ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 3 de Março de 2008, que indeferiu o recurso hierárquico da Subdirectora da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude que, a propósito da progressão do recorrente para a 4.ª fase do nível de professor do ensino secundário luso-chinês, determinou o desconto dos primeiros 30 dias de faltas dadas pelo recorrente, por motivo de doença, em cada ano civil.
Por acórdão de 29 de Outubro de 2009, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido.
Inconformado, interpõe o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
a) Deve ser considerado nulo o acórdão recorrido por falta de fundamentação, nomeadamente por ter ignorado o comando normativo do artigo 76.° do CPAC, já que, para justificar a decisão, foram utilizados conceitos indeterminados, a que não foi dada a necessária densificação,
b) Consequência jurídica esta imposta pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 99.°, ambos do CPAC.
c) Deve ser substituída a decisão de provimento do recurso contencioso administrativo por uma outra que o negue, por errada aplicação da lei por parte do tribunal “a quo”, nomeadamente na interpretação da vontade do legislador fundante da norma plasmada na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do DL 21/87/M, na medida em que esta norma não foi considerada especial e, por isso, de prevalência aplicativa em todas as suas consequências jurídicas, designadamente naquela que estabelece a não contagem como tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira das faltas dadas por doença, nos primeiros trinta dias, seguidos ou interpolados, do pessoal abrangido por aquele diploma legal.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela não existência de nulidade do Acórdão, mas quanto ao mérito, pelo provimento do recurso.
O Relator convidou as partes e o Ministério Público a pronunciarem-se sobre a possibilidade de ou o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do ETAPM, ou o artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, violarem o princípio da igualdade.
A e o Ex.mo Magistrado do Ministério Público pronunciaram-se no sentido da violação de tal princípio.
A entidade recorrido pronunciou-se negativamente.
II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Em 11.10.1991, foi A, ora recorrente, contratado pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (D.S.E.J.) para o exercício de funções de professor provisório do ensino secundário.
- Por contrato além do quadro celebrado em 01.09.1997, passou a exercer funções de professor do ensino secundário luso-chinês, exercendo actualmente funções na Escola Secundária, organismo dependente da supra referida Direcção.
- Em 19.11.2008, e por despacho da Subdirectora dos ditos Serviços, determinou-se a alteração da cláusula 3.a do seu contrato além do quadro, operando-se, com efeitos a partir de 11.11.2008, a sua progressão para a 4.a fase do nível 1 de professor do ensino secundário luso-chinês.
- Inconformado, o ora recorrente interpôs recurso hierárquico do assim decidido.
- Em sede de apreciação do dito recurso hierárquico, elaborou-se o parecer seguinte:
“A propósito do recurso hierárquico necessário interposto pelo professor A, transferido em 16/12/2008, pelo Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, através do oficio n.ºXXXX/XXXXX/XXXX, cumpre-nos, após apreciação e análise dos respectivos documentos, o seguinte:
1. Pressupostos
1.1. O recorrente é professor do ensino secundário da Escola Secundária dependente desta Direcção de Serviços, em regime de contrato além do quadro.
1.2. O objecto do presente recurso hierárquico é o despacho da Senhora Subdirectora desta Direcção de Serviços que se refere ao seguinte conteúdo: foi alterada a cláusula 3a do contrato além do quadro do recorrente, com progressão para a 4a fase, com efeitos a partir de 11/11/2008.
1.3. O recorrente tomou conhecimento do conteúdo do despacho no dia 25/11/2008.
1.4. O recorrente interpôs, em 10/12/2008, o recurso hierárquico necessário ao Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, relativo ao despacho acima referido.
1.5. Nos termos do n.º 1 do artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo, é de 30 dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário, portanto o presente recurso não foi interposto fora do prazo, uma vez que o respectivo prazo é até ao dia 26/12/2008.
1.6. Como não ocorreu qualquer outra causa que obstasse ao conhecimento do recurso hierárquico, o mesmo foi aceite.
2. De facto e de direito
I- Factos
2.1 O recorrente foi contratado, em 11/10/1991, como professor provisório do ensino secundário sem habilitação própria de grau superior e começou a ser professor do ensino luso-chinês desta Direcção de Serviços, em regime de contrato além do quadro, a partir de 01/09/1997, em exercício das funções docentes numa escola dependente desta Direcção de Serviços.
2.2 Sendo docente o recorrente, fazendo parte do pessoal da carreira de regime especial, é regulado pelo Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril e pelo Estatuto do Pessoal Docente da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, aprovado pelo Decreto-Lei n.º67/99/M, de 1 de Novembro.
2.3 Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 21/87/M,, de 27 de Abril, na contagem de tempo de serviço para a progressão na carreira, não é considerado o tempo correspondente à “perda de vencimento de exercício”.
2.4. Como no Estatuto do Pessoal Docente da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude não são reguladas as situações que dão origem à “perda de vencimento de exercício”, portanto, nos termos do artigo 57.º deste Estatuto, é aplicável o regime geral dos trabalhadores da função pública, por outras palavras, devemos procurar a resposta na “legislação geral em vigor para os trabalhadores da Administração Pública de Macau”.
2.5. Nos termos do n.º 2 do artigo 178.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, adiante designado por ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro, o vencimento desdobra-se em vencimento de categoria, correspondente a 5/6 e vencimento de exercício, correspondente a 1/6.
2.6. Nos termos dos artigos 98.º, 134.º e 331.º do ETAPM, são reguladas algumas situações que determinam a perda do vencimento de exercício dos trabalhadores da Administração Pública de Macau, tais como: os primeiros 30 dias de faltas por motivos de doença em cada ano civil, as faltas dadas por motivo de prisão preventiva e suspensão preventiva. O presente caso envolve-se em faltas por motivo de doença que determinam a perda do vencimento de exercício.
2.7. A seguir é mencionado o registo das faltas por motivo de doença1 do recorrente durante o período de 1/1/1996 a 10/11/2008:
Ano
Faltas por motivo de doença
Dias
1996-1998
Sem registo
-
1999
Dia 7 de Dezembro
1
2000
Dia 29 de Fevereiro, dias 25 e 26 de Outubro
3
2001
Sem registo
-
2002
Do dia 26 ao dia 30 de Agosto
5
2003
Dias 26 e 27 de Março, dias 19 e 20 de Novembro
4
2004
Dias 18 e 19 de Fevereiro, dias 15 e 16 de Abril
4
2005
Dia 15 de Fevereiro, dia 1 de Março e dias 12 e 21 de Julho
4
2006
Dia 18 de Janeiro e dia 29 de Maio
2
2007
Dia 23 de Maio, dia 10 de Outubro e 19 de Dezembro
3
2008
Dia 18 de Março, dia 17 de Abril, do dia 3 ao dia 6 e dia 30 de Junho, dias 18 e 19 de Setembro, dia 6 de Novembro
10
Total
36
2.8 Nos termos do artigo 98.º do ETAPM, as faltas por motivo de doença do recorrente determinaram a correspondente perda de vencimento de exercício, ao mesmo tempo, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril, não é considerado o tempo correspondente à “perda de vencimento de exercício” na contagem de tempo de serviço para a progressão na carreira. Portanto, devido ao desconto na contagem do tempo de serviço dos dias de faltas acima referidas, a progressão na carreira do recorrente iniciou no dia 11 de Novembro.
II - Fundamentos do recurso
2.9. Em relação à data da progressão, o recorrente interpôs o recurso hierárquico, tendo como os seguintes fundamentos:
2.9.1. No entender do recorrente, como ele recuperou, ao abrigo do disposto dos artigos 98.º e 99.º do ETAPM, integralmente todos os vencimentos de exercício descontados devidas às 36 dias de faltas por motivo de doença, não se verifica assim qualquer perda efectiva do vencimento de exercício, pelo que não preenche o pressuposto da aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril. (Artigos 12 a 13 do Recurso)
2.9.2. Por outro lado, a perda de vencimento de exercício referida na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril, deve ser entendida uma “perda efectiva”, e não uma “perda temporária”, sob pena de não permitir o pessoal docente dar faltas por motivo de doença, pois, uma vez que faltou por motivo de doença, independentemente recuperou ou não o vencimento de exercício perdido posteriormente, são sempre descontados, na contagem do tempo de serviço para a sua progressão na carreira, os dias de faltas dadas. (Artigo 15 do Recurso)
2.9.3. Ao mesmo tempo, o recorrente indicou que “O legislador ao estabelecer a regra de não considerar o tempo da perda de vencimento na contagem do tempo de serviço para a progressão na carreira, pretende justamente evitar faltas arbitrárias, quer por motivo de doença, quer por outros motivos, tendo em conta a relevância da função do pessoal docente, cuja ausência possa prejudicar o estudo dos estudantes.” “A dita intenção legislativa também foi colhida pelo Decreto-Lei n.º 23/95/M e o ETAP, que estipularam expressamente a perda de vencimento de exercício dos primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, permitindo, no entanto, a respectiva recuperação com condições e procedimento próprios.” “Se o trabalhador não requerer a respectiva recuperação nos termos legais ou for indeferida a sua pretensão, estamos perante uma situação de perda definitiva do vencimento de exercício.” (Artigos 16, 17 e 19 do Recurso)
2.10. Em suma, o recorrente considerou que a perda de vencimento de exercício referida na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril deve ser entendida “uma perda definitiva”, quer dizer, só quando o vencimento de exercício perdido não for recuperado, poderia descontar o correspondente tempo de serviço para progressão.
III - Resposta ao recurso
2.11. No entanto, não concordamos com a opinião do recorrente, tendo como os seguintes fundamentos:
2.11.1. Do ponto de vista de interpretação histórica, o Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril foi criado em 1987, de acordo com a legislação que então vigorava2, o regime geral dos trabalhadores da função pública é aplicado ao pessoal docente no caso de “perda de vencimento de exercício” feita no âmbito das faltas por motivo de doença.
2.11.1.1. Na realidade, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 73/85/M, de 13 de Julho já está previsto o disposto sobre o desconto na contagem do tempo de serviço por perda de vencimento de exercício que é estipulado no Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril. Portanto, precisamos de conhecer no regime geral dos trabalhadores da função pública em 1985, as disposições legais sobre a perda de vencimento de exercício feita no âmbito das faltas por motivo de doença.
2.11.1.2. Em 1985, o regime de férias, faltas e licença sem vencimento do pessoal dos serviços públicos está previsto no Decreto-Lei n.º 27/85/M, de 30 de Março, de acordo com a alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º deste Decreto-Lei, consideram-se justificadas, as faltas dadas por motivo de “Doença - até 30 dias, por ano, seguidos ou interpolados, nos termos da legislação aplicável”, ao passo que as disposições sobre as faltas por motivo de doença estão ainda previstas no Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, a seguir são mencionadas:
“Artigo 238. °
(Ausência do serviço, até 30 dias, por motivo de doença)
O funcionário que não comparecer ao serviço durante 30 dias seguidos por motivo de doença, a comprovar nessa altura por atestado médico, e sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 217.º, poderá ser mandado examinar pela Junta de Saúde local, se aquele atestado não dimanar da respectiva autoridade sanitária, ou de director de Hospital do Estado onde tenha sido internado.
Prolongando-se a doença para além de 30 dias, será sempre mandado examinar pela Junta de Saúde.
Artigo 240. °
(Vencimento na própria província, durante a licença por doença)
Durante os primeiros 30 dias de licença concedida pela Junta, o funcionário tem direito a perceber os seus vencimentos certos; passado este prazo, perderá o vencimento de exercício do lugar, a não ser que tenha comportamento exemplar e boas informações de serviço, pois nesse caso o governador autorizará o abono por tantos dias quantos os anos de serviço multiplicados por 5”. - sublinhado nosso.
2.11.1.3. De acordo com as disposições dos artigos acima referidos, os primeiros 60 dias de faltas por motivo de doença não causam a perda de vencimento de exercício, só quando ultrapassar 60 dias, perderá o vencimento. No entanto, não está previsto que a perda de vencimento de exercício poderá conduzir o tempo descontado na antiguidade. Sobre esta matéria, no artigo 119.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino está estipulado:
“Artigo 119.º
(Tempo descontado na antiguidade)
Não se conta para efeitos de antiguidade:
1. O tempo passado nas situações de inactividade;
2. O tempo que, por virtude de disposições disciplinares, for considerado perdido para efeitos de antiguidade;
3. O tempo de ausência ilegal de serviço público;
4. O tempo com parte de doença ou licença por doença que, no período de três anos, exceder seis meses seguidos ou nove interpolados;
5. O tempo de incapacidade temporária, até ao momento em que o funcionário for julgado pronto para o serviço.” - sublinhado nosso.
2.11.1.4. De acordo com as disposições acima referidas, salvo as faltas injustificadas, quando as faltas por motivo de doença atingirem um determinado número, poderá causar o tempo descontado na antiguidade que inclui a antiguidade para aposentação e a antiguidade na categoria.
2.11.1.5. Em suma, o desconto na contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão causado pelas faltas por motivo de doença não se destina apenas ao pessoal docente, só que nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril, a “'perda de vencimento de exercício” constitui também um dos factores de antiguidade descontada em relação ao pessoal docente.
2.11.2. Analisando da óptica das técnicas legislativas, nos termos do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril, mesmo que a “perda de vencimento de exercício” seja uma das situações de antiguidade descontada, este disposto não liga directamente ao regime que dá origem à “perda de vencimento de exercício”. Portanto, na perspectiva de aplicar-se o regime geral dos trabalhadores da função pública, à medida a alteração do regime sobre a “perda de vencimento de exercício”, pode causar influência em relação à aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril.
2.11.3. Como as disposições sobre as faltas por motivo de doença aplicáveis ao pessoal dos serviços públicos sofreram várias alterações, é necessário estudar a influência causada pelas alterações em relação ao desconto na antiguidade do pessoal docente.
2.11.4. A seguir é mencionada a análise sobre a evolução do regime das faltas por motivo de doença:
2.11.4.1. De 1985 a 1986: Para os trabalhadores da função pública, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 27/85/M de 30 de Março e dos artigos 238.º e 240.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, passado o prazo de 60 dias de faltas por motivo de doença perderá o vencimento de exercício. No que diz respeito ao desconto na antiguidade, nos termos da alínea 4) do artigo 119.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, quando as faltas por motivo de doença atingirem um determinado número, poderá causar o desconto na antiguidade. Portanto, de acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 73/85/M, de 13 de Julho, só quando as faltas por motivo de doença do pessoal docente ultrapassarem 60 dias, poderá causar o desconto na antiguidade. Para além disso, quando as faltas por motivo de doença atingirem um determinado número, poderá também causar o desconto na antiguidade.
2.11.4.2. De 1986 a 1989: Para os trabalhadores da função pública, nos termos do artigo 4.º e do n.º 7 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 28/86/M, de 24 de Março, passado o prazo de 60 dias de faltas por motivo de doença perderá o vencimento de exercício. No que diz respeito ao desconto na antiguidade, nos termos da alínea 4) do artigo 119.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, quando as faltas por motivo de doença atingirem um determinado número, poderá causar o desconto na antiguidade. Portanto, de acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 73/85/M, de 13 de Julho e o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril, só quando as faltas por motivo de doença do pessoal docente ultrapassarem 60 dias, poderá causar o desconto na antiguidade. Para além disso, quando as faltas por motivo de doença atingirem um determinado número, poderá também causar o desconto na antiguidade.
2.11.4.3. De 1989 a 1995: nos termos do n.º 3 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, “Os primeiros 60 dias de faltas por motivos de doença, seguidos ou interpelados, em cada ano civil, determinam a perda de vencimento de exercício”. À medida que o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 35/88/M, de 9 de Maio, a alínea 4) do artigo 119.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino caducou. No Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro não está previsto o disposto sobre o desconto ou não na antiguidade no caso das faltas dadas por motivo de doença. Daí conclui-se que nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M de 27 de Abril, só quando as faltas por motivo de doença do pessoal docente ultrapassarem 60 dias, poderá causar o desconto na antiguidade.
2.11.4.4. De 1995 até agora: Nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 23/95/M, de 1 de Junho, “(..) 4. Os primeiros 30 dias de faltas por motivos de doença, seguidos ou interpelados, em cada ano civil, determinam a correspondente perda do vencimento de exercício (...)”. Por outras palavras, no que diz respeito à perda do vencimento de exercício, o disposto é diferente do anterior. Depois do dia 1 de Junho de 19953, os primeiros 30 dias de faltas por motivos de doença determinam a correspondente perda do vencimento de exercício. Para além disso, em relação ao desconto na antiguidade, o disposto é também diferente do no Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro. Nos termos do n.º 5 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 23/95/M, de 1 de Junho,” ( ... ) 5. Os dias de falta por doença, que excedam 30 dias seguidos ou interpolados, em cada ano civil, descontam na antiguidade para efeitos de carreira. ( ... )”, que dizer, para os trabalhadores, os primeiros 30 dias de faltas por motivos de doença podem determinar apenas a correspondente perda do vencimento de exercício, mas não o desconto na antiguidade, só quando as faltas ultrapassarem 30 dias, determinam o desconto na antiguidade. Como está previsto, na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril, aplicável ao pessoal docente, que a “perda de vencimento de exercício” é um factor de ligação ao desconto na antiguidade, resultando assim ao facto de que bastar ter um dia de falta, poderá causar desconto na contagem do tempo de serviço para a progressão na carreira do pessoal docente.
2.11.4.5. Concluindo-se assim que a “perda de vencimento de exercício” é sempre uma das situações que causaram o desconto na antiguidade do pessoal docente, enquanto que em relação aos motivos que conduzem à “perda de vencimento de exercício”, é aplicável o regime geral dos trabalhadores da função pública. Sendo variável os motivos que causam a “perda de vencimento de exercício”, tais como: faltas por motivo de doença, falta por motivo de prisão preventiva, entre outras. Por outro lado, com o correr do tempo, à medida que o regime de faltas sofre alterações, o disposto sobre o desconto na antiguidade causado pela “perda de vencimento de exercício” do pessoal docente poder ser actualizado.
2.11.5. O recorrente salientou no seu Recurso que se o vencimento de exercício perdido fosse recuperado, não deveria descontar na contagem do tempo de serviço para a progressão na carreira, considerando que a “perda de vencimento de exercício” referida na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril deveria ser entendida “uma perda definitiva”,
2.11.6. A seguir abordamos o regime de recuperação do vencimento de exercício perdido:
2.11.6.1. O regime de recuperação do vencimento de exercício perdido é oriundo do artigo 240.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, à medida que promulgaram os Decreto-Leis n.º 23/95/M, de 1 de Junho e n.º 1/96/M, de 2 de Janeiro, este tomou-se mais aperfeiçoado.
2.11.6.2. No “ETAPM” mantém-se basicamente o disposto sobre as faltas por motivo de doença previsto nos Decreto-Leis n.º 23/95/M, de 1 de Junho e n.º 1/96/M, de 2 de Janeiro. Nos termos dos artigos 97.º e 98.º do “ETAPM, a recuperação do vencimento de exercício perdido depende de algumas condições, incluindo a classificação de serviço, sem registo das faltas injustificadas e o número dos dias de faltas dadas, por outras palavras, nem todas as pessoas podem recuperar o vencimento de exercício perdido.
2.11.6.3. Nos termos do n.º 6 do artigo 97.º e n.º 1 do artigo 98.º do “ETAPM”4, tomamos conhecimento que estão previstos legalmente o regime de perda do vencimento de exercício e o do desconto na antiguidade, o primeiro é: a antiguidade será descontada no caso das faltas por motivo de doença, enquanto que o segundo é: os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença determinam apenas a perda de vencimento de exercício, mas não o desconto na antiguidade. No que diz respeito ao segundo, está previsto legalmente o disposto sobre a recuperação do vencimento perdido. No entanto, o regime de recuperação não põe em causa o disposto sobre desconto na antiguidade previsto no n.º 6 do artigo 97.º do “ETAPM”, presumindo assim que na criação do regime de recuperação, o legislador não teve a ideia de descontar ou não a antiguidade, portanto, não devemos ligar o regime de recuperação de vencimento de exercício perdido ao regime de desconto na antiguidade.
2.11.6.4. Ainda por cima, de acordo com os requisitos sobre a recuperação criados pelo legislador, presumimos que na criação do regime de recuperação, o legislador tem por objectivo assegurar os trabalhadores assíduos, com bom desempenho de serviço e cujas faltas não ultrapassem o limite fixado, dando-lhes oportunidade de recuperar o vencimento perdido.
2.11.6.5. No caso de desconto na antiguidade do pessoal docente no âmbito de faltas por motivo de doença, é aplicável o regime geral dos trabalhadores da função pública, no qual não existe os conceitos de “perda definitiva do vencimento de exercício” nem de “perda temporária do vencimento de exercício”. Se o legislador pretendesse distinguir uma de outra, estaria previsto explicitamente nos articulados, uma vez que este seria diferente do disposto no regime geral. Na realidade, não se encontra nos articulados qualquer disposto sobre esta matéria.
2.11.6.6. Para além disso, não devemos utilizar a recuperação do vencimento de exercício perdido para negar o facto da perda de vencimento de exercício devido às faltas por motivo de doença. De acordo com o registo desta Direcção de Serviços, de 1996 até agora, é de 36 dias no total o número de dias de faltas por motivo de doença do recorrente, determinando assim a correspondente perda de vencimento de exercício. Estes factos justificam o desconto previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril, tomando assim insignificante a recuperação do vencimento de exercício perdido do recorrente.
2.11.6.7. Depois de ter analisado o conteúdo da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril entendemos que este disposto incide em “tempo” ou “dias” da perda do vencimento de exercício, mas não a recuperação ou não do vencimento perdido ou quantos dias do vencimento perdido a recuperar.
2.11.6.8. Face ao exposto, como a presunção e a explicação do recorrente expostas no seu Recurso não satisfizeram tanto o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril, como a ideia legislativa original do mesmo, portanto os seus fundamentos do recurso não são procedentes.
3. Conclusão
3.1 Como não ocorreu qualquer causa que obstasse ao conhecimento do recurso, o mesmo foi aceite.
3.2. De acordo com a análise sobre os factos e direito acima mencionados, consideramos que os fundamentos do recorrente não são procedentes, portanto sugerimos que seja rejeitado o recurso e que se mantenha a decisão original.
À consideração superior
(...)”; (cfr., fls. 13 a 39).
- Por despacho de 03.03.2009 do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, decidiu-se pela improcedência do recurso.
É este o acto recorrido.
- Em Setembro de 2008, ao recorrente foi pago o montante de MOP$1,204.60 a título de “abono de vencimento de exercício perdido”.
III – O Direito
1. As questões a apreciar
- Trata-se de saber se o Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação jurídica, na medida em que utilizou expressões como “razoável” e “adequado”, que o ora recorrente entende constituírem conceitos indeterminados;
- Por outro lado, importa apurar se foi violado o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M;
- Por último, se ou o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do ETAPM, ou o artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, violam o princípio da igualdade.
2. Nulidade de sentença
A entidade recorrida no recurso contencioso – ora recorrente no presente recurso jurisdicional – entende que o Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação jurídica, na medida em que utilizou expressões como “razoável” e “adequado”, que o ora recorrente entende constituírem conceitos indeterminados.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [artigo 571.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil].
Há um amplo consenso na jurisprudência e na doutrina acerca deste fundamento de nulidade, aceitando-se que ele se refere à omissão total de fundamentação, de facto ou de direito, consoante os casos.
A má ou a deficiente fundamentação jurídica não gera nulidade da decisão, podendo ser causa de erro na determinação da norma jurídica aplicável ou de má interpretação ou má aplicação de norma, impugnável por meio de recurso com este fundamento.
A utilização das expressões mencionadas pelo ora recorrente, para além de não constituírem conceitos indeterminados, não inviabiliza a percepção sobre o conteúdo do Acórdão.
Improcede, assim, a arguição de nulidade, sem prejuízo de se averiguar se o Acórdão interpretou e aplicou bem a norma em causa alínea [alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M], questão que foi, também, suscitada expressamente.
3. Perda do vencimento de exercício
A é professor do ensino secundário dos Serviços de Educação e Juventude.
Aquando da sua progressão da 3.ª para a 4.ª fase do nível 1, não foi contado como tempo de serviço os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença que deu, em cada ano civil, totalizando 36 dias, entre os anos de 1996 e 2008 ( uma falta em 1999, três em 2000, cinco em 2002, quatro em 2003, quatro em 2004, quatro em 2005, duas em 2006, três em 2007 e dez em 2008).
Isto por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M e do n.º 1 do artigo 98.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por ETAPM).
O Decreto-Lei n.º 21/87/M define o regime de carreiras específicas, categorias, níveis de qualificação e vencimentos do pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação.
Dispõe o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M:
“Artigo 5.º
(Contagem de tempo de serviço)
1. ...
2. Na contagem de tempo de serviço para a progressão na carreira, não é considerado o tempo correspondente às seguintes situações:
a) Destacamento, requisição ou comissão de serviço fora do sistema educativo, salvo nas condições previstas no artigo 6.º;
b) Perda de vencimento de exercício;
c) Licença registada e licença ilimitada;
d) Perda de antiguidade;
e) Tempo de serviço considerado não satisfatório, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do presente diploma”.
Como se sabe, o vencimento dos trabalhadores da Administração Pública desdobra-se em vencimento de categoria, correspondente a 5/6 e em vencimento de exercício, correspondente a 1/6 (artigo 178.º, n.º 2 do ETAPM).
Ora, estatui o artigo 98.º do ETAPM:
“Artigo 98.º
(Perda do vencimento de exercício)
1. Os primeiros 30 dias de faltas por motivos de doença, seguidos ou interpolados, em cada ano civil, determinam a correspondente perda de vencimento de exercício, podendo o Governador, a requerimento do interessado, autorizar o abono deste vencimento, no todo ou em parte, de acordo com o disposto nos números seguintes.
2. O abono a que se refere o número anterior apenas pode ser autorizado se o trabalhador tiver, no ano anterior, classificação de serviço mínima de "Bom", considerando-se como tendo esta classificação o pessoal nas situações a que se referem o n.º 4 do artigo 163.º e o n.º 3 do artigo 168.º .
3. O abono é concedido na totalidade ou em 50%, atendendo à assiduidade do trabalhador, conforme tiver dado, por doença, no semestre anterior ao que diz respeito o pedido de abono, até 8 faltas, ou mais de 8 e até 15 faltas, respectivamente, com exclusão das dadas em regime de internamento hospitalar e convalescença, e que não tenha registado, no mesmo período, qualquer falta injustificada”.
Ao interessado foi autorizado o abono dos dias de falta por doença, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º.
E, assim, o mesmo considera que as faltas que deu por doença não podem ser descontadas na sua antiguidade, dado que, segundo ele, não ocorreu perda do vencimento de exercício.
Já a Administração é de opinião que, não obstante lhe ter sido autorizada a recuperação do vencimento de exercício perdido, verificou-se a situação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, o que implica a não consideração do tempo correspondente à perda do vencimento de exercício.
A questão fundamental é, pois, a de saber se, para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, tem ou não relevância o facto de o vencimento de exercício perdido por faltas por motivo de doença, ter sido recuperado.
Pois bem, a letra da lei parece apontar para o sentido defendido pela Administração. Na verdade, a lei determina a não consideração do tempo correspondente à situação de perda de vencimento de exercício. Ora, esta situação ocorre, de acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 98.º do ETAPM, relativamente às faltas dos primeiros 30 dias por motivo de doença, em cada ano civil.
Seguidamente, pode verificar-se a recuperação do vencimento de exercício perdido, se o interessado a requerer, se este se encontrar nas condições previstas na lei e se a entidade competente a autorizar.
De qualquer maneira, a situação de perda de vencimento de exercício verificou-se logo que ocorreram as faltas por doença, independentemente das vicissitudes posteriores.
Mas o argumento fundamental não é o literal, mas o sistemático.
De acordo com a interpretação que a Administração defende e que consideramos correcta, relativamente aos professores afectos aos Serviços de Educação e Juventude, as faltas por doença determinam o desconto na antiguidade, em determinadas circunstâncias, não sendo possível a sanação da situação com base em recuperação do vencimento perdido.
Mas também é esse o sistema aplicável à generalidade dos trabalhadores da Administração, já que os dias de falta por doença, em determinado número (quando excedam 30, em cada ano), descontam na antiguidade (artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM). E esta situação não está relacionada com a perda do vencimento de exercício, que aliás, só ocorre quanto aos primeiros 30 dias de falta, como se disse.
Logo, faz todo o sentido que, no que concerne aos professores afectos aos Serviços de Educação e Juventude, as meras faltas por doença impliquem desconto na antiguidade, independentemente de o vencimento de exercício ser ou não recuperado, porque essa é também a situação dos restantes trabalhadores da Administração Pública.
Não houve, portanto, má interpretação ou má aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M por parte do acto recorrido.
4. A não contagem como tempo de serviço das faltas por doença. Princípio da igualdade. Proibição do arbítrio.
Na contagem de tempo de serviço, para efeitos de carreira, do pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação, não se conta o tempo correspondente à situação de perda de vencimento de exercício [artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, de 27 de Abril], sendo irrelevante que tenha ocorrido, efectivamente, a recuperação do vencimento de exercício, a que se referem os n. os 2 e 3 do artigo 98.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
A perda do vencimento de exercício é determinada pelos primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil (artigo 98.º, n.º 1 do ETAPM, aplicável subsidiariamente àquele pessoal docente).
Assim, na contagem de tempo de serviço, para efeitos de carreira, do pessoal docente mencionado, não se contam os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil.
Mas, para os restantes trabalhadores da Administração Pública, em geral, o que determina o desconto no tempo de serviço para efeitos de carreira são os dias de falta por doença, que excedam 30 dias, em cada ano civil (artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM).
É, aliás, também este o regime do pessoal da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau, incluindo o seu pessoal docente (artigos 47.º, n.º 4 dos respectivos Estatutos do Pessoal, aprovados, respectivamente, pelos Despachos n. os 30/SAAEJ/99 e 29/SAAEJ/99, publicados no Boletim Oficial, I Série, de 23 de Agosto de 1999, aplicáveis aos docentes por força dos artigos 43.º e 34.º dos Estatutos do Pessoal Docente da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau, aprovados pelos mesmos Despachos).
Há, deste modo, dois regimes completamente diversos e contraditórios no que concerne às faltas por doença que determinam desconto do tempo de serviço, para efeitos de carreira:
- Para os trabalhadores da Administração Pública, em geral, e para o pessoal da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau, incluindo os seus docentes, são os dias de falta por doença, que excedam 30 dias, em cada ano civil;
- Para o pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação, são os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil.
Ou seja, quanto à perda do vencimento de exercício, os regimes dos trabalhadores da Administração Pública, em geral e do pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação, coincidem: são os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil.
Já quanto às faltas por doença que determinam desconto do tempo de serviço, para efeitos de carreira, os regimes são completamente contraditórios.
Na verdade, para este efeito, no regime dos trabalhadores da Administração Pública, em geral, e da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau são os longos períodos de baixa, em cada ano (superiores a 30 dias), que são penalizados, designadamente, os funcionários que padecem de doenças crónicas incapacitantes.
No regime do pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação, são os pequenos períodos de baixa, em cada ano, que são penalizados, ou seja, os professores que não faltam, por motivo de doença, mais de 30 dias, designadamente, os atingidos por doenças agudas de curta duração.
Ouvida sobre esta questão, veio a entidade recorrida (ora recorrente) defender que, para o pessoal docente afecto aos Serviços de Educação, o tempo de doença que desconta na antiguidade são, não só os primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil, por força do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, mas também os dias de falta por doença, que excedam 30 dias, em cada ano civil, agora face ao disposto no artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, aplicável por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, que determina que na contagem do tempo de serviço daqueles docentes não é considerado o tempo correspondente à situação de perda de antiguidade.
Ou seja, para a entidade recorrida, qualquer falta por doença, do pessoal docente afecto aos Serviços de Educação, desconta na sua antiguidade. Seja um dia de falta, em cada ano civil, sejam cem dias de falta, em cada ano civil.
Mas sem razão.
Antes mais, no parecer da Direcção dos Serviços da Administração e Função Pública, que a própria entidade recorrida juntou com a contestação do recurso contencioso e com o qual disse concordar, sustenta-se outra tese, a de que “apenas descontam no tempo de serviço dos docentes para efeitos de progressão na carreira, os primeiros 30 dias de faltas por doença, os mesmos que determinam a perda do vencimento de exercício, e não, como afirma o recorrente, todos os dias de falta por doença que ocorram” (cfr. o parecer de fls. 72 e segs., particularmente a sua conclusão 7).
Quanto ao fundo da questão: as únicas faltas por doença que descontam na antiguidade destes docentes são as que determinam a perda de vencimento de exercício, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M.
O tempo de serviço que não é considerado para progressão na carreira, decorrente de perda de antiguidade, por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, só podem ser as situações em que a causa não é devida a faltas por doença - como as previstas no n.º 3 do artigo 158.º do ETAPM, onde se prevêem as situações que descontam na antiguidade, como as faltas injustificadas, os períodos de tempo declarados perdidos por efeito de aplicação de penas disciplinares ou o tempo de cumprimento de pena de prisão (artigo 134.º, n.º 3 do ETAPM) – visto que as faltas por doença, que determinam o desconto na antiguidade, já estão previstas na alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M. A não ser assim, teríamos uma dupla previsão de desconto na antiguidade decorrente de faltas por doença, que ainda mais feriria o princípio da igualdade.
Ora, de acordo com o artigo 25.º da Lei Básica, os residentes são iguais perante a lei, não sendo admissíveis discriminações em razão da nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social.
O princípio da igualdade postula que a lei – é a actuação legislativa que neste momento está em causa e não outras vertentes da actuação dos poderes públicos, como a da Administração Pública – trate igualmente o que é igual e que trate desigualmente o que é diferente.
No caso dos autos, a lei trata desigualmente duas situações. O que importa é apurar se estas situações são iguais ou diferentes.
Se as situações forem diferentes não há qualquer violação do princípio da igualdade.
Se as situações forem basicamente iguais, tratadas de modo desigual, temos violação do mesmo princípio, na vertente de proibição do arbítrio.
Ora, o âmbito de protecção do princípio da igualdade constante da norma da Lei Básica, abrange, além do mais, a proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável.
Como referem J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA5, “A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que há-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio”.
Por outro lado, de acordo com os mesmos autores, “A proibição do arbítrio é particularmente relevante quando se compara o tratamento jurídico dedicado a grupos normativos de destinatários. Nestes casos, a violação do princípio da igualdade reconduz-se à desigualdade de tratamento de um grupo de destinatários da norma em relação a outros grupo de destinatários, não obstante a inexistência de qualquer diferença justificativa de tratamento desigual”6.
Por vezes, a lei considera desiguais duas situações que o não são por errada qualificação. Aqui haverá violação do princípio da igualdade.
Há, então, que determinar quais os valores segundo os quais se pode afirmar a igualdade ou desigualdade jurídica das situações.
Como as normas são meios de realização de fins, tem-se visto na conexão entre as normas com os respectivos fins o critério aferidor da igualdade ou desigualdade jurídica das situações.
Quando não haja conexão, ou ela seja insuficiente ou falha de razoabilidade para obter o fim visado pela norma, há violação do princípio da igualdade7.
Por outro lado, tal conexão tem de ter um fundamento material bastante.
Quer dizer, sem prejuízo da discricionariedade legislativa que deve ser reconhecida ao legislador, viola o princípio da igualdade a existência de regimes legais contraditórios aplicáveis a funcionários públicos, sem qualquer justificação razoável, ou seja, o arbítrio legislativo, o tratamento diferenciado injustificado.
5. Controlo judicial da legalidade das normas
De outra banda, em sede de controlo de legalidade das normas jurídicas, em face do parâmetro da Lei Básica, importa ponderar que “não cabe aos respectivos órgãos emitir propriamente um juízo “positivo” sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como que “substituindo-se” a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” ou “ideal”. Os órgãos de controlo da constitucionalidade não podem ir tão longe: o que lhes cabe é tão somente um juízo “negativo”, que afaste aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de credenciar-se racionalmente”8.
Dito de outro modo: “a teoria da proibição do arbítrio não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, mas antes expressa e limita a competência do controlo judicial”, pelo que, perante este “critério essencialmente negativo, são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade”, o que só ocorrerá quando as diferenças instituídas pelo legislador forem “não fundamentadas, não objectivas, não razoáveis”9.
6. O caso dos autos
Como se disse, a lei prevê dois regimes substancialmente diversos e contraditórios quanto às faltas por doença que determinam o desconto na antiguidade de funcionários públicos.
Repare-se que não está em causa, por exemplo, o número de faltas por doença a partir do qual se desconta o tempo de serviço, - por exemplo, 30 faltas para uns funcionários, 45 ou 60 faltas para outros funcionários - o que se teria de considerar abrangido pelo princípio da discricionariedade legislativa.
No caso dos autos é o próprio sistema que é contraditório, não apenas diverso. Cabe, seguramente, ao legislador optar pelo sistema que melhor garanta, em sua opinião, os objectivos que entende deverem ser prosseguidos. Nesta matéria, os tribunais não podem imiscuir-se. Mas o que o legislador não pode – sob pena de violação do principio da igualdade – é prever dois regimes contraditórios para trabalhadores da Administração, diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, ainda por cima numa área tão sensível, como a que determina o desconto na antiguidade por faltas por doença.
Na verdade, não se vislumbra qualquer justificação razoável para que as faltas por doença, que descontam na antiguidade dos trabalhadores da Administração Pública em geral e dos docentes de duas instituições (Universidade de Macau e Instituto Politécnico) sejam as que excedem 30, em cada ano civil, enquanto que para os docentes afectos à Direcção dos Serviços de Educação, essas faltas por doença, que descontam na antiguidade, são as que não excedem 30, em cada ano civil.
A entidade recorrida atribui a especificidade do estatuto do pessoal docente ao elemento histórico.
Pois bem, é perfeitamente possível que certas disposições, como a da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/87/M, se expliquem por reproduzir normas de diplomas anteriores [a alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 73/85/M, de 13 de Julho, o anterior regime das carreiras docentes do pessoal docente afecto à direcção dos Serviços de Educação e Cultura].
De facto, muitas vezes, o legislador, quando legisla sobre determinada matéria, por inércia, reproduz normas iguais às anteriores, sem atentar que, entretanto, para situações semelhantes adoptou outras soluções legislativas, completamente diversas.
Mas esta circunstância, se explica a razão de determinados particularismos legislativos, não cauciona a bondade das soluções. E, por si, não tem a virtualidade de afastar a possibilidade de violação do princípio da igualdade.
A entidade recorrida entende que a diferença de regimes não é arbitrária, já que se visou dissuadir as faltas de curta duração, que causam grandes prejuízos às escolas.
Mas esta explicação não serve. Não explica por que é que as faltas de curta duração não causam grandes prejuízos aos restantes serviços da Administração, que têm outro regime, como se disse. E ainda menos explica por que é que as faltas de curta duração não causam grandes prejuízos à Universidade de Macau e ao Instituto Politécnico, cujos docentes têm um regime de faltas por doença que descontam na antiguidade, completamente diverso do aplicável aos docentes afectos aos Serviços de Educação.
Portanto, ou o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do ETAPM, ou o artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, violam o princípio da igualdade.
7. Critérios para apurar qual das normas que estabelecem tratamento diferente para duas situações iguais, viola o viola o princípio da igualdade
Constitui uma questão delicada a de saber, perante a vigência simultânea de duas normas ou de duas leis a estabelecer tratamento diferente para duas situações iguais, qual das duas se deverá considerar ferida de ilegalidade, por violação da Lei Básica.
A doutrina ensaia alguns critérios, considerando, por exemplo, dever-se aplicar a lei mais favorável ou a que melhor se integrar no espírito do sistema10.
Sem prejuízo deste critério poder servir na generalidade das situações, ele é imprestável no caso dos autos, visto estar em causa uma pura questão de Administração, em que os critérios de legalidade ou de juridicidade, próprios da função judicial, são inadequados para resolver. Trata-se de uma escolha a fazer com base escolhas típicas da função administrativa, não cabendo aos tribunais dizer qual é mais favorável (e a quem? Ao interesse público? Ao interesse dos visados, os funcionários?), proceder ao desconto, no tempo de serviço, dos primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil ou ao desconto dos dias de falta por doença, que excedam 30 dias, em cada ano civil.
Temos, pois, de lançar mão de outro critério, afigurando-se-nos dever considerar conforme com a Lei Básica a norma aplicável à generalidade das situações; ou seja, existindo uma norma legal aplicável à generalidade de uma categoria de destinatários e outra aplicável apenas a uma subcategoria destes, deve entender-se ser a primeira a que respeita a Lei Básica, por se presumir ser esta a solução que o legislador teria preferido aplicar a todas as situações, se tivesse sido confrontado com a possibilidade de violação da Lei Básica, por violação do princípio da igualdade.
Ora, a norma aplicável à generalidade dos trabalhadores da Administração Pública é a do artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, sendo que o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M é apenas aplicável ao pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação.
Por outro lado, a norma do artigo 97.º, n.º 6 do ETAPM, introduzida por via do Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro (que alterou o ETAPM), aliás, reproduzindo norma semelhante do artigo 23.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 23/95/M, de 1 de Junho, que revogou, é a lei mais recente. O mencionado artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M reproduz norma semelhante do artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 73/85/M, de 13 de Julho.
Há-de, também, presumir-se que a lei nova, porque constituindo a mais recente expressão de vontade do legislador, é por ele preferida relativamente à lei antiga, quanto à mesma situação.
Tudo converge, pois, no sentido de ser o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do ETAPM, que viola o disposto no artigo 25.º da Lei Básica, na medida em que estabelece o desconto na antiguidade do pessoal docente afecto à Direcção dos Serviços de Educação, para efeitos de progressão na carreira, dos primeiros 30 dias de faltas por motivo de doença, em cada ano civil.
Tendo o acto recorrido aplicado o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 21/87/M, impõe-se a sua anulação.
IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso e anula-se o acto recorrido por fundamentos diversos dos acolhidos no Acórdão recorrido.
Sem custas nas duas instâncias.
Macau, 12 de Maio de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 De acordo com o parecer n.º 116/OTJ/2004, de 23/09/2004, da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, as faltas por motivo de doença dadas pelo pessoal docente desde 1 de Junho de 1995 determinaram a perda de vencimento de exercício, o que conduziu o desconto no tempo de serviço para efeitos de progressão, salvo as faltas por motivo de doença não ultrapassarem 60 dias dadas antes do dia 1 de Junho de 1995. Portanto, os 3 dias de faltas por motivo de doença do recorrente dadas no primeiro semestre de 1995 não devem dar origem ao desconto no tempo de serviço.
2 Vide o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 50/82/M, de 18 de Setembro.
3 Nos termos do artigo 86.º do Decreto-Lei no 23/95/M, de 1 de Junho, a data de entrada em vigor é a partir do dia 1 de Junho de 1995.
4 É oriundo do disposto dos n.ºs 4° e 5° do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 23/95/M, de 1 de Junho.
5 J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, Volume I, 4.ª edição, p. 339.
6 J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição..., Volume I, p. 340.
7 MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Princípio da Igualdade, Fórmula Vazia ou Fórmula Carregada de Sentido?, separata do Boletim do Ministério da Justiça n.º 358, Lisboa, p. 27.
8 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, Tomo I, p. 125, citando parecer da Comissão Constitucional portuguesa.
9 MARIA LÚCIA AMARAL, O princípio da Igualdade na Constituição Portuguesa, em Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, p. 52.
10 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição..., Tomo I, p. 126.
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Processo n.º 5/2010