Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 14 / 2010
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo
1. Relatório
A requereu perante o Tribunal de Segunda Instância a suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo de 29 de Janeiro de 2010 que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de funções por 90 dias.
Por acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 4 de Março de 2010 proferido no processo n.º 131/2010/A, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo foi indeferido.
Inconformada com a decisão, a requerente recorreu deste acórdão para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
– Nos termos do Relatório Final, ficou demonstrado que, ao contrário do que constava na acusação e do que foi amplamente divulgado na comunicação social, a recorrente agiu apenas com negligência (inconsciente) e simplesmente por ter permitido a manutenção de um procedimento de elaboração de actas de acordo com critérios objectivos pré-definidos que não implementou e que se encontra consolidado na DSF há quase 30 anos;
– Dos factos provados não resulta um comportamento grave, indecoroso, desonesto e disfuncional, como constava da acusação e das notícias amplamente divulgada e como acabou por concluir o Tribunal a quo;
– O julgamento da lesão grave ou não do interesse público prosseguido pelo acto tem que ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto, como alegadas pelas partes e não pode omitir ou desconsiderar o facto de que a conduta negligente da recorrente já ter sido reprovada publicamente, ao ter sido afastada do seu serviço há mais de 5 meses, período bem superior à pena que agora lhe foi aplicada, e de já ter sido exonerada do cargo de Directora da DSF;
– A decisão recorrida tem que se limitar aos factos relevantes e assentes constantes dos autos e tem que fazer tábua rasa de todos os elementos externos ao processo e não imputáveis à recorrente – não poderia, assim, ter tomado em consideração o impacto que notícias caluniosas e difamatórias tiveram no seio da comunidade local e na alegada lesão grave do interesse público;
– Tendo em conta a conduta meramente negligente da recorrente, como configurada no Relatório Final, e tendo em conta que a Administração já reagiu contra tal conduta ao afastar a recorrente do seu serviço por mais de 5 meses e ao ter-lhe retirado o cargo de Directora da DSF, não pode a suspensão da pena de 3 meses aplicada (e já cumprida em grande parte), e o consequente regresso da recorrente ao seu serviço como mera técnica assessora ser considerada como um acto de permissividade e complacência por parte de uma Administração Pública que já puniu a recorrente muito para além da pena ora aplicada e cuja suspensão se requereu;
– Nas circunstâncias acima descritas, é de concluir que a suspensão do acto punitivo não lesa gravemente o interesse público que o mesmo pretende prosseguir, nem fere a dignidade dos serviços, dos quais a recorrente já não é Directora e de onde se encontra afastada há mais de 5 meses.
– Ao concluir no sentido inverso, ou seja, pela verificação da grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto cuja suspensão se requereu, entende a recorrente que o Tribunal a quo violou a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC por errada qualificação e interpretação dos factos relevantes para a boa decisão da causa.
Pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e ordenada a suspensão da eficácia do acto impugnado.
A entidade requerida defende a manutenção do acórdão recorrido com a improcedência do recurso.
O Ministério Público emitiu o parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
– Por despacho datado de 30.06.2009 do Exm° Chefe do Executivo, determinou-se a instauração de procedimento disciplinar para apuramento de eventuais responsabilidade disciplinares da ora requerente A;
– No âmbito do mesmo processo disciplinar veio a ser deduzida a seguinte acusação:
“(…)
118. A arguida ingressou na Administração Pública em 13 de Novembro de 1984, foi nomeada definitivamente para o quadro da Direcção dos Serviços de finanças (DSF) em 23 de Junho de 1995 e, desde 6 de Maio de 2004, exerce cargos de direcção na DSF, primeiro como subdirectora e depois como directora (fls. 787).
119. A arguida tem uma vasta experiência no exercício de funções de chefia fls. 787), bem como uma longa e rica experiência de participação em Comissões e de participação em outros órgãos e entidades da Administração (fls. 788).
120. A Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM) procede à fixação de preços fiscais a requerimento dos sujeitos passivos e, em cada semestre, elimina das listas de preços fiscais modelos de veículos motorizados não mais comercializados, bem como revê os preços dos modelos ainda em comercialização no mercado local - artigo 14.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2002, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (fls. 788).
121. A CAVM é composta – n.° 1 do artigo 15.° da citada Lei – pelo director da DSF que preside; pelo subdirector da DSF responsável pela área fiscal ou, não estando essa área delegada, por uma chefia da DSF designada pelo director; um trabalhador da DSF designado pelo director e um substituto para as ausências do primeiro; duas individualidades de reconhecido mérito social no comércio ou na indústria automóvel e duas substitutas para as ausências das primeiras; uma individualidade de reconhecido mérito social que represente os interesses dos consumidores e uma substituta para as ausências da primeira; um representante do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a indicar por este e um substituto para as ausências do primeiro e um trabalhador da DSF, designado pelo director, que exerce as funções de secretário sem direito a voto e um substituto para as ausências do primeiro (fls. 788) e os seus membros são nomeados para cada ano civil pelo Secretário para a Economia e Finanças (SEF) sob proposta do director da DSF (n.° 2 do citado artigo – fls. 789).
122. Os membros da CAVM, e o respectivo secretário, auferem uma remuneração, por sessão, fixada anualmente e, relativamente aos anos de 2006 a 2008, a DSF submeteu ao SEF as Informações n.° 67/DIR/05, 59/DIR/06 e 81/DIR/07 para efeitos de fixação da remuneração para os anos de 2006, 2007 e 2008 e, relativamente ao ano de 2008, a Informação n.° 81/DIR/2007, de 29 de Novembro foi assinada e submetida ao SEF pela ora arguida (fls. 789).
123. E essa remuneração foi estabelecida por sessão em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja, no valor de 525,00 patacas em 2006, 550,00 patacos em 2007 e de 590,00 patacas em 2008, sendo que por sessão se entende: «tempo pelo qual está reunido um corpo deliberativo», «cada uma das reuniões dos sócios que se realizam até à conclusão dos trabalhos respeitantes aos assuntos em apreço» (fls. 789).
124. As reuniões semanais da CAVM têm lugar às quintas-feiras de manhã e iniciam-se pelas 11,30 horas durando normalmente entre 1,30 horas e 2 horas (fls. 789).
125. O secretário da Comissão, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões (fls. 790).
126. No ano de 2007, desde o dia 17 de Maio, data em que a arguida iniciou funções de presidente da CAVM, foram 43 os dias em que se realizaram reuniões e foram elaboradas 205 actas e em 2008 foram 60 os dias de reunião e 259 o número de actas elaboradas, numa média superior a quatro actas por dia de reunião (fls. 790).
127. As actas da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões, o que viola o disposto no n.° 1 do artigo 29.°, conjugado com o n.° 2 do artigo 20.° e o n.° 2 do artigo 26.°, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo que a indicação nas actas das horas de termo e de início das reuniões é um elemento essencial das mesmas (fls. 790).
128. A não indicação nas actas da horas de início e de termo, bem como a não indicação nas actas da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos quando permite que se diga nas actas que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas (fls. 791).
129. E insustentável, quer do ponto de vista jurídico, por violar o disposto no artigo 29.° do CPA, quer no plano da razoabilidade e da racionalidade, considerar, como consta das actas da CAVM, que cada assunto analisado ou deliberado corresponde a uma reunião (fls. 791).
130. A arguida é, por inerência de funções, presidente da CAVM e, ao permitir o desdobramento por várias actas de cada reunião, com a consequente multiplicação de abonos de retribuições a si própria, bem como aos demais membros da Comissão, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, violou os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, previstos nos artigos 3.°, n.° 1 e 4.° do CPA (fls. 791).
131. Acresce que a arguida é directora da DSF à qual compete, nos termos da sua lei orgânica, orientar, coordenar e fiscalizar a actividade financeira do sector público, exercendo a fiscalização no domínio das finanças públicas, tendo em vista a prevenção e a correcção de anomalias (fls. 791).
132. No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, datas em que a arguida desempenhou funções de presidente da CAVM, foram elaboradas várias actas para uma mesma reunião, como se encontra descrito de forma analítica e discriminada no artigo 21.° da Acusação, o qual por economia se dá aqui por integralmente reproduzido, resultando desse facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas, à arguida e aos demais elementos da CAVM, com o consequente benefício ilícito para a arguida e para terceiros e prejuízo do interesse público e para o erário público (fls. 792).
133. No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, conforme melhor consta do artigo 22.° da Acusação que aqui se dá por integralmente reproduzido, houve reuniões em que participaram simultaneamente os membros efectivos e os membros suplentes da CAVM, em violação do disposto no n.° 2 do artigo 15.° da Lei n.° 5/2002, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas, com o consequente prejuízo para o erário público (fls. 815).
134. De todo o exposto no artigo 21.° da acusação, fica claro que, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, em muitos dias de reunião da CAVM para fixação de preços fiscais de veículos motorizados, para processos da mesma natureza, foram os pedidos divididos e dispersos por várias actas, nalguns casos relativamente a pedidos de uma mesma entidade e, nalguns casos, referentes ao mesmo modelo de veículos (fls. 816).
135. E, relativamente a muitas reuniões, nesse mesmo período de tempo, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos processos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal, por o mesmo já o ter sido anteriormente e, como tal, constar da tabela de preços fiscais, ou de simples anotação de desistência de pedido (fls. 817).
136. Havendo casos, conforme melhor consta do artigo 25.° da Acusação que se dá por integralmente reproduzido, de actas iguais ou duplicadas (fls. 817).
137. Ou de reuniões (vide artigo 26.° da Acusação) em que foram, num mesmo dia, elaboradas várias actas relativas a assuntos de natureza administrativa (fls. 817).
138. O artigo 176.° do ETAPM estabelece um limite anual máximo de remuneração, em consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título, ou seja, de acordo com a fórmula constante do seu n.° 1, dos montantes de, em 2007 – 962.500,00 patacas e em 2008 de 1.032.500,00 patacas (fls. 818).
139. Sendo que, nos termos do disposto no n.° 2 do citado artigo, apenas não são consideradas para efeitos daquele limite as importâncias recebidas a título de prémio de antiguidade, subsídio de refeição, abono para falhas, despesas de representação, senhas de presença e ajudas de custo, bem como as devidas pelo exercício de funções de deputado e de vogal do Conselho Executivo (fls. 818).
140. Assim sendo, o citado artigo procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações, não podendo aí ser incluída a remuneração atribuída aos membros da CAVM e ao seu secretário, estabelecida em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, por sessão, porquanto esta remuneração não reveste a natureza de senhas de presença (fls. 818).
141. A arguida ultrapassou esse limite anual máximo de remunerações, tendo as importâncias recebidas no âmbito da CAVM, contribuído para tanto, violando o disposto no artigo 176.° do ETAPM (fls. 818).
142. Assim, não compatibilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque, livros e documentação técnica e outros encargos de transportes e subsídio de família, a arguida recebeu em 2007 um total de 1.213.776,40 (um milhão duzentas e treze mil setecentas e setenta e seis patacas e quarenta avos), isto quando o limite anual máximo de remunerações era de apenas 962.500,00 patacas, excedendo esse limite em 251.276,40 (duzentas e cinquenta e uma mil duzentas e setenta e seis patacas e quarenta avos) e em 2008, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, a quantia de 1.295.563,00 (um milhão duzentas e noventa e cinco mil quinhentas e sessenta e três patacas e quarenta avos), quando o limite anual máximo de remunerações era de 1.032.500,00, excedendo esse limite em 263.063,40 (duzentas e sessenta e três mil e sessenta e três patacas e quarenta avos (fls. 818 e 819).
143. A arguida, na qualidade de directora da DSF, era responsável por impedir que tal acontecesse, não só não o tendo feito em relação a si própria como tendo permitido que tal acontecesse em relação ao seu subordinado B (fls. 819).
144. As importâncias recebidas para além do limite anual máximo de remuneração, apuradas nos artigos 31.° e 33.° da Acusação, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, são passíveis de reposição, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar que ao caso couber (fls. 819).
145. A arguida tinha obrigação de conhecer os deveres a que estava obrigada, e em especial as atribuições da DSF de fiscalizar a utilização das finanças públicas e de prevenir e corrigir anomalias, porquanto foi subdirectora no período de 19 de Abril de 2004 a 15 de Maio de 2007 e é directora desde essa data (fls. 819).
146. A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente (fls. 820).
147. Os comportamentos atrás descritos tiveram forte eco na imprensa da RAEM, quer na de língua chinesa quer na de língua portuguesa (fls. 820).
148. Com as condutas descritas a arguida violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.° 2 e no n.° 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.° 2 e no n.° 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.° 2 e no n.° 6, todos do artigo 279.° do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.° 2, do artigo 315.° do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva (fls. 820).
149. Militam contra a arguida as circunstâncias agravantes da alínea b) do n.° 1 do artigo 283.° do EATPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e a arguida podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções), fls. 820.
150. Milita a favor da arguida a circunstância atenuante da alínea a) do artigo 282.° do ETAPM (fls. 820 e 821).
(...)”; (cfr, fls. 28 a 31).
– O dito procedimento disciplinar culminou com a elaboração de relatório final a que se refere o art. 337°, n° 1 do ETAPM, no qual, entendeu o Exm° Instrutor que se provaram os factos seguintes:
“1) O percurso profissional da arguida constante do artigo 1.° da acusação, pelo seu registo biográfico de fls. 326 a 342 e por aceitação expressa da arguida no artigo 32.° da defesa;
2) A arguida tem uma vasta e longa experiência no exercício de funções de chefia e uma rica participação em Comissões e outros órgãos e entidades da Administração;
3) As atribuições, a composição e a nomeação anual dos membros da CAVM, constantes dos artigos 4.°, 5.°, 6.° e 9.° da acusação, aceites pela defesa;
4) Os membros da CAVM e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente pelo SEF, sob proposta da DSF, sendo que a proposta relativa ao ano de 2008, a Informação n.° 81/DIR/2007, de 29 de Novembro, foi assinada pela arguida;
5) Os despachos do SEF, exarados sobre as informações da DSF, estabelecem uma remuneração, por sessão, de valor correspondente a 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja de 550,00 patacas em 2007 e de 590,00 em 2008;
6) As reuniões semanais da Comissão têm lugar normalmente às quintas-feiras, da parte da manhã, com início pelas 11, 30 horas e duram entre 1,30 horas e 2 horas;
7) O secretário da CAVM, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões;
8) No ano de 2007, desde o dia 17 de Maio, foram 43 os dias de reunião e elaboradas 205 actas e, em 2008, foram 60 os dias de reunião e elaboradas 259 actas, numa média superior a quatro actas diárias; no entanto – como se considera provado mais à frente aquando da análise da defesa, artigos 110.° e 111.° – a arguida não esteve presente nas reuniões ocorridas nos dias 30 de Agosto, 6 de Setembro e 1 de Novembro de 2007 e nos dias 10, 17 e 31 de Janeiro, 27 e 28 de Março, 31 de Julho, 21, 28 e 29 de Agosto, 4 e 11 de Setembro, 9 de Outubro, 6 de Novembro e 18 de Dezembro de 2008, num total de 75 actas;
9) As actas das reuniões da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões;
10) A arguida é directora da DSF e, por inerência de funções, presidente da CAVM;
11) No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, nos dias que constam do artigo 21.° da acusação (o qual aqui se dá por reproduzido) foram elaboradas várias actas por cada dia de reunião (sessão), resultando desse facto avultadas duplicações de pagamentos de retribuições não devidas à arguida e aos demais elementos da CAVM;
12) Nos dias que constam do artigo 22.° da acusação, o qual aqui se dá, por economia, por inteiramente reproduzido, participaram em reuniões da CAVM simultaneamente, membros efectivos e suplentes dessa Comissão;
13) Relativamente a muitas reuniões, conforme tudo consta discriminado no artigo 21.° da acusação, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação no sentido de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal por o mesmo já ter sido anteriormente fixado ou de simples anotação de desistência do pedido;
14) A arguida conforme consta do artigo 31.° da acusação, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque, livros e documentação técnica e outros encargos de transportes e subsídio de família, recebeu em 2007 um total de MOP$1.213.776,40 (um milhão duzentas e treze mil setecentas e setenta e seis patacas e quarenta avos) e, no ano de 2008, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, um total de MOP$1.295.563,40 (um milhão duzentos e noventa e cinco mil quinhentas e sessenta e três patacas e quarenta avos), tendo as importâncias recebidas no âmbito da CAVM contribuído para tanto;
15) Os comportamentos da arguida, atrás descritos, tiveram forte eco na imprensa da RAEM e tiveram efeitos negativos na imagem da Administração;
16) Nada consta do registo disciplinar da arguida, em seu desabono;
17) A arguida ingressou na Administração Pública como assalariada em 13 de Novembro de 1984, ingressou no quadro em 17 de Fevereiro de 1995, tendo prestado mais de 24 anos de serviço ininterrupto e, sempre, que lhe era devida classificação de serviço, foi classificada de «Muito Bom»;
18) A arguida foi atribuído um louvor colectivo, em 1988.
249. Ainda que nem todos tenham relevância, ou a mesma relevância, relativamente aos factos de que a arguida se encontra acusada, como melhor adiante se verá, dou por provados os seguintes factos constantes da sua defesa escrita:
1) No momento da prática das infracções de que é acusada, a arguida estava afecta à Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de directora desses serviços;
2) A arguida foi notificada da Acusação no dia 28 de Setembro de 2009, tendo-lhe sido conferido, o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa escrita;
3) Por requerimento datado de 30 de Setembro de 2009, a arguida veio aos autos requerer a prorrogação do prazo para apresentar a sua defesa escrita, por mais 35 dias;
4) À arguida foi prorrogado, por despacho da Chefe do Executivo, interina, exarado sobre proposta do instrutor, o prazo de apresentação da defesa por mais 15 dias, despacho esse que foi notificado ao mandatário da arguida;
5) A arguida tomou posse do cargo de directora da DSF em 16 de Maio de 2007, data em que assumiu, por inerência de funções, a presidência da CAVM;
6) A arguida limitou-se, aquando da primeira reunião da CAVM a que presidiu, a manter o sistema existente de organização e de funcionamento da Comissão, estabelecido 5 anos antes, em 2002, aquando da instalação da CAVM;
7) Na altura em que a arguida assumiu funções como directora da DSF estavam em curso projectos prioritários como a elaboração do Orçamento para 2008, a adaptação ao novo regime das Normas Internacionais de Contabilidade e a adopção do sistema electrónico de e-filing e de e-government;
8) O Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditoria de resultados a três das comissões fiscais existentes na DSF;
9) A CAVM é responsável pela fixação, a pedido do sujeito passivo, do Preço Fiscal de todas as marcas e respectivos modelos de todos os veículos motorizados novos, ainda não avaliados, antes da sua importação para Macau;
10) A fixação de Preço Fiscal para novos veículos e a revisão de preços já fixados, podem ser requeridas por mais de 350 comerciantes de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores existentes em Macau;
11) Nos anos de 2006 a 2008, foram requeridas, em média, cerca de 720 fixações e revisões de preços fiscais de veículos motorizados por ano;
12) Actualmente, existem em Macau 89 marcas de veículos motorizados, divididas por 46 marcas de veículos automóveis, 28 marcas de motociclos e 15 marcas de ciclomotores, num total superior a 1000 modelos;
13) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006, 2223 em 2007 e 2055 em 2008;
14) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e de revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3000 pedidos por ano, ou seja, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
15) Os processos tributários da CAVM são complexos, porque relacionados com as características das marcas, modelos, cilindradas, cavalos-potência, alterações substanciais de características técnicas dos veículos motorizados, etc.;
16) A CAVM tem que analisar e ter em conta factores económicos e comerciais, como, entre outros, a regularidade no circuito de comercialização económica, a desvalorização de existências e promoções comerciais e o valor efectivo de milhares de vendas efectuadas em cada semestre, para efeitos de comparação com os Preços Fiscais fixados;
17) O trabalho de estudo prévio e pesquisa dos membros da CAVM não estão revertidos nas actas das respectivas reuniões;
18) As áreas de actuação da CAVM foram divididas em cinco matérias: fixação de preço fiscal; revisão de preço fiscal por acumulação de existências; revisão de preço fiscal por promoções; revisões semestrais e questões administrativas;
19) A CAVM procedia ainda – em regra – à divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículo motorizado em causa (automóveis, motociclos e ciclomotores) e num limite máximo de 2 pedidos por reunião, ou, no caso de se tratar do mesmo sujeito passivo, até 3 pedidos por reunião;
20) Os actos da CAVM nunca foram alvo de recurso contencioso ou de reclamação administrativa;
21) As receitas fiscais do imposto sobre veículos motorizados mais do que duplicaram entre 2002 e 2008;
22) O número de reuniões da CAVM, entre 2006 e 2008 diminuiu 15,13%;
23) O custo anual do funcionamento da CAVM, calculado com base no total das remunerações anuais dos seus membros, também tem vindo a diminuir, de forma constante, tendo decaído de 0,42 para 0,32% entre 2006 e 2008, relativamente às receitas anuais arrecadadas do imposto sobre veículos motorizados;
24) O princípio do desdobramento de actas por cada dia de reunião já se encontrava instituído em outras comissões fiscais existentes na DSF, nalgumas delas desde meados dos anos 80 do século passado e nalguns casos consta dos seus manuais de funcionamento;
25) A acusação elenca 75 actas referentes a reuniões da CAVM em que a arguida não esteve presente;
26) O termo «pedido» constante das actas corresponde a um requerimento de determinada entidade, do qual pode constar mais do que uma solicitação de fixação de preço fiscal;
27) Nos casos de pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, trata-se de um pedido para reduzir o preço fiscal anteriormente fixado e a CAVM, antes de chegar à deliberação, normalmente procede à análise do documento “Licença de Importação Exemplar E”, conferindo a entidade importadora, a data da entrada do veículo na RAEM, o número do motor, etc., e examina os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Economia, pela Direcção dos Serviços de Tráfego e ainda os dados constantes do Modelo M/7, no sentido de confirmar a correcção dos dados fornecidos pelo sujeito passivo e apurar quando é que o mesmo entrou na posse do veículo; sendo que estes procedimentos não são revertidos para as actas;
28) Um erro, por mínimo que seja, na denominação dos modelos pode acarretar graves consequências para o sujeito passivo, porquanto, para além da impossibilidade de aplicar o Preço Fiscal correcto pelo agente na venda do modelo, o mesmo também não é aceite pelo sistema informático da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, na fase de homologação do veículo;
29) A hora de início das reuniões da CAVM já se encontra definida desde a instalação da CAVM;
30) Nunca a CAVM deixou de se reunir por falta dos seus membros;
31) A CAVM aprova centenas de actas por ano;
32) Entre Maio e Dezembro de 2007, a arguida recebeu 6820 documentos e despachou 10566 documentos e em 2008 recebeu 13964 e despachou 20938, ou seja, recebia e despachava em média, por dia, 113 documentos em 2007 e 140 em 2008;
33) As outras comissões administrativas também não indicam, nas respectivas actas, a hora de início e do termo de cada uma das suas reuniões;
34) As outras Comissões Fiscais existentes no âmbito da DSF também elaboram mais do que uma acta por cada dia de reunião, sendo que, com referência aos anos de 2006 a 2008, a média de sessões (e actas) por dia de reunião de cada uma dessas comissões varia entre um mínimo de 1,62 e um máximo de 18,50; procedimento este que se encontra instituído de há muito tempo nessas Comissões;
35) A 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa elaborou e publicou o Relatório n.° I/II/2004, respeitante à apreciação da aplicação da Lei n.° 5/2002 que «Aprova o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados»;
36) No ano de 2000, o Comissariado de Auditoria requereu à DSF informação relativa à contribuição predial urbana, nomeadamente ao funcionamento das avaliações aos imóveis e respectiva remuneração dos membros e louvados das comissões de avaliação de prédios, tendo recebido resposta da DSF, com a qual foi enviado ao CA o manual sobre avaliação de imóveis;
37) Os membros, secretários e louvados daquela Comissão eram remunerados por “sessão”, revertida na correspondente acta, sendo que as sessões não equivaliam a um dia de reunião, antes eram elaboradas segundo critérios de divisão por assuntos, previamente estabelecidos;
38) Em Julho de 2003, o CA procedeu a uma auditoria de resultados sobre o funcionamento das Comissões de Fixação de Imposto Complementar e Imposto Profissional;
39) Os membros suplentes estavam presentes em simultâneo com os membros efectivos da CAVM apenas nas reuniões semestrais;
40) A arguida, também nesta matéria, se limitou a manter a prática que vinha sendo seguida pela CAVM;
41) A remuneração dos membros da CAVM é fixada anualmente por despacho do SEF, sob proposta do director da DSF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública;
42) A questão do artigo 176.° foi abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo Comissariado Contra a Corrupção e pelo próprio Comissariado de Auditoria, em 2004;
43) Com a distribuição do Ofício-Circular dos SAFP sobre esta matéria, a arguida, que não é jurista, solicitou ao Núcleo de Apoio Jurídico um parecer sobre a natureza da remuneração paga a membros de comissões, conselhos, equipas de projecto ou grupos de trabalho, parecer que foi elaborado em 14 de Setembro de 2007 e teve a concordância do Chefe do NAJ;
44) Com a entrada em vigor da Lei n.° 12/2003, os funcionários públicos, incluindo a arguida, deixaram de gozar da isenção de imposto profissional de que, até então, beneficiavam;
45) O Dr. B encontrava-se contratado em regime de contrato individual de trabalho;
46) Contrariamente ao que, por lapso de escrita, consta do artigo 34.° da acusação, a arguida nunca exerceu antes de 19 de Abril de 2004, cargos de direcção, mas, tão só, de chefia;
47) A arguida, nos cargos que exerceu até ser nomeada directora, em 16 de Maio de 2007, nunca teve sob a sua responsabilidade a área de finanças públicas, salvo pelo período de 3 dias, porquanto esteve sempre associada a departamentos da área tributária;
48) A arguida, enquanto directora da DSF, delegou na subdirectora C as competências próprias no que se refere à matéria de finanças públicas e nunca avocou as competências delegadas;
49) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento Geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.° Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.° Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa; mas dessa proposta não consta a previsão do número de sessões a realizar pela CAVM;
50) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada da subdirectora da DSF e a presidente da CAVM assinava as requisições dos respectivos títulos;
51) A arguida não causou nem teve qualquer participação ou influência da divulgação pública dos factos em causa neste processo disciplinar;
52) O relatório do CA foi, por este, divulgado em 8 de Setembro de 2009;
53) A arguida é funcionária pública desde 1984, tendo as testemunhas abonado a favor do seu desempenho nos cargos que exerceu e sobre o seu carácter e recebeu sempre classificações de serviço de «Muito Bom» e um louvor colectivo.”; (cfr., fls. 45 a 50-v).
– Em sede de conclusão, considerou-se no referido relatório que:
“Em resultado da instrução, e tendo presente a prova nela produzida, é de concluir que efectivamente a arguida praticou os factos constantes da acusação (à excepção da infracção relativa ao, não respeito pelo limite anual máximo de remuneração, conforme se deixou dito acima, por se considerar não existir, aí, responsabilidade disciplinar) agindo, no mínimo, com negligência43, ao permitir a elaboração de mais do que uma acta dia de reunião (sessão), com a consequente duplicação de pagamento de retribuições a si própria e aos restantes membros da CAVM e, ao permitir que nas reuniões semestrais participassem e fossem por isso remunerados os membros suplentes da CAVM, em simultâneo com os membros efectivos, em violação do disposto no n.° 2 do artigo 15.° da Lei n.° 5/2002, o qual refere expressamente que os suplentes se destinam a substituir os efectivos nas suas ausências.
Mas, cumpre realçar aqui que a arguida quando tomou posse do cargo de directora da DSF e, por inerência de funções, de presidente da CAVM, os procedimentos que constituem as duas infracções já estavam instituídos e que a arguida apenas os manteve e que quando tomou posse no cargo de directora da DSF a arguida encontrou uma situação difícil e tinha em mão projectos prioritários. Ora, se é verdade que a omissão do dever de repor a legalidade, por parte da arguida, integra uma conduta disciplinarmente censurável, não é menos verdade que isso diminui a culpa da arguida e funciona como atenuante, nos termos da alínea f) do artigo 282.° do ETAPM e, como tal deve ser levada em conta na determinação da pena.
Os aludidos factos constituem infracção disciplinar já que houve por parte da arguida violação dos deveres de isenção previsto na alínea a) do n.° 2 e no n.° 3; do dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.° 2 e no n.° 4 e do dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.° 2 e n.° 6, todos do artigo 279.°, do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n) do n.° 2 do artigo 315.° do ETAPM – porquanto com os factos por ela praticados lesou os interesses patrimoniais públicos que lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender e realizar –, à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
Sendo que, mesmo aceitando a defesa da arguida no sentido de que actuou sem dolo, isso não afasta a sua responsabilidade disciplinar, porquanto o dolo não é elemento essencial da infracção disciplinar, porque a negligência é, ela própria, punível.
Conforme consta da acusação, militam contra a arguida as circunstâncias agravantes da alínea da alínea b) do n.° 1 do artigo 283.° do ETAPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e a arguida podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções).
Milita a favor da arguida a circunstância atenuante constante da alínea a) do artigo 282.° do ETAPM: prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom».
A arguida é primária.
Em face de tudo o acima exposto, neste caso, dado o valor das atenuantes provadas, as quais sobrevalem sobre as circunstâncias agravantes, afigura-se-nos que a arguida deve beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 316.°, n.° 2 do ETAPM, aplicando-se-lhe pena de escalão inferior.
Assim sendo, designadamente devido ao facto de em lugar da acumulação de três infracções disciplinares restarem apenas duas, ao facto de a arguida quando assumiu funções de presidente da CAVM já ter encontrado as práticas infraccionais de que é acusada, ao facto de que quando tomou posse no cargo de directora da DSF a arguida encontrou uma situação difícil e tinha em mão projectos prioritários, ao facto de a arguida ser primária, ao facto de não ter contribuído para a divulgação pública das notícias e ao facto de a prática idêntica de elaboração de mais do que uma acta por dia de reunião vigorar em outras comissões fiscais, o que sem excluir a responsabilidade disciplinar, criou em concreto, uma oportunidade favorável para a prática das infracções, e porque, por factos idênticos não é obrigatório, no mesmo processo, aplicar a todos os arguidos a mesma pena quando factos embora semelhantes não se apresentam na mesma forma no respectivo processo44, propomos que à arguida seja aplicada a pena de suspensão prevista no n.° 3 do artigo 314.° do ETAPM, graduada em 90 dias, a qual se afigura proporcionada e justa.
Propomos ainda que a DSF proceda à efectivação da reposição das quantias recebidas por ambos os arguidos, em contravenção do limite anual máximo de remunerações previsto no artigo 176.° do ETAPM, ainda não prescritas.
(...)”; (cfr., fls. 107 – 109).
– Em apreciação do exposto, em 29.01.2010, proferiu o Exm° Chefe do Executivo o despacho seguinte, (sendo este o acto administrativo objecto do pedido de suspensão de eficácia em apreciação):
“Ao abrigo do disposto no artigo 322.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M, de 21 de Dezembro.
1. Atentas as razões de facto e de direito aduzidas no Relatório Final do Processo Disciplinar n.° 1/GCE/PD/ACMS/2009, mandado instaurar por Despacho de 30 de Junho de 2009, do Chefe do Executivo, contra A, técnica superior assessora do quadro da DSF, nomeada em comissão de serviço no cargo de Directora dos Serviços de Finanças (DSF), cujo teor merece a minha concordância e que dou aqui por integrado para todos os efeitos legais, aplico à arguida a pena de suspensão graduada em 90 (noventa) dias, prevista nos artigos 300.°, n.° 1, alínea c), 303.°, n.° 2, alínea a) e 314.°, n.° 3, e tendo presente ainda o disposto no artigo 316.°, n.° 2, todos do ETAPM.
2. Notifique-se a arguida, juntando cópia integral do Relatório Final.
3. Remeta-se o presente processo ao Gabinete do Exm.° o Senhor Secretário para a Economia e Finanças (SEF), para ser promovida a execução desta decisão.
(...)”; (cfr., fls. 17).
– Por despacho do Exm° Secretário para a Economia e Finanças de 03.02.2010, foi dada por finda a comissão de serviço da requerente no cargo de Directora dos Serviços de Finanças.
– Os factos que deram lugar ao processo disciplinar e a própria decisão punitiva ora requerida foram amplamente divulgados nos jornais, rádio e televisão.
2.2 A existência da lesão grave do interesse público
Para a recorrente, esta foi afastada dos Serviços de Finanças por mais de cinco meses por via de suspensão preventiva e férias sugeridas e impostas pelo seu superior hierárquica, agiu apenas com negligência perante um procedimento adoptado pelas comissões fiscais há quase 30 anos, a ampla divulgação do caso pela comunicação social não deve ser imputada à recorrente ao valorar a lesão do interesse público, para concluir pela inexistência de lesão grave do interesse público na suspensão do acto punitivo.
A única questão em discussão no presente recurso jurisdicional consiste em verificação ou não do requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) para decretar a suspensão de eficácia do acto administrativo impugnado no recurso contencioso, ou seja, se a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
A grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.
No presente caso, é a autoridade da Administração, o especial dever de cumprir a lei por parte de altos funcionários públicos e a confiança do público na legalidade das actividades administrativas que estão em causa. Não nos parece que a suspensão de eficácia do acto não determina uma lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
As condutas da recorrente consistem na violação dos deveres de isenção, de zelo e de lealdade por, com negligência, permitir a elaboração de mais do que uma acta por dia de reunião ou sessão, com a consequente duplicação de pagamento de retribuições a si própria e aos restantes membros da Comissão e ao permitir que nas reuniões semestrais participassem e fossem por isso remunerados os membros suplentes da mesma Comissão, em simultâneo com os membros efectivos, em violação do n.º 2 do art.º 15.º da Lei n.º 5/2002. A pena disciplinar aplicada consiste em suspensão de funções por 90 dias.
O facto de a recorrente ter sido afastada dos Serviços de Finanças por mais de cinco meses não releva para apreciar o presente requisito, pois a ausência dos serviços foi determinada por outras razões que não por cumprimento de qualquer sanção disciplinar, sem ligação directa com o acto punitivo ora em causa.
E a negligência da conduta ilícita da recorrente não se torna a reacção imediata da Administração menos premente. É certo que do relatório final do procedimento disciplinar consta que a consideração de que os procedimentos que constituem as duas infracções já estavam instituídos há bastante tempo nos Serviços de Finanças e a recorrente apenas os manteve e que quando tomou posse no cargo de directora da DSF esta se encontrou numa situação difícil com outros projectos prioritários a tratar.
É precisamente quando a recorrente tomou posse como directora da DSF teve, entre outras missões principais, assegurar o funcionamento dos serviços dentro dos parâmetros legais, isto é, ela tinha a especial responsabilidade, antes de qualquer funcionário destes serviços, de repor a legalidade às práticas ilegais, seja qual for o tempo de manutenção destas situações, em vez de conformar com estas e até integrar no mesmo círculo de interessados aceitando benefícios económico decorrentes destas práticas ilícitas.
Como chefia dos Serviços e de uma Comissão Fiscal, a recorrente tinha o especial dever de servir de exemplo de cumpridor de lei para actuar com empenho em combater as ilegalidades administrativas existentes nos seus departamentos.
A situação torna-se mais censurável por os serviços de que a recorrente era directora terem precisamente as funções de assegurar a boa gestão dos recursos financeiros e fiscalizar as finanças públicas com vista a prevenção e correcção de anomalias.
Também releva pouco o facto de que a recorrente já foi exonerada das funções de direcção e regressou à DSF apenas como técnica assessora. Mesmo que a recorrente deixou os cargos que originaram as práticas ilegais, certo é que continua a exercer funções nos mesmo serviços que transparece uma ideia de permissividade ou tolerância em relação aos actos praticados.
É de confirmar, assim, a decisão de indeferir a requerida suspensão de eficácia.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
Aos 10 de Maio de 2010
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
(com declaração de voto)
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vitor Manuel Carvalho Coelho
Declaração de voto
Trata-se de saber se a suspensão da eficácia do acto não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Está hoje afastada uma ideia – que prevaleceu em outros tempos – que a eficácia imediata do acto administrativo seria sempre imposta pelo interesse geral dos cidadãos. Há que apurar em que situações aquela eficácia imediata deve manter-se ou suprimir-se por desnecessário ou contraditório com o princípio da tutela judicial efectiva.
Pelo acto administrativo dos autos foi a requerente punida com a pena disciplinar de suspensão por 90 dias por, na qualidade de presidente da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados, como inerência do seu cargo de directora da Direcção de Serviços de Finanças, ter violado os deveres de isenção, de zelo e de lealdade, ao ter permitido a elaboração de mais do que uma acta por dia de reunião, com a duplicação de pagamentos a si própria e aos restantes membros da Comissão.
Pois bem, se a pena de suspensão do serviço é relativamente grave, a pena concreta aplicada não o foi tanto assim, já que variando entre 10 dias e 1 ano, a pena concretamente fixada foi de suspensão por 90 dias, dentro do 1.º escalão, dos 3 em que se desdobra a pena de suspensão de funções.
Por outro lado, a pena aplicada não foi expulsiva, isto é, não afastou definitivamente a requerente da função pública.
Na verdade, a requerente viu cessada a comissão de serviço como directora da Direcção de Serviços de Finanças, deixando de exercer as funções de presidente da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e regressou ao seu lugar de origem, que é o de técnica superior assessora, do quadro da mencionada Direcção de Serviços.
Quer isto dizer que, uma vez cumprida a pena de suspensão, a requerente continuará a exercer as suas funções que vem exercendo.
Será que a suspensão da execução do acto lesa o interesse público, sendo esta lesão grave?
Nos casos em que o agente punido continua a exercer as mesmas funções, no exercício das quais praticou os actos que foram objecto de punição, há reais possibilidades de o interesse público concretamente prosseguido pelo acto ser lesado se o acto vir a sua execução suspensa. Pode estar (ou não, dependendo do caso concreto) em causa a perturbação e regular funcionamento do serviço.
No caso dos autos essa circunstância está excluída, já que a requerente deixou de exercer as funções de presidente da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e de directora da Direcção de Serviços de Finanças.
Acresce que, como se disse, a requerente foi apenas punida com o afastamento de funções durante 90 dias. O próprio acto administrativo admite que a requerente volte a exercer funções públicas. Findo tal prazo – se acto não for suspenso ou anulado – a requerente voltará tranquilamente às suas funções de técnica superior assessora.
Sendo assim, não parece que o regresso da requerente ao serviço abale a imagem da administração.
É que, como já alguém disse, o interesse público não é fraccionável ou divisível em razão do tempo. Isto é, não se compreende bem que, se a requerente voltar, agora, às funções lese o interesse público. Se voltar daqui a 90 dias (cumprida a pena) já não lesa tal interesse.
Por último, o acto administrativo em causa é daqueles cuja execução torna irreversível – ao menos em parte – os respectivos efeitos para a situação jurídica do recorrente. Isto é, cumprida a pena de suspensão, ainda que o acto venha a ser anulado, não é possível reconstituir, na totalidade, a situação anterior. Ou seja, ainda que acto venha a ser considerado ilegal, a recorrente cumpriu já a pena. Este efeito é irreversível.
Afigura-se-me não haver interesse público na produção imediata dos efeitos do acto, pelo que daria provimento ao recurso.
43 “A negligência pode assumir as vestes de consciente e inconsciente”, Ribeiro, Vinício, ob. cit., pág. 75.
44 “Não há ofensa ao princípio da justiça, constitucionalmente consagrado, quando dois arguidos são punidos no mesmo processo, com penas diferentes, por factos que embora semelhantes não se apresentam na mesma forma no respectivo processo.” Acórdão do STA de Portugal, de 3/03/1999, Recurso 41 889.
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Processo n.º 14 / 2010 32