(TRADUÇÃO)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
Recurso jurisdicional em matéria penal
Processo n.º 44/2010
Recorrente: A
1. Relatório
A e o outro réu B foram julgados no processo penal comum colectivo n.º CR3-08-0161-PCC do Tribunal Judicial de Base. Por acórdão da primeira instância, proferido em 17 de Junho de 2009, o segundo réu foi absolvido do crime, enquanto a ré A foi condenada pela prática de:
- um crime de tráfico de droga p. e p. pelo artigo 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 9 anos de prisão e 20.000 patacas de multa, ou em alternativa, 132 dias de prisão;
- um crime de detenção indevida de utensilagem de droga p. e p. pelo artigo 12º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 9 anos e 3 meses de prisão e 20.000 patacas de multa, ou em alternativa, 132 dias de prisão.
A ré A recorreu deste acórdão para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão de 22 de Outubro de 2009, no âmbito do processo n.º 618/2009, pelo mesmo tribunal foi dado provimento ao recurso e ordenada a remessa do processo ao Tribunal Judicial de Base com vista à reapreciação de todos os objectos do caso.
Constituído de novo o tribunal colectivo e julgado o caso, o Tribunal Judicial de Base proferiu um novo acórdão em 24 de Março de 2010, condenando a ré A pela prática de:
- um crime de tráfico ilícito de droga p. e p. pelo artigo 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 6 anos de prisão, que se mostra mais favorável à ré;
- um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento de droga p. e p. pelo artigo 15 da Lei n.º 17/2009, na pena de 45 dias de prisão;
- um crime de consumo de droga p. e p. pelo artigo 23º, al. a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 45 dias de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 6 anos e 1 mês de prisão.
A ré A recorreu novamente desta decisão condenatória para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão proferido no processo n.º 396/2010 em 22 de Julho de 2010, foi julgado improcedente o recurso e mantido o acórdão recorrido.
Agora vem a ré A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
- Com base na interpretação do Dr. Manuel Leal-Henriques sobre o artigo 199º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal: no caso de ser revogado no recurso o acórdão da primeira instância, entende-se que o mesmo nunca existiu e o processo recua à fase anterior; assim sendo, procede-se à libertação do arguido se este tivesse estado em regime de prisão preventiva, desde o início da medida, por mais de 18 meses.
- Pedindo, nos termos do artigo 199º, n.º 1 al. c), conjugado com o n.º 2 do mesmo artigo do CPP, que seja declarada a extinção da medida de prisão preventiva imposta à recorrente por ter decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva; ou, nos termos do artigo 196º, n.º 3 do CPP, que seja substituída a medida de prisão preventiva por outra mais leve, de tal modo a que a recorrente possa aguardar o resultado deste recurso na situação de não privativa da liberdade.
- Na confirmação de que a agente deteve droga com o objectivo do seu consumo próprio e de fornecer simultaneamente a terceiro, deve o Tribunal apurar qual a sua quantidade de auto-consumo e de fornecimento a terceiro, sob pena de violar os princípios de legalidade e de presunção de inocência;
- Mesmo que esteja confirmado que uma parte de droga detida pela recorrente se destina ao seu consumo próprio e a outra parte ao fornecimento a outrem, o Tribunal a quo também tem que apurar qual a quantidade destinada ao seu consumo próprio e qual destinada a outros. Contudo, o Tribunal a quo, em vez de apurar os factos, limitou-se a afirmar que uma metade se destinava ao seu consumo próprio e uma outra ao fornecimento a outrem, sendo certo que violou os princípios do inquisitório, de legalidade e de presunção de inocência.
- O acórdão do tribunal a quo padece de vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
- Também não ficou provado indubitavelmente que o objectivo da aquisição de droga por parte da recorrente consistisse em fornecer a outros. Nos termos do princípio in dubio pro reo, o tribunal recorrido deve absolver a recorrente dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 que lhe era imputado; ou, com base no artigo 418º, n.º 1 do CPP, proceder à remessa dos autos e à reapreciação no sentido de apurar a finalidade da aquisição de droga, ou seja, se é verdadeiro ou não que uma metade de droga se destina ao seu consumo próprio e a outra a outrem.
- Não consta também do acórdão recorrido o disposto no artigo 355º do CPP, sobretudo no n.º 2, tendo-se limitado ao seguinte: “… Entre os factos confirmados pelo tribunal a quo, não existe qualquer lacuna que cause à impossibilidade de aplicação da lei. Uma “metade” já é uma metade mesma, sendo um conceito definível. Portanto é insustentável tomar como fundamento o tal vício alegado pela recorrente da insuficiência de facto para a decisão…” Isto é, o acórdão não explicou com que fundamento foi feito o mesmo.
- Assim, o acórdão recorrido deve ser revogado por violar, para além dos princípios do inquisitório, de legalidade e de presunção de inocência do CPP, ainda o disposto nos artigos 400º, n.º 2, al. a), 418º, n.º 1 e 355º, n.º 2 do CPP.
- De nenhuma maneira, não está provado que a recorrente tenha vendido ou fornecido estupefacientes a outros, ou tenha aproveitado a oportunidade para fornecer droga a outrem, e sendo assim, como podia o tribunal recorrido dizer que isso não significava que o tribunal não pudesse provar que a detenção de droga por parte da recorrente destinasse-se a vender ou ceder a outrem?
- O acórdão a quo padece de vício da contradição insanável da fundamentação.
- Uma vez que não ficou provado o facto constante da Acusação de a recorrente ter fornecido droga a outrem, o tribunal a quo simplesmente presumiu que dos estupefacientes encontrados na posse da recorrente uma metade destinava-se ao seu consumo próprio e uma outra ao fornecimento a outrem, evidentemente, essa parte dada por provada pelo tribunal a quo não é fundamentada, nem corresponde à lógica e também contra as regras da experiência comum.
- No que diz respeito à determinação de pena, sintetizados os depoimentos prestados pelas testemunhas da defesa C, D, E e, F, técnica social do Estabelecimento Prisional de Macau que não tem nenhum relacionamento com a recorrente, bem como o relatório social (fls. 391 a 395), o relatório médico (fls. 539 a 541), a prova de lesões emocionais (fls. 535 a 538 e 542) e o registo do 1.º classificado obtido no Concurso de Desenho de Cartão de Natal do EPM e o registo de notas obtidas na formação literária (fls. 556 a 557), ficou provado que a recorrente, antes de ser presa, era uma toxicodependente de grau elevado, e depois mostrou grande arrependimento na prisão, emendou-se e tem mantido um bom comportamento num longo período.
- Quanto à culpa e à prevenção criminal, das informações acima referidas resultou que são manifestamente atenuantes a culpabilidade e as exigências de prevenção contra a recorrente.
- Quer o acórdão a quo quer o acórdão recorrido não levaram isso em conta nem deram fundamentação, violaram evidentemente o artigo 65º e 66º, al. c) e d) do Código Penal; o acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância deve ser revogado por violar também o disposto no artigo 355º, n.º 2 do CPP.
Pedindo que seja julgada improcedente a acusação contra a recorrente pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes p. e p. pelo artigo 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, ou revogado o acórdão recorrido e atenuada especialmente a pena da recorrente e concedida a suspensão da execução.
O digno Ministério Público entende na resposta que o recurso em apreço é manifestamente improcedente e deve, consequentemente, ser rejeitado.
No presente grau de jurisdição, o digno Ministério Público deduziu principalmente no parecer o seguinte:
- No presente caso, o que está em causa como confirmar a quantidade de estupefacientes envolvidos no tráfico.
- Conforme a experiência, no caso de detenção de droga que se implica em consumo e venda, é bastante difícil averiguar a quantidade de consumo e a de venda, uma vez que nesse caso, o arguido sempre, aproveitando oportunidade, agiu com dolo geral, salvo o caso de haver prova bastante, é quase impossível apurar a quantidade concreta de consumo e a de venda. Pelo contrário, será objectivo e viável dar por provado geralmente o facto (a quantidade).
- O Ministério Público entende que, em termos do presente caso, a prova produzida na audiência de julgamento já é capaz de suportar uma conclusão geral, mas carece de fundamento, o facto ou conclusão reconhecido pelo acórdão recorrido de ter uma metade servido de fornecimento e a outra metade de consumo.
- Analisadas todas as informações constantes dos autos, o Ministério Público entende que não há prova de que, entre a droga detida pela recorrente, “uma metade (uma quantidade tão precisa) destine-se a fornecer a outrem”. Assim sendo, carece de prova aceitar a quantidade de tráfico de droga como uma metade (um meio) e, resultando disso, determinar a pena.
- Em conformidade com todas as provas, é de confirmar, mais objectivamente, que os estupefacientes foram fornecidos por uma quantidade aproximada, não sendo um número preciso, mas sim um facto objectivo.
- Entende-se que procede a alegação da recorrente, da existência de erro notório na apreciação de prova no acórdão recorrido, devendo ser revogado o acórdão recorrido e reenviado o processo para novo julgamento de forma a apurar a quantidade dos estupefacientes envolvida no tráfico.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamento
(1) Os factos
O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância decidiram, no que diz respeito aos factos, o seguinte:
“Factos provados:
No dia 8 de Setembro de 2007, cerca das 18h00, a arguida A deslocou-se a Zhuhai.
No mesmo dia, cerca das 22h30, guardas do Corpo da Polícia de Segurança Pública interceptaram a arguida A, que acabou de chegar de Zhuhai a Macau, na paragem de autocarros junto das Portas do Cerco, tendo-a levado ao CPSP para investigação.
Os guardas encontraram nas cuecas da arguida A um saco de pó branco e dois sacos plásticos transparentes.
Após feito o exame laboratorial, verificou-se que os pós brancos acima referidos continham Ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido total de 77,207 gramas (de acordo com a análise quantitativa, os pós contêm Ketamina de 89,80%, com peso líquido de 69,332 gramas).
Os supracitados estupefacientes foram adquiridos em Zhuhai pela arguida A, mais cedo no mesmo dia, junto dum indivíduo de identidade desconhecida, que se destinavam, em metade, ao seu consumo próprio e, de resto, a serem fornecidos às outras pessoas para consumo.
Em seguida, levada a arguida A, os guardas do CPSP deslocaram-se à residência dela situada no [Endereço] para investigação.
Naquela altura, o arguido B, irmão mais novo da arguida A, e três amigos estavam a divertir-se na fracção referida.
Foram encontradas pelos guardas do CPSP no quarto da arguida A, uma bandeja de vidro em cima do toucador; um frasco plástico com palhinhas em cima da mesa para refeições na sala de estar; e duas mil patacas em cima da mesa de computador noutro quarto.
Após exame laboratorial, verificou-se que a bandeja de vidro e as palhinhas referidas continham vestígio de Ketamina, substância abrangida pela Tabela II-C, do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
A bandeja de vidro e as palhinhas acima referidas eram utensílios detidos pela arguida A para consumir os estupefacientes.
As duas mil patacas acima referidas pertencem ao arguido B.
O objectivo de compra dos estupefacientes supracitados por parte da arguida consiste em consumir uma metade por ela própria e aproveitar a oportunidade para fornecer às outras pessoas.
A arguida A, com dolo, agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
A arguida A conhecia bem a natureza e as características dos estupefacientes acima referidos.
A arguida sabia bem que as condutas acima referidas não eram permitidas por lei.
A arguida sabia perfeitamente que as condutas acima referidas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
A arguida mantinha silêncio na audiência de julgamento aos factos imputados.
A arguida é primária.
A arguida era, antes de ser detida, croupier, auferindo mensalmente 15.000 patacas, não tem ninguém a seu cargo, e tem como a sua habilitação literária o 2º ano do ensino secundário.
Factos não provados:
Os restantes factos relevantes constantes da acusação que não correspondem aos factos provados, sobretudo os seguintes:
Aproximadamente a partir de Agosto de 2007, a arguida A começou a levar estupefacientes (principalmente Ketamina) do Interior da China para Macau.
A aquisição de droga do Interior da China por parte da arguida A tinha como finalidade vender a outrem (incluindo o arguido B) e consumir por si própria uma parte, bem como fornecer em casa ao G, seu irmão mais novo, H, I e ao arguido B para consumo.
No dia 8 de Setembro de 2007, cerca das 18h00,o arguido B telefonou à arguida A, pedindo-lhe que comprasse por ele Ketamina no valor de duas mil patacas (cerca de 14 gramas).
No dia 8 de Setembro de 2007, cerca das 18h00, a arguida A deslocou-se a Zhuhai com objectivo de comprar Ketamina.
Entre os estupefacientes adquiridos pela arguida A, cerca de 14 gramas a arguida pretendia vender ao arguido B pelo preço de duas mil patacas, e a outra parte destinava-se a seu consumo próprio e ao fornecimento a outrem para consumir.
Naquela altura, o arguido B estava a esperar na aludida fracção a arguida A para receber os estupefacientes adquiridos por esta.
As supracitadas duas mil patacas pertencentes ao arguido B eram a quantia que este pretendia pagar à arguida A pelos estupefacientes.
O arguido B adquiria estupefacientes da arguida A com objectivo de consumir uma pequena parte por ele próprio e aproveitar a oportunidade para fornecer a maioria da droga a outrem, no entanto, como a arguida tinha sido detida pela polícia, o arguido B não recebeu os 14 gramas de Ketamina aludidos.”
(2) Vício da insuficiência dos factos provados para a decisão e violação do artigo 355º do CPP
Alegou a recorrente que mesmo que o Tribunal a quo tenha confirmado que uma parte de droga detida pela recorrente se destinava ao seu consumo próprio e a outra parte a outrem, o tribunal a quo tem que apurar qual a quantidade destina-se ao seu consumo própria e qual a quantidade a outrem, contudo, em vez de apurar os factos, o tribunal a quo limitou-se a afirmar que uma metade destinava-se ao consumo próprio da arguida e a outra a outrem, sendo certo que violou os princípios do inquisitório, de legalidade e de presunção de inocência.
Ao mesmo tempo, também não conseguiu provar indubitavelmente que a finalidade de aquisição de droga por parte da recorrente destinasse-se a fornecer a outros, pelo que, pediu que fosse julgada improcedente a acusação contra a recorrente pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, ou reenviado processo para novo julgamento de forma a apurar a finalidade da aquisição de droga, ou seja, se é verdadeiro ou não que pretendia consumir uma metade dos estupefacientes e aproveitar a oportunidade para fornecer a outra metade para outros.
É certo que deve o tribunal tentar apurar os tipos e quantidades dos estupefacientes que respectivamente se destinavam e não se destinavam ao consumo próprio do agente, a fim de determinar se um traficante de estupefacientes que os consuma ao mesmo tempo cometesse um crime de tráfico ilícito de estupefacientes de maior gravidade, previsto pelo artigo 8º da Lei n.º 17/2009 (ou um crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo artigo 8º do Decreto-Lei n.º 5/91/M), ou um crime de tráfico ilícito de estupefacientes de menor gravidade, previsto pelo artigo 11º da mesma Lei (ou um crime de tráfico de quantidades diminutas previsto pelo artigo 9º do Decreto-Lei n.º 5/91/M).
O tribunal colectivo do Tribunal Judicial de Base já tomou em consideração, ao julgar o presente caso, as questões acima referidas e fez juízo do facto. Indicou-se na fundamentação do julgamento de factos no acórdão de 1º julgamento: “O presente tribunal colectivo, após ter feito sintetizada e objectivamente uma análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, em conjugação com as provas de documento, de apreensão e demais outras provas, o tribunal colectivo considera como provado que os estupefacientes detidos pela arguida A não destinavam todos ao seu consumo próprio, dos quais uma metade seria fornecida aos outros, a conduta dela constitui a detenção ilícita de droga.”
Ou seja, consta dos factos dados como provados que entre os estupefacientes Ketamina, com peso líquido de 69,332 gramas, detidos pela recorrente, uma metade (equivalente a 34,666 gramas) destinava ao seu consumo próprio e a outra metade a ser fornecida a terceiros.
Os estupefacientes Ketamina, que a recorrente pretendia fornecer a terceiros, com peso equivalente a 34,666 gramas, superam de forma exponencial o limite de três gramas fixado no crime de tráfico ilícito de menor gravidade previsto pelo artigo 11º da Lei n.º 17/2009 (ou o limite de 1 grama, fixado pela decisão judicial nos termos do crime de tráfico de quantidades diminutas previsto pelo artigo 9º do antigo Decreto-Lei n.º 5/91/M), a sua conduta da recorrente deve ser totalmente qualificada como crime de tráfico ilícito, previsto pelo artigo 8º da Lei n.º 17/2009 (ou crime de tráfico de droga previsto pelo artigo 8º do Decreto-Lei n.º 5/91/M), pelo que, não existe o tal vício da insuficiência para a decisão de factos dados como provados.
Mais alegou a recorrente que o Tribunal de Segunda Instância não indicou o fundamento de ter julgado improcedente a sua motivação, assim, violou o disposto no artigo 355º, n.º 2 do CPP.
Mas isso não corresponde à verdade. No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância manifestou explicitamente o poder exercido pelo tribunal a quo e sua natureza no juízo dos respectivos factos, o sentido da “metade” já é um conceito definível, e o valor da posição tomada pela recorrente no processo.
Pelo exposto, não carece de fundamentação no acórdão recorrido.
(3) Contradição insanável da fundamentação
Entende a recorrente que existe uma incompatibilidade não superável entre os factos dados como provados e os não provados: O tribunal a quo afirmou que, por um lado, o objectivo da aquisição de droga, por parte da recorrente, consiste em consumir uma metade desta e aproveitar a oportunidade para fornecer a outra metade aos outros, e por outro lado, não deu por provado que a recorrente adquiriu os estupefacientes com o fim da venda aos outros, consumo por ela própria e também fornecimento a seu irmão mais novo entre outras pessoas para consumo, nem que 14 gramas destes estupefacientes seriam vendidos ao B e os restantes reservados para o seu consumo próprio e o fornecimento às outras pessoas.
Na acusação principalmente foi imputado à recorrente o facto de ter adquirido estupefacientes de Zhuhai para o fim do seu consumo próprio e ao mesmo tempo de fornecimento a outrem, o qual se expôs nos seguintes factos de acusação:
“A aquisição de droga do Interior da China por parte da arguida A tinha como finalidade vender a outrem (incluindo o arguido B) e consumir por si própria uma parte, bem como fornecer em casa ao G, seu irmão mais novo, H, I e ao arguido B para consumo.”
“No dia 8 de Setembro de 2007, cerca das 18h00, o arguido B telefonou à arguida A, pedindo-lhe que comprasse por ele Ketamina no valor de duas mil patacas (cerca de 14 gramas).”
“Os supracitados estupefacientes foram adquiridos em Zhuhai pela arguida A, mais cedo no mesmo dia, junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com o fim de serem vendidos ao arguido B pelo preço de duas mil patacas, entre os estupefacientes cerca de 14 gramas e a outra parte destinava-se a seu consumo próprio e ao fornecimento a outrem para consumir.”
Após realizada audiência de julgamento, deu como provado o tribunal a quo o seguinte:
“Os supracitados estupefacientes foram adquiridos em Zhuhai pela arguida A, mais cedo no mesmo dia, junto dum indivíduo de identidade desconhecida, que se destinavam, em metade, ao seu consumo próprio e, de resto, a serem fornecidos às outras pessoas para consumo.”
Os restantes factos relevantes constantes da acusação que não correspondem aos factos provados, sobretudo os seguintes:
“A aquisição de droga do Interior da China por parte da arguida A tinha como finalidade vender a outrem (incluindo o arguido B) e consumir por si própria uma parte, bem como fornecer em casa ao G, seu irmão mais novo, H, I e ao arguido B para consumo.”
Isto é, não foram provadas as partes respeitantes à venda dos estupefacientes adquiridos pela arguida A do Interior da China, ao arguido B (ora arguido nos autos) e ao fornecimento em casa aos quatro pessoas incluindo G para consumo, mas sim somente que a recorrente pretendia reservar uma metade para o seu consumo próprio e fornecer a outra metade a terceiros.
Não vejamos a existência de qualquer contradição ou incompatibilidade entre os factos dados como provados e os não provados, dado que esses factos podem reflectir de forma clara o teor e a diferença entre os factos imputados e os factos apurados após a audiência de julgamento.
Outrossim, não constituem requisitos do tipo de crime de tráfico de droga o objecto concreto do tráfico, a quantidade, o tempo e o lugar, portanto, não obsta a decisão contra a recorrente pela prática do crime de tráfico ilícito mesmo não sendo provados a venda da recorrente ao outro réu e o fornecimento em casa aos quatro pessoas incluindo o seu irmão mais novo para consumo.
Na realidade, nos termos do disposto no artigo 8º da Lei n.º 17/2009, mesmo se detenha droga fora do caso de consumo previsto no artigo 14.º, constitui-se o crime de tráfico ilícito.
(4) Erro notório na apreciação da prova
A recorrente, tendo analisado os depoimentos prestados por várias testemunhas sobretudo testemunhas de defesa, alegou que não foi provada a acusação, constante da acusação, de fornecimento pela recorrente a outros, o tribunal a quo simplesmente presumiu que entre os estupefacientes encontrados na posse da recorrente uma metade destinava-se ao seu consumo próprio e a outra a outrem, conclusão essa evidentemente não é fundamentada, não corresponde à lógica e também contra as regras da experiência comum.
Entende-se sempre em jurisprudência que o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, ou se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que passa despercebido ao comum dos observadores.
Resultando do fundamento do julgamento de factos na 1ª instância, que o tribunal colectivo, após ter feito sintetizada e objectivamente uma análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, em conjugação com as provas examinadas na audiência de julgamento, tais como as de documentos, de apreensão e de outras provas, fez a decisão de dar como provados ou não provados alguns factos.
Não se verificou qualquer erro notório na apreciação da prova.
Nos termos do artigo 114º, o juiz aprecia a prova segundo as regras da experiência e a livre convicção.
O que a recorrente alega é o entendimento e arbítrio respeitantes à prova no seu próprio ponto de vista e as dúvidas de facto que ela considera ainda existentes, entretanto, somente com isso, não se pode questionar a convicção livre feita em termos da prova pelo tribunal ou acusá-lo de cometer erros na apreciação de prova.
(5) Medida da pena
No que diz respeito à determinação de pena, a recorrente entende que segundo as testemunhas da defesa, o relatório social, o relatório médico e o registo de resultado da formação literária emitido pelo EPM, é provado que a recorrente, antes de ser presa, era uma toxicodependente de grau elevado, e depois mostrou grande arrependimento na prisão e se emendou, tendo mantido um bom comportamento num longo período, e pelo que, são manifestamente atenuantes a culpabilidade e as exigências de prevenção contra a recorrente, e assim pediu a atenuação especial da pena e a suspensão de execução da pena previstas no artigo 66º, al. c) e d) do Código Penal.
Nos termos dos dispositivos acima referidos, para o efeito de atenuação especial da pena são circunstâncias tomadas em consideração ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Todavia, o caso da recorrente não satisfaz os requisitos da atenuação especial da pena.
Relativamente às condutas de tráfico de droga, não faz muito sentido na atenuação especial da pena, o arrependimento mostrado depois da prática do crime, e por outro lado, a ocorrência do respectivo facto criminoso não passou muito tempo.
O acórdão recorrido justificou explicitamente essa posição.
Nos termos da Lei n.º 17/2009 que se mostra mais favorável à recorrente, pela prática do crime de tráfico ilícito de droga, a recorrente pode ser punido na pena de 3 a 15 anos de prisão.
Ponderando todas as circunstâncias da prática de tráfico de droga por parte da recorrente, incluindo a natureza e a quantidade dos estupefacientes, a situação pessoal e a necessidade urgente da prevenção geral e especial deste tipo do crime, é adequada a fixação de 6 anos de prisão pelo tribunal a quo.
Sendo a pena superior a 3 anos de prisão, não está reunida a condição de aplicar a suspensão da execução da pena prevista no artigo 48º, n.º 1 da CP.
(6) Pedido da extinção ou substituição da medida de prisão preventiva
No presente recurso, a recorrente alegou, antes de mais, a questão respeitante à medida de prisão preventiva aplicada a ela, entendendo que após ser anulado pelo Tribunal de Segunda Instância o acórdão da 1ª instância proferido pelo Tribunal Judicial de Base em 17 de Junho de 2009, até ao dia 24 de Março de 2010, foi então feito o novo julgamento, contudo, nos termos do disposto no artigo 199º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, o prazo máximo de prisão preventiva é de 2 anos sem que tenha havido sentença condenatória em 1ª instância, nesse período, não foi feita decisão efectiva em 1ª instância e extinguiu-se o prazo máximo de duração da prisão preventiva aplicada à recorrente, e assim, deve-se declarar a extinção da respectiva medida de coação. Mais alegou a situação pessoal e factores em processo, com os quais explicou a atenuação proporcional das exigências de prevenção que determinam a medida de prisão preventiva, pedindo que seja substituída esta com outra medida mais leve ao abrigo do art.º 196º, n.º 3 do CPP, a fim de aguardar o resultado do presente recurso.
Conforme o resultado da apreciação sobre a motivação do presente recurso, serão mantidas a incriminação contra a recorrente e a decisão condenatória, isto é, será executada definitivamente a respectiva pena depois da entrada em vigor do presente acórdão. Nos termos do disposto no artigo 198º, n.º 1, al. d), transitada em julgado a decisão condenatória, consequentemente anulando-se a medida de coação e começa a fase da execução da decisão.
Pelo exposto, no âmbito de processo penal, não faz sentido julgar se deve ou não manter a medida de coação na apreciação do acórdão dum recurso em processo penal da última instância.
Dado que evidentemente não procede a motivação do recurso, devendo o presente recurso ser rejeitado.
3. Dispositivo
Face aos expostos, acordam em rejeitar o recurso.
Condena a recorrente no pagamento da quantia em 4UC nos termos do artigo 410º, n.º 4 do CPP.
E custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UC.
Aos 16 de Agosto de 2010
Os juízes:Chu Kin
Sam Hou Fai
Ip Sio Fan
Processo n.º 44/2010 19