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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Reclamação para a conferência (recurso civil)
N.º 41 / 2009

Reclamante: A






   1. Relatório
   A, requerida no respectivo processo de providência cautelar de arresto, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da sentença de primeira instância que julgou improcedente a oposição deduzida à decisão que decretou o arresto.
   Das decisões do acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no processo n.º 307/2009, consta que julgou parcialmente procedente o recurso e declarou, por conseguinte, nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a questão de identidade da sociedade destinatária do documento de renovação de dívida e, não obstante, decretar o arresto nos mesmos termos inicialmente decretados no dispositivo da sentença recorrida, ainda que com fundamentação jurídica algo diversa da sustentada pelo Tribunal Judicial de Base.
   Deste acórdão A arguiu nulidades por requerimento a fls. 568 a 580.
   Perante este requerimento, o relator do Tribunal de Segunda Instância entendeu que tal acórdão era passível de recurso para o Tribunal de Última Instância e a arguição de nulidades não podia ser dirigida ao Tribunal de Segunda Instância, pelo que decidiu, no despacho a fls. 593, convolar tal requerimento como petição de recurso e conceder o prazo de dez dias para a Sociedade reformulá-lo de modo a satisfazer todos os requisitos formais exigidos no art.º 598.º do CPC sobre a alegação de recurso e as respectivas conclusões.
   A outra parte, B, pediu a rectificação deste despacho e subsidiariamente a reclamação do mesmo para a conferência.
   Por outro despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância a fls. 640 a 642, foram indeferidos os pedidos de rectificação do anterior despacho e da reclamação para a conferência.
   Deste último despacho B reclamou novamente para a conferência.
   Por acórdão de 12 de Novembro de 2009, o Tribunal de Segunda Instância confirmou o despacho impugnado e os autos forma posteriormente remetidos para este Tribunal de Última Instância ao abrigo dos trâmites de recurso apresentado pela A.
   
   Recebidos os autos e depois de convidar as parte a pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, pelo relator do Tribunal de Última Instância foi proferido o seguinte despacho:
   “O presente recurso teve por origem a arguição de nulidades do acórdão do Tribunal de Segunda Instância apresentada pela requerida e a decisão do relator desse tribunal de convolar esta peça em petição de recurso para o Tribunal de Última Instância.
   Independentemente do entendimento da requerida, ora recorrente, sobre a possibilidade do recurso para o Tribunal de Última Instância ao apresentar o requerimento de arguição de nulidades (fls. 568 e ss), são as questões levantadas neste requerimento que devem ser consideradas como objecto do recurso ora formalizado.
   Assim, é de atender à seguinte parte da decisão de segunda instância, relevante para o presente recurso: “julgar parcialmente procedente o recurso, e declara, por conseguinte, nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a questão de identidade da sociedade destinatária do documento de renovação de dívida, e, não obstante, decretar o arresto nos mesmos termos inicialmente decretados no dispositivo da sentença recorrida, ainda que com fundamentação jurídica algo diversa da sustentada pelo Tribunal recorrido.”, tendo como fundamento: “..., por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais para o efeito, ...” (pág. 46 e 47 do acórdão recorrido).
   
   Prescreve assim o n.º 2 do art.º 638.º do CPC:
   “2. Mesmo que o valor da causa exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância, não é admitido recurso do acórdão deste tribunal que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.”
    Para apreciar a admissibilidade do recurso para o Tribunal de Última Instância, é mister verificar a existência de confirmação da decisão da primeira instância pela segunda. Mesmo que no presente caso o tribunal recorrido declarou nula a sentença de primeira instância por omissão de pronúncia, não deixou de confirmar o arresto decretado pela primeira instância por entender que estão reunidos os requisitos para o efeito, o que significa que tal omissão de pronúncia acaba por ser irrelevante para a decisão da causa, no entendimento do Tribunal de Segunda Instância.
   Por ter sido confirmada a decisão de primeira instância, ou seja, o decretamento do arresto, pelo acórdão de segunda instância ora impugnado sem voto de vencido, o presente recurso não é admissível segundo a referida norma.
   
   Pelo exposto, não admito o recurso e remeta os autos à segunda instância para conhecer a arguição de nulidades a fls. 568 e seguintes (art.º 619.º, n.º 1, al. e) do CPC).
   Sem custas por o presente incidente ter por origem o despacho do relator de segunda instância.”
   
   Deste despacho vem agora a recorrente A reclamar para a conferência. Entende que o acórdão do Tribunal de Segunda Instância não chegou a confirmar a decisão de decretação do arresto proferida pelo Tribunal Judicial de Base, pois naquele foi declarada, em primeiro lugar, a nulidade da sentença de primeira instância por omissão de pronúncia e só subsequentemente o Tribunal de Segunda Instância conheceu do objecto do recurso por via de substituição e acabou por decretar o arresto, o qual poderá ser objecto de sindicância por um tribunal de recurso.
   
   A outra parte sustenta, pelo contrário, a inadmissibilidade do recurso por considerar que a decisão que releva para efeitos da admissibilidade do recurso é a de decretamento do arresto, a qual, tendo sido igual à da primeira instância, não permite recurso por ter sido tirada por unanimidade.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   Para aferir a admissibilidade do recurso apresentado pela ora reclamante, é fundamental indagar se a decisão do Tribunal de Segunda Instância constante do acórdão recorrido é confirmatória ou não da sentença de primeira instância, nos termos do art.º 638.º, n. 2 do Código de Processo Civil (CPC).
   
   Tal como consta da parte decisória do acórdão do Tribunal de Segunda Instância, este “decretou o arresto nos mesmos termos inicialmente decretados no dispositivo da sentença recorrida, ainda com fundamentação jurídica algo diversa da sustentada pelo Tribunal recorrido.”
   A reclamante entende que a decisão de segunda instância não é confirmatória sobre o decretamento do arresto, porque o Tribunal de Segunda Instância declarou antes a nulidade da sentença de primeira instância por omissão de pronúncia.
   
   Parece não haver confirmação da sentença de primeira instância por esta ter sido declarado nula por omissão de pronúncia.
   No entanto, é de notar que a questão cuja pronúncia foi omitida pelo tribunal de primeira instância foi suscitada pela ora reclamante, requerida do procedimento cautelar, como um dos fundamentos da oposição do decretamento do arresto.
   O conhecimento desta questão pelo Tribunal de Segunda Instância na apreciação do recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base que apreciou a oposição, em consequência da declaração da nulidade desta sentença por omissão de apreciar tal questão, foi realizado por via de substituição do tribunal recorrido, ao abrigo do art. 630.º, n.º 1 do CPC, e constitui apenas uma parte da fundamentação que determina “decretar o arresto nos mesmos termos inicialmente decretados”.
   Apesar de a decisão de manter o arresto decretado pela primeira instância ser precedida da declaração de nulidade desta sentença, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, pela própria essência, não deixa de ser confirmatório do decretamento do arresto, pois ambas as decisões são no mesmo sentido, embora com fundamentos diferentes, aspecto expressamente ressalvado no n.º 2 do art.º 638.º do CPC. O facto de a decisão do Tribunal de Segunda Instância ser proferida no uso do poder de substituição consagrado no art.º 630.º, n.º 1 do CPC não impede que seja valorada como confirmatória para os efeitos previstos no referido art.º 638.º, n.º 2.
   
   É de acrescentar que a parte da decisão do Tribunal de Segunda Instância que declarou nula a sentença recorrida também não é recorrível para a reclamante por ser favorável a ela (art.º 585.º, n.º 1 do CPC).
   
   Assim, é de manter o despacho ora reclamado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em indeferir a reclamação.
   Custas pela reclamante.
   
   Aos 17 de Março de 2010



Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 41 / 2009 7