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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 18 de Novembro de 2009, condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 10 (dez) anos de prisão e em MOP$30.000,00 (trinta mil patacas), ou em alternativa, em 200 (duzentos) dias de prisão.
  Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 22 de Abril de 2010, julgou improcedente o recurso.
  Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
  1 - O recorrente deveria ter beneficiado da atenuação especial, por ser primário e ter confessado os factos, nomeadamente que era consumidor de estupefacientes, o local onde adquiriu a droga e a quem adquiriu a droga, pelo que o tribunal a quo, ao ignorar o comando do artigo 66.º, n.º 1 e 2.º, alínea c), do Código Penal, violou a mencionado dispositivo legal;
  2 - Ainda que o tribunal ad quo considerasse que o recorrente não preenche os requisitos para lhe ser aplicável a figura da atenuação especial, ainda assim, nada impedia que beneficiasse da atenuação geral, prevista no artigo 65.º do Código Penal.
  A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se contra a atenuação especial da pena, mas entende que, aplicando-se a lei mais favorável (a nova), deve o arguido ser condenado numa pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.
  No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
  1. No dia 7 de Março de 2008, cerca das 2H00 da madrugada, o recorrente A foi interceptado pelo pessoal da Polícia Judiciária, no Restaurante de Comida Tailandesa sito nas proximidades do [Endereço (1)].
  2. Após ter feito uma revista ao recorrente, foram encontrados na posse dele: (vd. Auto de apreensão, a fls. 11)
  - um saco de plástico transparente colocado no bolso das calças do lado direito, contendo pós brancos, e
  - um telemóvel colocado no bolso das calças do lado esquerdo.
  3. Quando pessoal da PJ efectuou busca junto à [Endereço (2)], o recorrente, por sua iniciativa, disse ao pessoal da PJ o local onde se escondiam os respectivos estupefaciente. Segundo as informações fornecidas pelo recorrente, pessoal da PJ encontrou os seguintes objectos:
  - no guarda-roupa, uma almofada de cor preta que nela continha um grande saco de plástico transparente contendo:
  - 43 saquinhos de plástico de cor branca contendo pós brancos;
  - 1 saquinho de plástico contendo 8 comprimidos;
  - 1 saquinho de plástico contendo 10 comprimidos;
  - 1 saquinho de plástico contendo 15 comprimidos; e
  Um outro grande saco de plástico contendo;
  - 14 saquinhos de plástico contendo pós brancos; e
  - 202 comprimidos (1 comprimido de cor de laranja e 201 de cor verde).
  - num altifalante existente no quarto de dormir, foram encontrados 5 sacos de plástico transparente, contendo, respectivamente, os seguintes objectos (vd. Auto de apreensão, a fls. 13 e 14)
  - 55 saquinhos de plástico contendo pós brancos;
  - 53 saquinhos de plástico contendo pós brancos;
  - 56 saquinhos de plástico contendo pós brancos;
  - 50 saquinhos de plástico contendo pós brancos; e
  - 1 saco de plástico contendo pós brancos;
  4. Em relação a todos os pós brancos acima referidos, após feito o exame laboratorial, confirmou-se os seguintes:
  - O saco de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 13.092 gramas, continha 81.24% de Ketamina, com peso de 10.636 gramas;
  - Os 43 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 60.642 gramas, continha 82.76% de Ketamina, com peso de 50.187 gramas;
  - Os 14 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 32.619 gramas, continha 85.51% de Ketamina, com peso de 27.893 gramas;
  - Os 55 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 74.518 gramas, continha 90.60% de Ketamina, com peso de 67.513 gramas;
  - Os 53 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 70.947 gramas, continha 86.75% de Ketamina, com peso de 61.547 gramas;
  - Os 56 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 128.956 gramas, continha 83.45% de Ketamina, com peso de 107.614 gramas;
  - Os 50 saquinhos de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 115.385 gramas, continha 82.70% de Ketamina, com peso de 95.423 gramas;
  - O saquinho de plástico contendo pós brancos, com peso líquido de 11.826 gramas, continha 83.79% de Ketamina, com peso de 9.909 gramas;
  5. Todos os objectos acima referidos, após feito o exame laboratorial, confirmou-se os seguintes:
  - o comprimido de cor de laranja era Nimetazepam, com peso líquido de 0.187 gramas;
  - os 201 comprimidos de cor verde eram Nimetazepam, com peso líquido de 37.578 gramas;
  - os 8 comprimidos de cor amarela continham substâncias de MDMA e Ketamina, com peso líquido de 2.106 gramas, entre as quais 35.49% de MDMA, com peso de 0.747 gramas;
  - os 10 comprimidos de cor amarela continham substâncias de MDMA e Ketamina, com peso líquido de 2.726 gramas, entre as quais 34.27% de MDMA, com peso de 0.934 gramas;
  - os 15 comprimidos de cor amarela continham substâncias de MDMA e Ketamina, com peso líquido de 4.167 gramas, entre as quais 33.32% de MDMA, com peso de 1.388 gramas;
  6. A substância de Ketamina é abrangida na Tabela II-C do Decreto-Lei Nº 5/91/M, bem como, a substância de MDMA é abrangida na Tabela II-A, e a de Nimetazepam é abrangida na Tabela IV, do mesmo decreto-lei. (O supracitado Decreto-Lei foi alterado pela Lei n.º 4/2001)
  7. Todos os estupefacientes foram adquiridos pelo recorrente A, no dia 25 de Fevereiro de 2008, pelo preço de RMB 20.000,00, junto de um indivíduo do sexo masculino, num estabelecimento nocturno sito em Zhuhai.
  8. Depois, o recorrente A transportou todos esses estupefacientes para Macau, tendo-os escondido na sua residência, com a finalidade de venda.
  9. Entre os estupefacientes acima referidos, o recorrente A, por duas vezes, vendeu oito sacos de Ketamina com peso líquido total de oito gramas, aos consumidores no cybercafé ”.
  10. A fim de vender os estupefacientes, o recorrente, por via telefónica, combinava com os consumidores para fazer transação no supracitado cybercafé. O recorrente vendeu pelo preço de MOP300,00 por cada saco de Ketamina.
  11. O recorrente tentou vender a um indivíduo do sexo masculino, de nome “B”, os estupefaciente que estavam na sua posse.
  12. Além disso, o recorrente tentou vender os comprimidos pelo preço de MOP50,00 por cada.
  13. O recorrente tem vindo a utilizar o telemóvel ora apreendido (vd. fls. 11) para praticar o tráfico de droga.
  14. O recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar os actos supracitados.
  15. Tinha perfeito conhecimento de natureza e características dos estupefacientes supracitados.
  16. O recorrente adquiria, detinha e transportava os estupefacientes supracitados, no intuito de vendê-los a outra pessoa, a fim de obter ou ganhar remuneração pecuniária.
  17. O recorrente sabia bem que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.
  18. O recorrente, antes de ser preso, encontrava-se desempregado. É solteiro e não tem ninguém a seu cargo.
  19. O recorrente confessou sem reservas e integralmente os factos de que e acusado. É delinquente primário.
  Factos não provados: Não há.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver
  As questões a resolver são as de saber se a pena deveria ter sido especialmente atenuada e, caso se responda negativamente, se o Acórdão recorrido deveria ter aplicado uma pena inferior.
  
  2. Atenuação especial da pena
  Não se vislumbra que se tenham provado factos que permitissem a atenuação especial da pena. A quantidade de estupefaciente apreendida e destinada à venda pelo arguido era apreciável e este sendo jovem (com 19 anos de idade ao tempo dos factos) e sem antecedentes criminais, apenas apresenta a seu favor a confissão e ter mostrado à Polícia onde se encontrava o grosso do produto; mas este facto não pode ser demasiado valorizado, já que a Polícia já tinha decidido fazer busca à sua residência e haveria certamente de encontrar aquele produto, mesmo sem a colaboração do arguido.
  Não existem, assim, circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, que são os pressupostos da atenuação especial da pena (n.º 1 do artigo 66.º do Código Penal).
  Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
  
  3. Medida da pena
  Vem suscitada a questão da medida da pena.
  O Tribunal de 1.ª Instância condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 10 (dez) anos de prisão e em MOP$30.000,00 (trinta mil patacas), ou em alternativa, em 200 (duzentos) dias de prisão.
  Para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal - que dispõe que “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado” – o Tribunal considerou esta pena mais favorável ao arguido que a que lhe caberia pela lei nova (artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto). Isto porque decidiu que a pena que deveria ser aplicada por esta lei seria de 11 (onze) anos de prisão.
  O TSI, sem comparar os dois regimes penais, considerou ajustada a pena de 10 (dez) anos de prisão e MOP$30.000,00 (trinta mil patacas), ou em alternativa, 200 (duzentos) dias de prisão, pela prática do crime previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
  Embora o arguido apenas pretenda a aplicação de uma pena inferior, não suscitando expressamente a questão da comparação entre os dois regimes penais, por força do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, entende-se caber ao Tribunal efectuar tal comparação, porque se trata de aplicação do direito decorrente de uma questão suscitada pelo recorrente respeitante à medida da pena.
  Ora, perante os factos provados, sucintamente resumidos atrás, e face aos critérios constantes do artigo 66.º do Código Penal, afigura-se-nos que, aplicando a lei antiga (crime previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M), a pena de prisão de 10 anos é demasiado pesada porque exactamente na média, entre os mínimos e máximos da penalidade (8 a 12 anos de prisão), o que está desajustado atendendo à juventude do arguido, à sua postura de colaboração com as autoridades, e à falta de quaisquer antecedentes criminais, sendo que a quantidade de produto estupefaciente apreendido, embora apreciável (cerca de 430 g de ketamina e 235 comprimidos com MDMA, ketamina e Nimetazepam) não se pode considerar particularmente significativa.
  Uma pena mais proporcionada à culpa do agente e às exigências de prevenção, será de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, mantendo-se a multa de MOP$30.000,00 (trinta mil patacas), ou em alternativa, 200 (duzentos) dias de prisão.
  Porém, onde a desproporção da pena aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância é mais flagrante é na aplicação da lei nova, onde se fixou a pena em 11 (onze) anos de prisão.
  E dizemos que a desproporção é maior porque a penalidade da pena de prisão da lei nova, variando entre 3 e 15 anos, comparando com a da lei antiga (8 a 12 anos), em abstracto, é um pouco menos pesada que a da lei antiga. É que o ponto médio da lei nova, entre o mínimo e o máximo, situa-se nos 9 anos de prisão, enquanto que o da lei antiga se situa nos 10 anos de prisão. E, por isso, objectivamente, a penalidade da lei nova é menos severa que a da lei antiga.
  Por outro lado, e entrando agora na aplicação concreta da lei, apesar de nosso sistema jurídico não existir aquilo que no direito da common law se designa por sentencing guidelines, é sabido que, na prática judicial, na aplicação de pena de prisão, ponderando-se o mínimo e o máximo da penalidade aplicável, bem como as circunstâncias do caso, se parte do mínimo desta penalidade para se atingir a medida correcta da pena.
  Ora, o mínimo da penalidade da lei nova é substancialmente inferior ao da lei antiga.
  O Tribunal de 1.ª Instância, ao fixar a pena de 11 anos de prisão, parece só ter atentado no limite máximo da nova lei (15 anos de prisão), descurando o novo limite mínimo, que é de 3 anos de prisão.
  Assim, considerando os limites da penalidade e o circunstancialismo dos autos, afigura-se-nos que a pena justa para o arguido é de 8 (oito anos) de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009.
  É, pois, o regime da lei nova o concretamente mais favorável ao arguido, para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, julgam parcialmente procedente o recurso e como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, condenam o arguido na pena de 8 (oito anos) de prisão.
  O recorrente pagará custas, com taxa de justiça fixada em 2 UC, tanto neste Tribunal como no TSI.
  À defensora do arguido fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
Macau, 15 de Junho de 2010.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin




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Processo n.º 26/2010