido de fixação de residência tinha validade até 21 de Agosto de 2005 e que, caso caducasse, devia comunicar tal facto por escrito a esse Instituto e apresentar prova da constituição de uma nova situação jurídica atendível no prazo de 30 dias contadas da referida caducidade, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária;
- Porém, o ora recorrente não chegou a ter conhecimento desta informação, dado a circunstância de a mesma vir redigida em língua portuguesa que lhe é totalmente estranha.
- O recorrente quando começou a sentir-se melhor, foi à procura de trabalho mais adequado à sua doença, o que conseguiu em Janeiro de 2007, na empresa “[Companhia (1)]”.
- O recorrente investiu grande parte dos seus tempos livres no acompanhamento de jovens, ensinado-os a jogar Xadrez ou promovendo a sua participação em competições no âmbito desta modalidade desportiva, sendo um grande impulsionar do desenvolvimento da modalidade junto dos jovens de Macau, o que tem feito de forma totalmente gratuita;
- Tem desempenhado as funções de professor e instrutor de xadrez em Escolas da Região, designadamente no [Escola (2)], [Escola (3)] e [Escola (4)];
- Tem sido, desde 1992, o organizador e o árbitro responsável pelas competições das camadas jovens, nos escalões sub-8, sub-10, sub-12, sub-14, sub-16 e sub-18;
- Está destacado para assumir as funções de árbitro e de gestor das bases de dados e da base de cálculos dos ratings dos jogadores, com recurso a programas computorizados que domina dada a sua formação académica em engenharia informática, nas competições para as camadas jovens, de preparação para os Campeonatos Asiático e Mundial, que se realizarão durante todo o ano de 2009;
- Para além de ser membro dos corpos gerentes do Grupo de Xadrez de Macau, está registado na Federação Internacional de Xadrez como Rating Officer do Grupo de Xadrez de Macau;
- Participou em múltiplas competições regionais, tendo representado a Região de Macau, nos Jogos Asiáticos de Doha, no Qatar, realizados em 2006, como oficial dirigente (officer) da equipa de xadrez, incluída na delegação desportiva de Macau, e nas Olimpíadas de Dresden, na Alemanha, em Novembro de 2008, com a participação de 145 países, competindo no 2.° Tabuleiro da Selecção de Macau, onde obteve o título internacional de «Candidate Master», ao ter conseguido mais de 50% da pontuação possível;
- Foi-lhe reconhecida a sua actividade através de um louvor recentemente atribuído pelo Grupo de Xadrez de Macau;
- Em 19.12.2007, apresentou o recorrente pedido de renovação da autorização da sua residência em Macau;
- Sobre o mesmo, elaborou-se o “Parecer n.º XXXX/Residência/XXXX/X” com o teor seguinte:
“1. O indivíduo abaixo referido pede a renovação de autorização de fixação de residência temporária:
Ordem

Nome

Relação
Documento de Identidade
N.º
Prazo válido
Prazo válido da autorização






De fixação de residência temporária
1.
A
requerente
Passaporte da Uganda
XXXXXXXX
25/02/2014
21/02/2008

2. O requerente apresentou a este Instituto o seu pedido de autorização de residência temporária por técnico especializado e o referido pedido foi deferido em 21 de Fevereiro de 2005. Os elementos da contratação do requerente são os seguintes:
Empregador: [Escola (1)]
Profissão: Professor
Salário mensal: MOP$10.000, 00
Termo do contrato: 31 de Agosto de 2005
3. Para os efeitos da renovação, o requerente apresentou um documento comprovativo da relação de emprego estabelecida em 15 de Janeiro de 2007, de forma a provar que o requerente começou a trabalhar em outra instituição em 17 de Janeiro de 2007:
Empregador: [Companhia (1)]
Profissão: System Support Engineer
Salário mensal: MOP$17.500,00
Termo do contrato: nada a assinalar
4. Na certidão de rendimento do imposto profissional apresentada pelo requerente, revela-se que o rendimento global do ano de 2005 do requerente foi de MOP$72.000,00 e o do ano de 2006 foi de MOP$0,00, o que implica que o requerente possivelmente não foi contratado por qualquer empresa comercial de Macau em 2006, por isso, em 13 de Maio de 2008, este Instituto tentou contactar o requerente mas não conseguiu porque o número de telefone preenchido pelo requerente não está correcto, e até 30 de Maio de 2008, só o conseguiu contactar, tendo-lhe exigido para apresentar o documento comprovativo da sua cessação de funções em falta e esclarecer por que não foi contratado durante mais de 1 ano;
5. Quanto ao assunto acima referido, o requerente dirigiu-se, em 19 de Junho de 2008, a este Instituto, e declarou, por escrito, não ter conhecimento de que o novo contrato devia ser apresentado em Setembro de 2005 (vide fls. 55), só sabendo que o mesmo devia ser apresentado dentro de 3 a 6 meses que antecedem o termo do prazo da autorização de residência temporária. O requerente mais declarou que a razão da sua suspensão do trabalho em Setembro de 2005 foi devido ao problema de saúde, sofrendo da síndroma do cólon irritável (Irritable Bowel Syndrome - IBS) que actualmente ainda necessita de tratamento. Na altura, devido à grande pressão que tinha enfrentado e à morte de um amigo (que sofreu da mesma doença e posteriormente se transformou em cancro de cólon), o requerente decidiu demitir-se das funções que exercia para descansar e recuperar-se da doença e frequentou um curso de mestrado através da internet (University of Portsmouth). Após mais de um ano de descanso, a sua doença melhorou e o requerente começou a trabalhar em [Companhia (2)], mas ainda necessita de receber tratamentos mensalmente.
6. Atendendo a que o requerente ainda trabalha em Macau, caso a sua renovação não seja deferida, o requerente não poderá trabalhar antes de obter o título de identificação do trabalhador não residente, por isso, em 17 de Julho de 2008, este Instituto informou tal assunto ao requerente, contudo, o requerente solicitou uma consideração do seu pedido de renovação de autorização de residência conforme as suas situações concretas, e apresentou, em 2 (sic.) de Julho de 2008, o documento comprovativo emitido por Dr. B do [Clínico (1)], e as suas histórias clínicas.
7. O documento comprovativo emitido por Dr. B do [Clínico (1)], e as suas histórias clínicas (vide fls. 18 a 53) provam que o requerente tem sofrido da síndroma do cólon irritável desde 2000 até agora, a doença agravava-se devido à pressão no trabalho, e apesar de o requerente ter recebido vários tratamentos, a doença ainda não melhorou, mas, depois de suspender o trabalho, o requerente manifestou ao seu médico que a doença melhorou, e posteriormente, começou novamente a trabalhar.
8. Sintetizando os documentos apresentados pelo requerente, a análise do presente caso é a seguinte:
1. Por oficio n.º XXXX/XXXX/XXXX/XXXX, de 16 de Março de 2005, este Instituto notificou o requerente para apresentar, no prazo de 30 dias após o termo do contrato a acorrer a 31 de Agosto de 2005, o documento comprovativo da nova relação de trabalho, senão, implicará o cancelamento da sua autorização de residência temporária, por isso, o requerente não pode esclarecer a sua falta de apresentação do documento comprovativo da relação de trabalho depois de 31 de Agosto de 2005 sob o pretexto de não ter sabido disso.
2. Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível”. Na declaração prestada pelo requerente, revela-se que devido à morte de um amigo, o requerente demitiu-se das funções que exercia para descansar e recuperar-se da doença e frequentou um curso durante o período compreendido entre Setembro de 2005 e 16 de Janeiro de 2007, o que pode provar que durante aquele período, a situação jurídica que determinou a concessão de autorização de fixação de residência do requerente já se extinguiu, por isso, nos termos do disposto acima referido, a autorização de fixação de residência do requerente deve ser cancelada, assim, não se pode emitir qualquer parecer favorável ao presente pedido da renovação.
3. O atestado médico e as histórias clínicas apresentados pelo requerente revelam que o recorrente sofre efectivamente de síndroma de cólon irritável desde 2000, contudo, no referido atestado médico, não se indica expressamente que o requerente deve demitir-se das funções para descansar e recuperar-se da doença, mesmo na declaração por si prestada, o requerente só declarou que devido à morte de um amigo, ele demitiu-se das funções para descansar e recuperar-se da doença e frequentou um curso, mas tudo isto é apenas uma decisão tomada pelo próprio requerente, por isso, a doença sofrida pelo recorrente não pode constituir motivo de força maior de não ter sido contratado em Macau.
Nestes termos, prova-se que o requerente não foi contratado por qualquer empresa comercial de Macau durante o período compreendido entre Setembro de 2005 e 16 de Janeiro de 2007, por isso, o requerente já perdeu o fundamento jurídico para a concessão de autorização de fixação de residência temporária. Nestes termos, proponho o indeferimento do pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária do requerente A nos termos do artigo 7.º n.º 3 do Decreto-Lei n.° 14/95/M”;
- Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças datado de 26.11.2008, e na concordância com o transcrito Parecer, decidiu-se indeferir o pedido.
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são as de saber se o acto recorrido enferma de erro sobre os pressupostos de facto ao ter considerado que o recorrente não demonstrou que a sua doença fosse impeditiva de continuar a exercer a sua actividade laboral e se o mesmo acto violou o princípio de justiça, por exigir que o recorrente tivesse de desenvolver a sua actividade profissional de docente que, comprovadamente, estava para além das suas capacidades, para obter a decisão de renovação da autorização de residência.

2. Erro sobre os pressupostos de facto
Ao recorrente foi concedida autorização de residência em Macau, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, por se ter considerado tratar-se de técnico com particular interesse para o Território.
Para tal, teve o recorrente de juntar documento comprovativo do vínculo contratual que, no caso, era o de professor no [Escola (1)], com termo em 31 de Agosto de 2005.
O recorrente deixou de trabalhar para a mencionada entidade em Agosto de 2005.
Dispõe o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M que “Em caso de perda de titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível”.
O período de validade da autorização de residência era de três anos, renovável (artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 14/95/M).
Só em 19 de Dezembro de 2007 apresentou pedido de renovação da autorização da sua residência em Macau, juntando comprovativo de contrato de trabalho com novo empregador a partir de 15 de Janeiro de 2007.
O acto recorrido indeferiu o pedido de renovação da autorização da residência com fundamento de que, quando o pedido foi feito, a situação jurídica que determinou a concessão da autorização já se tinha extinguido, dizendo que o atestado médico que o requerente apresentou não indica que este se devia demitir das suas funções para descansar e recuperar da doença.
Admitiu, assim, ser possível invocar uma situação de justo impedimento (ou força maior) para a não constituição “... em nova situação jurídica atendível”, o que se afigura acertado.
O Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso contencioso, dizendo que os factos provados não demonstram que é incorrecta a afirmação produzida no acto recorrido, segundo a qual o atestado médico que o requerente apresentou não indica que este se devia demitir das suas funções para descansar e recuperar da doença.
Alega o recorrente que há erro nos pressupostos de facto do acto recorrido, não porque a afirmação relativa ao atestado médico seja incorrecta, mas porque há errada percepção da realidade, visto que se provou que o recorrente só deixou de trabalhar para recuperar a saúde.
Afigura-se- nos que o recorrente tem razão num ponto: na petição de recurso contencioso ele não diz que a afirmação do acto recorrido, de que o atestado médico que o requerente apresentou não indica que este se devia demitir das suas funções para descansar e recuperar da doença, é falsa ou incorrecta. O que ele diz é que os factos provados no procedimento administrativo apontam para que a sua doença impediu-o efectivamente de trabalhar. Que há um nexo de causalidade entre a cessação da actividade laboral e a doença
Como é sabido, este TUI não conhece de matéria de facto (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não lhe cabe dizer se se provou no procedimento administrativo aquilo que o recorrente alega, matéria que é da competência do TSI.
O que podemos dizer é que, com a sua pronúncia, o Acórdão recorrido não respondeu àquilo que o recorrente suscitou no recurso contencioso. Este não põe em causa a verdade do atestado. Apenas diz que o atestado não contém toda a prova que se produziu no procedimento administrativo. E diz ainda que esta prova vai no sentido de que a doença o impediu de trabalhar.
Recorde-se que os órgãos administrativos têm poderes inquisitórios, devendo procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento (artigo 86.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo), pelo que, se o órgão administrativo tivesse dúvidas, deveria solicitar ou novo atestado médico ou perícia médica sobre a questão, não se podendo refugiar na falta de prova do atestado médico, até porque a Administração não pediu ao interessado prova do facto em questão. Aliás, o atestado médico, se não diz que a doença era impeditiva do trabalho, também não diz o contrário.
O Acórdão recorrido ao dizer que “Face ao exposto, cremos que tal factualidade não demonstra que incorrecta ou falsa é a afirmação produzida no mencionado Parecer e assumida na decisão recorrida” não conheceu da questão, tal como foi colocada pelo recorrente.
O nó do problema não é, pois, a afirmação do parecer – integrado no acto recorrido – mas apenas se se prova a relação do nexo de causalidade entre a cessação da actividade laboral e a doença. Se esta se prova há erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido, que redunda em vício de violação de lei.
Afigura-se-nos que o vício do Acórdão recorrido é de nulidade, por omissão de pronúncia, vício que foi suscitado pelo recorrrente, embora com diferente qualificação jurídica.

3. Princípio de justiça
O princípio de justiça é um princípio privativo dos actos praticados no exercício de poderes em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
O acto que declara o cancelamento da autorização de residência, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º14/95/M, por perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão daquela autorização, constitui uma actividade vinculada da Administração. E, por isso, um acto da Administração pode violar ou não esta norma, assim podendo o acto ser anulado. Mas não pode violar o princípio de justiça na aplicação da mesma norma.
Improcede o vício suscitado.

IV – Decisão
Face ao expendido, dá-se provimento ao recurso e determina-se que o Tribunal recorrido, com a mesma formação, conheça da questão mencionada em III-2.
Sem custas nas duas instâncias.
Macau, 13 de Janeiro de 2010.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin




1
Processo n.º 36/2009