ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 29 de Janeiro de 2010, condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 10 (dez) anos de prisão e em MOP$30.000,00 (trinta mil patacas) de multa, ou em alternativa, em 3 (três) meses de prisão.
Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 3 de Junho de 2010, julgou improcedente o recurso.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
Considerando todas as circunstâncias do crime praticado pelo recorrente, tais como grau de ilicitude, intensidade de dolo, prevenção criminal e a conduta anterior e posterior do facto, não deve ser condenado na pena de prisão de 10 anos.
Particularmente o recorrente confessou a maioria dos factos lhe imputados, pelo que mostrou seu arrependimento e o facto de as dificuldades económicas que se enfrentava sua família levaram o recorrente servir como instrumento de tráfico de drogas, circunstância essa deve ser considerada na determinação da medida da pena.
Assim, o recorrente entende que o Tribunal de Colectivo do TSI violou o disposto no art.º 40º e no art. 65º do Código Penal por aplicar uma pena excessiva sem considerar suficientemente as circunstâncias concretas do recorrente, pedindo que condenem o arguido, pela prática de um crime de “tráfico e actividades ilícitas de drogas” p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei N.º 5/91/M, numa pena de prisão efectiva não superior a 8 anos e 6 meses de prisão e numa multa não superior a MOP$10000, convertível em um mês de prisão, caso não for paga nem substituída por trabalho ou se assim não entenderem, que pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, numa pena que se mostre mais favorável ao arguido.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se contra a fixação de pena inferior, mas entende que, aplicando-se a lei mais favorável (a nova), deve o arguido ser condenado numa pena não superior a 9 anos de prisão.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
1. Dia 31 de Outubro de 2008, pelas 10h07, o recorrente A chegou ao aeroporto de Macau, procedente de Kuala Lumpur, Malásia, por via aérea, no voo XXXX, da Companhia Aérea.
2. Pelas 10h30, agentes da PJ interceptaram o recorrente A na zona de levantamento de bagagens do aeroporto.
3. Por suspeita de o recorrente A transportar drogas no interior do organismo, agentes da PJ levaram-no ao Centro Hospitalar C.S.J., designadamente ao Serviço de Urgência para exames necessários.
4. Submetido ao exame de Raio X, foram detectados, na parte abdominal do recorrente A, imagens em forma de pedrinhas.
5. Entre 13h35 do dia 31 de Outubro e 15h00 do dia primeiro de Novembro, foram evacuados do corpo do recorrente A 53 pacotes embalados com papel plástico de cor amarela em forma de pedrinha.
6. Após exame laboratorial, foi confirmado que os referidos objectos com peso líquido de 522,347 gramas, continham heroína, substância controlada na Tabela I- A do Decreto-Lei Nº 5/91/M.
7. O recorrente A transportou tais drogas dissimuladas a um indivíduo receptor cuja identidade não apurada que o aguardava em Macau.
8. Dia 31 de Outubro de 2008, foram apreendidos ao recorrente A dois telemóveis, três cartões telefónicos, um bilhete de passagem electrónico e 2000 dólares norte americanos em dinheiro.
9. Um dos telemóveis (Nokia N79), cartões telefónicos, bilhete electrónico de passagem e 1500 dólares foram entregues por um indivíduo não identificado ao recorrente A para servir como instrumento para contactos, passagem e custos no serviço de transporte de drogas.
10. O recorrente A agiu de maneira livre, voluntária e consciente quando teve as referidas condutas.
11. Teve perfeitos conhecimentos da natureza e das características da droga acima referida.
12. Sabia que sua conduta não lhe era permitida por nenhuma lei.
13. Sabia que sua conduta era proibida e punida pela lei.
Ainda foram provados:
14. Segundo o Certificado do Regime Criminal, o recorrente A é primário.
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Factos não provados:
1. Os dois telemóveis e os montantes apreendidos de dinheiro serviram como instrumento para prática do crime ou foram resultados obtidos pelo crime.
2. Outros factos constantes, todavia, não conforme os factos dados como provados.
III - O Direito
1. As questões a resolver
A questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido deveria ter aplicado uma pena inferior.
2. Medida da pena
Vem suscitada a questão da medida da pena.
O Tribunal de 1.ª Instância condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 10 (dez) anos de prisão e em MOP$30.000,00 (trinta mil patacas) de multa, ou em alternativa, em 3 (três) meses de prisão.
Para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal - que dispõe que “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado” – o Tribunal considerou esta pena mais favorável ao arguido que a que lhe caberia pela lei nova (artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto). Isto porque decidiu que a pena que deveria ser aplicada por esta lei seria de 12 (doze) anos de prisão.
Ora, perante os factos provados, e face aos critérios constantes do artigo 66.º do Código Penal, afigura-se-nos que, aplicando a lei antiga (crime previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M), a pena de prisão de 10 anos está adequada.
Contudo, parece-nos ser desproporcionada a penalidade que caberia face à lei nova.
Remetemos aqui para as considerações que fizemos no Acórdão proferido em 15 de Junho de 2010, no Processo n.º 26/2010.
Assim, considerando os limites da penalidade e o circunstancialismo dos autos, afigura-se-nos que a pena justa para o arguido é de 9 (nove) de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, tal como defende o Ministério Público.
É, pois, o regime da lei nova o concretamente mais favorável ao arguido, para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.
IV – Decisão
Face ao expendido, julgam procedente o recurso e como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, condenam o arguido na pena de 9 (nove) anos de prisão.
Sem custas.
Ao defensor do arguido fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
Macau, 21 de Julho de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 35/2010