Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 3 / 2010
Recorrente: A
1. Relatório
A foi julgado no Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo comum colectivo n.º CR2-09-0184-PCC. A final, foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 9 anos de prisão.
Desta decisão o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. No seu acórdão de 28 de Janeiro de 2010 proferido no processo n.º 47/2010, julgou-se rejeitar o recurso.
O acórdão foi notificado ao defensor do arguido por carta registada de 29 de Janeiro de 2010 e ao próprio arguido pelos serviços do Estabelecimento Prisional de Macau no dia 2 de Fevereiro seguinte.
Por carta datada do mesmo dia 2 e recebido no dia 5 seguinte pelo Estabelecimento Prisional, o arguido manifestou a intenção de recorrer.
No dia 12 de Fevereiro, o relator do Tribunal de Segunda Instância proferiu o despacho a fls. 318 para o defensor do arguido apresentar a motivação do recurso no prazo de sete dias.
A motivação do recurso foi entregue no dia 22 de Fevereiro, em que se pede a redução da pena.
Na resposta, o Ministério Público, para além de entender o recurso dever ser rejeitado por manifesta improcedência, suscitou a questão prévia de tempestividade do recurso nos seguintes termos:
“Nos termos do art.º 401.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Penal – na parte relevante para a hipótese vertente – o prazo para a interposição do recurso é de 10 dias, a contar da notificação da decisão, sendo o respectivo requerimento sempre motivado.
No caso sub judice, o Exmo. Defensor deve considerar-se notificado do acórdão recorrido no passado dia 1 de Fevereiro (cfr. fls. 307v e 308).
E o recorrente foi pessoalmente notificado do mesmo no dia seguinte (cfr. fls. 310).
O presente recurso, entretanto, só veio a ser interposto no subsequente dia 22 (cfr. fls. 321).
Há que concluir, em suma, que o referido prazo de 10 dias já havia expirado, há muito, aquando da interposição do recurso.
Ora, como é sabido, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento (cfr. art.º 97.º, n.º 2, do citado C.P. Penal).
E o certo é que esse justo impedimento não se vislumbra, não tendo, sequer, sido invocado.
Não se divisa, por outro lado, qualquer facto susceptível de suspender ou interromper o prazo em apreço.
Uma carta de “pedido de recurso”, nomeadamente, não tem essa virtualidade (cfr. ac. desse Venerando Tribunal, de 8/11/2006, proc. n.º 35/2006).
O presente recurso é, pois, extemporâneo.
Não deve, consequentemente, ser conhecido.”
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Notificado da posição do Ministério Público, o recorrente sustenta que se deve considerar suspenso o prazo de dez dias para apresentar o recurso enquanto era informado o defensor oficioso da intenção do arguido para formalizar o respectivo recurso, e o presente recurso apresentado dentro do prazo legal.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
Tempestividade do recurso
O Ministério Público suscitou a questão prévia de extemporaneidade do recurso. O recorrente sustenta, ao invés, que o prazo para interposição do recurso suspende durante o período em que se efectua a notificação da intenção de recorrer do arguido ao seu defensor.
Sobre o prazo e forma de interposição do recurso prescreve o art.º 401.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal (CPP):
“1. O prazo para interposição do recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2. O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado.”
E a notificação segue as regras fixadas no n.° 7 do art.º 100.° do CPP:
“7. As notificações do arguido, assistente e parte civil podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado; ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, arquivamento, despacho de pronúncia ou não-pronúncia, designação de dia para a audiência e sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial.”
No presente caso, o recurso do acórdão do Tribunal de Segunda Instância devia ser interposto no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão e o respectivo requerimento deve ser sempre motivado. Isto é, o recurso só será admitido se a motivação for apresentada dentro do referido prazo de dez dias.
Ora, o acórdão de segunda instância foi considerado notificado ao defensor do arguido no dia 1 de Fevereiro de 2010 e o arguido notificado no dia 2 seguinte. A motivação do recurso foi apenas apresentada no dia 22 de Fevereiro, já muito além do prazo legal de dez dias de interposição do recurso.
Segundo o citado art.º 401.°, n.ºs 1 e 2 do CPP, uma carta do arguido em que se pede a nomeação de defensor para recorrer, mas na realidade já lhe tem sido nomeado defensor e sem invocar qualquer razão da sua substituição, não tem virtualidade de ser considerada como interposição formal do recurso, nem constitui causa de suspensão ou interrupção do prazo de interposição do recurso.
Este Tribunal de Última Instância já decidiu no mesmo sentido num caso idêntico no acórdão proferido em 8 de Novembro de 2006 do processo n.° 35/2006.
Noutro acórdão nosso de 15 de Outubro de 2008 do processo n.º 35/2008 também decidiu que uma carta de arguido em que se manifesta meramente a intenção de recorrer não pode ser considerado como interposição formal do recurso e o prazo para recorrer continua a decorrer normalmente.
Nos termos do art.º 97.°, n.° 2 do CPP, “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.”
No entanto, não foi invocado pelo recorrente, nem se verifica qualquer situação consubstanciável no justo impedimento.
Embora no presente processo o relator do Tribunal de Segunda Instância, por meio do despacho a fls. 318, considerou suspenso o prazo de interposição do recurso a partir da recepção da carta do arguido pelo Estabelecimento Prisional e fixou um prazo para o defensor do arguido apresentar a motivação do recurso, e a motivação foi efectivamente entregue dentro deste prazo, tal decisão não pode tornar o recurso em causa tempestivo.
Pois, além de violar o disposto no art.º 401.°, n.ºs 1 e 2 do CPP, o referido despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância não vincula o tribunal superior, segundo o art.º 594.°, n.° 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 4.° do CPP.
Por outro lado, o despacho foi lançado no dia 12 de Fevereiro de 2010, ou seja, no último dia do prazo de dez dias de interposição de recurso, se contar a partir da notificação da sentença ao arguido. E só foi notificado ao defensor do arguido por carta registada expedida no mesmo dia. Uma vez que o despacho só foi levado ao conhecimento do defensor depois do decurso do prazo de recurso, não se pode invocar o conteúdo do despacho para justificar a apresentação tardia da motivação do recurso e tornar este tempestivo.
Assim, o presente recurso não pode ser admitido por ser interposto fora do prazo legal.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir o recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 1 UC e os honorários de 1500 patacas ao seu defensor nomeado.
Aos 24 de Março de 2010
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.º 3 / 2010 1