Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 27 / 2010
Recorrente: A
1. Relatório
A e outro arguido foram julgados no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.º CR2-09-0177-PCC. Por aplicação da lei penal mais favorável, o arguido A foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de sete anos de prisão.
Inconformado com esta decisão, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 58/2010 de 22 de Abril de 2010, foi negado provimento ao recurso.
Deste acórdão vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
“1. O Tribunal ad quo violou o disposto no art.° 113.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo Penal, ao permitir que fossem valorizadas provas obtidas por métodos proibidos, pelo que deve ser anulado.
2. O recorrente deveria ter beneficiado da atenuação especial, por ser primário, pelo que o tribunal a quo, ao ignorar o comando do art.° 66.° n.° 1 e 2.°, al. c), do CP, violou a mencionado dispositivo legal.
3. Ainda que o tribunal ad quo considerasse que o recorrente não preenche os requisitos para lhe ser aplicável a figura da atenuação especial, ainda assim, nada impedia que beneficiasse da atenuação geral, prevista no art.° 65.°, do CP.
4. ln casu, em virtude da entrada em vigor da Lei 17/2009, de 10 de Agosto, o crime de tráfico de estupefacientes imputado ao recorrente passou a ser punido com uma pena abstracta com maior amplitude, de 3 a 15 anos de prisão, sem multa.
5. Ora, tendo em consideração o circunstancialismo descrito supra, entende-se que, face ao disposto no art.° 8.°, n.° 1, da Lei nova seria adequada a aplicação ao recorrente de uma pena que se deveria situar entre os 4 anos e os 5 anos de prisão.
6. De salientar que nos casos mais recentes, após a entrada em vigor da Lei 17/2009, de 10 de Agosto, o crime de tráfico de estupefacientes em caso em tudo semelhantes aos dos autos têm sido punidos com penas que não ultrapassam os cinco anos de prisão (v. g. Acórdão no processo CR2-09-0062-PCC).
7. A pena concreta aplicar ao recorrente deve situar-se entre os quatro e os cinco anos de prisão.”
Pedindo que seja julgado procedente o recurso.
O Ministério Público emitiu a seguinte resposta:
“O recorrente limita-se a reiterar a posição já assumida perante esta Segunda Instância.
Daí, também, que a nossa resposta não possa deixar de ser a mesma.
Vejamos.
O recorrente insiste na pretensa “nulidade da prova”.
Trata-se de uma pretensão descabida.
O mesmo diz que foi “vítima de violência por parte da polícia”, pedindo, em consonância, a anulação da decisão.
E essa é uma afirmação gratuita, que não tem qualquer apoio factual.
Acresce, também, como se sublinha no acórdão recorrido, “que os Senhores Juízes do Tribunal Colectivo explicaram detalhadamente a formação da sua convicção... e daí não resulta que ela se tenha formado a partir de alguma confissão do arguido”.
A pena aplicada, por outro lado, não merece reparo.
Não se verifica, obviamente, o especial quadro atenuativo que o art.º 66.º do C. Penal exige.
A favor do arguido, com efeito, nada de significativo se apurou.
O facto de ser primário, nomeadamente, tem um valor despiciendo.
Em termos agravativos, há que destacar, para além da quantidade de droga em causa, a intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
Quanto aos fins das penas, são muito elevadas, na hipótese vertente, as exigências de prevenção geral.
Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ...” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 106).
E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
A atenuação especial, como é sabido, só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais.
E a situação em análise não integra, seguramente, esse condicionalismo.
A pena impugnada emerge, face ao expendido, como justa e equilibrada.
E, se pecar, não será certamente por excesso (cfr., como referência, ac. desse Venerando Tribunal, de 23-9-2009, proc. n.º 26/2009).
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos art.ºs 407.º, n.º 3-c, 409.º, n.º 2-a e 410.º, do C. P. Penal).”
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
“Em 12 de Dezembro de 2008, pelas 23:07 horas, os arguidos A e B entraram juntamente a Macau através do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco (Cfr. fls. 120 e 123).
No dia seguinte, cerca das 00:00 horas da madrugada, o arguido A conduziu o automóvel ligeiro e matrícula MH-XX-XX, tendo deslocado juntamente com o arguido B para o NAPE.
O arguido A perseguido pela polícia, conduziu o supracitado veículo para a Rua Francisco H. Fernandes e, seguidamente, juntamente com B abandonaram o veículo e puseram-se em fuga em direcção ao Edifício “Dynasty Plaza”, acabando por serem interceptados pelos agentes da Polícia Judiciária.
Na altura, os agentes da PJ encontraram dentro do saquinho de pano de cor azul escura que o arguido A tinha na mão, 15 embalagens que continham substâncias cristalinas de cor amarela clara, 15 embalagens que continha pó branco e 35 comprimidos em embalagem de papel de estanho de cor vermelha e branca (vide os autos de apreensão das fls. 10 dos autos).
Submetidos a exame laboratorial, as supracitadas 15 embalagens que continham substâncias cristalinas de cor amarela calara foram identificados que continha substâncias de Cocaína, abrangidas na Tabela I-A, prevista no Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro, com peso líquido de 4.215g (mediante análise de métodos quantitativos: 77.57% de Cocaína, peso líquido de 3.270g); 15 embalagens que continha pó branco foram identificados que continha substâncias de Ketamina, abrangidas na Tabela II-C, do mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 20.027g (mediante análise de métodos quantitativos: 84.79% de Ketamina, peso líquido de 16.981 g); os 35 comprimidos foram identificados como substâncias de Nimetazepam, abrangidas na Tabela IV, do mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 6.548g.
Os agentes da PJ, encontraram na posse do arguido A, 4 telemóveis, $600 dólares de HK e $1,000 patacas (vide os autos de apreensão a fls. 12 dos autos).
Por outro lado, os agentes da PJ, encontraram na posse do arguido B, 1 telemóvel, $6,000 dólares de HK, $1,500 patacas (vide os autos de apreensão a fls. 20 dos autos).
O arguido A agiu de forma livre, voluntária e conscientemente.
O arguido A, sabendo que não era permitido, adquiriu e detinha os supracitados produtos estupefacientes sem serem para o seu consumo pessoal.
O arguido A sabia perfeitamente que a sua supracitada conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou :
No CRC dos 1º e 2° arguidos nada consta em seu desabono.
Declara ainda o 1º arguido que, antes de ser detido preventivamente, trabalhava na construção civil e auferia mensalmente 40 000 dólares de Hong Kong. Tem como habilitações académicas o ensino primário e tem a seu cargo seus pais e filhos.
O 2º arguido era ajudante de cozinha e auferia cerca de oito mil dólares de Hong Kong, tem o 5º ano do ensino secundário, e não tem ninguém a seu cargo.”
Factos não provados:
“Não se provaram quaisquer outros factos da acusação e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente, nomeadamente:
Que a partir de finais de 2008 o 1º arguido A adquiria estupefacientes em Hong Kong, transportava-os para Macau através das Portas do Cerco, e, com o auxílio do 2º arguido, vendia os estupefacientes nos diversos estabelecimentos nocturnos de Macau e demais factos relacionados com essa actividade praticados em conjunto.
Que os restantes objectos, com excepção dos estupefacientes apreendidos, eram utilizados para a prática da actividade criminosa imputada aos arguidos.
E demais elementos subjectivos do ilícito e referentes ao arguido B.”
2.2 Nulidade da prova
Continua o recorrente, no presente recurso, a alegar que foi vítima de violência por parte da polícia e que o tribunal recorrido valorou provas obtidas por método proibidos, em violação do art.º 113.º do Código de Processo Penal (CPP).
De acordo com os elementos dos autos, é certo que o recorrente veio arguir, logo no fim do primeiro interrogatório judicial realizado perante o juiz de instrução criminal após a sua detenção pela PJ no mesmo dia, a nulidade da prova do seu interrogatório prestado na PJ.
Na altura e ainda no JIC, o Ministério Público entendeu e o juiz de instrução criminal concordou que a questão não se pôs, pois dos autos não constava nenhum auto de declarações ou interrogatórios de qualquer um dos arguidos. Mesmo assim, o juiz de instrução criminal mandou conduzir logo o recorrente à entidade hospitalar para proceder de imediato o exame médico a fim de determinar a existência de eventuais lesões e a sua origem.
Nos termos do n.º 1 do art.º 113.º do CPP, “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.”
No entanto, o recorrente nunca indicou qual prova foi obtida por métodos proibidos.
Segundo a nulidade da prova suscitada pelo recorrente logo no primeiro interrogatório judicial realizado no JIC, parece que é o interrogatório prestado na PJ pelo recorrente que está em causa.
Só que, para além dos autos de constituição de arguido e de apreensão, revista e busca e da declaração de identidade, o recorrente não assinou mais documentos na PJ, nem constam dos presentes autos nenhuma declaração prestada pelo recorrente na PJ. Naturalmente não é possível que a convicção do tribunal se fundamenta na declaração prestada pelo recorrente na PJ, como demonstra no acórdão de primeira instância.
Assim, é evidente que não se verifica nulidade de prova nos presentes autos.
De qualquer modo, se o recorrente foi mesmo vítima de violência policial, ele podia e devia apresentar queixa perante autoridade competente, embora os elementos dos autos mostram que o recorrente envolveu em confronto físico com os agentes policiais ao ser detido por ele ter tentado fugir e estes ter utilizado força adequada para o controlar.
2.3 Medida da pena
O recorrente entende que a pena imposta ao mesmo devia ser de 4 a 5 anos de prisão, fundamentando sobretudo no facto de ser primário e o grau de ilicitude não ser intenso.
Embora depois da data dos factos praticados pelo recorrente entrou em vigor a nova lei de proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas (Lei n.º 17/2009), no presente recurso não há necessidade de proceder à comparação dos regimes antigo e novo nesta matéria nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do Código Penal, porque a lei antiga, o Decreto-Lei n.º 5/91/M, é manifestamente menos favorável ao recorrente por a pena mínima para o tráfico de drogas ser de 8 anos de prisão, superior à pena de 7 anos de prisão aplicada pelos tribunais de instância com a lei nova.
O crime de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 da nova Lei n.º 17/2009 é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
No presente caso, o facto de o recorrente ser primário constitui apenas uma circunstância atenuativa geral e com valor relativo.
Face à diversidade e quantidade de drogas apreendidas ao recorrente, é inegável a grande intensidade de culpa do recorrente e de ilicitude da sua conduta. É de considerar ainda a sua tentativa de fuga perante a perseguição policial e a não confissão dos factos.
A pena de 7 anos de prisão encontrada pelos tribunais de instância revela-se justa e equilibrada.
Assim, o presente recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
Aos 9 de Junho de 2010
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.º 27 / 2010 1