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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau


Conflito de competência
N.º 32 / 2010

Requerente: Ministério Público








   1. Relatório
   Convidado pelo Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Segunda Instância, O Ministério Público junto desse Tribunal requereu a resolução do conflito suscitado entre os Exmos. Juízes Dr.°s A e B, por este se recusar a intervir como juiz-adjunto em substituição daquele em consequência da declaração de impedimento feita pelo primeiro, nos autos de recurso civil e laboral n.° 322/2010.
   Nos referidos autos, o Exmo. Juiz Dr.° A declarou-se impedido de intervir no julgamento do recurso por a recorrente ser irmã do marido da irmã da sua esposa, tendo em conta a relação de proximidade de afins e sobretudo tendo o juiz declarante sido perguntado, quer pelo irmão da recorrente, quer pela própria recorrente, sobre o caso e dado explicações do regime jurídico e a resolução para o acidente de trabalho em causa, sentindo incomodado na consciência de intervir no processo. Assim declarado em vez de pedir escusa por considerar que é mais forte a razão de impedimento e em nome do princípio de economia processual.
   O Exmo. Juiz Dr.° B, a quem cabe substituir segundo a regra de substituição, entende que a questão de competência do tribunal é de conhecimento oficioso enquanto não há decisão final com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, e declarou incompetente em intervir no julgamento como juiz-adjunto por considerar que a situação invocada por outro juiz não se enquadrar na al. b) do n.° 1 do art.° 311 do CPC, e o facto de ter sido consultado sobre o regime jurídico da causa não cabe nem na al. e) nem na al. c), ambas do mesmo n.° 1 do art.° 311.° do CPC, e que é ilegal a referida declaração de impedimento.
   
   Em resposta, o Exmo. Juiz Dr.° B reiterou a sua posição no anterior despacho e considera que a sua intervenção no recurso depende da validade legal da fundamentação invocada na declaração de impedimento.
   
   Em parecer, o Ministério Público junto ao Tribunal de Última Instância entende que era vedado ao juiz substituto recusar a substituição por julgar infundado o impedimento invocado, pois não cabia na sua jurisdição o poder de ajuizar da bondade desse impedimento, concluindo que se deve decidir pela intervenção no processo do Exmo. Juiz Dr.° B.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   Trata-se de um caso atípico de conflito negativo de competência entre juiz do mesmo tribunal.
   O Tribunal de Última Instância já decidiu um caso idêntico no processo n.° 4/2002 através do acórdão proferido em 10 de Abril de 20021, cuja posição entendemos que deve ser mantida.
   
   Segundo a posição assumida naquele acórdão, a divergência entre juízes do Tribunal de Segunda Instância acerca de quem deve intervir como juiz-adjunto em julgamento de recurso é considerada como conflito de competência, a resolver no respectivo processo e pelo Tribunal de Última Instância.
   
   Estamos perante dois despachos dos juízes do Tribunal de Segunda Instância, um de declaração de impedimento e outro de recusar a substituição por considerar ilegal tal declaração.
   Como ambos são actos jurisdicionais, só podem ser impugnados, em regra, por meio de recurso judicial, dirigido a um tribunal de hierarquia superior.
   Ou seja, salvo nas vias de recurso ou noutros poucos casos reclamação legalmente previstos, um juiz não pode sindicar acto de outro juiz, invalidando o seu efeito, seja qual for a legalidade deste acto, mesmo com a invocação de interesse público ou um princípio de direito.
   Pois este será o afloramento do princípio da obrigatoriedade da decisão judicial, fundamental do nosso sistema judiciário e até do próprio Estado de Direito, e ninguém pode ficar dispensado do seu cumprimento, seja um cidadão comum, seja um magistrado.
   
   Com legitimidade para recorrer duma decisão judicial são as partes que ficam vencidas ou as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão (art.º 585.º do CPC) e o Ministério Público nos casos legalmente previstos, mesmo sem ser parte do processo.
   Assim, o juiz nunca pode suscitar, por sua própria iniciativa, o meio de impugnação de uma decisão judicial.
   Naturalmente, a eventual ilegalidade da declaração do impedimento em causa pode relevar em sede disciplinar ou na classificação de serviço através da inspecção.
   Daí que o Exmo. Juiz Dr.° B não pode recusar a substituição com fundamento na ilegalidade da declaração do impedimento de outro juiz.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em determinar que o Exmo. Juiz Dr.° B intervenha nos autos de recurso civil e laboral n.º 322/2010 como juiz-adjunto.
   Sem custas.
   
   
   Aos 26 de Julho de 2010




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2002, p. 558 e ss.
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Processo n.º 32 / 2010 5