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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 13 / 2010

Recorrente: Chefe do Executivo
Recorrido: A






   1. Relatório
   A requereu perante o Tribunal de Segunda Instância a suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo de 7 de Janeiro de 2010 que lhe ordenou a desocupação de um terreno sito em Coloane, a demolição e despejo da construção ilegal, a remoção de materiais nele depositados e a entrega do terreno ao Governo da RAEM.
   Por acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 18 de Março de 2010 proferido no processo n.º 189/2010/A, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo do Chefe do Executivo foi deferido.
   Inconformado com a decisão, o Chefe do Executivo recorreu deste acórdão para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - O requerente A, ao referir-se a eventuais prejuízos, alegou apenas que se destruir a casa onde moram o requerente e a esposa, ‘...o requerente já se encontrará na rua, sem o seu tecto!’, mas não alegou se ter ou não ‘sentimento’ para com a casa, nem especificou os factos relativos à ‘formação e manutenção’ de ‘tal sentimento provável dele’ para com a casa em questão;
   - De acordo com os elementos constantes dos autos do processo administrativo apensados aos autos deste processo, em 30 de Dezembro de 2008, a DSSOPT recebeu uma comunicação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, pela qual foi informada de que funcionários desse Instituto tinham visto que no terreno em causa ilegalmente ocupado ocorriam escavações da encosta do monte, porém, naquela altura, ainda não se via a casa do requerente;
   - Dos autos supra citados, pode-se concluir que a construção da obra, ou seja, a casa em causa, veio-se desenvolvendo, mesmo depois de instauração do processo administrativo, inclusive continuou a obra depois do dia 14 de Janeiro de 2009, data em que funcionários da DSSOPT colaram a ordem de proibição da execução da obra no seu canteiro. Em 19 de Maio de 2009, já se apresentavam a figura e contornos da casa em causa; em 2 de Julho de 2009, tem-se concluído o revestimento das paredes externas e procedido à decorações interiores; em 30 de Outubro de 2009, ao vistoriar o local, funcionários do DSSOPT não se encontraram mais construtores, enquanto a casa já estava construída.
   - O requerente, no seu requerimento de suspensão da eficácia do acto administrativo, apenas fez alegações genéricas e vagas sobre o prejuízo de difícil reparação, não conseguiu apontar nenhum facto concreto que possa comprovar o eventual prejuízo de difícil reparação com a execução do acto administrativo;
   - Os prejuízos invocados pelo requerente não são de difícil reparação por ser indemnizáveis pecuniariamente e existir medidas de protecção social;
   - A suspensão do acto administrativo permitirá a ocupação ilegal contínua do terreno por longo tempo, sem poder proceder ao uso adequado do terreno conforme as necessidades dos interesses públicos, o que poderá gerar impressão no público de que o acto de ocupação ilegal da terra do Estado é permissível ou tolerável durante um período, o que determina graves prejuízos aos respectivos interesses públicos;
   - O pedido do requerente não satisfaz os requisitos previstos nas al.s a) e b) do n.° 1 do art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso;
   - Não se justifica a necessidade para o Tribunal de ponderar, segundo o disposto no art.º 121.º, n.º 4 do CPAC, entre os prejuízos eventualmente a ser causados ao requerente e a execução imediata do acto administrativo, já que não causará prejuízos de difícil reparação ao requerente.
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e negando a requerida suspensão da eficácia do acto impugnado.
   
   O recorrido sustenta, nas suas alegações, a manutenção do acórdão recorrido.
   
   O Ministério Público emitiu o parecer no sentido de negar provimento ao presente recurso.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   No terreno identificado no procedimento administrativo n.º 1/DC/2009/F, sito junto ao caminho no tardoz da [Endereço (1)], na Ilha de Coloane, foi construída, para além de outras obras realizadas, uma casa de acordo como as fotografias que ora se juntam sob os docs. n.º 2 a 6 (no recurso contencioso).
   O requerente vive nessa casa com a sua esposa, exibindo nos autos a respectiva factura do consumo regular de electricidade, invocando posse ancestral sobre o terreno em causa.
   O acto recorrido consubstancia no Despacho de sua Exa. o Sr. Chefe do Executivo de 7 de Janeiro de 2010, exarado sobre a informação n.º 7916/DURDEP/2009, de 17 de Dezembro de 2009, segundo a qual foi “ordenado que procedam, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de publicação do presente edital, à desocupação do identificado terreno, à demolição e ao despejo da construção ilegal, removendo os materiais e equipamentos nele depositados, bem com procedam à entrega do terreno ao governo da RAEM, sem direito a qualquer indemnização.”
   
   
   2.2 Requisitos de suspensão de eficácia dos actos administrativos
   Antes de mais, cabe referir que ao presente caso não se aplica o regime suspensivo de recurso de decisões administrativas de demolição de obras de construção sem licença previsto no n.º 7 do art.º 52.º do Regulamento Geral da Construção Urbana (Decreto-Lei n.º 79/85/M de 21 de Agosto).
   Pois, a ordem de demolição e despejo da construção ilegal constante do acto impugnado não se fundamenta na sua falta de licença de obra prevista naquele Regulamento, mas sim na falta de contrato de concessão ou licença de ocupação temporária previstos na Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M), isto é, sem qualquer título legalmente válido para ocupar e aproveitar do terreno do Estado, ordem essa inserida no acto de conteúdo mais vasto de desocupação e restituição do terreno ao Governo da RAEM, praticado pelo Chefe do Executivo no uso do poder conferido pela al. o) do art.º 41.º da Lei de Terras.
   
   Estão previstos no n.° 1 do art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) os três requisitos gerais para suspender a eficácia dos actos administrativos, como providência preventiva e conservatória:
   “1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
   a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.”
   
   Tais requisitos são de verificação cumulativa.
   Não se aprecia agora o requisito previsto na al. c) por não ter sido posta em causa a sua verificação.
   Vamos examinar os restantes dois requisitos, primeiro o previsto na al. b) e depois o na al. a).
   Por outro lado, sendo processo urgente (art.° 6.°, n.° 1, al. d) do CPAC), o tribunal de recurso deve, no recurso de decisões proferidas neste processo, decidir, quando possível, sobre o mérito da causa, por força do n.° 3 do art.° 159.° do mesmo Código.
   
   
   2.3 Grave lesão do interesse público
   Para o recorrente, o acto administrativo impugnado tem por objectivo o aproveitamento adequado do terreno público, impedir que sejam provocados danos aos recursos naturais encontrados no terreno público e dar a conhecer ao público a reacção de lei perante a ocupação ilegal do terreno público.
   
   Segundo o acto impugnado, a encosta no terreno em causa foi escavada e nivelada e que foram arrancadas árvores, alterando-se desta forma a topografia do local sem que tenha sido emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) a licença de obra, bem como foram construídos no terreno um prédio com estrutura em betão armado e uma parede de retenção, sem que tenha sido atribuída aos ocupantes licença de ocupação temporária, nos termos dos art.°s 69.° a 75.° da Lei de Terras.
   O terreno considera-se património público do Estado, nos termos do art.° 7.° da Lei Básica. A ocupação pelo recorrido não é titulada por contrato de concessão ou licença de ocupação temporária prevista na Lei de Terras que autorize a sua posse, o que determina que o mesmo terreno seja entregue, livre e desocupado, ao Governo da RAEM ao abrigo do disposto na al. o) do art.° 41.° da Lei de Terras.
   
   Segundo alega pelo recorrente, em 30 de Dezembro de 2008, a DSSOPT recebeu uma comunicação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, pela qual foi informada de que funcionários desse Instituto tinham visto que no terreno em causa ilegalmente ocupado ocorriam escavações da encosta do monte, porém, naquela altura, ainda não existia a casa do requerente A.
   A construção da casa em causa foi desenvolvendo, mesmo depois de instauração do processo administrativo, inclusive continuou a obra depois do dia 14 de Janeiro de 2009, data em que funcionários da DSSOPT colaram a ordem de proibição da execução da obra no seu canteiro. Em 19 de Maio de 2009, já se apresentavam a figura e contornos da casa em causa; em 2 de Julho de 2009, tem se concluído o revestimento das paredes externas e procedido à decorações interiores; em 30 de Outubro de 2009, ao vistoriar o local, funcionários do DSSOPT não se encontraram mais construtores, enquanto a casa já estava construída.
   
   É certo que nos presentes autos não se verifica mais sinais de novas acções ou tentativas, depois da prática do acto impugnado, no sentido de alterar a topografia do terreno que destrua a vegetação natural e permita utilização privada de mais espaço de terreno.
   No entanto, é de atender que, tal como foi alegado pelo recorrente e confirmado pelos elementos dos presentes autos e do processo administrativo (p. a.) junto ao processo do respectivo recurso contencioso, a moradia construída pelo recorrido é uma construção nova cujas obras foram realizadas com total ignorância da lei.
   De facto, no início das obras de escavação e arranjo do terreno, situação detectada pelo pessoal do IACM em Dezembro de 2008, não existia no local nenhuma construção (fls. 5 do p. a.).
   Dias depois, a DSSOPT confirmou a situação no local e mandou parar as obras por falta de licença de obras, altura estava presente precisamente o ora recorrido, requerente da providência (fls. 10 e 33 do p. a.).
   A DSSOPT emitiu a ordem de proibição de execução de obras ainda em Janeiro de 2009 (fls. 17 do p. a.).
   No entanto, as obras continuaram com o acabamento de parede de retenção e início da construção de estrutura da actual moradia com os pilares de betão armado já no mês seguinte (fls. 29 e 40 do p. a.)
   Nos princípios de Março de 2009 foi emitida mais uma ordem de proibição de execução de obras pela DSSOPT que alargou o âmbito de proibição para abranger também a construção da moradia (fls. 67 do p. a.).
   Em 19 de Março, o recorrido recusou a assinar a nota de notificação da referida ordem (fls. 101 do p. a.).
   
   Por razões que se desconhece no presente processo, só no início de Julho de 2009 foi instaurado o procedimento administrativo de desocupação e restituição do terreno à posse do Governo da RAEM com a publicação do edital nos termos do art.º 72.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
   Após, o recorrido apresentou contestação escrita.
   Nos finais de Outubro de 2009, as obras de construção e decoração já foram concluídas e estava a moradia pronta a ser utilizada.
   Desde a emissão da segunda ordem de proibição de execução de obras em Março de 2009 até Outubro do mesmo ano, data em que a moradia já entrou em funcionamento, os agentes da DSSOPT deslocaram-se ao local mais de vinte vezes, mas os elementos dos autos mostram que se limitaram sempre a verificar a situação, tirar fotografias e em três ocasiões avisar os trabalhadores encontrados no local para suspender as obras e deixar o local. A realidade é que as obras de construção da moradia foram prosseguindo até ao seu acabamento, com total ignorância das ordens de proibição de execução de obras emitidas pela DSSOPT e de instauração do procedimento administrativo de desocupação e restituição do terreno à posse da RAEM.
   
   É manifesto que o recorrido, tendo perfeito conhecimento da ilegalidade das obras realizadas no local pelo menos por falta das respectivas licenças de obra e a posição do Governo sobre a titularidade da propriedade do terreno pelo Estado, mantinha as obras em curso até concluídas a construção e decoração da moradia, violando publicamente as ordens administrativas de proibição de execução de obras, sem cuidar as possíveis sanções legais, incluída a eventual responsabilidade criminal.
   O acto cuja eficácia se pretende suspender visa precisamente a repor a ordem jurídica violada, restabelecendo com premência o respeito pela lei face à sua violação sucessiva. A suspender a eficácia do acto em causa, este interesse público visado pelo acto será gravemente prejudicado.
   É de considerar não verificado no presente caso o requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
   
   
   2.4 Prejuízo de difícil reparação para o requerente
   O recorrido alega que a requerida suspensão de eficácia do acto visa impedir a demolição da moradia onde vive com a sua esposa, que lhes privaria de usar e fruir do seu bem na pendência do recurso contencioso e ficariam sem tecto para viver.
   
   Se o efeito de um acto administrativo fosse a destruição de uma casa, exige naturalmente maior prudência ao considerar se a imediata execução do acto causará prejuízo de difícil reparação para o interessado.
   No presente caso, entendemos que não está verificado o requisito previsto na al. a) do n.° 1 do art.° 121.° do CPAC, ou seja, a demolição da moradia em causa não determina prejuízo de difícil reparação para o recorrido.
   
   De facto, a moradia é uma construção totalmente nova e só foi concluída nos finais de Outubro de 2009. Não há qualquer valor histórico ou arquitectural de relevo. Assim, não será difícil a sua reconstrução no caso de ser demolida, que a Administração deve tomar toda a precaução a prevenir esta hipótese, com a indemnização pecuniária dos prejuízos que não podem ser reparados por reconstituição natural, nomeadamente os que resultam da privação do uso da moradia.
   Não foi alegada qualquer ligação afectiva do recorrido ou da sua família com a moradia.
   Mais ainda, as obras de construção da moradia tinham sido realizadas já com a emissão de duas ordens de proibição de execução de obras. Ou seja, o recorrido conhecia a falta de licenças para as obras cuja execução tinha sido proibidas por referidas ordens administrativas. Por outro lado, também sabia perfeitamente a posição da Administração sobre a titularidade da propriedade do terreno.
   
   No quadro de circunstâncias concretas do presente caso, a execução imediata do acto não constitui prejuízo de difícil reparação para o recorrido.
   É de salientar que a construção de casa alegadamente de forma ilegal foi levada a cabo pelo recorrido com manifesto desrespeito de ordens proibitivas da Autoridade, mesmo até correndo o risco de responder criminalmente. Por outra palavra, mesmo que exista eventualmente prejuízo de difícil reparação, seria este provocado por ele próprio.
   Com esta conclusão, torna-se desnecessário apreciar o caso nos termos do n.° 4 do art.° 121.° do CPAC.
   
   Assim, deve ser indeferida a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto requerida.
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e, em consequência, indeferir a suspensão de eficácia do acto impugnado no recurso contencioso.
   Custas neste Tribunal e no Tribunal de Segunda Instância pelo requerente, com as taxas de justiça fixadas em 4UC e 6UC, respectivamente nesta e noutra instância.
   
   Aos 2 de Junho de 2010


Os Juízes: Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



Processo n.º 13 / 2010 12