ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A intentaram acção declarativa com processo ordinário contra Ministério Público e Interessados incertos pedindo a declaração de que é a única proprietária do prédio urbano com o [Endereço (1)] descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, com registo de mera posse a favor da autora.
A Ex. ma Juíza-Presidente do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.
Em recurso interposto pela autora, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), negou provimento ao recurso.
Inconformada, recorre novamente a autora para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do Acórdão recorrido.
Para tal, formulou as seguintes conclusões úteis:
- Da matéria de facto provada resulta que o prédio sito em Macau com o [Endereço (1)] está descrito na Conservatória do Registo Predial com registo de mera posse também a favor da Autora, que, por sentença de 6 de Novembro de 1995 foi reconhecida como sua única e legitima possuidora.
- A posse faz presumir o direito que corresponde à respectiva actuação - art. 1193° do CC - e por via desta presunção é de reconhecer o direito real na titularidade da Recorrente desde que não ilidido, o que não se observa nos autos.
- Não é com registo ou a sentença que se pode dizer que sobre a coisa foi constituído definitivamente um direito de propriedade, porquanto, como é consabido, tais actos não tem natureza constitutiva.
- O direito de propriedade está constituído a partir do momento em que o direito que se pretende ver reconhecido é invocado urbi et orbe, isto é, a partir do momento em que o seu titular proclama “eu sou titular do direito, declaro-o publicamente e pretendo vê-lo reconhecido”, invocação que, in casu, sucedeu aquando da acção para reconhecimento da posse da Recorrente.
- O art. 7º da LB, não constitui entrave ao reconhecimento de uma pré-existente propriedade privada (termo aqui usado em sentido amplo, abrangente das diversas situações jurídicas reais)
- Ao decidir-se como se decidiu o Venerando Tribunal de Segunda Instância violou não apenas o disposto no artigo 7° da Lei Básica, mas também o disposto nos artigos 1º, 5 ° e 8 ° da Lei 6/80/M de 5 de Julho (Lei de Terras), e bem assim os artigos 1175°, 1183°, 1184°, 1185°, 1186°, al. a) do nº 1 do art. 1187°, e 1120°, 1212°, 1213° e 1241°, todos do Código Civil.
II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
A Autora é uma associação constituída por escritura pública de 24 de Abril de 1989, lavrada no Livro de Notas n.º XXX-X, a fls. XX, do 1º Cartório Notarial de Macau, publicada no Boletim Oficial n.º 20, de 15 de Maio de 1989 e inscrita na Direcção dos Serviços de Identificação sob o nº XXX [Alínea A) dos factos assentes].
O prédio sito em Macau, com o [Endereço (1)] tem a área de 29m2, confrontando a Norte com o Pátio da Águia, a Sul com a Rua de Tomás Vieira, a Este com o prédio [Endereço (2)] daquele pátio e a Oeste com [Endereço (3)] [Alínea B) dos factos assentes].
Tal prédio acha-se inscrito na matriz predial da freguesia de Santo António sob o art.º XXXXX, a favor da Autora, com o valor de MOP$2,260 [Alínea C) dos factos assentes].
Tal prédio encontra-se descrito na Conservatório do Registo Predial sob o n.º XXXXX, estando registada a mera posse a favor da Autora através da inscrição n.º XXXX do Livro FXXL, a fls. XXX [Alínea D) dos factos assentes].
E) Por sentença de 6 de Novembro de 1995, transitada em julgado em 16 de Novembro de 1995, foi a ora Autora reconhecida como única e legítima possuidora do prédio [Endereço (1)] [Alínea E) dos factos assentes].
Desde 16 de Novembro de 1995 a Autora vem fazendo face às despesas de manutenção do prédio referido em B), nomeadamente com obras de canalização, instalações eléctricas e pagando a respectiva contribuição predial (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
Dele dispondo, nomeadamente, arrendado-o e recebendo as respectivas rendas (resposta ao quesito 2.º da Base instrutória).
Nunca tendo pago rendas a quem quer que seja (resposta ao quesito 3.º da base instrutória).
E nunca alguém reclamou o pagamento de rendas da Autora (resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória).
Isto de forma contínua (resposta ao quesito 5.º da base instrutória), ininterruptamente (resposta ao quesito 6.º da base instrutória), de forma pacífica (resposta ao quesito 7.º da base instrutória), de boa fé (resposta ao quesito 8.º da base instrutória), à vista de todos (resposta ao quesito 9.º da base instrutória), sem oposição de ninguém (resposta ao quesito 10.º da base instrutória), como verdadeira proprietária (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
III – O Direito
1. A questão a resolver
A questão a resolver é a de saber se o direito de propriedade de um prédio urbano - de que não existe inscrição registral da aquisição do direito de propriedade (ou de qualquer outro direito real), mas apenas registo de mera posse a favor de particular (a autora), titulada por sentença de 6 de Novembro de 1995 - pode ser adquirido por usucapião, mediante processo judicial intentado após 19 de Dezembro de 1999 (mais concretamente em 23 de Maio de 2008), se, na data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau ainda não tinha decorrido o prazo da usucapião.
2. A pronúncia do Acórdão recorrido e a posição da autora (recorrente)
O TSI (com um voto de vencido) considerou que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o prédio dos autos.
É que tal norma dispõe:
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau ...”
A autora entende que nada obsta a declaração de que é proprietária do prédio, já que está registada a seu favor a posse do prédio desde 1995, pelo que “o direito de propriedade está constituído a partir do momento em que o direito que se pretende ver reconhecido é invocado urbi et orbe, isto é, a partir do momento em que o seu titular proclama “eu sou titular do direito, declaro-o publicamente e pretendo vê-lo reconhecido”, invocação que, in casu, sucedeu aquando da acção para reconhecimento da posse da Recorrente”.
3. O regime das terras em Macau e a jurisprudência do TUI
Relativamente ao regime das terras em Macau e à interpretação e aplicação do artigo 7.º da Lei Básica, teve este TUI oportunidade de se pronunciar em três ocasiões, em que abordou questões distintas.
Na situação versada no Acórdão de 5 de Julho de 2006, no Processo n.º 32/2005, estava em causa a pretensão de um particular em ver reconhecida a propriedade de imóvel, de que não tinha um título de aquisição nem o mesmo estava registado na Conservatória do Registo Predial, com fundamento na usucapião. Subsidiariamente, o autor pedia o reconhecimento da titularidade do domínio útil, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras.
A autora dessa acção tinha a posse sobre tal prédio, por si e pelos seus antecessores há mais de 450 anos, mas a posse não estava registada.
O Tribunal decidiu que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de imóvel não reconhecido como propriedade privada antes do estabelecimento da Região, mesmo que a acção tivesse sido intentada antes deste estabelecimento (até 19 de Dezembro de 1999), desde que não houvesse sentença transitada em julgado antes desta data, a reconhecer tal direito.
O mesmo Acórdão decidiu que a mesma norma (artigo 7.º da Lei Básica) não permite, igualmente, o reconhecimento do domínio útil de imóvel, a menos que este domínio já tivesse sido reconhecido, antes do estabelecimento da Região, como integrando a esfera de particulares.
Por sua vez, e complementando a pronúncia feita no parágrafo antecedente, no Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, deste TUI, no Processo n.º 41/2007, decidiu-se o seguinte:
O artigo 7.º da Lei Básica não obsta a que o domínio útil de terreno concedido por aforamento pelo Território de Macau a particulares, por escritura pública e registado na Conservatória do Registo Predial, possa ser adquirido por usucapião, ainda que o titular do domínio directo seja actualmente a Região Administrativa Especial de Macau.
O disposto no n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho) e no artigo 2.º da Lei n.º 2/94/M, de 4 de Julho, não se aplica aos prédios em que existe título formal de aquisição e registo deste.
No Acórdão de 22 de Outubro de 2008, no Processo n.º 34/2008, decidiu-se que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de prédios possuídos em nome próprio por congregações religiosas católicas - entretanto integradas na B – com fundamento no artigo 56.º do Estatuto Missionário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31207, de 5 de Abril de 1941, publicado no Boletim Oficial de Macau, de 28 de Junho de 1952, de que não tinha um título de aquisição, nem o prédio estava registado na Conservatória do Registo Predial, se a acção judicial - tendente a demonstrar aquela posse à data da publicação, em Macau, daquele Estatuto e a pedir o reconhecimento do referido direito - foi intentada após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
A autora dessa acção tinha a posse sobre tal prédio desde 1940, mas esta não estava registada.
4. O caso dos autos e a jurisprudência do TUI. A posse. O reconhecimento do direito de propriedade.
Relativamente à jurisprudência deste Tribunal interessa-nos sobretudo os 1.º e 3.º Acórdãos, que têm manifestas semelhanças, em parte, com a situação dos autos.
O 2.º Acórdão representa uma situação completamente diversa, já que a aquisição do domínio útil, que se pretendia adquirir por usucapião, estava registada no registo predial a favor de particulares. A única dúvida que se suscitou foi a de o domínio directo pertencer à Região Administrativa Especial de Macau. O TUI entendeu que tal não obstava à aquisição, por usucapião, do domínio útil.
Pois bem, naqueles Acórdãos de 5 de Julho de 2006 e de 22 de Outubro de 2008, os autores tinham a posse do direito de propriedade dos respectivos prédios há centenas de anos, num caso, e há largas dezenas de anos, no outro.
A autora da presente acção tem a posse do prédio desde 16 de Novembro de 1995, isto é, há menos de 15 anos.
A única diferença relativamente aos outros dois casos é a de que propôs uma acção cível (antes de 1999) para se reconhecer a posse e, tendo sido procedente, registou a posse.
Os autores das outras duas acções, se bem que com os respectivos prédios na sua posse há muito mais tempo que a autora dos autos, não pediram ao Tribunal que declarasse tais posses e, portanto, não as registaram.
Nos Acórdãos de 5 de Julho de 2006 e de 22 de Outubro de 2008 entendemos que, para efeitos de aquisição do direito de propriedade de prédios, não releva que os autores tenham a posse dos prédios, desde que não tenham obtido até ao Estabelecimento da RAEM o reconhecimento da propriedade por meio de acção para tal intentada, face ao disposto no artigo 7.º da Lei Básica.
Entendemos, portanto, que ter a posse da coisa a título de direito de propriedade não equivale a ter reconhecido o direito de propriedade dos terrenos.
Esta asserção parece evidente.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (ou de outro direito real), nos termos do artigo 1175.º do Código Civil. E quando a posse tem determinadas características e perdura durante certo tempo, pode conduzir à aquisição do direito de propriedade (ou de outro direito real), por meio do instituto da usucapião.
Mas a posse do direito de propriedade não é o direito de propriedade.
A aquisição do direito de propriedade de imóveis por usucapião só se dá, na melhor das hipóteses para o interessado, ao fim de 5 anos (posse de boa fé, contínua, por 5 anos, após a data do registo) (artigos 1220.º e 1221.º do Código Civil).
A tese da autora, de que a sentença de usucapião não é constitutiva, mas declarativa, não tem os efeitos que dela se pretende retirar.
Da mesma maneira, e ligada à anterior, a sua ênfase na invocação do seu pretenso direito, a sua tese de que o seu direito sobre o prédio nasceu com a invocação de que o pretendia ver reconhecido e que tal invocação aconteceu aquando da propositura da acção para o registo da posse, enferma de alguns equívocos.
O que a lei e os autores referem no que concerne à invocação, é a necessidade de a usucapião ser invocada, o que bem se compreende. A usucapião não opera por si, apenas com a posse por certo tempo, de uma coisa. Necessita de um acto do interessado a pretender beneficiar o instituto (artigo 296.º, aplicável por força do artigo 1217.º e 1213.º todos do Código Civil). Tal como a prescrição. “A aquisição por usucapião não é automática, antes depende de uma manifestação de vontade do possuidor em benefício de quem estejam reunidos os requisitos legais”1.
Ora, a autora nunca poderia ter adquirido por usucapião antes de se completarem 5 anos sobre o dia 16 de Novembro de 1995, isto é, em 16 de Novembro de 2000.
É inequívoco que a usucapião só pode ser invocada depois de decorrido o prazo necessário para a aquisição do direito, embora os seus efeitos se retrotraiam à data do início da posse [artigos 1213.º e 1242.º, alínea c) do Código Civil]. É esse o momento da aquisição do direito.
Logo, é completamente absurdo defender que a invocação da usucapião se deu com a propositura da acção, em que se pedia a declaração da existência da posse (em 1995), num momento em que apenas estava a começar a correr o prazo necessário par a efectivação da usucapião.
Tal invocação da usucapião só se deu, portanto, com a propositura da presente acção, em 2008.
Ora, o artigo 7.º da Lei Básica é muito claro no sentido que os terrenos são propriedade do Estado, salvo se forem reconhecidos como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região, que ocorreu em 20 de Dezembro de 1999.
Ora, esta norma tem de ter um conteúdo.
De acordo com o Acórdão de 5 de Julho de 2006, é irrelevante para efeitos de aquisição do direito de propriedade, que em 19 de Dezembro de 1999 tivesse decorrido o prazo da usucapião, desde que não houvesse sentença a declarar a aquisição do direito.
No caso dos autos, em 19 de Dezembro de 1999 não tinha sequer ainda decorrido o prazo mais curto da usucapião.
Assim, não percebemos claramente a tese da autora quanto à interpretação do artigo 7.º da Lei Básica. Se, nesta tese, a norma não obsta à aquisição por usucapião de terreno que, relativamente ao qual, em 19 de Dezembro de 1999, ainda não tinha decorrido o prazo mínimo de usucapião, obsta a quê? Obsta apenas à usucapião, de terrenos cuja posse se iniciou após esta data, ou nem isso?
5. A argumentação da recorrente. Presunção derivada da posse
Do mesmo modo, a invocação do artigo 1193.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”, não conduz, nem de longe, nem de perto, como se defende, a “reconhecer a titularidade do direito” de propriedade da autora.
Mas como é possível reconhecer a titularidade do direito de propriedade, com a prova da mera posse, sem estarem sequer preenchidos os requisitos previstos para a usucapião?
A presunção da posse tem um alcance mais limitado, relevando sobretudo em termos práticos, por ser muitas vezes difícil provar a propriedade, como acontece com os móveis.2. O que está em causa é “a necessidade de tutela da aparência no mundo de Direito, por mera exigência da segurança nas relações sociais e sua projecção nas relações jurídicas. A possibilidade de, a cada momento, se investigarem os títulos atributivos dos direitos de cada um tornar-se-ia num pernicioso factor de perturbação da vida jurídica, com o consequente acréscimo dos diferendos. Obrigaria, também, à necessidade de conservar, em relação a todos os bens, os títulos justificativos dos direitos sobre eles adquiridos, o que, por razões de celeridade do comércio jurídico e de ordem prática, sobretudo na vida moderna, é quase inviável”3. Se o proprietário de um livro se queixa do furto de um livro, certamente que ninguém o obriga a comprovar o título e a aquisição, como a compra, a doação, a usucapião, bastando provar a posse da coisa a título de direito de propriedade. Esta faz presumir o próprio direito de propriedade.
6. O Assento de 18 de Outubro de 1995, do Tribunal Superior de Justiça
A recorrente cita, em seu abono, um parecer de MENEZES CORDEIRO e um texto de uma conferência de ANTUNES VARELA, ambos elaborados na década de 90 do século passado, a propósito da querela judicial à volta da interpretação dos artigos 5.º, 6.º e 8.º da Lei de Terras.
Na breve resenha histórica, a que procedemos no nosso Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, no Processo n.º 41/2007, sobre os terrenos em Macau, relembrámos que a partir da data da sua instalação, em Abril de 1993, a jurisprudência do Tribunal Superior de Justiça de Macau mostrou-se dividida quanto a saber se, face aos arts. 5.º, 6.º, 7.º e 8.º da Lei de Terras e a normas jurídicas de outros diplomas legais, podia ou não ser declarada a usucapião do direito de propriedade de terrenos a favor de particulares com base na posse, se estes não comprovassem a existência de um título formal de aquisição do direito.
À querela jurisprudencial e doutrinal foi posto termo pelo Assento de 18 de Outubro de 1995 (Processo n.º 295), do Tribunal Superior de Justiça, publicado na I Série do Boletim Oficial, de 3 de Junho de 1996, aresto este que continua a constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais da RAEM, nos termos do artigo 2.º, n.º 6, alínea b) do Decreto-Lei n.º 55/99/M, de 8 de Outubro, e que decidiu: “Nas acções de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre terrenos, intentada contra o Território de Macau, incumbe ao autor provar a existência de título formal de aquisição”.
Que foi complementado com o Assento do mesmo Tribunal, de 23 de Abril de 1997 (Processo n.º 614) (I Série do Boletim Oficial, de 14 de Setembro de 1998), segundo o qual “Nas acções de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre terrenos, ainda que neles tenham sido constituídos prédios urbanos, incumbe ao autor provar a existência de título formal de aquisição”.
A argumentação defendida pelos dois textos de MENEZES CORDEIRO e ANTUNES VARELA não foi sufragada pelo mencionado Assento de 18 de Outubro de 1995, pelo que não mostra ter muita relevância para o caso que nos ocupa.
Mas, há um ponto que a recorrente olvida: mesmo que o artigo 7.º da Lei Básica não se aplicasse ao caso dos autos, os Assentos de 18 de Outubro de 1995 e de 23 de Abril de 1997, do Tribunal Superior de Justiça, agora apenas com o valor de acórdãos uniformizadores de jurisprudência, nos termos do artigo 652.º-C do Código de Processo Civil, por força do já mencionado artigo 2.º, n.º 6, alínea b) do Decreto-Lei n.º 55/99/M, não permitiam que a acção dos autos fosse procedente, já que a autora, embora possuidora, não comprovou a existência de um título formal de aquisição do direito, apesar de em 23 de Maio de 2008, data da propositura da presente acção, já ter decorrido o prazo de usucapião.
Ora, isto é indiscutível. Mesmo antes de 19 de Dezembro de 1999 e após publicação no Boletim Oficial, do Assento de 18.10.95, a presente acção nunca poderia ser procedente, ainda que tivesse já decorrido o prazo da usucapião do direito de propriedade, o que nem era o caso. Nessa ocasião, a autora nem poderia ter obtido a aquisição do domínio útil por usucapião, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/94/M, de 4 de Julho, já que não era possuidora do prédio há mais de 20 anos, como exigia aquela norma.
Seja como for, e em conclusão, na sequência da jurisprudência anterior deste TUI, considera-se que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de prédios na posse de particulares se, à data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ainda não tinha decorrido o prazo de usucapião, ainda que a posse estivesse registada anteriormente.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela autora.
Macau, 20 de Maio de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 5:ª edição, 1993, p. 300.
2 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1987, volume III, 2.ª edição, p. 35.
3 LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, Lisboa, Quid Juris, 2.ª edição, 1997, p. 271.
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Processo n.º 17/2010