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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.º 34 / 2010

Recorrente: A





   1. Relatório
   Por acórdão do Tribunal Judicial de Base proferido no âmbito do processo n.º CR2-09-0261-PCC, o arguido A foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 9 anos de prisão.
   Inconformado com esta condenação, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido em 20 de Maio de 2010 no processo n.º 409/2010, foi rejeitado o recurso.
   Deste acórdão vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - O fundamento do recurso resulta do facto de terem sido violados os art.ºs 65.º, n.º 2, al. e) e 66.º do CPM.
   - Tal violação deve-se ao facto de não ter sido considerada a colaboração do recorrente, fornecendo elementos sobre quem lhe terá fornecido a droga, elementos esses que permitiram o prosseguimento da investigação policial como consta dos autos fls. 77.
   - Embora tal tenha sido alegado na audiência de julgamento, não há qualquer referência ao mesmo na decisão da primeira instância como refere o douto acórdão recorrido.
   - O douto acórdão recorrido, pelo facto da colaboração do recorrente não constar da decisão da Primeira Instância, conclui que a mesma não terá ocorrido, não fazendo qualquer referência à violação do art.º 65.º, pelo que não equacionou a justeza da medida da pena.
   - Sobre a medida da pena foram igualmente ignorados pelo acórdão recorrido questões que colocam em evidência a excessiva severidade da mesma.
   - Questões essas que se prendem com a desigualdade na determinação da medida concreta da pena quando comparada com outros casos.
   - O douto acórdão recorrido valoriza a quantidade da droga apreendida, considerando-a em termos agravativos, mas não considera que quantidades substancialmente diferentes devam determinar medidas de pena diferentes.
   - O recorrente é primário, mostrou-se arrependido e fez tudo o que estava ao seu alcance para reparar as consequências do crime.
   
   O Ministério Público emitiu a resposta que consiste essencialmente no seguinte:
   - O recorrente insiste em chamar à colação a sua “colaboração, fornecendo elementos sobre quem lhe terá fornecido a droga … ”.
   - Tal facto, todavia, não consta da factualidade dada como assente.
   - Não se verifica o especial quadro atenuativo que o art.º 66.º do C. Penal exige.
   - A favor do arguido, há a considerar, apenas, a confissão dos factos.
   - E essa circunstância tem um valor muito reduzido.
   - Em benefício da recorrente, provou-se, tão só, o referido comportamento processual.
   - Em termos agravativos, por seu turno, impõe-se realçar, para além da quantidade da droga em causa, a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
   - Quanto aos fins das penas, são muito elevadas, na hipótese vertente, as exigências de prevenção geral.
   - Não pode olvidar-se, a propósito, o contributo decisivo dos “correios” para a proliferação do tráfico da droga.
   - E a situação da R.A.E.M., nesse domínio, suscita preocupações crescentes.
   - Tudo ponderado, enfim, a pena impugnada não pode deixar de ter-se como justa e equilibrada.
   Concluindo que o recurso deve ser julgado manifestamente improcedente com a consequente rejeição.
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “Em X de Março de 2009, pelas 10h10, o arguido A chegou ao Aeroporto Internacional de Macau, do voo n.º AKXX de “Air Asia” vindo da Malásia.
   Depois, nas imediações das correias transportadoras da zona das entradas do Aeroporto Internacional de Macau, agentes da PJ interceptaram o arguido A e encaminharam-no para o gabinete da PJ no Aeroporto Internacional de Macau para proceder à busca.
   Dentro do gabinete da PJ no Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ apreenderam na fenda entre a palmilha e a sola das sapatilhas de cores cinza e preta (marca: “POWER”) usadas pelo arguido A duas embalagens que continham substância embrulhada pelo papel de plástico de cor amarela (vide o auto de apreensão a fls. 13 dos autos).
   Após o exame laboratorial, confirmou-se que a substância contida nas duas embalagens supracitadas continha composição de “heroína” regulada na Tabela I-A do Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 382.47g. (após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de “heroína” era de 273.58g.).
   Os estupefacientes supracitados foram entregues ao arguido A por indivíduo não identificado.
   O arguido A obteve os estupefacientes supracitados e trouxe-os para Macau com a intenção de transportá-los para Zhuhai e entregá-los a indivíduo não identificado.
   Além disso, os agentes da PJ também apreenderam na posse do arguido A um telemóvel, dois bilhetes de avião electrónicos pertencentes ao arguido A (vide o auto de apreensão a fls. 16 dos autos).
   O telemóvel e os bilhetes de avião supracitados eram instrumentos de comunicação e bilhetes utilizados no exercício da actividade de transporte de droga.
   O arguido A, agindo livre, voluntária e conscientemente, praticou deliberadamente o acto supracitado.
   O arguido A sabia perfeitamente de que no interior das sapatilhas usadas por si próprio eram guardados os estupefacientes supracitados e da natureza e características dos estupefacientes em causa.
   O arguido A praticou o acto supracitado que não era permitido por qualquer lei.
   O arguido A sabia bem que a dita conduta era proibida e punida por lei.
   
   Mais se provou:
   O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas e mostrou-se arrependido.
   O arguido era carteiro e auferia mensalmente 15.000,00 pesos (cerca de MOP$2.600,00).
   Tem como habilitações académicas o ensino universitário e tem sua mãe, 2 filhos e uma irmã a seu cargo.
   Conforme o CRC, o arguido é primário.
   
   Factos não provados:
   Nada a assinalar, uma vez que ficaram provados todos os factos relevantes da acusação.”
   
   
   2.2 Medida da pena e a sua atenuação especial
   O recorrente insiste na atenuação especial da sua pena ao abrigo do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 pela sua atitude de colaboração na fase do inquérito, fornecendo todos os elementos do seu conhecimento para que fosse possível uma investigação. Ou também atenuada especialmente segundo o art.º 66.º do Código Penal (CP) por ter usado este único meio possível ao seu alcance para tentar reparar o seu acto e mostrado arrependido.
   
   A Lei n.º 17/2009 prevê no seu art.º 18.º um mecanismo de atenuação especial ou dispensa da pena para os casos de produção ou tráfico ilícito de drogas:
   “No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.”
   Para as situações que poderão ter relevância no presente caso, só o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.
   Para além de não constar dos factos provados, a conduta de colaboração do recorrente está longe de produzir este resultado, que parece consistir em simples elementos de contactos. Naturalmente a sua pena não pode ser atenuada com a aplicação do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
   
   Mesmo em face da disposição geral de atenuação especial da pena prevista no art.º 66.º do CP, esta atitude de colaboração e o arrependimento também não têm a virtualidade de accionar este mecanismo atenuativo, pois ambos os factores têm valor reduzido no quadro do transporte de heroína praticado pelo recorrente.
   Considerando os factos provados no presente processo, nomeadamente a quantidade líquida de 273,58g de heroína, transportada pelo recorrente escondendo no seu sapato, a confissão e o arrependimento, e a premente necessidade de prevenção geral e especial, para o crime de tráfico de drogas não são desproporcionadas as penas encontradas pelas instâncias de 10 anos de prisão e 10,000 patacas de multa segundo a lei antiga (art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M) e 9 anos de prisão ao abrigo do art.º 8.º, n .º 1 da actual Lei n.º 17/2009. Da sua comparação resulta que é mais favorável ao recorrente a lei nova.
   Por ser manifestamente improcedente, o presente recurso deve ser rejeitado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 3 UC e os honorários de 1000 patacas à sua defensora nomeada.
   
   Aos 21 de Julho de 2010


Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 34 / 2010 1